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Programa Associado de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade Federal do Ceará e Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira.
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Programa Associado de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade Federal do Ceará e Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira.
que aparecem no discurso sobre o colonialismo permeou disciplinas bem diferentes, como
nos lembra Césarie (2020: 46-47):
De Gourou2, no seu livro: Les Pays tropicaux (Os países tropicais), no qual (...)
expressa sua tese (...) de que nunca houve uma grande civilização tropical, só houve grande
civilização no clima temperado (...)
O reverendo Tempels3, missionário e belga, com sua Filosofia bantu mefítica (...)
descoberta em tempo hábil, (...) para atacar o “materialismo comunista”, que ameaça, ao
que parece, fazer dos negros “vagabundos morais”.
Historiadores ou romancistas da civilização (...) seu racismo furtivo, sua paixão cruel
ao negar às raças não brancas, singularmente às raças melanianas, (...) sua monomania para
monopolizar em benefício próprio toda a glória.
Os psicólogos, sociólogos, etc., com suas opiniões sobre o “primitivismo”, suas
investigações direcionadas, suas generalizações interesseiras (...) no caráter (...) “separado”
dos não brancos (...) (Césarie 2020: 46-47)
Nas universidades, a História considerada clássica é aquela erga omnes, que todos
devem conhecer. Essa, a chamada História Geral, ocupa-se do estudo da Grécia Antiga,
Idade Média, Grandes Navegações; Revoluções: Industrial e Francesa; Iluminismo, dentre
outras etecéteras europeias. Os registros considerados importantes pela história “oficial”,
referem-se a eventos ocorridos na Europa ou conduzidos por países europeus. As narrativas
corroboram a ideia de que apenas civilizações avançadas produzem história e,
complementarmente, uma história “verdadeira”, capaz de representar toda a coletividade
humana.
O filósofo alemão George Friedrich Hegel (1770-1831), importante intelectual que
refletiu sobre a Filosofia da História, descreve os fundamentos do espírito e da história
“universal”:
O espírito universal não morre simplesmente de morte natural (...). Enquanto é um espírito
nacional, é parte da história universal, (...) e tem uma consciência de si mesmo. Ele é parte
da história do mundo enquanto houver em seus elementos fundamentais, seu objetivo
essencial, um princípio universal (...) se são os simples desejos que impelem os povos à
ação, essas ações passarão sem deixar traços, ou melhor, seus traços são apenas a corrupção
e a ruína (Hegel 2001: 127)
A Antropologia foi uma disciplina criada com o objetivo de estudar as diversas culturas
humanas do mundo. O contato do europeu com os povos ditos primitivos promoveu uma
classificação sistemática destes que, segundo os parâmetros da época, foram considerados
“não-civilizados”.
O contato com os povos indígenas da América, África, Ásia e Oceania se deu por todo
longo século XVI9 com as invasões coloniais tendo continuidade nos séculos XVII, XVIII,
XIX e XX, sobretudo pela presença europeia em África, que resultou escravização e
dominação colonial do continente. Esses eventos foram combustível para o desenvolvimento
da Antropologia que, ao buscar entender o pensamento “nativo” e analisar sua perspectiva,
aceitava o desafio da colonização e, no final do século XIX, estava intimamente ligada ao
colonialismo.
Na colonização ocorreu o contato com o “exótico” e desse contato o saber antropológico
disciplinar emergiu. Mais à frente veremos como o colonialismo enquanto ideologia
contribuiu para uma perspectiva etnocêntrica na Antropologia, e como isso enviesou o olhar
sobre o “Outro” primitivo e/ou selvagem.
Algumas das linhagens teóricas fundamentais da Antropologia: evolucionismo,
funcionalismo10, antropologia social e culturalismo 11, compartilham entre si naturezas
ontológicas semelhantes. Primeiro, todas são consideradas clássicas em termos teóricos e
baseiam-se na ideia de superioridade dos europeus inicialmente e depois dos norte-
americanos. Segundo, essas linhagens podem ser vistas como fruto de uma demanda da
colonização: elaborar justificativa para as diferenças humanas articulando-as à dominação.
Uma relação dialética: colonização cria classificação que, por sua vez, sofistica a dominação.
O evolucionismo cultural foi uma das primeiras tradições teóricas em Antropologia.
Emergiu no final do século XIX e teve como objeto de estudos os estágios evolutivos das
sociedades. Essa linhagem é representada por Lewis H. Morgan (1818-1881), Edward B.
Tylor (1832-1917) e James G. Frazer (1854-1941), que tiveram forte influência de Herbert
Spencer.
Para Spencer o evolucionismo é uma dinâmica universal de diferenciação do simples
para o complexo que pode ser verificado em todas as ocorrências, as quais somos capazes de
conceber racionalmente e indutivamente. Esse é o princípio do evolucionismo enquanto
conceito geral.
Morgan, Tylor e Frazer, foram precursores em utilizar essa perspectiva para interpretar as
culturas. Seus trabalhos basearam-se na ideia de que cada sociedade produz sua cultura a
partir das condições históricas e de desenvolvimento social de cada povo. As sociedades
evoluem, portanto, a partir dessas condições.
O evolucionismo considera a existência de sociedades “selvagens” e “bárbaras”,
respectivamente sem e com pouca evolução cultural. Elas podem avançar, tornando-se
“civilizadas”, pelo progresso social. Pensar cultura nesses termos significa acreditar que
existem culturas superiores e outras, inferiores.
Nesta perspectiva, o evolucionismo cultural constituiu-se como um conjunto de
percepções e teorias que produziu a classificação do ethos cultural dos povos postos em
contato com a colonização. Essa perspectiva permitiu a classificação do avanço das
sociedades, auxiliando os mecanismos coercitivos da colonização.
No sistema colonialista a teoria do evolucionismo cultural produziu efeitos em dois
sentidos. Primeiro porque forneceu informações para o aprimoramento da dominação.
Segundo por ter sido utilizada como ideologia para justificar a dominação, com o pretexto de
civilizar o Outro.
O discurso evolucionista pôde ser utilizado como justificativa para países colonizadores
selecionarem sociedades “primitivas” para submeter-lhes à dominação. A Antropologia foi
utilizada como instrumento para essa seleção, classificando como “selvagens” os povos
originários das colônias e como “civilizados” os colonos.
Com o aprimoramento dos instrumentos de controle colonial, a partir da invasão e
partilha do território africano pós Conferência de Berlim em 1885, novas correntes
antropológicas surgiram e os métodos de investigação das culturas foram sendo sofisticados.
O funcionalismo, ramo da Antropologia que busca explicar os fenômenos humanos em
termos das suas funções, pega empréstimos da biologia e da teoria durkheimiana para
comparar a sociedade a um organismo vivo e cada instituição social com órgãos. Essa
linhagem ficou marcada por trabalhos pioneiros de sociólogos e antropólogos, tais como:
Émile Durkheim (1858-1917) e Marcel Mauss (1872-1950) , representando o funcionalismo
francês; Alfred Radcliffe-Brown (1881-1955) e Bronislaw Malinowski (1884-1942),
representando a antropologia social britânica 12.
Em que pese se tratar de uma linhagem que se opôs ao evolucionismo, o funcionalismo
herdou seus fundamentos, considerando que ambos emergem da e na situação colonial 13.
Durkheim e Mauss, por exemplo, ao analisar tribos australianas, no artigo De quelques
formes primitives de classificaton, interpretam o sistema mental dos “nativos”, revelando-nos
uma abordagem etnocêntrica. Para eles, era a mitologia astronômica de base totêmica, a
única responsável por guiar os aspectos da vida cotidiana dos tribais. A leitura feita por eles
era de que se tratava de um sistema que tinha a magia como fundamento, logo constituía-se
como “primeira etapa de evolução mental que podemos supor ou constatar” (Mauss 2003:
51). Concordamos com Kuper (1978: 143) que os antropólogos funcionalistas não se
desligaram totalmente do seu passado evolucionista.
A noção de civilização é um aspecto que emerge com a teoria funcionalista. Nessa época
o termo civilisation começou a ser utilizado como concepção de uma suposta história
“universal” francesa. Mauss e Durkheim expuseram durante vários anos no Année
Sociologique a concepção de civilisation atrelada a modos específicos de pensar e posturas
mentais.
Durante a monarquia constitucional francesa (1814-1848) a atividade colonial aumentou,
com a invasão da Argélia, coincide o clímax do conceito de civilização. A historiografia
positivista de autores como François Guizot (1787-1874), Hippolyte Taine (1828-1893) e
Jacques Augustin Thierry (1795-1856) ganhou fôlego na crença de que a restauração da
monarquia e a colonização trariam progresso pela civilização dos “selvagens”. De la
civilisation em Europe (1828) e De la civilisation em France (1829) de Guizot, são obras de
presságio dessa crença: “A ideia de progresso, (...), parece ser a ideia fundamental contida na
palavra civilização” (Kuper 2002: 47).
Na antropologia social britânica Radcliffe-Brown (1973: 220), enuncia o conceito de
função baseando-se numa analogia entre a vida social e a vida orgânica, assim como Mauss.
Radcliffe-Brown foi diretamente influenciado pelo positivismo de Durkheim e pela teoria
dos sistemas sociais de Spencer.
A relação de Malinowski com o evolucionismo foi mais intensa. Segundo o próprio, sua
abordagem não se separava do evolucionismo. Manteve-se evolucionista durante toda a
carreira, acreditando que o trabalho intenso de campo (observação participante) e a coleta de
dados vivos (etnografia), iria leva-lo às leis evolucionárias (Kuper 1978: 19).
O funcionalismo francês e a antropologia social britânica permaneceram com a mesma
sanha evolucionista de classificar as sociedades, para compreender aquilo que julgavam ser o
“primitivo”. Ambas não levaram em conta que culturas se desenvolvem num processo
histórico e não se pode aferir a complexidade a partir de referências externas, etnocêntricas,
partem, a priori, da ideia de que o Outro é inferior.
A relação da antropologia social britânica com o colonialismo se deu com a decadência
do evolucionismo e a reivindicação do modelo pela organização interna dos estados
colonizados. É justamente essa reivindicação o ponto de união entre a teoria antropológica e
a colonização. Para se administrar as colônias era necessário manter uma relativa estabilidade
pois, mesmo ocupadas violentamente, elas deveriam servir ao propósito comercial.
Precisava-se de tranquilidade social.
Os administradores coloniais enfrentavam um profundo desconhecimento dos nativos e a
Antropologia poderia oferecer uma melhor compreensão dos sistemas sociais vistos como
“degradados” e “desorganizados”. A ideia era que a Antropologia argumentasse para que o
mundo “mítico”, “feroz” e “irresponsável” dos “selvagens”, pudesse ser transformado em
comunidades estáveis governadas pelo colono (Gaona 1985: 89)14.
A Antropologia injetou nas sociedades colonizadas uma visão particular do seu
funcionamento. Conceituou-as como coerentes e equilibrados a partir de uma tendencia a
ressaltar a solidariedade e a ordem, o que contribuiu para conter algumas lutas por libertação
mesmo diante das fortes contradições do sistema colonial. Por isso, a posição da
Antropologia resulta ambígua.
Raymond Firth (1901-2002) dizia: “o antropólogo e sua ciência se encontram cada vez
mais em perigo de cair nas mãos dos interesses da administração colonial” (Ibid. 91). Firth
foi um dos antropólogos da época que se negou a trabalhar para a colonização.
Assim como a antropologia social britânica, a tradição culturalista também surgiu em
reação ao evolucionismo, mas seguiu rumos distintos. A antropologia social britânica
“movia-se na direção da ciência”, já a antropologia culturalista “movia-se na direção da
história” (Stocking 2004: 34).
Franz Boas (1858-1942), antropólogo alemão radicado nos Estados Unidos, introduziu
na antropologia norte-americana o conceito de cultura com base na distinção entre os termos
kultur, de origem alemã, e civilisation, de origem francesa. O trabalho de Boas foi introduziu
na Antropologia um conceito “moderno” de cultura.
Boas empregava o termo cultura no plural. Referia-se a cultura como um aspecto
característico de determinado povo, mas também como sua existência total. Para ele existem
culturas humanas e cada uma pode ser estudada no âmbito do seu sistema de valores.
A partir da segunda geração boasiana, sob a liderança do polonês radicado nos Estados
Unidos Edward Sapir (1884-1939), e das norte-americanas Margareth Mead (1901-1978) e
Ruth Benedict (1887-1948) foi dado um novo rumo a antropologia culturalista.
Sapir (1949: 309) entendia que a “cultura significa qualquer elemento socialmente
herdado da vida do homem, material e espiritual”. Robert Lowie (1883-1957), polonês
radicado nos Estados Unidos e discípulo de Boas, via de modo semelhante. Após uma série
de palestras com o título Cultura e Etnologia trouxe o argumento central de que a cultura
poderia ser explicada como algo em si e não determinada pela raça ou ambiente. A afirmação
de que a cultura é um sucedâneo universal para outros marcadores ficou conhecida como
relativismo cultural ou culturalismo.
O culturalismo também foi convertido em ideologia e afirma, por exemplo, que raça e
cultura são independentes entre si, sendo a cultura o elemento responsável por tornar as
pessoas o que elas são. Esse argumento foi utilizado na África do Sul como justificativa para
o apartheid (Kuper 2002: 12) e influenciou a obra “Casa Grande & Senzala” do antropólogo
brasileiro Gilberto Freyre (1900-1987).
No caso de Freyre, o relativismo cultural influenciou o conceito de lusotropicalismo, que
relacionava a colonização brasileira à capacidade dos portugueses de povoar o território
tropical utilizando sua cultura (lusitana) como amálgama entre as outras (indígena e
africana), criando uma cultura luso-tropical.
O lusotropicalismo foi utilizado como ideologia e passou a elogiar os feitos da
colonização lusitana. Baseando-se na ideia de que os portugueses possuem uma aptidão
natural para se relacionar com culturas diversas, herdada do convívio com árabes, mouros e
outros povos durante séculos na península ibérica, criou-se o mito de que as colonizações
portuguesas teriam sido mais bem sucedidas que outras. O Brasil foi usado como exemplo.
Essas ideologias influenciaram a interpretação de Freyre sobre a colonização brasileira.
Fez com que atribuísse à cultura lusitana uma certa “benevolência”, em oposição, por
exemplo, à violência praticada nos regimes segregacionistas britânicos nos Estados Unidos e
na África do Sul.
Os anos entre 1920 a 1960 ficaram marcados pelo período de institucionalização da
Antropologia na Europa e nos Estados Unidos e pela consolidação do trabalho etnográfico
inicialmente desenvolvido por Malinowski. As sociedades africanas tiveram um papel central
nesse momento pois eram o alvo preferencial do grupo mais consolidado de antropólogos
que fazia pesquisa de campo: a escola da antropologia social britânica.
Esse grupo se tornou hegemônico nas pesquisas etnográficas primeiro porque a direção
de Malinowski e, depois, a de Radcliffe-Brown, promovia uma capacidade única de agregar
pupilos para trabalhos de campo tal qual idealizaram os filósofos empiristas de longas datas;
segundo, e muito importante, porque eles possuíam vínculos com os “governos indiretos”
britânicos na África (Reinhardt 2014: 333).
Em 1932 a Rockfeller Foundation ofereceu dinheiro ao recém criado Institute of African
Languages and Cultures para executar um projeto que visava reduzir a disparidade entre o
conhecimento antropológico e as políticas coloniais. A Antropologia era considerada “fonte
subutilizada de conhecimentos administrativamente úteis sobre as sociedades africanas”
(Idem ibidem).
Nesse sistema da Rockfeller Foundation a Antropologia funcionaria com papel duplo.
Passaria a absorver os princípios do governo indireto, pelas instituições nativas, e
responderia à preocupação do “desenvolvimento”, justificativa das políticas coloniais
britânicas no pós-guerra (Idem ibidem). Novamente se coloca o papel ambíguo da
Antropologia
O Pós-colonial e o Decolonial
A partir dos anos 1950/60, o discurso desenvolvimentista toma a maior parte dos países
ocidentais. Após a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, impulsiona-se um processo de
ajustes para o progresso mundial.
Com a teoria desenvolvimentista, intelectuais e políticos começaram a perceber sérios
problemas de subdesenvolvimento dos países da Ásia, África e América Latina. O
desenvolvimentismo tornou-se uma potencialidade também para os países do Terceiro
Mundo15.
Nesse período a crítica à colonização centrava-se em enfoques marxistas ou derivados da
teoria de Frantz Fanon. O marxismo dava pouca esperança em termos de mudança do
paradigma pois, para Karl Marx (1818-1883), a colonização era uma condição para
superação do capitalismo. Para Marx, a modernidade e suas contradições abriram uma via
para a emancipação a partir da luta de classes.
A relação entre capitalismo, colonização e luta de classes feita por Marx, inspirou as
guerras de libertação colonial, sobretudo nos países africanos. As lutas anticoloniais
buscavam a descolonização que, para Fanon (1968: 25-6), “é sempre um fenômeno
violento”.
Nos anos 1970 novos instrumentos de análise são construídos e as investigações sobre a
colonização e seus efeitos se aprofundam. Os trabalhos de Michael Foucault 16 (1926-1984)
sobre dinâmicas de poder e sobre as relações entre subjetividade e regimes de verdade
contribuíram para elucidar mecanismos pelos quais a ordem do discurso produz modos
autorizados de ser e pensar, ao mesmo tempo que desqualifica e impossibilita outros
(Escobar 1999: 36).
As abordagens de Foucault, entretanto, desconsideraram a hierarquização dos corpos
políticos e geopolíticos no sistema colonial e que a inversão da ordem do discurso poderia
partir de outro referencial.
Edward Said (1935-2003), Valentin-Yves Mudimbe (1941-), Homi K. Bhabha (1949-) e
Gayatri C. Spivak (1942-) contribuíram para aprofundar criticamente as análises de Foucault,
se debruçando sobre as situações coloniais. Destacamos a reflexão de Spivak (2018: 24) que
percebe a “produção intelectual ocidental como cúmplice dos interesses econômicos
internacionais do Ocidente”. Essa perspectiva abriu para novas formas de pensar acerca das
representações do Terceiro Mundo e do colonialismo.
As marcas históricas deixadas pela colonização nas sociedades envolvidas resultaram em
hierarquias raciais que permanecem, assim como hierarquias do saber e do poder. Esse
processo, que perdura pelo colonialismo, será denominado por alguns autores de
colonialidade17.
A Antropologia não incorporou um debate sobre a colonialidade em suas teorias. Nem
pela teoria do desenvolvimento que deixou de tratar as desigualdades históricas entre
colonizadores e colonizados como elemento crítico.
A colonialidade não se limita a relação de poder entre duas nações, isso é uma das suas
dimensões, a colonialidade do poder. O conceito relaciona-se com o modo pelo qual os
padrões sociais, estéticos, de linguagem, organização do trabalho e das relações
intersubjetivas articulam-se entre si no sistema-mundo moderno, centradas na ideia de raça
(Quijano 2005: 107).
Ramon Grosfoguel18 (2007b) identificou que no final de 1990 dois grupos de estudos
subalternos reuniram-se num seminário: o South Asian Subaltern Studies Group e o Latin
American Subaltern Studies Group. Divergências de pensamento entre os integrantes do
grupo latino fez com que ocorresse uma cisão e esta foi a última reunião do grupo (cf.
Ferreira 2014: 256-7).
O grupo latino-americano foi reorganizado e passou a constituir-se em oposição ao
conceito de Modernidade/Colonialidade (Grupo M/C). O grupo organizou seminários e
publicações para difundir o movimento de resistência à colonialidade, denominado giro
decolonial19 (Ballestrin 2013: 105). Os trabalhos de Quijano (1988), Said (1990), Walsh
(1991), Dussel (1994), Escobar (1995, 1999), Mignolo (1995), entre outros, são considerados
emergentes nessa perspectiva.
O perspectivismo ameríndio20, o pensamento afrodescendente (afro-caribenho, afro-
brasileiro e diaspórico) também surgiram como oposições críticas à ideia de colonialidade.
Essa virada dos “subalternos” tem sido continuada na Ásia e na África, na perspectiva
orientalista e africana, não diretamente relacionado ao movimento das Américas, mas
igualmente efetivo quanto a produção de uma (re)organização dos discursos sobre
modernidade/colonialidade.
O trabalho de Ballestrin (2013: 111) observou que no Grupo M/C o “Brasil aparece
quase como uma realidade apartada da realidade latino-americana”. Ela aponta sobre a
ausência de pesquisadores(as) brasileiros(as) no grupo.
Contudo, no decorrer deste século XXI, a intelectualidade brasileira tem mostrado que
está atenta ao movimento do giro decolonial. Alguns trabalhos mais recentes demonstram os
vínculos estabelecidos entre pesquisadores brasileiros e integrantes do Grupo M/C.
Antes de apresentarmos as experiências decoloniais dos trabalhos brasileiros e
refletirmos sobre a relação dos intelectuais daqui com pesquisadores do Grupo M/C,
gostaríamos de refletir sobre experiências, perspectivas e teorias nacionais anteriores,
igualmente críticas ao modelo dominante de racionalidade.
Ballestrin (2013: 111) observou cuidadosamente o fato de que “o Brasil aparece quase
como uma realidade apartada da realidade latino-americana”. Contudo, desde o início deste
século, a intelectualidade brasileira vem aprofundando a análise de temas centrais da nossa
sociedade a luz da perspectiva decolonial.
A tese de doutoramento do professor da Universidade de Brasília (UnB), Joaze
Bernardino-Costa, entre 2003 e 2007, abordou a problemática vivida nos sindicatos das
trabalhadoras domésticas do Brasil sob o olhar das teorias da descolonização (Bernardino-
Costa 2007: VIII). No resumo do trabalho, o professor reconhece as contribuições advindas
das teorias decoloniais, principalmente dos trabalhos de Dussel, Quijano e Mignolo.
A pesquisa teve como objetivo entender como as trabalhadoras domésticas percebiam as
relações sociais e raciais. A análise buscou ouvir a voz-narrativa das trabalhadoras, sujeitas ao
silenciamento imposto pela narrativa hegemônica de sociedade que desvaloriza suas
vivências.
Durante o desenvolvimento da tese, Bernardino-Costa passou um período estudando em
Berkeley, na Universidade da Califórnia, com os porto-riquenhos Ramón Grosfoguel e
Nelson Maldonado-Torres (Bernardino-Costa 2007: V). O período foi importante para o
estreitamento das relações entre a pesquisa, os pesquisadores e a perspectiva decolonial do
grupo M/C com a realidade brasileira.
Em 2011, foi publicado em Brasília, pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria, o
livro intitulado Tensões e Experiências: um retrato das trabalhadoras domésticas de Brasília
e Salvador. A obra abordou o trabalho doméstico e se afastou das perspectivas tradicionais
que construíam o lugar da trabalhadora como de não-prestígio, não-direito, não-pessoa. Mori
et al (2011: 16) sustentaram-se no argumento de Aníbal Quijano (2005: 118) sobre a divisão
racial como elemento estruturante na desigualdade da América Latina, acrescentando a
dimensão de gênero, que reconhece que o trabalho se dá numa sociedade de base patriarcal.
Em 2013 foi iniciado na UnB o projeto de longo alcance Diálogos entre intelectuais
negros brasileiros, pós-colonialismo e teorias da decolonialidade, sob coordenação do
professor Bernardino-Costa (Plataforma Lattes 2022).
Em 2014, Carla Adriana da Silva Santos, apresentou ao Programa de Pós-graduação em
Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da UFBA a dissertação
intitulada Ó Pa Í, Prezada! Racismo e Sexismo Institucionais tomando bonde no Conjunto
Penal Feminino de Salvador. O trabalho analisou a intersecção do racismo e sexismo numa
penitenciária feminina, a partir de uma metodologia de pesquisa afrodescendente com
contribuição epistemológica do feminismo negro (Santos 2014: 9).
Em 2015, a tese de doutorado do professor Joaze foi sintetizada no livro Saberes
Subalternos e Decolonialidade: os sindicatos das trabalhadoras domésticas no Brasil. A
obra registra vozes e documentos da luta de resistência e reexistência desse segmento de
trabalhadoras brasileiras, desde a década de 30 do século passado até a contemporaneidade.
A perspectiva decolonial se aprofunda na interpretação da realidade brasileira a partir
da publicação de dois trabalhos: o livro Decolonialidade e Pensamento Afrodiaspórico, pela
Editora Autêntica; e o dossiê temático Decolonialidade e perspectiva negra.
O primeiro foi organizado por Bernadino-Costa, Grosfoguel e Maldonado-Torres, um
dos frutos do Seminário Decolonialidade e Perspectiva Negra, realizado no Instituto de
Ciências Sociais da UnB entre os dias 5 e 7 de outubro de 2016. A obra reúne 16 artigos de
autoras e autores professores(as), pesquisadores(as), intelectuais e também ativistas
feministas negras, antirracistas, africanos e afrodescendentes (brasileiros, porto-riquenhos,
estadunidenses), num esforço de diálogo horizontal com as múltiplas identidades envolvidas.
O segundo trabalho foi publicado na Revista Sociedade e Estado, em 2016, organizado
por Bernardino-Costa e Grosfoguel. Essa publicação tornou-se referência no país pois trouxe
renomados/as estudiosos/as internacionais para pensar a contribuição de uma perspectiva
negra para o pensamento decolonial.
(...) dinâmica de ordem e desordem faz parte inerente de várias culturas Africanas que se
manifesta pela existência de forças que (...) organizam e/ou desorganizam as relações
sociais”. Esse processo é permanente e necessário. A ordem e desordem é presença
constante no mundo.
Olódùmarè (Eledumare ou Olorum) designou Òrìṣà (Orixá) para vir ao mundo com
`Ọrúnmìlà (Orunmilá, também chamado Ifá). Passado algum tempo, Orixá (...) se dirigiu ao
mercado de escravos de Èmùrè, onde comprou Àtọwọ´dá. Mostrando-se prestativo e
eficiente, Àtọwọ´dá logo conquistou o seu senhor e, no terceiro dia de convivência, pediu a
ele que lhe cedesse uma porção de terra para cultivo próprio, no que foi atendido. (...) Em
apenas dois dias de trabalho limpou o mato, construiu uma cabana e cultivou sua fazenda
(...). Mas não havia bondade no coração de Àtọwọ´dá e nele germinou o desejo de destruir o
amo. Procurando a melhor maneira para realizar seu intento, maquinou um plano: havia na
fazenda grandes pedras e uma delas poderia, em momento oportuno, ser deslocada do alto
da montanha, de modo a rolar morro abaixo e cair sobre Orixá. (...) preparou-a para que
pudesse ser facilmente deslocada. Uma ou duas manhãs depois, Orixá encaminhou-se para
a fazenda. Àtọwọ´dá o espreitava sem esforço, pois seu senhor vestia roupas brancas,
destacando-se, nítido, na paisagem verde. (..) Àtọwọ´dá movimentou a pedra e Orixá, (...),
não teve como escapar e sucumbiu sob aquele peso, partido em muitos pedaços. (...)
Orunmilá tomou conhecimento (...) e, servindo-se de certas práticas ritualísticas, recolheu
os pedaços de Orixá numa cabaça. Daí a expressão Ohun-tí-a-rí-ṣà, e esse teria sido o início
do culto em todo o mundo. Este mito sugere que originalmente òrìṣà era uma unidade da
qual decorreram todas (...) divindades. Sugere também que o Uno se manifesta no múltiplo
e que aquilo que é dividido será um dia reagrupado (cf. Ìdòwú 1977 apud Sàlámi e Ribeiro
2015: 55-6).
A ele foi confiada a tarefa de ser o mensageiro dos Orixás entre si, dos Orixás com os seres
humanos, dos seres humanos com Orixás, O mediador entre o Orum e o Aiê e mesmo o
mediador entre os próprios seres humanos. Enfim, Èṣù é a força de comunicação. Em todas
as circunstâncias que estabelece uma comunicação o Èṣù deve estar presente. A
comunicação no sistema religioso Africano proporciona a troca de Axé, que possibilita a
harmonia, o equilíbrio e o devir, vir a ser da existência. (Domingos 2014: 1149).
A Encruzilhada é o local onde circula Aṣẹ26 (Axé) é lá que Exú faz a troca. Lugar das
interseções, onde reina o princípio dinâmico, detentor do poder, os atos de criação e
interpretação do conhecimento dependem de sua força (Domingos 2020: 53; Martins 1997:
26).
Pensar o papel da Encruzilhada, como categoria analítica afro-brasileira de interesse
para as Ciências Sociais, ganha força para conectar fenômenos onde não estão em jogo os
contextos substantivos, mas uma conexão complexa e descentrada, uma conexão onde
diferentes perspectivas podem se contaminar da profundidade analítica desse conceito.
Uma dessas perspectivas remete ao pensamento feminista negro e à interseccionalidade.
A Encruzilhada pode ser trabalhada pra permitir a análise de como opressões de raça, gênero,
classe, origem e geração atuam de maneira simultânea para a subjugação de mulheres negras.
E o feminismo negro pode ser desenvolvido dentro de um olhar perceptivo de que as
opressões estão entrecruzadas, nas dimensões estruturais e materiais (físicas); simbólicas e
filosóficas (metafísicas).
Compreender opressões interseccionais a luz da chave analítica da Encruzilhada
significa perceber que energias diferenciais confluem ao encontro das opressões. Energias que
são geradas por estigmas, traumas de violência e estereotipações cotidianas que implicam o
entrecruzamento de marcadores que associam imagens negativas ao devir dessas mulheres.
Recapitulando...
Luis Tomás Domingos é Pós-Doutorado pela Universidade Federal do Ceará / Brasil (2020);
Doutorado em Antropologia e Sociologia da Política pela Universidade de Paris 8/ França
(2002); Mestrado em Antropologia e Sociologia da Política e do Desenvolvimento -
Universidade de Paris 8, França; Graduado em Etnologia e Sociologia - Universidade de Paris
8, França; Formado em Filosofia no Seminário Maior de Santo Agostinho (1989),
Moçambique. Atualmente é professor da Universidade da Integração Internacional da
Lusofonia Afro-Brasileira, UNILAB - Ceara/Brasil. Docente do Programa Associado de Pós-
Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Ceará e da Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira - PPGA/ UFC-Unilab. Docente do
Programa de Pós-graduação, Mestrado Acadêmico em Sociobiodiversidade Tecnologias
Sustentáveis - MASTS/UNILAB. Docente do curso de Bacharelado em Antropologia -
Unilab. Membro da Rede Internacional Interdisciplinar de Pesquisadores em
Desenvolvimento de Territórios (Rede-TER); Membro da SOTER - Sociedade de Teologia e
Ciências da Religião; Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas - Sankofa/Unilab. Tem
experiência na área de Antropologia e Sociologia da Política, com ênfase em Antropologia
Social e Cultural atuando principalmente nos seguintes temas: identidades sociocultural e
política, étnico-raciais, religiosidade de Matriz Africana, estudos Africanos e
Afrodescendentes, África e Diásporas Africanas. Possui 4 (quatro) livros publicados. Possui
vários artigos e itens de produção bibliográfica e técnica. https://orcid.org/0000-0002-0062-
6834. E-mail: luis.tomas@unilab.edu.br.
Referências bibliográficas
Resumo
Resumen
Abstract
2
Pierre Gourou (1900-1999), geógrafo francês especialista em Ásia e África. Foi, com Claude
Lévi-Strauss, fundador da revista L’Homme, em 1961. Seu livro Les Pays tropicaux: príncipes d’une
géographie humine et économique foi publicado em 1947 (Césarie 2020: 46).
3
Placide Tempels (1906-1977) foi um missionário franciscano conhecido pelo livro La filosophie
bantoue, de 1945 (Césaire 2020: 47)
4
O historiador, antropólogo e líder político senegalês Cheikh Anta Diop (1923-1986) provocou
uma revolução na historiografia africana ao sustentar que as civilizações surgidas na África pré-
colonial foram criações de pessoas negras e não por povos brancos. Causou especial escândalo Diop
afirmar, no livro Nations nègres et culture (1954) que a civilização egípcia era negra, que os faraós
eram negros. A simples existência de tal hipótese era inaceitável para a historiografia eurocêntrica pois
“civilização é coisa de branco”. (Césarie 2020: 48).
5
O neologismo estória foi proposto em 1919 pelo escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, membro
da Academia Brasileira de Letras, para designar narrativas presentes no campo do folclore, das
culturas populares e dos contos “tradicionais”. Aqui o termo foi utilizado para fazer referência ao
caráter ficcional da narrativa proposta pela História do colonizador.
6
O trabalho de Spencer teve grande impacto para os estudiosos das ciências humanas do período e
foi o grande responsável pela popularização do termo “evolução”, usado em seu livro “Social Statics”
(Estática social), de 1851.
7
Auguste Comte se torna um dos principais nomes associados à corrente positivista e em 1848
criou a “Sociedade Positivista”, que angariou um grande número de seguidores. Entre 1851 e 1854,
publicou os volumes do “Sistema de política positivista”, cujas ideias viriam fundamentar várias
correntes de pensamento político, em vários países (Dicionário de Sociologia 2002 apud CARDOSO
2008: 40).
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8 Utilizamos o conceito de sistema-mundo tal qual apresentado por Wallerstein (1974). Refere-se
ao que podemos chamar de economia-mundo europeia que emerge no final do século XV início do
século XVI como um sistema social nunca antes experimentado pelo mundo. Considera-se um sistema
social mundial não pelo fato de conter todos os países do mundo, mas por interligá-los numa lógica de
pensamento e ação. Pode ser chamado economia-mundo pois as ligações básicas entre as partes do
sistema são econômicas, embora sejam reforçadas por laços culturais e por arranjos políticos
específicos (Wallerstein 1974: 25).
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Aqui acompanhamos o conceito do historiador francês Fernand Brasudel, que influenciou o
trabalho de Immanuel Wallerstein (1974) sobre sistema-mundo. O longo século XVI refere-se aos 200
anos que cobrem o período entre 1450-1650. Concordamos que este é um período central para a
formação de um novo sistema histórico, o qual Wallestein denomina como o moderno sistema-mundo
ou a economia-mundo europeia ou a economia-mundo capitalista. (Grosfoguel 2016: 26). Usaremos o
termo longo século XVI para nos referirmos ao processo de “longa duração que cobre a formação
inicial desse sistema histórico”. O termo século XVI foi utilizado para nos referirmos aos anos 1500.
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A antropologia funcionalista pode ser considerada aquela representada pela linhagem francesa
de Durkheim e Mauss. A antropologia social britânica, através de etnógrafos como Malinowski (1884-
1942) e Radcliffe-Brown (1881-1955), propôs uma abordagem funcional-estruturalista, unindo o
funcionalismo durkheimiano à teoria dos sistemas de Spencer. (Bodart et al 2020: 87).
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Franz Boas (1858-1942), antropólogo alemão naturalizado norte-americano, formula a crítica
radical ao evolucionismo, demonstrando que as culturas somente podem ser entendidas em seu
contexto particular, com as diferenças derivadas da trajetória histórica e autônoma de cada sociedade.
A crítica de Boas é fundadora do culturalismo, responsável pela noção de relativismo cultural (Bodart
et al 2020: 87).
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A antropologia social britânica teve influência da teoria da organização social de Durkheim, que
entendia a sociedade a partir da divisão das suas funções. Malinowski, ao estudar a função do kula
entre os trobriandeses no livro Os argonautas do pacífico ocidental, utilizou o conceito para relacionar
a forma de troca cerimonial intertribal com a dinâmica cultural dos habitantes da Papua-Nova Guiné.
Radcliffe-Brown expressa uma definição de antropologia social como sendo a disciplina que se ocupa
do estudo das formas de associação entre os seres humanos, ou seja, as estruturas de similaridade que
permitem às instituições sociais o exercício das suas funções (cf. Radcliffe-Brown 1973: 220-234).
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Aqui empregamos o termo situação colonial no sentido de compreender a posição que a
sociedade colonizada é colocada que chama atenção por duas características: sua superioridade
numericamente esmagadora e a dominação radical que sofre. A sociedade colonizada difere da
sociedade colonial pela raça e pela civilização. Consideramos situação colonial como sendo aquela
esquematicamente definida a partir dos grupos que se opõe na sociedade colonial e sociedade
colonizada (Balandier 1993: 116)
14
Todas as traduções apresentadas neste artigo são de nossa autoria.
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O termo Terceiro Mundo foi oficialmente adotado pela primeira vez durante a reunião de países
asiáticos e africanos, em abril de 1955, na Conferência de Bandung, em Java, na Indonésia. Definia os
países que não se aliaram a nenhuma das duas superpotências do período: EUA e URSS. A origem do
nome está na ideia do demógrafo francês Alfred Sauvy (1898-1990) que assemelha o conceito ao de
Terceiro Estado, usada na revolução francesa. Para Sauvy os países do Terceiro Mundo deveriam se
unir para revolucionar o Planeta, com fizeram os revolucionários na França. Utilizaremos o termo
Terceiro Mundo para nos referir ao conjunto de países colonizados e submetidos ao sistema terceiro-
mundista a partir de uma estrutura de inferiorização criada pelos países centrais durante a globalização
perversa (Santos 2000: 10). Deve-se inclui no Terceiro Mundo boa parte dos países da América Latina,
África e Ásia que foram colonizados.
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cf. Foucault (1981, 2008).
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Colonialidade não é o mesmo que colonialismo. Colonialismo denota uma relação política e
econômica, na qual a soberania do povo reside no poder de outro povo ou nação. A colonialidade se
refere a um padrão de poder que emerge como resultado do colonialismo moderno (Maldonado-Torres
2007: 131).
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Ramon Grosfoguel, professor do Departamento de Estudos Étnicos da Universidade da
Califórnia, Berkeley, é um dos autores que, juntamente com Anibal Quijano e outros integrantes
latino-americanos do grupo modernidade/colonialidade debatem sobre descolonização do poder, do
saber e do ser. Esses autores ficaram organizados dentro de uma linhagem teórica que ficou conhecida
como perspectiva decolonial. Esse grupo conta ainda com contribuições do teórico português,
Boaventura de Sousa Santos, ao qual ficou associado a formulação do termo Epistemologias do Sul,
para referir-se ao conjunto de perspectivas que emergem da diversidade epistemológica do mundo.
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O termo “giro decolonial” foi cunhado primeiramente por Nelson Maldonado-Torres em 2005
(Ballestrin 2013: 105; Maldonado-Torres 2008: 63). A Profa. Dra. Luciana Ballestrin deu os contornos
nacionais do pensamento decolonial no artigo de 2013 América Latina e o giro decolonial. No texto
Ballestrin refere-se ao termo como “movimento de resistência teórico e prático, político e
epistemológico, à lógica da modernidade/colonialidade" (Ballestrin 2013: 105).
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O perspectivismo ameríndio é uma síntese conceitual operada pelo Prof. Dr. Eduardo Viveiros
de Castro (1951-) e pela Profa. Dra. Tânia Stolze Lima e consiste numa experiência crítica do modelo
secular de produção de conhecimento, lastreado no etnocentrismo. Trata-se de uma matriz filosófica e
epistemológica amazônica, tomada a partir de experiências etnográficas dos povos ameríndios, no que
se refere à sua concepção de natureza dos seres e da composição do mundo (cf. Lima 1996 e Viveiros
de Castro 1996).
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Alberto Guerreiro Ramos foi um sociólogo, político e intelectual nascido em Santo Amaro,
interior da Bahia, que se tornou um dos precursores no estudo da sociedade nacional utilizando
elementos críticos para contrapor à teoria social clássica.
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Nascida no Rio de Janeiro em 1955, Leda Maria Martins se configura como uma das principais
pensadoras do teatro brasileiro, sobretudo o teatro negro brasileiro. Formou-se em Letras pela
Universidade Federal de Minas Gerais e, devido à sua excelência acadêmica, realizou mestrado em
Artes na Indiana University, entre os anos de 1978 a 1981. Sua dissertação, intitulada O Moderno
Teatro de Qorpo Santo se volta sobre a obra dramatúrgica de Qorpo-Santo. Ainda nos EUA, Leda se
depara com o livro Drama para negros e Prólogos para brancos, coletânea de textos dramáticos
organizados por Abdias Nascimento e encenados pelo Teatro Experimental do Negro – TEN. Sob a
influência do trabalho dramatúrgico do TEN, a pesquisadora ingressa no curso de doutorado em
Estudos Literários da UFMG no ano de 1987, investigando de forma comparativa a trajetória teatral do
TEN, no Brasil, e a formação do Teatro Negro (Black Drama) nos Estados Unidos. Como fruto de sua
tese surge o inovador e importante livro A Cena em Sombras, publicado em 1995.
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Segundo Castro (2001), Sàlámì e Ribeiro (2015) e Domingos (2014), na tradição Yorùbá, a
palavra Aiyé pode ser traduzida como terra ou mundo.
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Òrùn, na língua kwa, é o mesmo que céu. No tronco etnolinguístico banto nomeia-se dyulu
(luílo). Em fon, língua oficial do antigo Reino do Daomé, se diz hunhonsɛ` (rundocé) (CASTRO,
2001).
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Itan é uma palavra de origem Yorùbá que significa história, qualquer história; um conto. De um
modo mais específico, itan são histórias do sistema nagô de consulta às divindades. Na África, os itan
compunham, e ainda compõem, o oráculo denominado Ifá, que pode ser lido e interpretado através de
um conjunto de dezesseis sinais, os odu (Póvoas 2004: 25).
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Toda manifestação viva pressupõe a presença de uma força vital, que constitui um valor
supremo e determina o ideal do viver forte nos planos material, social e espiritual. Enquanto energia,
pode ser obtida ou perdida, acumulada ou esgotada, e também transmitida. Seu acúmulo manifesta-se
física e socialmente como poder, e seu esgotamento, como doença física ou adversidades de toda
ordem. Entre os iorubás tal força recebe o nome de Axé (Sàlámì e Ribeiro 2015: 43).
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Patricia Hill Collins, nascida na Filadélfia em 1 de maio de 1948, é uma renomada professora de
Sociologia da Universidade de Maryland. Trabalha temas relacionados ao pensamento feminista negro
dentro da comunidade afro-americana. A autora tem grande contribuição nos estudos sobre ocorrência
simultânea de opressões de raça, classe, gênero, sexualidade e origem e utilizou o termo
interseccionalidade, originalmente cunhado por Kimberlé Crenshaw, para referir-se à sobreposição
dessas opressões.