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ARTIGO

A ANTROPOLOGIA, O COLONIAL, O PÓS-COLONIAL E O DECOLONIAL:


ENCRUZILHADA COMO CATEGORIA ANALÍTICA AFRO-BRASILEIRA

Luis Tomás Domingos1


caio barbosa portela2

Primeiro pedimos autorização a Èṣù (Exú), guardião das encruzilhadas e mensageiro


entre os mundos, para que o alcance da nossa compreensão abarque os conceitos profundos
aqui oferecidos. Que essa análise seja também alimento, o qual depositamos na encruzilhada
do pensamento.
Desde sua emergência científica no final do século XIX, a Antropologia, assim como
outros ramos das ciências humanas, tem sido regida pela estrutura de pensamento do
colonialismo europeu. Destarte, pretendemos refletir e analisar a breve história da
Antropologia e apresentar a Encruzilhada como categoria analítica Afro-brasileira .
A ciência ocidental, tal qual conhecemos hoje, auxiliou sistemas de dominação em
territórios de todos os continentes do planeta, por intermédio de um conjunto de teorias nos
diversos campos científicos.
Podemos dizer que a ciência, enquanto narrativa hegemônica da verdade, conferiu
privilégio epistêmico a determinados povos ocidentais, fazendo prevalecer modos de pensar
que admitem, a priori, que saberes e fazeres de outros corpos políticos e geopolíticos sejam
considerados inferiores (Grosfoguel 2016: 25). Foi justamente a inferiorização de corpos e
conhecimentos de mulheres e homens que possibilitou a emergência de instituições baseadas
em racismo epistêmico.
Os países colonizados foram incorporados a uma modernidade tardia 1 e conheceram o
“progresso” social a partir da colonização. Nesse sentido, argumentamos que todas as áreas
do conhecimento foram, de algum modo e em momentos específicos, utilizadas para
justificar discursos e instituições coloniais que persistem até hoje. Afinal, a ordem de ideias

1
Programa Associado de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade Federal do Ceará e Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira.
2
Programa Associado de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade Federal do Ceará e Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira.
que aparecem no discurso sobre o colonialismo permeou disciplinas bem diferentes, como
nos lembra Césarie (2020: 46-47):

 De Gourou2, no seu livro: Les Pays tropicaux (Os países tropicais), no qual (...)
expressa sua tese (...) de que nunca houve uma grande civilização tropical, só houve grande
civilização no clima temperado (...)
 O reverendo Tempels3, missionário e belga, com sua Filosofia bantu mefítica (...)
descoberta em tempo hábil, (...) para atacar o “materialismo comunista”, que ameaça, ao
que parece, fazer dos negros “vagabundos morais”.
 Historiadores ou romancistas da civilização (...) seu racismo furtivo, sua paixão cruel
ao negar às raças não brancas, singularmente às raças melanianas, (...) sua monomania para
monopolizar em benefício próprio toda a glória.
 Os psicólogos, sociólogos, etc., com suas opiniões sobre o “primitivismo”, suas
investigações direcionadas, suas generalizações interesseiras (...) no caráter (...) “separado”
dos não brancos (...) (Césarie 2020: 46-47)

Cheikh Anta Diop4 já desmontou o mecanismo de mistificação da história da colonização


e da África e, com efeito, antes de adentrarmos as nuanças da Antropologia, apresentaremos
aspectos históricos que demonstrarão como o racismo epistêmico possibilitou a falsa ideia de
uma ciência “universal”. Ademais, a História nos oferece exemplos que ajudarão a sustentar
nossa opção de enfretamento do racismo epistêmico a partir de uma categoria analítica afro-
brasileira: a Encruzilhada.
A História clássica, de origem greco-romana, regada pelas palavras de Heródoto e
Xenofonte, também de Cícero e Marco Antônio, exaltada nas fábulas de Hesíodo e Ésquilo,
Séneca e Virgílio, formulou as bases e os limites da historiografia, fincados na ideia de que
apenas civilizações avançadas fariam parte da história. Sociedades ágrafas com base em
tradições orais foram, por conseguinte, consideradas atrasadas e sem história.
Esse contexto repercutiu nas sociedades de modernidade tardia que se constituíram como
civilizações que hipervalorizaram a história das civilizações europeias tornando-se limitadas
a essa esfera. Isso gerou implicações reais para toda ciência, em especial para a História e
para a Antropologia.
Aliás, Antropologia, História, Geografia, Linguística, Religião, Psicologia e Direito
foram disciplinas que se articularam dentro do processo evolutivo das sociedades e
estabelecerem narrativas explicativas sobre os fenômenos humanos a luz de ideias
semelhantes, levando em conta uma razão dialética que opôs o moderno ao medieval, o
evoluído ao primitivo, o escrito ao oral, o rico ao pobre, a classe trabalhadora ao capitalista e,
a mais contundente de todas, o senhor ao escravo.
A História é de quem conta a estória5

Nas universidades, a História considerada clássica é aquela erga omnes, que todos
devem conhecer. Essa, a chamada História Geral, ocupa-se do estudo da Grécia Antiga,
Idade Média, Grandes Navegações; Revoluções: Industrial e Francesa; Iluminismo, dentre
outras etecéteras europeias. Os registros considerados importantes pela história “oficial”,
referem-se a eventos ocorridos na Europa ou conduzidos por países europeus. As narrativas
corroboram a ideia de que apenas civilizações avançadas produzem história e,
complementarmente, uma história “verdadeira”, capaz de representar toda a coletividade
humana.
O filósofo alemão George Friedrich Hegel (1770-1831), importante intelectual que
refletiu sobre a Filosofia da História, descreve os fundamentos do espírito e da história
“universal”:

O espírito universal não morre simplesmente de morte natural (...). Enquanto é um espírito
nacional, é parte da história universal, (...) e tem uma consciência de si mesmo. Ele é parte
da história do mundo enquanto houver em seus elementos fundamentais, seu objetivo
essencial, um princípio universal (...) se são os simples desejos que impelem os povos à
ação, essas ações passarão sem deixar traços, ou melhor, seus traços são apenas a corrupção
e a ruína (Hegel 2001: 127)

Uma História “universal” é a que atende ao critério de humanidade “universal”,


representado pela Europa. A ideia relaciona-se ao “princípio universal” de que qualquer
organização política deve produzir em si uma moral universal. Hegel, como outros
intelectuais da época, foi influenciado pelo pensamento de Immanuel Kant (1724-1804). Ele
usou os fundamentos do racionalismo kantiano para produzir uma dialética própria, num
período de intensa produção intelectual conhecido como Idealismo Alemão, que reverbera até
hoje nas ciências humanas.
O ponto de interesse da perspectiva hegeliana é a ideia de que existem povos cujas ações
não deixam traços históricos. Civilizações consideradas atrasadas. Assim foram tratados
diversos povos originários da América, Oceania, Ásia e África, considerados sem história e,
consequentemente, sem conhecimento. Civilizações epistemologicamente vazias.
Ao definir “espírito universal” ou “humanidade universal” implicamos uma definição
oposta complementar: a não-humanidade. Numa perspectiva ocidental, ser humano é
considerar que existem indivíduos que não são. Se alguns indivíduos não “parecem”
demonstrar suas características humanas, é porque estão em processo de aprendizado,
vivendo uma fase primitiva. Nesse contexto ser humano significou satisfazer equações
desonestas: cristianismo=civilização; paganismo=selvageria (Césaire 2020: 11).
É bastante conhecido o debate travado durante as cinco primeiras décadas do século XVI
que culminou com o julgamento de Valladolid, em 1552. A monarquia cristã espanhola
suscitou a um tribunal a dúvida se os ameríndios tinham alma ou não.  Bartolomeu de Las
Casas e Ginés Sepúlveda eram os teólogos envolvidos nesse embate. Após 60 anos (1492-
1552), a monarquia espanhola solicitou do tribunal uma decisão definitiva sobre a questão.
Las Casas argumentava que os “índios” tinham uma alma em estado bárbaro, passível de
cristianização e que era pecado escravizá-los. Sepúlveda defendia que os “índios” eram seres
“sem alma” e, assim como os animais, podiam ser utilizados como força de trabalho sem que
houvesse pecado aos olhos de Deus. Ambos discursos tiveram consequências duradouras que
mobilizaram séculos de opressão de determinados povos com base em discursos racistas com
viés biológico e cultural (cf Grosfoguel 2016: 38-9).
Como resultado, a monarquia espanhola decidiu que os “índios” tinham uma alma
bárbara que precisava ser cristianizada. Era pecado escravizá-los!
O que aparentemente livrou os “índios” do jugo colonial, autorizou o início do maior
massacre da história da humanidade, que subjugou e escravizou populações inteiras do
continente africano, sob o argumento de que se tratavam de “povos sem alma”.
Mesmo com união ibérica (1580-1640), quando as colônias portuguesas estavam
submetidas ao controle espanhol, o resultado do julgamento de Valladoilid não surtiu muito
efeito no Brasil. A prática era permitida pela coroa em caso de conflito entre colonos e
gentios. Nesse ponto a situação no Brasil é peculiar.
Em 10 de setembro de 1611 a Carta Régia, promulgada por Filipe III, garantia o direito
de propriedade aos indígenas. Entretanto essas garantias nunca foram exercidas pois os
indígenas não tinham conhecimento das leis, escritas em português e publicizadas em locais
os quais eles não tinham acesso, pois eram considerados selvagens.
Chama atenção no documento o fato de que os gentios perdiam o direito à terra caso esta
fosse tomada em uma “guerra justa”. Agora pensemos: num eventual confronto de terras
entre um indígena e um colono, pode-se num confronto justo?
Outro ponto importante: no final do século XVII, divergências na Companhia de Jesus,
expuseram a tensão entre duas posições distintas na ordem religiosa: uma a favor da
escravidão indígena e outro contra. Os padres Antônio Vieira, português, e João Antônio
Andreoni, italiano, lideravam dois grupos que disputavam o poder na Companhia:
portugueses e estrangeiros (não portugueses). Sobre a escravidão indígena a divisão era
visível: padres portugueses não aceitavam a escravização. Os “estrangeiros” apoiavam. A
posição dos não portugueses foi uma novidade dentro da Companhia. Até então, os jesuítas
defendiam a catequização por meio dos aldeamentos e missões.
Podemos concluir que, no Brasil, tanto a administração colonial quanto a igreja eram
tolerantes quanto a escravização indígena, que também era praticada por padres jesuítas.
E o negro?
Nos séculos subsequentes, XVIII, XIX e início do XX, com o fortalecimento do
evolucionismo e do positivismo que refletiam, sobretudo, os resultados dos trabalhos do
britânico Herbert Spencer6 (1820-1903) e do francês Auguste Comte7 (1798-1857), os
conceitos de “evolução” e “progresso” foram aplicados às populações de África.
No século XVIII e em boa parte do século XIX, o tráfico transatlântico foi uma realidade
muito presente. A captura de milhões de pessoas que tiveram seus corpos convertidos em
mercadoria e suas subjetividades reduzidas ao vazio, produziu alienação do auto e do
heterorreconhecimento sobre a diversidade étnica dos grupos violentados. Yorubas, Bantos,
Haussás, Fons, Fantis, Ashantis, Fulanis, Wolofs, dentre outros, foram reduzidos à categoria
colonial “negro”.
O século XIX foi um período marcado pela disputa entre potências europeias, que
competiam entre si pela hegemonia do sistema-mundo 8 e pela centralidade do poder em
relação aos demais países. África, Ásia e Oceania foram invadidas para dominação comercial
e a culminância na Conferência de Berlim, em 1885, com a “partilha” do território entre as
potências foi o clímax da disputa.
Para entendermos como a ideia de uma História “universal” conseguiu se justificar,
mesmo com após toda violência material e simbólica empregada nos regimes coloniais,
voltemos a Antropologia.

A Antropologia e o Colonial: o papel ambíguo de “descrever” o Outro

A Antropologia foi uma disciplina criada com o objetivo de estudar as diversas culturas
humanas do mundo. O contato do europeu com os povos ditos primitivos promoveu uma
classificação sistemática destes que, segundo os parâmetros da época, foram considerados
“não-civilizados”.
O contato com os povos indígenas da América, África, Ásia e Oceania se deu por todo
longo século XVI9 com as invasões coloniais tendo continuidade nos séculos XVII, XVIII,
XIX e XX, sobretudo pela presença europeia em África, que resultou escravização e
dominação colonial do continente. Esses eventos foram combustível para o desenvolvimento
da Antropologia que, ao buscar entender o pensamento “nativo” e analisar sua perspectiva,
aceitava o desafio da colonização e, no final do século XIX, estava intimamente ligada ao
colonialismo.
Na colonização ocorreu o contato com o “exótico” e desse contato o saber antropológico
disciplinar emergiu. Mais à frente veremos como o colonialismo enquanto ideologia
contribuiu para uma perspectiva etnocêntrica na Antropologia, e como isso enviesou o olhar
sobre o “Outro” primitivo e/ou selvagem.
Algumas das linhagens teóricas fundamentais da Antropologia: evolucionismo,
funcionalismo10, antropologia social e culturalismo 11, compartilham entre si naturezas
ontológicas semelhantes. Primeiro, todas são consideradas clássicas em termos teóricos e
baseiam-se na ideia de superioridade dos europeus inicialmente e depois dos norte-
americanos. Segundo, essas linhagens podem ser vistas como fruto de uma demanda da
colonização: elaborar justificativa para as diferenças humanas articulando-as à dominação.
Uma relação dialética: colonização cria classificação que, por sua vez, sofistica a dominação.
O evolucionismo cultural foi uma das primeiras tradições teóricas em Antropologia.
Emergiu no final do século XIX e teve como objeto de estudos os estágios evolutivos das
sociedades. Essa linhagem é representada por Lewis H. Morgan (1818-1881), Edward B.
Tylor (1832-1917) e James G. Frazer (1854-1941), que tiveram forte influência de Herbert
Spencer.
Para Spencer o evolucionismo é uma dinâmica universal de diferenciação do simples
para o complexo que pode ser verificado em todas as ocorrências, as quais somos capazes de
conceber racionalmente e indutivamente. Esse é o princípio do evolucionismo enquanto
conceito geral.
Morgan, Tylor e Frazer, foram precursores em utilizar essa perspectiva para interpretar as
culturas. Seus trabalhos basearam-se na ideia de que cada sociedade produz sua cultura a
partir das condições históricas e de desenvolvimento social de cada povo. As sociedades
evoluem, portanto, a partir dessas condições.
O evolucionismo considera a existência de sociedades “selvagens” e “bárbaras”,
respectivamente sem e com pouca evolução cultural. Elas podem avançar, tornando-se
“civilizadas”, pelo progresso social. Pensar cultura nesses termos significa acreditar que
existem culturas superiores e outras, inferiores.
Nesta perspectiva, o evolucionismo cultural constituiu-se como um conjunto de
percepções e teorias que produziu a classificação do ethos cultural dos povos postos em
contato com a colonização. Essa perspectiva permitiu a classificação do avanço das
sociedades, auxiliando os mecanismos coercitivos da colonização.
No sistema colonialista a teoria do evolucionismo cultural produziu efeitos em dois
sentidos. Primeiro porque forneceu informações para o aprimoramento da dominação.
Segundo por ter sido utilizada como ideologia para justificar a dominação, com o pretexto de
civilizar o Outro.
O discurso evolucionista pôde ser utilizado como justificativa para países colonizadores
selecionarem sociedades “primitivas” para submeter-lhes à dominação. A Antropologia foi
utilizada como instrumento para essa seleção, classificando como “selvagens” os povos
originários das colônias e como “civilizados” os colonos.
Com o aprimoramento dos instrumentos de controle colonial, a partir da invasão e
partilha do território africano pós Conferência de Berlim em 1885, novas correntes
antropológicas surgiram e os métodos de investigação das culturas foram sendo sofisticados.
O funcionalismo, ramo da Antropologia que busca explicar os fenômenos humanos em
termos das suas funções, pega empréstimos da biologia e da teoria durkheimiana para
comparar a sociedade a um organismo vivo e cada instituição social com órgãos. Essa
linhagem ficou marcada por trabalhos pioneiros de sociólogos e antropólogos, tais como:
Émile Durkheim (1858-1917) e Marcel Mauss (1872-1950) , representando o funcionalismo
francês; Alfred Radcliffe-Brown (1881-1955) e Bronislaw Malinowski (1884-1942),
representando a antropologia social britânica 12.
Em que pese se tratar de uma linhagem que se opôs ao evolucionismo, o funcionalismo
herdou seus fundamentos, considerando que ambos emergem da e na situação colonial 13.
Durkheim e Mauss, por exemplo, ao analisar tribos australianas, no artigo De quelques
formes primitives de classificaton, interpretam o sistema mental dos “nativos”, revelando-nos
uma abordagem etnocêntrica. Para eles, era a mitologia astronômica de base totêmica, a
única responsável por guiar os aspectos da vida cotidiana dos tribais. A leitura feita por eles
era de que se tratava de um sistema que tinha a magia como fundamento, logo constituía-se
como “primeira etapa de evolução mental que podemos supor ou constatar” (Mauss 2003:
51). Concordamos com Kuper (1978: 143) que os antropólogos funcionalistas não se
desligaram totalmente do seu passado evolucionista.
A noção de civilização é um aspecto que emerge com a teoria funcionalista. Nessa época
o termo civilisation começou a ser utilizado como concepção de uma suposta história
“universal” francesa. Mauss e Durkheim expuseram durante vários anos no Année
Sociologique a concepção de civilisation atrelada a modos específicos de pensar e posturas
mentais.
Durante a monarquia constitucional francesa (1814-1848) a atividade colonial aumentou,
com a invasão da Argélia, coincide o clímax do conceito de civilização. A historiografia
positivista de autores como François Guizot (1787-1874), Hippolyte Taine (1828-1893) e
Jacques Augustin Thierry (1795-1856) ganhou fôlego na crença de que a restauração da
monarquia e a colonização trariam progresso pela civilização dos “selvagens”. De la
civilisation em Europe (1828) e De la civilisation em France (1829) de Guizot, são obras de
presságio dessa crença: “A ideia de progresso, (...), parece ser a ideia fundamental contida na
palavra civilização” (Kuper 2002: 47).
Na antropologia social britânica Radcliffe-Brown (1973: 220), enuncia o conceito de
função baseando-se numa analogia entre a vida social e a vida orgânica, assim como Mauss.
Radcliffe-Brown foi diretamente influenciado pelo positivismo de Durkheim e pela teoria
dos sistemas sociais de Spencer.
A relação de Malinowski com o evolucionismo foi mais intensa. Segundo o próprio, sua
abordagem não se separava do evolucionismo. Manteve-se evolucionista durante toda a
carreira, acreditando que o trabalho intenso de campo (observação participante) e a coleta de
dados vivos (etnografia), iria leva-lo às leis evolucionárias (Kuper 1978: 19).
O funcionalismo francês e a antropologia social britânica permaneceram com a mesma
sanha evolucionista de classificar as sociedades, para compreender aquilo que julgavam ser o
“primitivo”. Ambas não levaram em conta que culturas se desenvolvem num processo
histórico e não se pode aferir a complexidade a partir de referências externas, etnocêntricas,
partem, a priori, da ideia de que o Outro é inferior.
A relação da antropologia social britânica com o colonialismo se deu com a decadência
do evolucionismo e a reivindicação do modelo pela organização interna dos estados
colonizados. É justamente essa reivindicação o ponto de união entre a teoria antropológica e
a colonização. Para se administrar as colônias era necessário manter uma relativa estabilidade
pois, mesmo ocupadas violentamente, elas deveriam servir ao propósito comercial.
Precisava-se de tranquilidade social.
Os administradores coloniais enfrentavam um profundo desconhecimento dos nativos e a
Antropologia poderia oferecer uma melhor compreensão dos sistemas sociais vistos como
“degradados” e “desorganizados”. A ideia era que a Antropologia argumentasse para que o
mundo “mítico”, “feroz” e “irresponsável” dos “selvagens”, pudesse ser transformado em
comunidades estáveis governadas pelo colono (Gaona 1985: 89)14.
A Antropologia injetou nas sociedades colonizadas uma visão particular do seu
funcionamento. Conceituou-as como coerentes e equilibrados a partir de uma tendencia a
ressaltar a solidariedade e a ordem, o que contribuiu para conter algumas lutas por libertação
mesmo diante das fortes contradições do sistema colonial. Por isso, a posição da
Antropologia resulta ambígua.
Raymond Firth (1901-2002) dizia: “o antropólogo e sua ciência se encontram cada vez
mais em perigo de cair nas mãos dos interesses da administração colonial” (Ibid. 91). Firth
foi um dos antropólogos da época que se negou a trabalhar para a colonização.
Assim como a antropologia social britânica, a tradição culturalista também surgiu em
reação ao evolucionismo, mas seguiu rumos distintos. A antropologia social britânica
“movia-se na direção da ciência”, já a antropologia culturalista “movia-se na direção da
história” (Stocking 2004: 34).
Franz Boas (1858-1942), antropólogo alemão radicado nos Estados Unidos, introduziu
na antropologia norte-americana o conceito de cultura com base na distinção entre os termos
kultur, de origem alemã, e civilisation, de origem francesa. O trabalho de Boas foi introduziu
na Antropologia um conceito “moderno” de cultura.
Boas empregava o termo cultura no plural. Referia-se a cultura como um aspecto
característico de determinado povo, mas também como sua existência total. Para ele existem
culturas humanas e cada uma pode ser estudada no âmbito do seu sistema de valores.
A partir da segunda geração boasiana, sob a liderança do polonês radicado nos Estados
Unidos Edward Sapir (1884-1939), e das norte-americanas Margareth Mead (1901-1978) e
Ruth Benedict (1887-1948) foi dado um novo rumo a antropologia culturalista.
Sapir (1949: 309) entendia que a “cultura significa qualquer elemento socialmente
herdado da vida do homem, material e espiritual”. Robert Lowie (1883-1957), polonês
radicado nos Estados Unidos e discípulo de Boas, via de modo semelhante. Após uma série
de palestras com o título Cultura e Etnologia trouxe o argumento central de que a cultura
poderia ser explicada como algo em si e não determinada pela raça ou ambiente. A afirmação
de que a cultura é um sucedâneo universal para outros marcadores ficou conhecida como
relativismo cultural ou culturalismo.
O culturalismo também foi convertido em ideologia e afirma, por exemplo, que raça e
cultura são independentes entre si, sendo a cultura o elemento responsável por tornar as
pessoas o que elas são. Esse argumento foi utilizado na África do Sul como justificativa para
o apartheid (Kuper 2002: 12) e influenciou a obra “Casa Grande & Senzala” do antropólogo
brasileiro Gilberto Freyre (1900-1987).
No caso de Freyre, o relativismo cultural influenciou o conceito de lusotropicalismo, que
relacionava a colonização brasileira à capacidade dos portugueses de povoar o território
tropical utilizando sua cultura (lusitana) como amálgama entre as outras (indígena e
africana), criando uma cultura luso-tropical.
O lusotropicalismo foi utilizado como ideologia e passou a elogiar os feitos da
colonização lusitana. Baseando-se na ideia de que os portugueses possuem uma aptidão
natural para se relacionar com culturas diversas, herdada do convívio com árabes, mouros e
outros povos durante séculos na península ibérica, criou-se o mito de que as colonizações
portuguesas teriam sido mais bem sucedidas que outras. O Brasil foi usado como exemplo.
Essas ideologias influenciaram a interpretação de Freyre sobre a colonização brasileira.
Fez com que atribuísse à cultura lusitana uma certa “benevolência”, em oposição, por
exemplo, à violência praticada nos regimes segregacionistas britânicos nos Estados Unidos e
na África do Sul.
Os anos entre 1920 a 1960 ficaram marcados pelo período de institucionalização da
Antropologia na Europa e nos Estados Unidos e pela consolidação do trabalho etnográfico
inicialmente desenvolvido por Malinowski. As sociedades africanas tiveram um papel central
nesse momento pois eram o alvo preferencial do grupo mais consolidado de antropólogos
que fazia pesquisa de campo: a escola da antropologia social britânica.
Esse grupo se tornou hegemônico nas pesquisas etnográficas primeiro porque a direção
de Malinowski e, depois, a de Radcliffe-Brown, promovia uma capacidade única de agregar
pupilos para trabalhos de campo tal qual idealizaram os filósofos empiristas de longas datas;
segundo, e muito importante, porque eles possuíam vínculos com os “governos indiretos”
britânicos na África (Reinhardt 2014: 333).
Em 1932 a Rockfeller Foundation ofereceu dinheiro ao recém criado Institute of African
Languages and Cultures para executar um projeto que visava reduzir a disparidade entre o
conhecimento antropológico e as políticas coloniais. A Antropologia era considerada “fonte
subutilizada de conhecimentos administrativamente úteis sobre as sociedades africanas”
(Idem ibidem).
Nesse sistema da Rockfeller Foundation a Antropologia funcionaria com papel duplo.
Passaria a absorver os princípios do governo indireto, pelas instituições nativas, e
responderia à preocupação do “desenvolvimento”, justificativa das políticas coloniais
britânicas no pós-guerra (Idem ibidem). Novamente se coloca o papel ambíguo da
Antropologia
O Pós-colonial e o Decolonial

A partir dos anos 1950/60, o discurso desenvolvimentista toma a maior parte dos países
ocidentais. Após a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, impulsiona-se um processo de
ajustes para o progresso mundial.
Com a teoria desenvolvimentista, intelectuais e políticos começaram a perceber sérios
problemas de subdesenvolvimento dos países da Ásia, África e América Latina. O
desenvolvimentismo tornou-se uma potencialidade também para os países do Terceiro
Mundo15.
Nesse período a crítica à colonização centrava-se em enfoques marxistas ou derivados da
teoria de Frantz Fanon. O marxismo dava pouca esperança em termos de mudança do
paradigma pois, para Karl Marx (1818-1883), a colonização era uma condição para
superação do capitalismo. Para Marx, a modernidade e suas contradições abriram uma via
para a emancipação a partir da luta de classes.
A relação entre capitalismo, colonização e luta de classes feita por Marx, inspirou as
guerras de libertação colonial, sobretudo nos países africanos. As lutas anticoloniais
buscavam a descolonização que, para Fanon (1968: 25-6), “é sempre um fenômeno
violento”.
Nos anos 1970 novos instrumentos de análise são construídos e as investigações sobre a
colonização e seus efeitos se aprofundam. Os trabalhos de Michael Foucault 16 (1926-1984)
sobre dinâmicas de poder e sobre as relações entre subjetividade e regimes de verdade
contribuíram para elucidar mecanismos pelos quais a ordem do discurso produz modos
autorizados de ser e pensar, ao mesmo tempo que desqualifica e impossibilita outros
(Escobar 1999: 36).
As abordagens de Foucault, entretanto, desconsideraram a hierarquização dos corpos
políticos e geopolíticos no sistema colonial e que a inversão da ordem do discurso poderia
partir de outro referencial.
Edward Said (1935-2003), Valentin-Yves Mudimbe (1941-), Homi K. Bhabha (1949-) e
Gayatri C. Spivak (1942-) contribuíram para aprofundar criticamente as análises de Foucault,
se debruçando sobre as situações coloniais. Destacamos a reflexão de Spivak (2018: 24) que
percebe a “produção intelectual ocidental como cúmplice dos interesses econômicos
internacionais do Ocidente”. Essa perspectiva abriu para novas formas de pensar acerca das
representações do Terceiro Mundo e do colonialismo.
As marcas históricas deixadas pela colonização nas sociedades envolvidas resultaram em
hierarquias raciais que permanecem, assim como hierarquias do saber e do poder. Esse
processo, que perdura pelo colonialismo, será denominado por alguns autores de
colonialidade17.
A Antropologia não incorporou um debate sobre a colonialidade em suas teorias. Nem
pela teoria do desenvolvimento que deixou de tratar as desigualdades históricas entre
colonizadores e colonizados como elemento crítico.
A colonialidade não se limita a relação de poder entre duas nações, isso é uma das suas
dimensões, a colonialidade do poder. O conceito relaciona-se com o modo pelo qual os
padrões sociais, estéticos, de linguagem, organização do trabalho e das relações
intersubjetivas articulam-se entre si no sistema-mundo moderno, centradas na ideia de raça
(Quijano 2005: 107).
Ramon Grosfoguel18 (2007b) identificou que no final de 1990 dois grupos de estudos
subalternos reuniram-se num seminário: o South Asian Subaltern Studies Group e o Latin
American Subaltern Studies Group. Divergências de pensamento entre os integrantes do
grupo latino fez com que ocorresse uma cisão e esta foi a última reunião do grupo (cf.
Ferreira 2014: 256-7).
O grupo latino-americano foi reorganizado e passou a constituir-se em oposição ao
conceito de Modernidade/Colonialidade (Grupo M/C). O grupo organizou seminários e
publicações para difundir o movimento de resistência à colonialidade, denominado giro
decolonial19 (Ballestrin 2013: 105). Os trabalhos de Quijano (1988), Said (1990), Walsh
(1991), Dussel (1994), Escobar (1995, 1999), Mignolo (1995), entre outros, são considerados
emergentes nessa perspectiva.
O perspectivismo ameríndio20, o pensamento afrodescendente (afro-caribenho, afro-
brasileiro e diaspórico) também surgiram como oposições críticas à ideia de colonialidade.
Essa virada dos “subalternos” tem sido continuada na Ásia e na África, na perspectiva
orientalista e africana, não diretamente relacionado ao movimento das Américas, mas
igualmente efetivo quanto a produção de uma (re)organização dos discursos sobre
modernidade/colonialidade.
O trabalho de Ballestrin (2013: 111) observou que no Grupo M/C o “Brasil aparece
quase como uma realidade apartada da realidade latino-americana”. Ela aponta sobre a
ausência de pesquisadores(as) brasileiros(as) no grupo.
Contudo, no decorrer deste século XXI, a intelectualidade brasileira tem mostrado que
está atenta ao movimento do giro decolonial. Alguns trabalhos mais recentes demonstram os
vínculos estabelecidos entre pesquisadores brasileiros e integrantes do Grupo M/C.
Antes de apresentarmos as experiências decoloniais dos trabalhos brasileiros e
refletirmos sobre a relação dos intelectuais daqui com pesquisadores do Grupo M/C,
gostaríamos de refletir sobre experiências, perspectivas e teorias nacionais anteriores,
igualmente críticas ao modelo dominante de racionalidade.

Perspectivas e experiências brasileiras críticas à colonialidade

O Teatro Experimental do Negro (TEN; 1944-1961), idealizado por Abdias do


Nascimento e Agnaldo Camargo, surgiu num contexto de resistência, onde o cenário das artes
cênicas nos anos de 1940 era totalmente ocupado por pessoas brancas. O TEN nasceu da
inquietação de Abdias ao assistir em 1941, no Teatro Municipal de Lima, a peça O
Imperador Jones, de Eugene O’Neil, onde o papel do herói negro é interpretado pelo ator
branco Hugo D’Evieri, tingido de preto (Nascimento 2004: 209). 
Ao fim da apresentação Abdias tomou a decisão de que, ao regressar pro Brasil, criaria
um organismo teatral aberto ao protagonismo negro, onde o negro “ascende da condição
adjetiva e folclórica para a de sujeito e herói das histórias que representasse” (Nascimento
2004: 210).
Centrado numa proposta de valorização social através da educação, cultura e arte
(Nascimento 2004: 224), o TEN exerceu, nos seus anos de atividade, práticas voltadas aos
valores da pessoa humana e da cultura negro-africana e afro-diaspórica. Além da atuação nos
palcos, o TEN assumiu uma postura política, criando entidades como a Associação das
Empregadas Domésticas e o Conselho Nacional de Mulheres Negras. 
As 40 horas de Angicos, proposta de educação emancipatória iniciada por Paulo Freire
(1921-1997) em 1963 em Angicos, Rio Grande do Norte, foi uma das experiências de base
crítica ao modelo da colonialidade mais importantes do Brasil republicano. Executada em 40
horas, com 300 jovens e adultos, a experiência foi uma demonstração da concepção político-
pedagógica crítica e serviu de piloto para um programa de alfabetização nacional mais
amplo, que seria patrocinado pelo governo federal. Não fosse o golpe militar de 1964, a
previsão nacional era de alfabetizar 100 mil pessoas (Silva; Sampaio 2017: 56).
A perspectiva de Freire considera que a partir de uma formação crítica é possível
alcançar uma educação realmente libertadora, que rompa com o modelo de educação
“bancária” (Freire 1987). A educação bancária é opressora, educador(a) e educando(a) são
forjados num violento processo de memorização e repetição. A educação libertadora surge
como perspectiva crítica ao modelo de colonialidade na medida em que repensa o local de
opressão em que a escola está inserida.
Importante destacar o trabalho de Lélia Gonzalez na construção da categoria político-
cultural de Amefricanidade, crítica ao modelo de colonialidade. A partir do reconhecimento
dos efeitos do colonialismo e racismo europeu para a situação dos povos em diáspora, a
autora a reflete sobre uma categoria própria para analisar as relações político-culturais do
Brasil e dos países da Améfrica Ladina, compartes do modelo colonial transatlântico
(Gonzalez 1988: 69).
O perspectivismo ameríndio, teoria crítica ao modelo de produção de conhecimento,
lastreado no etnocentrismo, é uma matriz filosófica e epistemológica amazônica, tomada a
partir de experiências etnográficas dos e com povos ameríndios, em relação à sua concepção
de natureza, dos seres e da composição do mundo (cf. Lima 1996 e Viveiros de Castro 1996).
A ideia centra-se na relação que alguns povos do noroeste amazônico têm com os animais,
sobretudo espécies simbólicas de destaque, grandes predadores, rivais humanos etc (Viveiros
de Castro 1996: 118). Na cosmovisão ameríndia, os animais não humanos percebem-se, entre
si, como humanos. Em suma, os animais são gente, ou se vêem como pessoas (Viveiros de
Castro 1996: 118).
Percebemos, no Brasil, uma presença significativa de experiências/perspectivas críticas
ao modelo de modernidade/colonialidade ocidental, com um histórico que remonta aos anos
1940. Em poucos parágrafos demonstramos que já faz tempo que os intelectuais daqui
optaram por modelos analíticos de resistência ao padrão imperialista/colonialista. Há um
descompasso entre as nossas experiências e o respectivo reconhecimento destas no cenário
científico.

O Brasil a partir das teorias críticas decoloniais

Ballestrin (2013: 111) observou cuidadosamente o fato de que “o Brasil aparece quase
como uma realidade apartada da realidade latino-americana”. Contudo, desde o início deste
século, a intelectualidade brasileira vem aprofundando a análise de temas centrais da nossa
sociedade a luz da perspectiva decolonial.
A tese de doutoramento do professor da Universidade de Brasília (UnB), Joaze
Bernardino-Costa, entre 2003 e 2007, abordou a problemática vivida nos sindicatos das
trabalhadoras domésticas do Brasil sob o olhar das teorias da descolonização (Bernardino-
Costa 2007: VIII). No resumo do trabalho, o professor reconhece as contribuições advindas
das teorias decoloniais, principalmente dos trabalhos de Dussel, Quijano e Mignolo.
A pesquisa teve como objetivo entender como as trabalhadoras domésticas percebiam as
relações sociais e raciais. A análise buscou ouvir a voz-narrativa das trabalhadoras, sujeitas ao
silenciamento imposto pela narrativa hegemônica de sociedade que desvaloriza suas
vivências.
Durante o desenvolvimento da tese, Bernardino-Costa passou um período estudando em
Berkeley, na Universidade da Califórnia, com os porto-riquenhos Ramón Grosfoguel e
Nelson Maldonado-Torres (Bernardino-Costa 2007: V). O período foi importante para o
estreitamento das relações entre a pesquisa, os pesquisadores e a perspectiva decolonial do
grupo M/C com a realidade brasileira.
Em 2011, foi publicado em Brasília, pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria, o
livro intitulado Tensões e Experiências: um retrato das trabalhadoras domésticas de Brasília
e Salvador. A obra abordou o trabalho doméstico e se afastou das perspectivas tradicionais
que construíam o lugar da trabalhadora como de não-prestígio, não-direito, não-pessoa. Mori
et al (2011: 16) sustentaram-se no argumento de Aníbal Quijano (2005: 118) sobre a divisão
racial como elemento estruturante na desigualdade da América Latina, acrescentando a
dimensão de gênero, que reconhece que o trabalho se dá numa sociedade de base patriarcal.
Em 2013 foi iniciado na UnB o projeto de longo alcance Diálogos entre intelectuais
negros brasileiros, pós-colonialismo e teorias da decolonialidade, sob coordenação do
professor Bernardino-Costa (Plataforma Lattes 2022).
Em 2014, Carla Adriana da Silva Santos, apresentou ao Programa de Pós-graduação em
Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da UFBA a dissertação
intitulada Ó Pa Í, Prezada! Racismo e Sexismo Institucionais tomando bonde no Conjunto
Penal Feminino de Salvador. O trabalho analisou a intersecção do racismo e sexismo numa
penitenciária feminina, a partir de uma metodologia de pesquisa afrodescendente com
contribuição epistemológica do feminismo negro (Santos 2014: 9).
Em 2015, a tese de doutorado do professor Joaze foi sintetizada no livro Saberes
Subalternos e Decolonialidade: os sindicatos das trabalhadoras domésticas no Brasil. A
obra registra vozes e documentos da luta de resistência e reexistência desse segmento de
trabalhadoras brasileiras, desde a década de 30 do século passado até a contemporaneidade.
A perspectiva decolonial se aprofunda na interpretação da realidade brasileira a partir
da publicação de dois trabalhos: o livro Decolonialidade e Pensamento Afrodiaspórico, pela
Editora Autêntica; e o dossiê temático Decolonialidade e perspectiva negra.
O primeiro foi organizado por Bernadino-Costa, Grosfoguel e Maldonado-Torres, um
dos frutos do Seminário Decolonialidade e Perspectiva Negra, realizado no Instituto de
Ciências Sociais da UnB entre os dias 5 e 7 de outubro de 2016. A obra reúne 16 artigos de
autoras e autores professores(as), pesquisadores(as), intelectuais e também ativistas
feministas negras, antirracistas, africanos e afrodescendentes (brasileiros, porto-riquenhos,
estadunidenses), num esforço de diálogo horizontal com as múltiplas identidades envolvidas.
O segundo trabalho foi publicado na Revista Sociedade e Estado, em 2016, organizado
por Bernardino-Costa e Grosfoguel. Essa publicação tornou-se referência no país pois trouxe
renomados/as estudiosos/as internacionais para pensar a contribuição de uma perspectiva
negra para o pensamento decolonial.

A Encruzilhada como categoria analítica afro-brasileira

Estudar culturas humanas e suas implicações na atualidade exige do(a) antropólogo(a)


a percepção de que um conjunto de mecanismos dinâmicos organizaram a sociedade
moderna a partir da colonialidade. Os países colonizados encontram-se imersos em
desigualdades abissais, afetados pela situação colonial. Por isso, a Antropologia
especificamente e as Ciências Humanas de um modo geral, necessitam de esquemas teórico-
metodológicos e ferramentas epistêmicas que deem conta da realidade específica na qual os
fenômenos sociais emergem.
Mas a ciência ocidental podou a maneira de ser e estar no mundo de muitos povos.
Então, como criar novas epistemologias? As metodologias utilizadas pela academia secular
são ocidentalizadas, logo, como reinventá-las?
Nos anos de 1950, Alberto Guerreiro Ramos 21 (1915-1982) trouxe inquietações sobre o
problema de uma sociologia/antropologia feita com conceitos importados. Segundo ele, as
ciências sociais brasileiras especializaram-se na importação de teorias estrangeiras (Ramos
1995: 163). Nesse texto o autor desvela o fato de que os estudos daqui foram deduzidos de
categorias tiradas da realidade europeia e norte-americana.
Na Literatura a textualidade dos povos africanos e ameríndios, “seus repertórios
narrativos e poéticos” também foram deixados à margem (Martins 2003: 63).
Leda Martins22, ao estudar o Congado da Irmandade Nossa Senhora do Rosário do Jatobá
em Belo Horizonte desenvolveu, a partir do conceito de oralitude da memória, uma
reconstituição da manifestação afro-brasileira, recuperando valores africanos que “cruzaram o
Mar Oceano com ancestrais, divindades, modos singulares e diversos de visão de mundo” (cf.
Martins 1997: 25-6).
Para entender o cruzamento de tradições e memórias orais africanas no território
brasileiro, Martins (1997: 26) lançou mão do conceito de Encruzilhada. Uma das precursoras
em utilizar a categoria para compreender processos diferenciados de constituição da
identidade afro-brasileira, Leda desenvolve seu trabalho a partir da alteridade linguística,
artística, étnica, técnica cultural e simbólica dos afro-brasileiros.
“A cultura negra é uma cultura das encruzilhadas” (Idem ibidem). Essa noção constitui o
ponto central que, no sistema filosófico-religioso Yorùbá (iorubá), encontra uma formulação
complexa.
Domingos (2014: 1142) apresenta a perspectiva da ordem e desordem na cosmovisão
africana onde se fundamenta o conceito de Encruzilhada:

(...) dinâmica de ordem e desordem faz parte inerente de várias culturas Africanas que se
manifesta pela existência de forças que (...) organizam e/ou desorganizam as relações
sociais”. Esse processo é permanente e necessário. A ordem e desordem é presença
constante no mundo.

As potencialidades de ordem e desordem se manifestam nas imperfeições cotidianas do


Aiyé23 (Aiê): mortes, dores, catástrofes, guerras, etc (Ibid 1144). Nossas dúvidas de como
esses eventos interagem com o mundo invisível (espiritual) e as incompreensões geradas por
esses acontecimentos ante o desconhecido, o Òrún24 (Orum), leva um fluxo constante de
energia para o encontro entre dois mundos, físico e espiritual.
Esse é o local da Encruzilhada onde a figura de personalidade transgressiva está
associada. Èṣù (Exú), o guarda dos cruzamentos, emerge em resposta às incompreensões do
mundo (Domingos 2014: 1145).
Segundo o itan25, Olorum, ao distribuir a Òrìṣà (Orixá) a responsabilidade sobre
diversas partes da criação, não confiou a Exú nenhuma parte específica, mas sim a tarefa de
ser a ligação entre as partes. Por isso não se pode afirmar com toda certeza que o status de
Exú seja considerado Orixá. (Domingos 2014: 1149). 
Para Sàlámì e Ribeiro (2015: 55), “a palavra Òrìṣà possui etimologia obscura”. Muitas
foram as tentativas de elucidação do significado do termo. Um dos itans sobre a origem de
Orixá é transcrito por Ìdòwú (1977):

Olódùmarè (Eledumare ou Olorum) designou Òrìṣà (Orixá) para vir ao mundo com
`Ọrúnmìlà (Orunmilá, também chamado Ifá). Passado algum tempo, Orixá (...) se dirigiu ao
mercado de escravos de Èmùrè, onde comprou Àtọwọ´dá. Mostrando-se prestativo e
eficiente, Àtọwọ´dá logo conquistou o seu senhor e, no terceiro dia de convivência, pediu a
ele que lhe cedesse uma porção de terra para cultivo próprio, no que foi atendido. (...) Em
apenas dois dias de trabalho limpou o mato, construiu uma cabana e cultivou sua fazenda
(...). Mas não havia bondade no coração de Àtọwọ´dá e nele germinou o desejo de destruir o
amo. Procurando a melhor maneira para realizar seu intento, maquinou um plano: havia na
fazenda grandes pedras e uma delas poderia, em momento oportuno, ser deslocada do alto
da montanha, de modo a rolar morro abaixo e cair sobre Orixá. (...) preparou-a para que
pudesse ser facilmente deslocada. Uma ou duas manhãs depois, Orixá encaminhou-se para
a fazenda. Àtọwọ´dá o espreitava sem esforço, pois seu senhor vestia roupas brancas,
destacando-se, nítido, na paisagem verde. (..) Àtọwọ´dá movimentou a pedra e Orixá, (...),
não teve como escapar e sucumbiu sob aquele peso, partido em muitos pedaços. (...)
Orunmilá tomou conhecimento (...) e, servindo-se de certas práticas ritualísticas, recolheu
os pedaços de Orixá numa cabaça. Daí a expressão Ohun-tí-a-rí-ṣà, e esse teria sido o início
do culto em todo o mundo. Este mito sugere que originalmente òrìṣà era uma unidade da
qual decorreram todas (...) divindades. Sugere também que o Uno se manifesta no múltiplo
e que aquilo que é dividido será um dia reagrupado (cf. Ìdòwú 1977 apud Sàlámi e Ribeiro
2015: 55-6).

Reflitamos sobre a natureza de Exú e a sua importância na comunicação entre Orixás e


seres humanos:

A ele foi confiada a tarefa de ser o mensageiro dos Orixás entre si, dos Orixás com os seres
humanos, dos seres humanos com Orixás, O mediador entre o Orum e o Aiê e mesmo o
mediador entre os próprios seres humanos. Enfim, Èṣù é a força de comunicação. Em todas
as circunstâncias que estabelece uma comunicação o Èṣù deve estar presente. A
comunicação no sistema religioso Africano proporciona a troca de Axé, que possibilita a
harmonia, o equilíbrio e o devir, vir a ser da existência. (Domingos 2014: 1149). 

A Encruzilhada é o local onde circula Aṣẹ26 (Axé) é lá que Exú faz a troca. Lugar das
interseções, onde reina o princípio dinâmico, detentor do poder, os atos de criação e
interpretação do conhecimento dependem de sua força (Domingos 2020: 53; Martins 1997:
26).
Pensar o papel da Encruzilhada, como categoria analítica afro-brasileira de interesse
para as Ciências Sociais, ganha força para conectar fenômenos onde não estão em jogo os
contextos substantivos, mas uma conexão complexa e descentrada, uma conexão onde
diferentes perspectivas podem se contaminar da profundidade analítica desse conceito.
Uma dessas perspectivas remete ao pensamento feminista negro e à interseccionalidade.
A Encruzilhada pode ser trabalhada pra permitir a análise de como opressões de raça, gênero,
classe, origem e geração atuam de maneira simultânea para a subjugação de mulheres negras.
E o feminismo negro pode ser desenvolvido dentro de um olhar perceptivo de que as
opressões estão entrecruzadas, nas dimensões estruturais e materiais (físicas); simbólicas e
filosóficas (metafísicas). 
Compreender opressões interseccionais a luz da chave analítica da Encruzilhada
significa perceber que energias diferenciais confluem ao encontro das opressões. Energias que
são geradas por estigmas, traumas de violência e estereotipações cotidianas que implicam o
entrecruzamento de marcadores que associam imagens negativas ao devir dessas mulheres.  
Recapitulando...

Os padrões atuais da Antropologia exigem um maior aprofundamento dos(as)


pesquisadores(as) na relação entre o colonialismo e os fenômenos da contemporaneidade.
Interpretações que se baseiam teorias evolucionistas ou positivistas dificilmente conseguiram
dialogar com os problemas reais da sociedade.
Em que pese a emergência de reflexões críticas acerca do discurso da
modernidade/colonialidade, esse fato não impediu o evolucionismo e o positivismo de se
engendrarem tácita ou explicitamente nos discursos acadêmicos, na forma de racismo
epistêmico, tanto na Antropologia quanto em outras ciências.
O europeu propôs uma fábula universal onde é contado apenas o que convém. Tal qual
recomendava Sócrates em A República de Platão ao tratar dos mitos e como estes deveriam
ser contados às crianças, sem que as vicissitudes dos deuses fossem demonstradas. Os deuses,
nesse caso, são os europeus.
Nessa fábula universal não cabe, portanto, a História dos Tremembé, dos Kamakan, dos
Kariri, dos Wolof, dos Bantos, dos Fanti, dos Ashantis, Yorubas. Esses povos não produzem
História com letra maiúscula.
Sobre metodologias das tradições orais e a sua importância no registro da historiografia
Africana em civilizações ágrafas, destacam-se os trabalhos de Ki-Zerbo (2010), Vansina
(2010) e Hampaté Bâ (2010). Trabalhos com profundidade teórica que emergem para a
ciência ocidental numa perspectiva pós-colonial pois, como vimos, a ciência clássica foi
moldada para deslegitimar certas formas de ser, estar e saber.
Os trabalhos de Patricia Hill Collins 27 (2019) e Lelia Gonzalez (1984) sugerem que o
pensamento feminista negro dá outro rumo às verdades universais construídas no âmbito do
sistema-mundo moderno pois alteram imagens e símbolos negativos construídos sobre os
povos “sem história”. Mulheres negras, atuando como agentes do conhecimento, informam
não só a demarcação de validade das suas subjetividades, mas também tensionam um padrão
epistemológico conflitante que impõe uma verdade “universal” que não responde a realidade
do mundo material.
Sobre a colonização, vimos que o colonialismo se integrou como ideologia para
justificar o processo civilizatório dos povos originários pela evangelização. Não aceitar esse
processo poderia levar a perda de terras ou até a morte, como no caso dos indígenas, de
acordo com a Carta Régia de 1611.
As teorias pós-coloniais e decoloniais enfatizaram, em graus de sensibilidades distintos,
as relações de poder envolvidas na experiência colonial. Essas relações tornaram-se ainda
mais complexas quando se percebeu que, para além de um momento histórico onde a
“tirania” europeia e a sanha pelo “desenvolvimento” material dominaram o mundo, o
colonialismo consistiu num sistema de valores embricados em “disputas ideológicas sobre o
passado, presente e futuro” dos povos africanos e ameríndios (Reinhardt 2014:330).
Gilberto Freyre e outros intelectuais utilizaram as ferramentas antropológicas enquanto
ideologia para justificar interpretações que abandonaram o olhar sobre a violência colonial.
Abordagem distinta foi dada por Césaire (2020) e Fanon (1968).
A relativização da violência da colonização no Brasil ainda precisa ser bem debatida pois
foi uma das principais contribuições do culturalismo para o colonialismo. Investiu-se na ideia
de que a cultura era um conceito explicativo para todos os fenômenos, negligenciando o
regime de opressão no qual o sistema-mundo moderno inseriu os povos “primitivos”.
Antropólogos(as), ao relativizar a cultura dos povos, assim como os agentes coloniais,
interagem com o sistema colonial. Essa é uma das posições mais ambíguas da Antropologia.
Ao mesmo tempo que pode servir de alerta para que interesses escusos não cooptem as
teorias, pode ser utilizada como instrumento de manutenção do privilégio de alguns povos.
Se por um lado pode ser a reposta para o rompimento da dominação, por outro pode se
empenhar na defesa de interesses coloniais.
Vivemos um mundo de incompreensões e precisamos atentar para a força da
comunicação ao buscamos o equilíbrio no sistema de ordem-desordem. Entender Exú como o
mediador de energia que converge para a Encruzilhada consiste em trabalhar as múltiplas
opressões a que estão submetidos indivíduos de maneira conjunta e interseccional.
Utilizar a Encruzilhada como categoria analítica consiste em compreender que o encontro
dos marcadores sociais da diferença direciona fluxos de Axé e colocam Exú pra trabalhar.
Temas caros às Ciências Sociais podem ser estudados à luz da chave analítica da
Encruzilhada. Questões identitárias, que envolvem gênero, classe, raça, origem e gerações;
debates epistemológicos que emergem a partir do encontro de teorias de diversas origens;
análises sobre o contato entre os povos em questões de conflito, migrações e fronteiras;
enfim, uma gama inenarrável de objetos de pesquisa que necessitam ser investigados à luz de
categorias próprias da nossa realidade.
Exú faz a troca de Axé e é ele quem faz a mediação. A depender de como a troca é feita,
a depender de que energias estejamos oferecendo a Exú, poderá resultar em injúrias,
iniquidades e desordem ou, por outro lado, poderá trazer justiça, paz social, solidariedade e
ordem.  

Luis Tomás Domingos é Pós-Doutorado pela Universidade Federal do Ceará / Brasil (2020);
Doutorado em Antropologia e Sociologia da Política pela Universidade de Paris 8/ França
(2002); Mestrado em Antropologia e Sociologia da Política e do Desenvolvimento -
Universidade de Paris 8, França; Graduado em Etnologia e Sociologia - Universidade de Paris
8, França; Formado em Filosofia no Seminário Maior de Santo Agostinho (1989),
Moçambique. Atualmente é professor da Universidade da Integração Internacional da
Lusofonia Afro-Brasileira, UNILAB - Ceara/Brasil. Docente do Programa Associado de Pós-
Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Ceará e da Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira - PPGA/ UFC-Unilab. Docente do
Programa de Pós-graduação, Mestrado Acadêmico em Sociobiodiversidade Tecnologias
Sustentáveis - MASTS/UNILAB. Docente do curso de Bacharelado em Antropologia -
Unilab. Membro da Rede Internacional Interdisciplinar de Pesquisadores em
Desenvolvimento de Territórios (Rede-TER); Membro da SOTER - Sociedade de Teologia e
Ciências da Religião; Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas - Sankofa/Unilab. Tem
experiência na área de Antropologia e Sociologia da Política, com ênfase em Antropologia
Social e Cultural atuando principalmente nos seguintes temas: identidades sociocultural e
política, étnico-raciais, religiosidade de Matriz Africana, estudos Africanos e
Afrodescendentes, África e Diásporas Africanas. Possui 4 (quatro) livros publicados. Possui
vários artigos e itens de produção bibliográfica e técnica. https://orcid.org/0000-0002-0062-
6834. E-mail: luis.tomas@unilab.edu.br.

caio barbosa portela é mestrando do Programa Associado de Pós-Graduação em Antropologia


UFC-Unilab. Licenciado em Ciências Sociais pela UFC com estágio docente realizado na
disciplina Sociologia oferecida aos alunos do 2º ano do Ensino Médio da EEMTI João
Nogueira Jucá, sob a supervisão da Profa. Ynara Guedes. Bacharel em Urbanismo pela
UNEB, Engenharia Sanitária, Civil e Ambiental pela UFBA. Servidor do Ministério Público
Federal (MPF) integrante da carreira de Analista do MPU/Perito em Engenharia Civil. Atua
como membro permanente do Comitê Gestor de Gênero e Raça do MPF e participa de bancas
de heteroidentificação racial para verificação do cumprimento da lei de cotas. É pesquisador
do Grupo de Estudos e Pesquisas – Sankofa, vinculado à Unilab, coordenado pelo
antropólogo Prof. Dr. Luis Tomás Domingos e pela antropóloga Profa. Dra. Carla Susana
Alem Abrantes. Principal linha de pesquisa a que se vincula: Conhecimento, Poder e
Epistemologias. Principais interesses de pesquisa: identidades e relações étnico-raciais;
cosmovisões africana, afro-brasileira e ameríndia; teoria antropológica; teoria social; tradições
e religiosidades africana, afro-brasileira e ameríndia; fundamentos teórico-metodológicos em
Antropologia Social. https://orcid.org/0000-0002-0271-6809. E-mail: cbportela@gmail.com.
Notas

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A ANTROPOLOGIA, O COLONIAL, O PÓS-COLONIAL E O DECOLONIAL:
ENCRUZILHADA COMO CATEGORIA ANALÍTICA AFRO-BRASILEIRA

Resumo

O objetivo deste artigo é trazer reflexões sobre como a Antropologia enquanto


disciplina científica foi influenciada pelo evolucionismo e pelo positivismo e se
articulou ao discurso colonial, ao mesmo tempo que possibilitou a emergência de
teorias críticas do paradigma da modernidade/colonialidade. Faremos um percurso
histórico para demonstrar que outras ciências também atuaram articuladamente às
instituições coloniais e permanecem até hoje. Os conceitos de colonização,
descolonização, colonialismo e colonialidade serão articulados de modo a apresentar
experiências, teorias e perspectivas críticas ao modelo ocidental de racionalidade.
Apresentaremos a Encruzilhada como categoria analítica Afro-brasileira
relacionando-a com o pensamento feminista negro e o conceito de
interseccionalidade. Essa correlação poderá ser útil para análise de fenômenos
implicados na situação colonial, tais como, identidades, alteridades, racismo e
sexismo epistêmicos.

Palavras-chave: Antropologia, Encruzilhada, categoria afro-brasileira.


A ANTROPOLOGÍA, LO COLONIAL, LO POST-COLONIAL Y LO DECOLONIAL:
LA ENCRUCIJADA COMO CATEGORÍA ANALÍTICA AFRO-BRASILEÑA

Resumen

El propósito de este artículo es traer reflexiones sobre cómo la Antropología como


disciplina científica fuera influenciada por el evolucionismo y el positivismo y se
articuló al discurso colonial al tiempo que permitió el surgimiento de teorías críticas
del paradigma de la modernidad/colonialidad. Haremos un recorrido histórico para
demostrar que otras ciencias también actuaron en conjunto con las instituciones
coloniales y se mantienen hasta el día de hoy. Se articularán los conceptos de
colonización, descolonización, colonialismo y colonialidad para presentar
experiencias, teorías y perspectivas críticas al modelo occidental de racionalidad.
Presentaremos la Encrucijada como una categoría analítica Afrobrasileña
relacionándola con el pensamiento feminista negro y el concepto de
interseccionalidad. Esta correlación puede ser útil para el análisis de fenómenos
involucrados en la situación colonial, como las identidades, alteridades, el
epistémicas racismo y el sexismo.

Palabras-clave: Antropología, Encrucijada, categoría afro-brasileña.


THE ANTHROPOLOGY, THE COLONIAL, THE POST-COLONIAL AND THE
DECOLONIAL: CROSSROADS AS AN AFRO-BRAZILIAN ANALYTICAL
CATEGORY

Abstract

The purpose of this paper is to bring reflections on how Anthropology as a scientific


discipline was influenced by evolutionism and positivism and was articulated to the colonial
discourse while enabling the emergence of critical theories of the modernity/coloniality
paradigm. We will take a historical route to demonstrate that other sciences also acted in
conjunction with colonial institutions and remain until today. The concepts of colonization,
decolonization, colonialism and coloniality will be articulated in order to present experiences,
theories and critical perspectives to the western model of rationality. We will present the
Crossroads as an Afro-Brazilian analytical category relating it to black feminist thought and
the concept of intersectionality. This correlation may be useful for the analysis of phenomena
involved in the colonial situation, such as identities, alterities, epistemic racism and sexism.

Keywords: Anthropology, Crossroads, Afro-Brazilian category, decolonization.


1
Nos referimos à modernidade tardia como um devir. Um processo que ocorre de forma
específica nos países colonizados. Concordamos com Stuart Hall (2006: 14) que as sociedades
modernas são “sociedades de mudança constante, rápida e permanente”. Também concordamos com
Giddens (1991: 11) que a modernidade é “uma organização social que emergiu na Europa a partir do
século XVII e que ulteriormente se tornou mais ou menos mundial em sua influência”. A modernidade
tardia compreende o fenômeno que ocorre nas diferentes áreas do globo quanto postas em
interconexão pelo sistema colonial. Essas áreas caracterizam-se pela diferença, pelo antagonismo
social que produz uma infinidade de posições dos sujeitos (Hall 2006: 17).

2
Pierre Gourou (1900-1999), geógrafo francês especialista em Ásia e África. Foi, com Claude
Lévi-Strauss, fundador da revista L’Homme, em 1961. Seu livro Les Pays tropicaux: príncipes d’une
géographie humine et économique foi publicado em 1947 (Césarie 2020: 46).

3
Placide Tempels (1906-1977) foi um missionário franciscano conhecido pelo livro La filosophie
bantoue, de 1945 (Césaire 2020: 47)

4
O historiador, antropólogo e líder político senegalês Cheikh Anta Diop (1923-1986) provocou
uma revolução na historiografia africana ao sustentar que as civilizações surgidas na África pré-
colonial foram criações de pessoas negras e não por povos brancos. Causou especial escândalo Diop
afirmar, no livro Nations nègres et culture (1954) que a civilização egípcia era negra, que os faraós
eram negros. A simples existência de tal hipótese era inaceitável para a historiografia eurocêntrica pois
“civilização é coisa de branco”. (Césarie 2020: 48).

5
O neologismo estória foi proposto em 1919 pelo escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, membro
da Academia Brasileira de Letras, para designar narrativas presentes no campo do folclore, das
culturas populares e dos contos “tradicionais”. Aqui o termo foi utilizado para fazer referência ao
caráter ficcional da narrativa proposta pela História do colonizador.

6
O trabalho de Spencer teve grande impacto para os estudiosos das ciências humanas do período e
foi o grande responsável pela popularização do termo “evolução”, usado em seu livro “Social Statics”
(Estática social), de 1851.
7
Auguste Comte se torna um dos principais nomes associados à corrente positivista e em 1848
criou a “Sociedade Positivista”, que angariou um grande número de seguidores. Entre 1851 e 1854,
publicou os volumes do “Sistema de política positivista”, cujas ideias viriam fundamentar várias
correntes de pensamento político, em vários países (Dicionário de Sociologia 2002 apud CARDOSO
2008: 40).

8
8 Utilizamos o conceito de sistema-mundo tal qual apresentado por Wallerstein (1974). Refere-se
ao que podemos chamar de economia-mundo europeia que emerge no final do século XV início do
século XVI como um sistema social nunca antes experimentado pelo mundo. Considera-se um sistema
social mundial não pelo fato de conter todos os países do mundo, mas por interligá-los numa lógica de
pensamento e ação. Pode ser chamado economia-mundo pois as ligações básicas entre as partes do
sistema são econômicas, embora sejam reforçadas por laços culturais e por arranjos políticos
específicos (Wallerstein 1974: 25).

9
Aqui acompanhamos o conceito do historiador francês Fernand Brasudel, que influenciou o
trabalho de Immanuel Wallerstein (1974) sobre sistema-mundo. O longo século XVI refere-se aos 200
anos que cobrem o período entre 1450-1650. Concordamos que este é um período central para a
formação de um novo sistema histórico, o qual Wallestein denomina como o moderno sistema-mundo
ou a economia-mundo europeia ou a economia-mundo capitalista. (Grosfoguel 2016: 26). Usaremos o
termo longo século XVI para nos referirmos ao processo de “longa duração que cobre a formação
inicial desse sistema histórico”. O termo século XVI foi utilizado para nos referirmos aos anos 1500.

10
 A antropologia funcionalista pode ser considerada aquela representada pela linhagem francesa
de Durkheim e Mauss. A antropologia social britânica, através de etnógrafos como Malinowski (1884-
1942) e Radcliffe-Brown (1881-1955), propôs uma abordagem funcional-estruturalista, unindo o
funcionalismo durkheimiano à teoria dos sistemas de Spencer. (Bodart et al 2020: 87).

11
Franz Boas (1858-1942), antropólogo alemão naturalizado norte-americano, formula a crítica
radical ao evolucionismo, demonstrando que as culturas somente podem ser entendidas em seu
contexto particular, com as diferenças derivadas da trajetória histórica e autônoma de cada sociedade.
A crítica de Boas é fundadora do culturalismo, responsável pela noção de relativismo cultural (Bodart
et al 2020: 87).
12
A antropologia social britânica teve influência da teoria da organização social de Durkheim, que
entendia a sociedade a partir da divisão das suas funções. Malinowski, ao estudar a função do kula
entre os trobriandeses no livro Os argonautas do pacífico ocidental, utilizou o conceito para relacionar
a forma de troca cerimonial intertribal com a dinâmica cultural dos habitantes da Papua-Nova Guiné.
Radcliffe-Brown expressa uma definição de antropologia social como sendo a disciplina que se ocupa
do estudo das formas de associação entre os seres humanos, ou seja, as estruturas de similaridade que
permitem às instituições sociais o exercício das suas funções (cf. Radcliffe-Brown 1973: 220-234).

13
Aqui empregamos o termo situação colonial no sentido de compreender a posição que a
sociedade colonizada é colocada que chama atenção por duas características: sua superioridade
numericamente esmagadora e a dominação radical que sofre. A sociedade colonizada difere da
sociedade colonial pela raça e pela civilização. Consideramos situação colonial como sendo aquela
esquematicamente definida a partir dos grupos que se opõe na sociedade colonial e sociedade
colonizada (Balandier 1993: 116)

14
Todas as traduções apresentadas neste artigo são de nossa autoria.

15
O termo Terceiro Mundo foi oficialmente adotado pela primeira vez durante a reunião de países
asiáticos e africanos, em abril de 1955, na Conferência de Bandung, em Java, na Indonésia. Definia os
países que não se aliaram a nenhuma das duas superpotências do período: EUA e URSS. A origem do
nome está na ideia do demógrafo francês Alfred Sauvy (1898-1990) que assemelha o conceito ao de
Terceiro Estado, usada na revolução francesa. Para Sauvy os países do Terceiro Mundo deveriam se
unir para revolucionar o Planeta, com fizeram os revolucionários na França. Utilizaremos o termo
Terceiro Mundo para nos referir ao conjunto de países colonizados e submetidos ao sistema terceiro-
mundista a partir de uma estrutura de inferiorização criada pelos países centrais durante a globalização
perversa (Santos 2000: 10). Deve-se inclui no Terceiro Mundo boa parte dos países da América Latina,
África e Ásia que foram colonizados.

16
cf. Foucault (1981, 2008).

17
Colonialidade não é o mesmo que colonialismo. Colonialismo denota uma relação política e
econômica, na qual a soberania do povo reside no poder de outro povo ou nação. A colonialidade se
refere a um padrão de poder que emerge como resultado do colonialismo moderno (Maldonado-Torres
2007: 131).

18
Ramon Grosfoguel, professor do Departamento de Estudos Étnicos da Universidade da
Califórnia, Berkeley, é um dos autores que, juntamente com Anibal Quijano e outros integrantes
latino-americanos do grupo modernidade/colonialidade debatem sobre descolonização do poder, do
saber e do ser. Esses autores ficaram organizados dentro de uma linhagem teórica que ficou conhecida
como perspectiva decolonial. Esse grupo conta ainda com contribuições do teórico português,
Boaventura de Sousa Santos, ao qual ficou associado a formulação do termo Epistemologias do Sul,
para referir-se ao conjunto de perspectivas que emergem da diversidade epistemológica do mundo.
19

O termo “giro decolonial” foi cunhado primeiramente por Nelson Maldonado-Torres em 2005
(Ballestrin 2013: 105; Maldonado-Torres 2008: 63). A Profa. Dra. Luciana Ballestrin deu os contornos
nacionais do pensamento decolonial no artigo de 2013 América Latina e o giro decolonial. No texto
Ballestrin refere-se ao termo como “movimento de resistência teórico e prático, político e
epistemológico, à lógica da modernidade/colonialidade" (Ballestrin 2013: 105).

20
O perspectivismo ameríndio é uma síntese conceitual operada pelo Prof. Dr. Eduardo Viveiros
de Castro (1951-) e pela Profa. Dra. Tânia Stolze Lima e consiste numa experiência crítica do modelo
secular de produção de conhecimento, lastreado no etnocentrismo. Trata-se de uma matriz filosófica e
epistemológica amazônica, tomada a partir de experiências etnográficas dos povos ameríndios, no que
se refere à sua concepção de natureza dos seres e da composição do mundo (cf. Lima 1996 e Viveiros
de Castro 1996).

21
Alberto Guerreiro Ramos foi um sociólogo, político e intelectual nascido em Santo Amaro,
interior da Bahia, que se tornou um dos precursores no estudo da sociedade nacional utilizando
elementos críticos para contrapor à teoria social clássica.
22

Nascida no Rio de Janeiro em 1955, Leda Maria Martins se configura como uma das principais
pensadoras do teatro brasileiro, sobretudo o teatro negro brasileiro. Formou-se em Letras pela
Universidade Federal de Minas Gerais e, devido à sua excelência acadêmica, realizou mestrado em
Artes na Indiana University, entre os anos de 1978 a 1981. Sua dissertação, intitulada O Moderno
Teatro de Qorpo Santo se volta sobre a obra dramatúrgica de Qorpo-Santo. Ainda nos EUA, Leda se
depara com o livro Drama para negros e Prólogos para brancos, coletânea de textos dramáticos
organizados por Abdias Nascimento e encenados pelo Teatro Experimental do Negro – TEN. Sob a
influência do trabalho dramatúrgico do TEN, a pesquisadora ingressa no curso de doutorado em
Estudos Literários da UFMG no ano de 1987, investigando de forma comparativa a trajetória teatral do
TEN, no Brasil, e a formação do Teatro Negro (Black Drama) nos Estados Unidos. Como fruto de sua
tese surge o inovador e importante livro A Cena em Sombras, publicado em 1995.

23
 Segundo Castro (2001), Sàlámì e Ribeiro (2015) e Domingos (2014), na tradição Yorùbá, a
palavra Aiyé pode ser traduzida como terra ou mundo. 

24
Òrùn, na língua kwa, é o mesmo que céu. No tronco etnolinguístico banto nomeia-se dyulu
(luílo). Em fon, língua oficial do antigo Reino do Daomé, se diz hunhonsɛ` (rundocé) (CASTRO,
2001).

25
Itan é uma palavra de origem Yorùbá que significa história, qualquer história; um conto. De um
modo mais específico, itan são histórias do sistema nagô de consulta às divindades. Na África, os itan
compunham, e ainda compõem, o oráculo denominado Ifá, que pode ser lido e interpretado através de
um conjunto de dezesseis sinais, os odu (Póvoas 2004: 25).

26
Toda manifestação viva pressupõe a presença de uma força vital, que constitui um valor
supremo e determina o ideal do viver forte nos planos material, social e espiritual. Enquanto energia,
pode ser obtida ou perdida, acumulada ou esgotada, e também transmitida. Seu acúmulo manifesta-se
física e socialmente como poder, e seu esgotamento, como doença física ou adversidades de toda
ordem. Entre os iorubás tal força recebe o nome de Axé (Sàlámì e Ribeiro 2015: 43).
27

Patricia Hill Collins, nascida na Filadélfia em 1 de maio de 1948, é uma renomada professora de
Sociologia da Universidade de Maryland. Trabalha temas relacionados ao pensamento feminista negro
dentro da comunidade afro-americana. A autora tem grande contribuição nos estudos sobre ocorrência
simultânea de opressões de raça, classe, gênero, sexualidade e origem e utilizou o termo
interseccionalidade, originalmente cunhado por Kimberlé Crenshaw, para referir-se à sobreposição
dessas opressões.

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