Você está na página 1de 20

Sobre a cultura nacional

Prof. Guilherme Gitahy de Figueiredo

Fanon, Frantz. Os condenados da


terra. Juiz de Fora: UFJF, 2005.

Frantz Fanon (1926-1961)


Desafio
1. Explique e compare as teorias da dominação cultural de
Pierre Bourdieu e Frantz Fanon.
2. Use as idéias de Frantz Fanon como referencial para
elaborar táticas de resistência cultural para o Médio
Solimões.
Guerra de Libertação da Argélia
• No dia 18 de março de 1962, há 50 anos, o governo francês e a Frente de Libertação
Nacional argelina (FLN) assinaram os acordos de Évian, que colocaram fim à guerra
da Argélia e abriram caminho para a independência do país, após 132 anos de colonização.

FLN: mortos em combate: 141 mil Soldados franceses mortos: 17 mil


FLN: mortos em expurgos: 12 mil Colonos franceses desaparecidos e
Civis vítimas de ataque francês : 1 milhão mortos: 3, 3 mil
Argelinos mortos depois da guerra 150 mil Vítimas de atentados na França: 4,3 mil
• Negro martinicano, Fanon serviu como
médico psiquiatra de um hospital
francês durante a guerra de libertação
da Argélia e depois se converteu ao
povo argelino e à sua luta.
• Elaborou o conceito de “situação semi-
colonial” para pensar países que, como
a Argélia e o Brasil, já conquistaram a
independência formal, mas cujas
relações políticas, econômicas e
ideológicas continuam a se reproduzir
em novos termos.
• Se a burguesia das metrópoles
ascendeu através do seu dinamismo,
instrução, capacidade de elaborar uma
ideologia e de acumular capital,
levando às suas nações um pouco de
prosperidade, na sociedade colonial se
forma uma camada burguesa distinta,
que se aliena de um pensamento
próprio e agarra-se ao modelo
metropolitano.
• É uma “burguesia em espírito”,
uma “burguesia de funcionários”, à
qual falta o dinamismo, a riqueza e
a concepção vigorosa das
burguesias das metrópoles e que
procura no serviço aos seus
interesses a oportunidade para
obter dinheiro e poder.
• Ela lucra sobretudo com o
comércio e comissões, e não com
investimentos na produção. É
incapaz de grandes idéias, de
invenção e, imitando os gostos e os
valores das burguesias
metropolitanas, torna-se a sua
caricatura.
• Quando se aguça a luta pela libertação
nacional, esta burguesia apóia os
métodos mais moderados e valoriza o
diálogo com a metrópole e com os
valores e saberes metropolitanos.
• Quando a independência nacional já
foi conquistada, tende a apoiar-se em
regimes autoritários e policiais, em
líderes populistas e partidos
esvaziados da participação popular.
• Os seus intelectuais, que assimilaram
os estereótipos da cultura
metropolitana, tornam-se incapazes
de dialogar com o próprio povo e
fazem das disciplinas e linguagens
técnicas o instrumento de poder e a
prova de que as massas devem ser
dirigidas.
• Quando se inicia a luta de libertação
nacional, uma parte desses intelectuais
se vê obrigada a se aliar com o próprio
povo, e é quando começa a perder o
interesse na simbologia e valores
ocidentais: “esses valores, que
pareciam enobrecer a alma se revelam
inutilizáveis, porque não dizem respeito
ao combate concreto no qual o povo se
engajou” (p.64).
• Surge primeiramente um diálogo difícil,
no qual intelectuais e outros militantes
nacionalistas da cidade reproduzem os
preconceitos dos colonos em relação
aos camponeses.
• Mas com o aguçamento dos conflitos e
da repressão, os militantes mais
radicais acabam tendo que se
movimentar pelo interior do país e a se
esconder junto às comunidades
camponesas.
• Floresce então um diálogo no qual os
intelectuais se convertem aos valores
e saberes do povo, ao passo que
fornecem as armas intelectuais para
a sua luta de libertação.
• A iniciativa está com o povo: “as
massas, retomando contato com a
própria intimidade dos músculos,
levam os dirigentes a precipitarem as
coisas. A luta armada vai começar”
(p. 150).
• O diálogo de parte da burguesia com
as massas camponesas passa a
desenvolver-se no curso da luta de
libertação, integrando a práxis que
une a musculatura de cada corpo
com a invenção da história simbólica
e material da nação. Práxis na qual
os corpos e a nação emergem,
reciprocamente, como sujeitos da
história.
• Se o grupo de intelectuais da outra
parte da burguesia, aquela que
permanece nas cidades e dialoga com
as burguesias metropolitanas, escreve
uma história nacional que suprime as
histórias locais, os intelectuais unidos
aos camponeses ajudam a escrever
uma história que é tecedura de
histórias de aldeias e de conflitos
tradicionais.
• Mas nem todas as tradições são aliadas
do movimento de libertação: o autor
alerta que chefes de tribos e feiticeiros
são aliados tradicionais do colonizador,
que se valem dos conflitos tribais para
manter a nação emergente desunida.
• Outro alvo do colonizador é o lumpem-
proletariado, composto por
camponeses deslocados para as
margens das cidades e privados de
bens simbólicos e materiais.
• Entre tradições aliadas e inimigas a
principal fonte das novas formas de
saber é a própria ação que “ao fazer
explodir a antiga realidade colonial,
revela facetas desconhecidas, faz
surgirem significações novas, e põem o
dedo nas contradições camufladas por
essa realidade” (p. 171).
• A ação, por sua vez, se torna coletiva
através da comunicação horizontal,
facilitada por intelectuais que traíram a
sua classe e se converteram à “escola
do povo”.
• As reuniões políticas tornam-se liturgias
populares que garantem a elaboração
intelectual emergente do povo, capaz
de assumir progressivamente o
controle sobre os rumos da nação. O
governo da burguesia colonizada ou de
uma burocracia estatal rapidamente
degenerariam em corrupção.
Ben Bella
Sobre a cultura nacional
• É preciso reconhecer o valor das
gerações anteriores em suas formas
próprias de defesa de uma cultura
nacional, que correspondiam a
outros momentos históricos, mas se
as quais não se teria chegado à
revolução.
 Em meio aos partidos políticos, os
intelectuais têm como campo de
batalha especial: a afirmação da
existência de uma cultura nacional.
• Inicialmente o colonialismo reage
pouco, pois a defesa da cultura
nacional se baseia em estudos feitos Tahar Djaout
(1954-1993)
por “especialistas metropolitanos”. escreve sobre a
• O objetivo é tomar distância da Guerra da Argélia.
cultura ocidental, buscando as raízes
e tradições do seu povo.
• Esses intelectuais buscam também
refugiar-se num passado glorioso e
civilizado, diante da vergonha que
sente por ver o seu povo como bárbaro
e miserável no presente. Busca
reabilitar seu povo para si mesmo e
para os outros.
• O colonialismo, por sua vez, tenta
retratar o passado do colonizado como
primitivo, e a si próprio como uma
“mãe” que “impede o filho
fundamentalmente perverso de
suicidar-se, de dar livre curso aos seus
instintos maléficos”. (p.244)
• Como o colonialismo não faz um
retrato matizado, mas acusa todos os
povos negros de selvageria, os
intelectuais respondem na mesma
perspectiva: defendendo não culturas
nacionais, mas a “cultura negra”, o
“conceito de negritude”.
• Surge a música e a “literatura de
negros”, que opõem à fria razão
ocidental a poesia e a “palpitante
natureza”. “De um lado a rigidez, a
cerimônia, o protocolo, o ceticismo;
de outro, a ingenuidade, a petulância,
a liberdade e por que não a
exuberância. Mas também a
irresponsabilidade” (p. 246).
• A união em torno da “cultura negra”
logo chegou a um impasse. Teve,
primeiramente, que incluir toda a
diáspora negra. Mas logo se passou a
notar que o único que unificava
grupos e lutas tão diversas era a
relação com os brancos, os demais
objetivos sendo muito diversos.
• O intelectual colonizado que se refugia nas
“raízes ignoradas” da “cultura negra”, afasta-
se do presente histórico. Em alguns casos
chega a se apresentar como “argelino e
francês”, como se pudesse livrar-se das
determinações históricas. Tenta ser universal.
• “É que o intelectual colonizado se joga com
avidez na cultura ocidental. Semelhante aos
filhos adotivos, que só abandonam as suas
investigações sobre o novo quadro familiar
no momento em que se cristaliza no seu
psiquismo um núcleo tranqüilizador mínimo,
o intelectual colonizado tenta fazer sua a
cultura européia. Ele não se contentará em
conhecer Rabelais ou Diderot, Shakespeare
ou Edgard Poe. Ele distenderá o cérebro até a
mais extrema cumplicidade com esses
homens” (p.252)
Césaire Aimé  Mas quando os partidos nacionalistas
(1913-2008):
autor do
começam a mobilizar o povo por
“Discurso independência, surgem as condições para
sobre o que o intelectual se afaste dessas idéias, as
colonialismo” sinta como alienantes.
• Mas é mais fácil o intelectual dizer que rejeita
a cultura ocidental do que fazê-lo na prática,
pois quando ele olha para o seu povo
“apavora-se” com o vazio, o embrutecimento e
a selvageria.
• Não encontrando um “alimento cultural” que
possa fazer frente à glória da cultura ocidental,
regride para posições passionais, com uma
literatura cheia de imagens capazes de
dispersar “energias inconscientes”. A poesia
surpreende, mas intelectualmente chega a um
impasse.
 Quando resolve buscar o cotidiano, evoca
“apenas uma banal procura do exotismo” (...)
O traje nacional é sacralizado, os sapatos
parisienses ou italianos trocados pelas
babuchas” (p.254).
• “Quando os colonialistas, que tinham
saboreado a sua vitória sobre esses
assimilados, se dão conta de que esses
homens, que acreditavam ter salvo, começam
a se dissolver na negralhada, todo o sistema
vacila” (p.255).
• Porém, trata-se de uma arte distante da
realidade, pois o intelectual olha para o
seu próprio povo através das lentes
européias: reproduz a imagem do
exotismo e se mantém na superfície morta
das tradições. Comporta-se como um
estrangeiro.
• “A cultura para a qual se inclina o
intelectual é, muitas vezes, apenas um
estoque de particularismos. Querendo
colar-se ao povo, cola-se ao revestimento
visível. Ora, esse revestimento é somente
um reflexo de uma vida subterrânea,
densa, em perpétua renovação. Essa
objetividade que entra pelos olhos e que
parece caracterizar o povo, é apenas, na
verdade, o resultado inerte e já negado de
adaptações múltiplas e nem sempre
coerentes de uma substância mais
fundamental que, esta sim, está em plena
renovação” (p.257).
 Depois de tentar “perder-se” no povo,
o intelectual resolve mobilizar o povo,
surgindo uma “literatura de combate,
literatura revolucionária, literatura
nacional” (p.256).
• “Durante essa fase, um grande
número de homens e mulheres que,
antes, nunca teriam pensado em fazer
uma obra literária, agora que se
encontram em situações excepcionais,
na prisão, na resistência ou na véspera
de sua execução, sentem a
necessidade de dizer a sua nação, de
compor a frase que expressa o povo,
de tornar-se porta-voz de uma nova
realidade em atos” (p.256)
• Somente participando das lutas do seu
povo o intelectual consegue encontrar
e produzir a cultura nacional.
Poema do haitiano René Depestre (1926-)

“A senhora não estava sozinha


Tinha um marido
Que sabia tudo
Mas falando francamente não sabia nada
Porque a cultura não dispensa concessões
Uma concessão da carne e do sangue
Uma concessão de si mesmo aos outros
Uma concessão que vale tanto
Quanto o classicismo e o romantismo
E tudo aquilo com que alimentam o nosso espírito.”
(p.260)
Argel

Ben Bella
Primavera
Árabe

Obrigado!

Você também pode gostar