Desafio 1. Explique e compare as teorias da dominação cultural de Pierre Bourdieu e Frantz Fanon. 2. Use as idéias de Frantz Fanon como referencial para elaborar táticas de resistência cultural para o Médio Solimões. Guerra de Libertação da Argélia • No dia 18 de março de 1962, há 50 anos, o governo francês e a Frente de Libertação Nacional argelina (FLN) assinaram os acordos de Évian, que colocaram fim à guerra da Argélia e abriram caminho para a independência do país, após 132 anos de colonização.
FLN: mortos em combate: 141 mil Soldados franceses mortos: 17 mil
FLN: mortos em expurgos: 12 mil Colonos franceses desaparecidos e Civis vítimas de ataque francês : 1 milhão mortos: 3, 3 mil Argelinos mortos depois da guerra 150 mil Vítimas de atentados na França: 4,3 mil • Negro martinicano, Fanon serviu como médico psiquiatra de um hospital francês durante a guerra de libertação da Argélia e depois se converteu ao povo argelino e à sua luta. • Elaborou o conceito de “situação semi- colonial” para pensar países que, como a Argélia e o Brasil, já conquistaram a independência formal, mas cujas relações políticas, econômicas e ideológicas continuam a se reproduzir em novos termos. • Se a burguesia das metrópoles ascendeu através do seu dinamismo, instrução, capacidade de elaborar uma ideologia e de acumular capital, levando às suas nações um pouco de prosperidade, na sociedade colonial se forma uma camada burguesa distinta, que se aliena de um pensamento próprio e agarra-se ao modelo metropolitano. • É uma “burguesia em espírito”, uma “burguesia de funcionários”, à qual falta o dinamismo, a riqueza e a concepção vigorosa das burguesias das metrópoles e que procura no serviço aos seus interesses a oportunidade para obter dinheiro e poder. • Ela lucra sobretudo com o comércio e comissões, e não com investimentos na produção. É incapaz de grandes idéias, de invenção e, imitando os gostos e os valores das burguesias metropolitanas, torna-se a sua caricatura. • Quando se aguça a luta pela libertação nacional, esta burguesia apóia os métodos mais moderados e valoriza o diálogo com a metrópole e com os valores e saberes metropolitanos. • Quando a independência nacional já foi conquistada, tende a apoiar-se em regimes autoritários e policiais, em líderes populistas e partidos esvaziados da participação popular. • Os seus intelectuais, que assimilaram os estereótipos da cultura metropolitana, tornam-se incapazes de dialogar com o próprio povo e fazem das disciplinas e linguagens técnicas o instrumento de poder e a prova de que as massas devem ser dirigidas. • Quando se inicia a luta de libertação nacional, uma parte desses intelectuais se vê obrigada a se aliar com o próprio povo, e é quando começa a perder o interesse na simbologia e valores ocidentais: “esses valores, que pareciam enobrecer a alma se revelam inutilizáveis, porque não dizem respeito ao combate concreto no qual o povo se engajou” (p.64). • Surge primeiramente um diálogo difícil, no qual intelectuais e outros militantes nacionalistas da cidade reproduzem os preconceitos dos colonos em relação aos camponeses. • Mas com o aguçamento dos conflitos e da repressão, os militantes mais radicais acabam tendo que se movimentar pelo interior do país e a se esconder junto às comunidades camponesas. • Floresce então um diálogo no qual os intelectuais se convertem aos valores e saberes do povo, ao passo que fornecem as armas intelectuais para a sua luta de libertação. • A iniciativa está com o povo: “as massas, retomando contato com a própria intimidade dos músculos, levam os dirigentes a precipitarem as coisas. A luta armada vai começar” (p. 150). • O diálogo de parte da burguesia com as massas camponesas passa a desenvolver-se no curso da luta de libertação, integrando a práxis que une a musculatura de cada corpo com a invenção da história simbólica e material da nação. Práxis na qual os corpos e a nação emergem, reciprocamente, como sujeitos da história. • Se o grupo de intelectuais da outra parte da burguesia, aquela que permanece nas cidades e dialoga com as burguesias metropolitanas, escreve uma história nacional que suprime as histórias locais, os intelectuais unidos aos camponeses ajudam a escrever uma história que é tecedura de histórias de aldeias e de conflitos tradicionais. • Mas nem todas as tradições são aliadas do movimento de libertação: o autor alerta que chefes de tribos e feiticeiros são aliados tradicionais do colonizador, que se valem dos conflitos tribais para manter a nação emergente desunida. • Outro alvo do colonizador é o lumpem- proletariado, composto por camponeses deslocados para as margens das cidades e privados de bens simbólicos e materiais. • Entre tradições aliadas e inimigas a principal fonte das novas formas de saber é a própria ação que “ao fazer explodir a antiga realidade colonial, revela facetas desconhecidas, faz surgirem significações novas, e põem o dedo nas contradições camufladas por essa realidade” (p. 171). • A ação, por sua vez, se torna coletiva através da comunicação horizontal, facilitada por intelectuais que traíram a sua classe e se converteram à “escola do povo”. • As reuniões políticas tornam-se liturgias populares que garantem a elaboração intelectual emergente do povo, capaz de assumir progressivamente o controle sobre os rumos da nação. O governo da burguesia colonizada ou de uma burocracia estatal rapidamente degenerariam em corrupção. Ben Bella Sobre a cultura nacional • É preciso reconhecer o valor das gerações anteriores em suas formas próprias de defesa de uma cultura nacional, que correspondiam a outros momentos históricos, mas se as quais não se teria chegado à revolução. Em meio aos partidos políticos, os intelectuais têm como campo de batalha especial: a afirmação da existência de uma cultura nacional. • Inicialmente o colonialismo reage pouco, pois a defesa da cultura nacional se baseia em estudos feitos Tahar Djaout (1954-1993) por “especialistas metropolitanos”. escreve sobre a • O objetivo é tomar distância da Guerra da Argélia. cultura ocidental, buscando as raízes e tradições do seu povo. • Esses intelectuais buscam também refugiar-se num passado glorioso e civilizado, diante da vergonha que sente por ver o seu povo como bárbaro e miserável no presente. Busca reabilitar seu povo para si mesmo e para os outros. • O colonialismo, por sua vez, tenta retratar o passado do colonizado como primitivo, e a si próprio como uma “mãe” que “impede o filho fundamentalmente perverso de suicidar-se, de dar livre curso aos seus instintos maléficos”. (p.244) • Como o colonialismo não faz um retrato matizado, mas acusa todos os povos negros de selvageria, os intelectuais respondem na mesma perspectiva: defendendo não culturas nacionais, mas a “cultura negra”, o “conceito de negritude”. • Surge a música e a “literatura de negros”, que opõem à fria razão ocidental a poesia e a “palpitante natureza”. “De um lado a rigidez, a cerimônia, o protocolo, o ceticismo; de outro, a ingenuidade, a petulância, a liberdade e por que não a exuberância. Mas também a irresponsabilidade” (p. 246). • A união em torno da “cultura negra” logo chegou a um impasse. Teve, primeiramente, que incluir toda a diáspora negra. Mas logo se passou a notar que o único que unificava grupos e lutas tão diversas era a relação com os brancos, os demais objetivos sendo muito diversos. • O intelectual colonizado que se refugia nas “raízes ignoradas” da “cultura negra”, afasta- se do presente histórico. Em alguns casos chega a se apresentar como “argelino e francês”, como se pudesse livrar-se das determinações históricas. Tenta ser universal. • “É que o intelectual colonizado se joga com avidez na cultura ocidental. Semelhante aos filhos adotivos, que só abandonam as suas investigações sobre o novo quadro familiar no momento em que se cristaliza no seu psiquismo um núcleo tranqüilizador mínimo, o intelectual colonizado tenta fazer sua a cultura européia. Ele não se contentará em conhecer Rabelais ou Diderot, Shakespeare ou Edgard Poe. Ele distenderá o cérebro até a mais extrema cumplicidade com esses homens” (p.252) Césaire Aimé Mas quando os partidos nacionalistas (1913-2008): autor do começam a mobilizar o povo por “Discurso independência, surgem as condições para sobre o que o intelectual se afaste dessas idéias, as colonialismo” sinta como alienantes. • Mas é mais fácil o intelectual dizer que rejeita a cultura ocidental do que fazê-lo na prática, pois quando ele olha para o seu povo “apavora-se” com o vazio, o embrutecimento e a selvageria. • Não encontrando um “alimento cultural” que possa fazer frente à glória da cultura ocidental, regride para posições passionais, com uma literatura cheia de imagens capazes de dispersar “energias inconscientes”. A poesia surpreende, mas intelectualmente chega a um impasse. Quando resolve buscar o cotidiano, evoca “apenas uma banal procura do exotismo” (...) O traje nacional é sacralizado, os sapatos parisienses ou italianos trocados pelas babuchas” (p.254). • “Quando os colonialistas, que tinham saboreado a sua vitória sobre esses assimilados, se dão conta de que esses homens, que acreditavam ter salvo, começam a se dissolver na negralhada, todo o sistema vacila” (p.255). • Porém, trata-se de uma arte distante da realidade, pois o intelectual olha para o seu próprio povo através das lentes européias: reproduz a imagem do exotismo e se mantém na superfície morta das tradições. Comporta-se como um estrangeiro. • “A cultura para a qual se inclina o intelectual é, muitas vezes, apenas um estoque de particularismos. Querendo colar-se ao povo, cola-se ao revestimento visível. Ora, esse revestimento é somente um reflexo de uma vida subterrânea, densa, em perpétua renovação. Essa objetividade que entra pelos olhos e que parece caracterizar o povo, é apenas, na verdade, o resultado inerte e já negado de adaptações múltiplas e nem sempre coerentes de uma substância mais fundamental que, esta sim, está em plena renovação” (p.257). Depois de tentar “perder-se” no povo, o intelectual resolve mobilizar o povo, surgindo uma “literatura de combate, literatura revolucionária, literatura nacional” (p.256). • “Durante essa fase, um grande número de homens e mulheres que, antes, nunca teriam pensado em fazer uma obra literária, agora que se encontram em situações excepcionais, na prisão, na resistência ou na véspera de sua execução, sentem a necessidade de dizer a sua nação, de compor a frase que expressa o povo, de tornar-se porta-voz de uma nova realidade em atos” (p.256) • Somente participando das lutas do seu povo o intelectual consegue encontrar e produzir a cultura nacional. Poema do haitiano René Depestre (1926-)
“A senhora não estava sozinha
Tinha um marido Que sabia tudo Mas falando francamente não sabia nada Porque a cultura não dispensa concessões Uma concessão da carne e do sangue Uma concessão de si mesmo aos outros Uma concessão que vale tanto Quanto o classicismo e o romantismo E tudo aquilo com que alimentam o nosso espírito.” (p.260) Argel
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