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Nazir Can
UFRJ_PPGLEV_25-08-2020
Minha Senhora,
(Orlando Mendes. In: SAÚTE, Nelson e SOPA, António. A Ilha de Moçambique pela
voz dos poetas. Lisboa : Edições 70, 1992. p. 39).
Canto do nosso amor sem fronteira
Estamos juntos.
E moçambicanas mãos nossas
dão-se
e olhamos a paisagem e sorrimos.
Ou
com os olhos incendiados
nos poentes do Mediterrâneo
recordamos as noites mornas da praia da Polana
e a beijos sorvo a tua boca no Senegal
e depois tingimos mutuamente
os lábios com as negras amoras de Jerusalém
ambos entristecidos ao galope dos pés humanos
sem ferraduras mas puxando riquexós
só de ver puxar nós também puxamos
nas transpiradas ruelas antigas
da ilha de Moçambique.
(Luís Carlos Patraquim. Vinte e tal novas formulações e uma elegia carnívora. 2011).
Sou ao Norte a minha Ilha, os sinais e as sedas que ali se trocaram e nessa beleza busco-
te e para mim algum percurso, alguma linguagem submarina e pulsional, busco-te por
entre negras enroladas em suas capulanas arrepiadas, altas, magras, frágeis e belas como
as missangas e vejo-te pelos seus absurdos olhos azuis. Que viagens eu viajo, meu
amor, para tocar-te esses búzios, esses peixes vulneráveis que são as tuas mãos e
também como me sonho de turbantes e filigranas e uma navalha que arredondada já não
mata (...) Amo-te sem recusas e o meu amor é esta fortaleza, esta Ilha encantada, estas
memórias sobre as paredes e ninguém sabe deste pangaio que a Norte e na Ilha traz um
amante inconfortado. Em tudo habita ainda a tua imagem, o m’siro purificado da tua
beleza.
(Mia Couto. In: SAÚTE, Nelson; SOPA, António. Antologia da nova poesia
moçambicana. Lisboa : Edições 70, 1992).
Mulher de m’siro feitiço do Oriente
os poemas do irredimível encantamento
levantam-se sobre as ruínas.
Na proa da memória a evocação das velas
sonolentas na imaginária romaria (...)
A odisséia celebra o nome da pátria
Na errância das naus pelo Índico.
Os homens a terra e o tempo:
suas vozes descubro na História
(Nelson Saúte. In: SAÚTE, Nelson e SOPA, António. A Ilha de Moçambique pela voz
dos poetas. Lisboa : Edições 70, 1992. p. 39).
Resgatasse o Índico o que do oriente com o tempo soube sufragar.
Os barcos todos com as velas hirtas e as gentes.
Suas as pérolas mais os rubis. O aljôfar. Luzindo no ar.
Minha fracturada chávena árabe persa na cal
ou resplandecente a missanga cravada no ventre d’água,
qual sinal dos que de além mar chegaram
e partiram com baús fartos...
Fobia dos que ficamos. Mas herdeiros.