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Filosofías del sur y

descolonización
Transmodernidade e interculturalidade
ENRIQUE DUSSEL
Diálogo sul-sul como saída frente ao
eurocentrismo
• Necessário que as comunidades pós-coloniais
estabeleçam um diálogo interfilosófico, porque a filosofia
moderna ocidental decretou a inexistência como filosofia
estrita de todo o exercício filosófico nos ditos países que
suportaram o colonialismo das metrópoles europeias.
• À luz do julgar eurocêntrico, só há filosofia e pensamento
sério na Europa, os países colonizadores têm, no melhor
dos casos, um pensamento colonial.
1. O sentido de uma agenda de
diálogo sul-sul
• 1. Discutir quais são os problemas, temas e hipóteses
reflexivas viáveis acerca do futuro e não apenas
reproduzir a agenda do pensamento do eixo norte
• 2. Necessidade de entender os porquês (as razões) de
termos admitido a compreensão do eixo norte de que,
supostamente, somos desprovidos de pensamento
original, isto é, vinculado às nossas próprias raízes. Como
e por que assumimos uma pauta de reflexão e educação
que não foi capaz de tematizar nossa própria realidade?
2. Modernidade metropolitana e mundos coloniais
• 1. O princípio da compreensão etnocêntrica do pensamento como
gênese da colonização epistêmica: colonização do tempo (cultura
evoluída x atrasada), do espaço (povo civilizado x bárbaro) e da
cultura (desenvolvidos x nativos)
• 2. Conversão do etnocentrismo mundial em globalização dos
valores ocidentais
• 3. Pretensa sobreposição da filosofia moderna às filosofias regionais
“atrasadas”
• 4. Centralização do desenvolvimento no eixo norte sub-
desenvolvendo e produzindo a periferização do eixo sul
2. Modernidade metropolitana e mundos coloniais
Internação da colonialidade epistêmica: “Não há
uma filosofia latino-americana!, se por filosofia
se entende a prática desse discurso teórico tal
como o cumpre a filosofia moderna europeia.
Mas, certamente, há abundantes filósofos e
correntes que fundamentaram na América
Latina processos culturais, políticos, econômicos
ou tecnológicos e que interpretaram o sentido da
vida da nossa região cultural. Mas tiveram
reconhecimento regional, não global, como é
próprio de uma cultura periférica”.
3. A expansão econômico-tecnológica colonial
O trágico da constituição de uma sistema-mundo (da globalização)
econômica capitalista é que o mundo colonial será interpretado
como habitado por seres humanos exploráveis, de segunda
categoria (antropológica, ontológica e ético-politicamente, como
veremos). Eram sub-humanos aqueles a quem a civilização
europeia, ao dominá-los, concedia-lhes simultaneamente algo de
humanidade. A colonialidade era interpretada a partir da Europa
como um dom: o dom da humanização, da civilização. Esta
ideologia, além de todas as outras ideologias modernas, reinou
até o presente.
4. A expansão político-militar colonial
Outro grupo colocado em situação ainda mais
subalternizada são os escravos. Evidentemente, eles não
eram considerados humanos nem sujeitos dos novos
direitos humanos universais proclamados por uma
revolução metropolitana burguesa e colonialista na França
(que interpretava reduzidamente como iguais, fraternos e
livres apenas aos cidadãos metropolitanos, e como
desiguais, dominados e escravos aos não-humanos do Sul).
5. A justificação ontológico-filosófica colonial
Com efeito, a práxis colonial contou desde o início com uma
justificação filosófica (e aí começa a filosofia moderna
europeia que tem pretensões de universalidade,
desgraçadamente aceita pela maioria dos membros da
academia universitária do sul como tal). Essa justificação
filosófica era de caráter antropológico (europeu superior ao
sulino), histórico (a Europa como fim da história do mundo)
e ético (a liberdade é para o europeu civilizar os outros
povos) e isso provava a legitimidade do colonialismo.
Justificação antropológica
Em prudência como em habilidade, e em virtude como em
humanidade, esses bárbaros são tão inferiores aos espanhóis quanto
as crianças aos adultos e as mulheres aos homens; entre eles e os
espanhóis, há tanta diferença quanto entre gente feroz e gente de
uma extrema clemência, entre gente prodigiosamente intemperante
e seres temperantes e comedidos, e, ousaria dizer, tanta diferença
quanto entre os macacos e os homens. (Juan Guinés de Sepúlveda,
Democrates alter, sive de justis belli causis apud Indos [2015], posição 33)
Justificação histórica
Os negros da África, por natureza, não têm nenhum sentimento que se eleve acima do pueril. O
senhor Hume desafia quem quer que seja a citar um único exemplo de um negro demonstrando
talento e afirma que dentre as centenas de milhares de negros que são transportados de seus países
para outros, mesmo dentre um grande número deles que foram libertados, ele nunca encontrou um
só que, seja em arte, seja nas ciências, ou em qualquer outra louvável qualidade, tenha tido um
papel importante, enquanto que dentre os brancos, constantemente ele constata que, mesmo se
nascidos das camadas mais baixas do povo, estes sempre se elevam socialmente, graças a seus dons
superiores, merecendo a consideração de todos. Tanta é a diferença essencial entre estas duas raças;
ela parece também tão grande no que concerne às capacidades quanto segundo a cor. A religião
fetichista, largamente difundida entre eles, talvez seja uma espécie de idolatria que se enraíza tanto
na puerilidade quanto parece possível à natureza humana. A pluma de um pássaro, um chifre de
uma vaca, um búzio, ou qualquer outra coisa ordinária, desde o instante em que esta coisa seja
consagrada por certas palavras, é um objeto de veneração e invocada em juramentos. Os negros são
muito vaidosos, mas à maneira negra, e tão tagarelas que é preciso dispersá-los a golpes de porrete.
(Kant, Observations sur le sentiment du beau et du sublime [1980], p. 505 / AK II, 213)
Justificação ética
• …a África propriamente dita, tão longe quanto a história registra, conservou-se fechada, sem
laços com o resto do mundo; é a terra do ouro, debruçado sobre si mesma, terra da infância
que além do surgimento da história consciente, está envolvida na cor negra da noite...[...] O
que caracteriza os negros, é precisamente o fato de que sua consciência não tenha ainda
chegado à intuição de nenhuma objetividade firme, como por exemplo Deus, a Lei, onde o
homem se sustentasse na sua vontade, possibilitando assim a intuição do seu ser... Como já
dito, o negro representa o homem natural, em toda sua selvageria e sua petulância; é preciso
fazer abstração de qualquer respeito e qualquer moralidade, do que se chama sentimento, se
se deseja de fato conhecê-lo; não se pode encontrar nada nesse caráter que possa lembrar o
homem. (Hegel, Lições sobre filosofia da história [1987], p. 75-6)
• “Os etíopes não têm história, enquanto as hélices do avião que leva o Führer ao encontro de
Mussolini, fazem história”. (Heidegger, Lógica [2008], Introdução)
5. A justificação ontológico-filosófica colonial
• Somos em grande parte comentadores dessa filosofia moderna
europeia, e não pensadores de nossa realidade negada, e não
pensada por essa filosofia com pretensão de universalidade.
• A colonialidade teórico-filosófica é dupla: no centro, pela pretensão
de universalidade da filosofia regional europeia e metropolitana
desde o século XVI e, na periférica, no sul, pela aceitação como uma
evidência por si de que a dita filosofia europeia é a filosofia
universal dos últimos séculos.
• A filosofia colonial do sul, então, negativamente, é aquela praticada
na periferia pelos que eurocentricamente negam sua própria
filosofia regional, local. Essa filosofia se nega por julgar-se indigna e
aceitar a colonização e é, novamente, negada pela filosofia
eurocêntrica.
6. A libertação econômico-política do sul
• Debate de 1969 entre Leopoldo Zea (filosofia como ato universal sem
pretensões de nenhuma particularidade) e Salazar Bondy (filosofia como ato
regional com intenção de refletir a realidade concreta em que se encontra).
• Confundir a realidade europeia ou norte americana como a realidade sem
mais, é uma falácia de desubiquidade (falácia de tomar o espaço ou o mundo de
outra cultura como o próprio, encobrindo a originalidade distinta da outra e
da diferença com a própria realidade).
7. A afirmação das culturas originárias do sul
• Para poder reconstruir as filosofias do sul é necessário, em
movimento inverso ao pretendido secularismo moderno
europeu (que foi a negação das culturas originárias do sul),
recuperar a validade e o sentido das tradições, ainda que
míticas, às quais deve aplicar-lhes uma hermenêutica filosófica
adequada. O método de interpretação (hermenêutica) é
filosófico; o texto ou relato pode ser mítico, poético ou não-
filosófico, mas o resultado da interpretação é
hermeneuticamente uma obra filosófica.
8. A filosofia do sul como crítica da colonialidade
• A crítica da colonialidade de cada uma das filosofias nacionais
e dos continentes culturais do sul será impossível a etapa
exigida no presente ao começar um momento de criatividade e
simetria filosófica. Chamo “simetria” filosófica à atitude
psicológica e de constituição de uma personalidade normal de
considerar aos colegas professores universitários europeus ou
norte-americanos como “iguais”.
• Começa, então, um lento diálogo da filosofia do sul com a do
norte, tão necessário e para o momento quase inexistente no
clima ético de simetria, respeito e aberta à verdade.
9. Desenvolvimento de uma filosofia do sul
• Os momentos de uma tal filosofia do sul devem começar por estudar, debater, expor e
publicar histórias da filosofia de seus respectivos países e de todo o continente cultural.
• Ao mesmo tempo, deve-se publicar (ainda que eletronicamente) as obras clássicas da
filosofia do sul, desde os finais do século XV ao menos, e muito melhor se se incluírem
todas as obras clássicas desde a origem mesma das histórias regionais.
• Necessário produzir pensamento claro, fundamentado e compreensível aos
responsáveis da realidade concreta, política, econômica, cultural, estética, tecnológica,
científica, dos países do sul; uma filosofia própria, expressão do sul e útil para sua
comunidade.
• Será preciso recuperar a criatividade aniquilada aos finais do século XV até o começo
da colonialidade do saber, do ser, do poder e do gênero.
10. O prognóstico de uma idade transmoderna pluriversal:
quatro pressupostos para superar o colonialismo do saber
• Se organizaria um pluriverso analógico, com uma cultura única para toda a
humanidade ou emergirá uma pluriverso analógico cultural que durante século
continuará em um fecundo diálogo intercultural entre culturas distintas em
permanente e mútua fecundação criativa?
• (1) a Modernidade não é a Ilustração e a pretensão kantiana de libertar da menor
idade não é suficiente, porque o eu europeu, sob sua vontade de domínio, constituiu as
outras culturas como suas colônias e à natureza como explorável e como meio para
obtenção de maior valor comercial. [O eu colonial não é um alter ego (Husserl) do
europeu, pois não é compreensível nem condicionável à métrica europeia.]
10. O prognóstico de uma idade transmoderna pluriversal:
quatro pressupostos para superar o colonialismo do saber
• (2) A Modernidade é europeia e única, e se imita em parte atualmente no
processo de globalização em outras regiões do mundo. Pela identificação entre
Modernidade e Europa, necessário quebrar a pretensão de universalidade
desse processo, porque as outras partes do mundo vivem outros momentos
culturais.
• (3) Apagar a pretensão de que estamos na antessala da Nova Idade do mundo,
pois isso subordinaria o momento atual à colonialidade do tempo e do espaço.
Por isso, necessário pensar uma transmodernidade: um horizonte que se abre aos
nossos olhos e que se situa para além dos pressupostos da modernidade
(emancipação kantiana), do capitalismo (capitalismo global), do eurocentrismo
(etnocentrismo cultural) e do colonialismo (forma de sistema-mundo do
poder).
10. O prognóstico de uma idade transmoderna pluriversal:
quatro pressupostos para superar o colonialismo do saber
• (4) Na transmodernidade, a humanidade não se reduzirá à
universalidade unívoca de uma só cultura, mas será necessário abrir-se
a um pluriverso a partir de onde cada cultura dialogará com as outras
a partir de suas “semelhanças” comuns, recriando continuamente sua
própria “distinção” analógica, vertendo-se no espaço dialógico,
mutuamente criativo.
• A transmodernidade será, em última instância, um horizonte futuro que
buscará a superação das dominações substanciais detectáveis no
presente, porque é impossível imaginar hoje a superação das
dominações inevitáveis do futuro que, certamente, dever-se-á à
condição humana.

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