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Universidade Federal do Ceará

Departamento de Ciências Sociais


-
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira Instituto
de Humanidades e Letras
-
Programa Associado de Pós-graduação em Antropologia – PPGA-UFC/UNILAB

Branquitude institucional no Brasil:


Um estudo sobre o pacto draconiano da racialidade branca no Ministério Público
Federal
Linha de Pesquisa 2) Diferença, Poder e Epistemologias
Outubro/2020

1. Introdução

Interferir
Desde os primeiros anos desse século os estudos sobre branquitude vêm se
aprofundando no Brasil. Isso tem contribuído para a ascensão dos debates sobre o tema,
tanto nas universidades quanto em outras instituições. O assunto popularizou-se e vem sendo
discutido constantemente em diversos ambientes, especialmente na internet e nas redes
sociais.
Branquitude significa pertença étnico-racial atribuída ao branco. É sinônimo de
racialidade branca, o lugar mais elevado da hierarquia racial (CARDOSO; MÜLLER, 2017).
Atualmente existe um movimento intelectual que busca trazer à tona o poder que
a
branquitude tem exercido nas instituições, além de expor outros privilégios decorrentes desse
pertencimento racial. Essa onda teórica emerge no Brasil a partir do início dos anos 2000 e
tem expoentes como Maria Aparecida Silva Bento, Lourenço Cardoso, Tânia Müller, Priscila
Elisabete da Silva, Cintia Cardoso, dentre outras e outros não menos importantes. Esse grupo
apresenta, numa relevante bibliografia, conceitos sobre a reprodução das vantagens raciais,
econômicas, jurídicas, políticas e institucionais a favor de um grupo (brancos) em prejuízo
de outro (negros).
Nesse contexto, o presente projeto direciona-se a uma pesquisa que visa entender
como a branquitude atua na formulação e implementação das ações de promoção da
igualdade racial no Ministério Público Federal (MPF). Parte-se da premissa de que ela
exerce poder decisório na organização e suas instâncias, sendo capaz, inclusive, de atuar
decisivamente nesse processo.
A pesquisa consiste em compreender como as manifestações da racialidade
branca
no discurso, planejamento, formulação e execução das pautas antirracistas, contribuem para
a reprodução das desigualdades raciais presentes na sociedade, comprometendo o avanço
dessas pautas no MPF. Fundamental que essa pesquisa se some à bibliografia existente e que
inspire trabalhos futuros, na busca incessante por desvelar esse fenômeno em outras
instituições do país, visando à sua superação e ao efetivo combate das desigualdades raciais.
O objeto de investigação deste trabalho relaciona-se com os campos da
Identidade
e Poder, integrantes da linha de pesquisa ora pleiteada. Desse modo, a pesquisa almeja
2
problematizar a dinâmica das relações de poder presentes na instituição, a partir da inserção
no local de pesquisa escolhido, com o intuito de desvelar como a racialidade branca opera a
formulação e execução das pautas raciais no MPF.

2. Objetivos

2.1. Objetivo Geral



Pesquisar, a partir de um estudo antropológico, como a branquitude interfere na
implementação efetiva das pautas antirracistas no MPF, com vistas a estimular pesquisas
semelhantes a essa em outras instituições brasileiras.
2.2. Objetivos Específicos


Analisar e interpretar o conjunto de leis, decretos, portarias normativas, regimentos diretivos,
termos de compromisso e portarias internas que fundamentam a implementação das ações de
promoção da igualdade racial nas instituições brasileiras em geral e, especificamente, no MPF;


Analisar e narrar, a partir dos registros de campo, o modo de interação, de conflito e de decisão
das pautas tratadas nas reuniões do Comitê Gestor de Gênero e Raça da Procuradoria Geral da
República do MPF (CGGR/PGR), das quais já participo como representante da Comissão
Local de Equidade de Gênero e Raça da
Procuradoria da República no Estado do Ceará (CGR/PR-CE);


Analisar e interpretar os documentos produzidos pelos atores sociais envolvidos nos programas
de promoção da igualdade racial do MPF, com base no aporte teórico levantado na revisão de
literatura. Serão analisados dados constantes nos documentos produzidos entre 17 de março de
2014, data em que foi instituído o CGGR/MPF, e 14 de junho de 2020, quando foi emitida a
última versão da Informação Técnica n.º 02/2020/CGGR/MPF, com a análise de dados dos
perfis de gênero e raça do corpo funcional do MPF, entre 1 de janeiro de 2019 a 31 de
dezembro de 2019;

3
Analisar e interpretar como os discursos e as práticas das e dos participantes do CGGR/PGR
interagem nas formulações e implementações de ações de combate ao racismo no MPF, a luz
do desenvolvimento do conceito de pacto draconiano1 da branquitude.

3. Justificativa

Historicamente tem sido privilegiada a elaboração de estudos relativos ao negro-


tema deixando-se de falar, por muito tempo, do branco-tema. Isso preocupa pois continua
reforçando o sentimento de antagonismo branco-negro numa sociedade na qual o branco pode
agir ativamente no processo de transformação social.
De acordo com Guerreiro Ramos (1995, p. 215), “(...) o negro-tema é uma coisa
examinada, olhada, vista, ora como ser mumificado, ora como ser curioso, ou de qualquer
modo como um risco, um traço da realidade nacional que chama a atenção.”
Para Lourenço Cardoso (2014),
(...) efetivamente serão os estudos sobre a branquitude no Brasil que evidenciarão o
“brancotema” de maneira insofismável.” O mesmo autor ainda complementa: “diante disso, o
grau máximo é atingido quando a “ausência” do branco-tema é tratada como se fosse um dado
natural (...) A emergência do branco-tema relaciona-se com a influência e poder de
mobilização do movimento negro.

Estudos sobre branquitude cumprem o papel fundamental de problematizar os


privilégios da racialidade branca. Essa produção teórica vem explicitar vantagens raciais, de
modo a tornar os brancos conscientes e aptos a questioná-las, participando ativamente dos
debates sobre a distribuição equitativa do produto social nacional entre brancos e negros
(MUNANGA, 2017 p. 11-12).
Nesse sentido, o trabalho ora proposto colaborará para a ampliar a compreensão
sobre o fenômeno da branquitude no MPF, contribuindo para o enriquecendo da antropologia
das identidades e para o aumento do repertório teórico sobre o tema. Ademais, estudos desse
caráter são de suma importância pois ampliam a possibilidade de problematizar a questão
racial do branco, colocando-o como sujeito de pesquisa, assim como sempre investigaram o
negro.
Vale ressaltar que esse projeto parte da premissa de que a branquitude tem sido um
obstáculo para as pautas antirracistas nas instituições. Desse modo, um estudo que visa uma
incursão nessa realidade para buscar compreender como esse fenômeno se dá, permite que
seja dada visibilidade à discussão da temática apoiando o avanço progressivo da superação
das desigualdades raciais.

1 Drácon ou Draconte, com equivalência em grego Drákõn, tornou-se um célebre legislador grego no século VII a.C. Por ser
de família aristocrática, em 621 a.C. recebeu poderes para desenvolver leis que amortecessem os conflitos sociais existentes
desde o golpe de estado provocado por Cilón e o exílio de Megacles.
4
A legislação desenvolvida por Drácon ficou conhecida por ser a primeira a ter previsão de sanções e infrações no seu bojo. O
Código de Drácon ficou conhecido pela sua rigidez. Até hoje utiliza-se o termo “draconiano” quando a situação é muito dura
ou rígida, por exemplo. O vocábulo “draconiano”, proveniente de Drácon, me fez lembrar Drácula, personagem criado por
Bram Stoker. O Escritor inspirou-se no príncipe romeno Vlad Tepes, nascido em 1431 e governante da Romênia, para criar a
persona do famigerado e temido Conde Drácula. Não pude evitar de comentar essa coincidência de nomes: Drácon e Drácula.
Ambos rígidos e cruéis, um dispôs legislação nefasta e o outro executava vorazmente suas vítimas (RIBEIRO, 2011). Ao
tomar conhecimento dessa coincidência de nomes provocada pelo vocábulo” draconiano”, elaborei uma analogia unindo dois
conceitos sobre branquitude: primeiro o branco Drácula, formulado por Lourenço Cardoso (2014); segundo o pacto narcísico,
desenvolvido por Maria Silva Bento (2002). No decorrer da pesquisa irei desenvolver o conceito de pacto draconiano da
branquitude no MPF.
Além disso, a escolha do local da pesquisa, Ministério Público Federal, instituição
que exerce função essencial à justiça e tem relevante prestígio social, dá mais destaque ainda
a questão. De fato essa pesquisa demonstrará a real necessidade de racializarmos o debate
público no Brasil, destacando as implicações que o racismo estrutural traz diuturnamente
para nossas instituições e como elas estão lidando com isso.

Em resumo: o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo


“normal” com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares,
não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural.
Comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo
racismo é a regra e não a exceção. O racismo é parte de um processo social que ocorre
“pelas costas dos indivíduos e lhes parece legado pela tradição” (ALMEIDA, 2019, p. 50).
Destaco ainda que estudos exploratórios dessa natureza, no âmbito das instituições
públicas, contribuem para o aprimoramento das políticas de ações afirmativas, incorporando
valores e práticas antirracistas às organizações do país. Essa pesquisa revela-nos uma
oportunidade singular: a de realizar uma etnografia numa das instituições de maior prestígio
social do país, com potencial de contribuição efetiva para a superação do racismo
institucional, e que servirá de exemplo para outras instituições brasileiras.

4. Problemática

Instituição
Os dados empíricos nos trazem duas questões fundamentais para a formulação da
problemática de pesquisa: primeiro, há uma predominância da cor branca entre as/os
membras/os da carreira de Procurador/a da República do MPF. Segundo, no 29º concurso para
Procurador da República (agosto de 2016), cujos membros foram empossados em 2019,
apenas um homem preto tomou posse na vaga reservada para as cotas2. Órgão
Ora, considerando que o cargo de coordenador/a do Comitê Gestor de Gênero e
Raça (CGGR/PGR) é privativo do/a Vice-Procurador/a-Geral da República 3, exercido por
membro/a integrante da carreira de Procurador/a da República, temos aí nossa problemática: o
2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Comitê Gestor de Gênero e Raça da Procuradoria Geral da República (CGGR/PGR).
Informação Técnica 02/2019/CGGR/MPF. Brasília, 2019. O documento contém a análise dos dados da Ficha de Perfil do
corpo funcional do MPF elaborada com dados coletados no período entre 1º de janeiro de 2018 e 31 de dezembro de 2018.
3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Procurador-Geral da República. PORTARIA PGR/MPF Nº 108/2014. Brasília,
2014.
5
branco é maioria no MPF e por isso tem maior probabilidade de ocupar o cargo mais alto do
Comitê de promoção da igualdade racial do MPF. Inclusive, desde a criação do CGGR/PGR
em março de 2014, a coordenação está a cargo de uma pessoa branca. Entidade
Uma vez que os brancos desempenham a principal função de liderança nessa
instância deliberativa, pergunto: qual a importância de problematizarmos a questão da
branquitude e empreendermos esforços numa pesquisa que pense o papel da racialidade
branca na reorganização desse cenário?
O CGGR/PGR foi instituído para coordenar a articulação das ações do Programa
Pró-Equidade de Gênero e Raça4, o qual o MPF aderiu voluntariamente junto à Secretaria de
Política para as Mulheres da Presidência da República (SPM/PR), em 18 de março de 2014 5.
O Comitê elaborou Planos de Ações para o programa, em âmbito nacional e ficou responsável
por supervisionar a execução das ações planejadas nas unidades, assessorando a criação de
Comissões Locais de Equidade de Gênero e Raça nos estados, além de monitorar os processos
e avaliar os resultados do que fora realizado.
Após a execução das ações planejadas e o cumprimento do primeiro plano no
biênio 2014-2015, o MPF foi premiado pela SPM/PR com o Selo Pró-Equidade de Gênero e
Raça da 5ª edição, em cerimônia realizada no dia 24 de novembro de 20156.
Ocorre que a adesão ao premiado programa não foi suficiente para assegurar a
distribuição igualitária das oportunidades no MPF, do ponto de vista racial. Dados do perfil
funcional da instituição mostram que houve diminuição, em 2016, do número de pessoas de
cor preta e parda no órgão em relação a 2015 e 20147.
Parte-se da premissa que a branquitude celebrou um pacto, de modo tácito e
subentendido, capaz de exercer poder decisório nas instâncias internas do órgão e operar
desfavoravelmente na formulação e execução das pautas antirracistas na instituição.

4 O Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça consiste em disseminar novas concepções na gestão de pessoas e na cultura
organizacional para alcançar a igualdade entre mulheres e homens no mundo do trabalho. É dirigido a empresas de médio e
grande porte, públicas e privadas, com personalidade jurídica própria. A adesão ao programa é voluntária.
Ao participar do programa, a empresa elabora a ficha perfil da organização e um Plano de Ação explicitando como vai
desenvolver as ações de equidade de gênero e raça, de forma transversal e interseccional, dentro da organização.
A empresa que executa as ações de maneira satisfatória, no período do programa, conta com uma marca de gestão eficiente –
o Selo Pró-Equidade de Gênero e Raça - que contribui para o alcance de bons resultados econômicos, financeiros e
socioambientais, e a divulgação nacional e internacional (por meio eletrônico) sobre o compromisso assumido com a
igualdade racial e entre mulheres e homens.
5 http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/vice-pgr-participa-da-adesao-do-programa-pro-equidade-de-genero-e-raca
6
http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/mpf-e-premiado-em-cerimonia-de-entrega-do-selo-pro-equidade-de-genero-e-raca
7
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Comitê Gestor de Gênero e Raça da Procuradoria Geral da República (CGGR/PGR).
Informação Técnica n.º004/2017/CGGR. Brasília, 2017. O documento contém a análise dos dados da Ficha de Perfil do
corpo funcional do MPF elaborada com dados coletados entre janeiro e julho de 2017.
6
5. Revisão de literatura

Configurações históricas foram responsáveis por estruturar o pensamento racial em


nossa sociedade ao longo dos tempos. Assim, interpretar o modo como as instituições
contemporâneas lidam com a questão racial, deve partir da compreensão de que o debate
sobre raça tem suas bases empreendimentos teóricos das primeiras décadas do século XX,
quando nasceram, naquele contexto, instituições centrais da nossa sociedade (SILVA, 2017, p.
19).
Nesse processo a produção teórica sobre o branco-tema, quando comparada em
termos quantitativos com os estudos sobre o negro-tema, ainda é bem pequena. Atualmente
vemos sinais claros de mudança nesse panorama e a emergência dos estudos sobre
branquitude tem suma importância nesse processo.
Assim mostra Kabenguele Munanga, ao prefaciar a obra Branquitude, estudos
sobre a identidade branca no Brasil:
Os estudos sobre as relações raciais muito falaram do negro e dos problemas que lhe foram
criados no universo racial brasileiro, mas deixaram de falar de brancos numa sociedade em
que a Branquitude poderia também fazer parte do processo de transformação social, partindo
da hipótese de que os brancos conscientes dos privilégios que sua cor lhes traz na sociedade
poderiam questioná-los e participar do debate sobre a divisão equitativa do produto social
nacional entre brancos e negros. (MUNANGA, 2017, p. 11-12).

Os estudos críticos da branquitude surgem com o intuito de problematizar o local


de privilégio racial que o branco assume na estrutura social. Como afirma Silva (2017, p. 21),
“(...) nasceram da percepção de que era preciso analisar o papel da identidade racial branca
enquanto elemento ativo nas relações raciais em sociedades marcadas pelo colonialismo
europeu”. Estudos marcados por essa percepção trazem o branco como sujeito de pesquisa,
colocando-o em evidência, da mesma forma que sempre foi feito com o negro.
Intelectuais como W.E.B Du Bois, Frantz Fanon, Albert Memmi, Steve Biko e
Alberto Guerreiro Ramos, compreendidos atualmente como precursores nos estudos sobre
branquitude (SILVA, 2017, p. 21), trouxeram nos seus trabalhos a importância de lançarmos
um olhar crítico sobre o papel da branquitude nas relações raciais pós-coloniais. Segundo
Silva (2017, p. 21) esses autores foram os que primeiro chamaram atenção para os efeitos da
colonização e do racismo na subjetividade não só do negro mas, sobretudo, do branco.
Em meados do século XX, Guerreiro Ramos traz as primeiras inquietações teóricas
sobre branquitude no Brasil. Ramos parte da crítica sobre a não existência de uma real
antropologia brasileira. Segundo ele, os estudos raciais no Brasil focaram no problema do
negro e especializaram-se na importação de teorias estrangeiras para isso (RAMOS, 1995, p.

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163). Nesse texto Guerreiro Ramos desvela o fato de que os estudos que historicamente
abordaram o negro-tema foram deduzidos de categorias tiradas da realidade europeia e norte-
americana. O seu trabalho revelou as fragilidades das metodologias utilizadas nos estudos
antropológicos sobre raça no país.
Conforme demonstrado por Lourenço Cardoso (2014), somente a partir dos anos
2000 os estudos sobre branquitude emergem de forma mais sistemática (SILVA, 2017, p. 25).
Destaca-se nessa época a tese de doutorado de Maria Aparecida Silva Bento, Pactos
narcísicos no racismo: branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder
público (2002), a qual problematiza sobre a urgência de entendermos e atuarmos diante dos
impactos que o legado de branqueamento deixou nas instituições públicas e organizações
privadas brasileiras.
De acordo com Silva (2017, p. 26), “a partir da primeira década do século XXI, o
tema branquitude tem chamado cada vez mais a atenção de novos pesquisadores, o que tem
fortalecido o tema, constituindo-o como campo de pesquisa reconhecido por seus pares”.
Sinais de mudança no cenário onde historicamente focou-se no problema do negro, hoje abre-
se espaço para a possibilidade de problematização da questão racial do branco.

6. Metodologia

A pesquisa ora proposta consiste na elaboração de um estudo de caso sobre a


branquitude institucional no MPF, com realização de trabalho de campo.
O termo "estudo de caso" vem de uma tradição de pesquisa médica e psicológica, onde se
refere a uma análise detalhada de um caso individual que explica a dinâmica e a patologia de
uma doença dada; o método supõe que se pode adquirir conhecimento do fenômeno
adequadamente a partir da exploração intensa de um único caso. Adaptado da tradição médica,
o estudo de caso tornou-se uma das principais modalidades de análise das ciências sociais.
O caso estudado em ciências sociais é tipicamente não o de um indivíduo, mas sim de uma
organização ou comunidade.
O cientista social que rea1iza um estudo de caso de urna comunidade ou organização
tipicamente faz uso do método de observação participante em uma de suas muitas variações,
muitas vezes em ligação com outros métodos mais estruturados, tais como entrevistas.
(BECKER, 1993, p. 117-118).

A estratégia adotada para o trabalho conduz à construção de uma etnografia. Para


tanto serão realizadas observações participantes nas reuniões do CGGR/PGR, onde
serão aplicadas três técnicas fortemente entrelaçadas: percepção, memorização e
anotação (BEAUD; WEBER, 2007, p. 97). Pretende-se aqui, como afirmou Stéphane
Beaud e Florence Weber (2007, p. 98), um “vai e vem permanente entre percepções,
explicação mental, memorização e o caderno (diário de campo) no qual se faz as

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anotações. Uma vigilância aguçada por informações exteriores e questões que evoluem
à medida que o trabalho avança”.
Concomitantemente à etapa de campo será feita a leitura, análise e interpretação do
conjunto de leis, decretos, portarias normativas, regimentos diretivos, termos de
compromisso e portarias internas que fundamentam a promoção da igualdade racial nas
instituições brasileiras e no MPF. O mesmo será feito com os documentos produzidos
pelos atores sociais envolvidos nos programas de promoção da igualdade racial do MPF.
Será construída uma análise desse material, com base no aporte teórico levantado na
revisão de literatura.
Após o processo observacional e de análise do material empírico, será construído,
a partir das anotações (descrições e reflexões) feitas no diário de campo, esboços
analíticos iniciais na tentativa de ilustrar as primeiras impressões de como a branquitude
exerce influência no comportamento dos atores sociais envolvidos nos processos. Nesse
momento pretende-se narrar o modo de interação, conflito e decisão das pautas tratadas
nas reuniões do CGGR/PGR.
Após a análise do material coletado nas observações, pretende-se construir uma
entrevista etnográfica para ser aplicada aos participantes do CGGR/PGR que forem
selecionados no decorrer do trabalho de campo. A escolha será feita a partir dos avanços
alcançados na adoção dos procedimentos de observação participante.
Mesmo sendo tão difícil na realidade, a observação continua sendo a principal ferramenta da
etnografia, sua melhor arma. A entrevista é seu complemento mais ou menos indispensável.
Conforme as pesquisas nos apoiamos mais em uma que na outra. Por exemplo, os trabalhos
sobre as instituições onde é difícil instalar-se como pesquisador (prisões, fábricas), utilizam
entrevistas longas e repetidas com pessoas que trabalham nesses locais, como forma de
substituição; se o pesquisador não pode observar in situ, pede aos pesquisados que lhes
relatem suas próprias observações. (...) Chamam-se entrevistas etnográfica porque não são
“isoladas”, nem independentes da situação de pesquisa. Os entrevistados são re-situados em
seus meios de interconhecimento (que são também seus meios de pesquisa). Tomam lugar e
sentido num contexto cuja dimensão histórica e local (história longa da região, história dos
lugares e das pessoas) você não negligenciará. (BEAUD; WEBER, 2007, p. 118).
A entrevista etnográfica proposta se apoiará nas observações prévias e, por sua
vez,
guiará as observações posteriores. Como afirma BEAUD; WEBER (2007, p. 118),
“entrevistas e observações fazem progredir a pesquisa como um concerto. Não há corte entre
ambas. É o campo que lhe ditará a respectiva parte que lhes deverá atribuir.” Desse modo os
discursos e práticas das e dos participantes do CGGR/PGR serão interpretados a luz desse
equilíbrio entre entrevista e observações.

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Emergência

7. Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo Estrutural. Série Feminismos Plurais. Coordenação de
Djamila Ribeiro. São Paulo: Pólen, 2019. 264p.
BECKER, Howard S. Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais. Tradução Marco Estevão e
Renato Aguiar. São Paulo: Editora Hucitec, 1993.
BENTO, Maria Aparecida Silva. Pactos narcísicos no racismo: branquitude e poder nas
organizações empresariais e no poder público. Tese (Doutorado em Psicologia) – Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo. Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do
Desenvolvimento e da Personalidade, São Paulo. 2002. Disponível em:
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-18062019-181514/pt-br.php. Acesso em:
30 set. 2020.
BEAUD, Stéphane; WEBER, Florence. Guia para a pesquisa de campo: produzir e analisar
dados etnográficos. Petrópolis: Editora Vozes, 2007.
CARDOSO, Lourenço. O branco ante a rebeldia do desejo: um estudo sobre a branquitude
no Brasil. 2014. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Faculdade de Ciências e Letras,
Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2014. Disponível em:
http://wwws.fclar.unesp.br/agenda-pos/ciencias_sociais/3146.pdf. Acesso em: 29 set. 2020.
MUNANGA, Kabenguele. Prefácio. In: CARDOSO, Lourenço; MÜLLER, Tânia M. P. (org.).
Branquitude: Estudos sobre a Identidade Branca no Brasil. 1ª edição. Curitiba: Appris
Editora e Livraria, 2017, p. 9-12.

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OLIVEIRA, João Pacheco. Etnografia enquanto compartilhamento e comunicação: desafios
atuais às representações colonial da antropologia. In: FELDMAN-BIANCO, Bela (org.).
Desafios da Antropologia Brasileira. Brasília: ABA, 2013.
RAMOS, Alberto Guerreiro. Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1995. 292p.
RIBEIRO, Roberto Victor Pereira. Direito Grego. Artigo. Portal JurisWay. 08 de ago. 2011.
Disponível em: https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=6346. Acesso em: 01 de out.
2020.
SILVA, Priscila Elisabete. O conceito de branquitude: reflexões para o campo de estudo. In:
CARDOSO, Lourenço; MÜLLER, Tânia M. P. (org.). Branquitude: Estudos sobre a
Identidade Branca no Brasil. 1ª edição. Curitiba: Appris Editora e Livraria, 2017, p. 19-32.

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