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Ausência Viva
Texto das orelhas: Entre os novíssimos a personalidade de Octavio Mora parece-me uma das
mais marcadas pela vocação da poesia. O autor de “Ausência Viva” é um poeta com o gôsto da
expressão sóbria, precisa e velada por um nobre pudor. O mistério da adolescência se
transfigura nos poemas de Octavio Mora graças a uma contenção, a uma disciplina que
distingue o poeta e vae dar-lhe certamente um lugar aparte na literatura brasileira. Essas
qualidades que assinalo em Octavio Mora, essa maneira de conduzir-se sem transbordamento,
sem excessos não resulta nem em secura nem em artificialismo. O poeta não se expande no
exagêro dramático, não sae da sua mas nem isso perde a graça húmida, o sumo, a riqueza
humana. Sente o leitor que Octavio Mora se esquiva, procura não exibir sentimentos
extraordinários mas isso não impede que possa êle reconhecer no poeta uma participação
comovida nos dramas do mundo e na vida.
Admiro nesse poeta que começa a sua jornada em hora ainda matinal a nobreza e a
maturidade de uma inteligência e de uma sensibilidade fora do comum.
Texto das orelhas: Octavio Mora nasceu no Distrito Federal em 4 de maio de 1933.
Fêz suas primeiras letras com Beatriz Guimarães Rocha e estudou no Colégio de São Bento,
que sem dúvida exerceram grande influência na sua formação.
Publicou seus primeiros poemas há dois anos no “Correio da Manhã”. Em outros jornais e
revistas (“Diário Carioca”, “Universidade”) assinou seu nome por extenso: Octavio Eugenio
Mora y Araujo de Couto e Silva.
De descendência (sic) mineira e argentina, sofreu desde cedo o impacto dessas duas culturas.
Os poemas que constituem esse livro são de diferentes épocas, principalmente 1954-55.
A vinheta é de Otaviano.
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Octavio Mora
Ausência Viva
1956
RIO DE JANEIRO
Dedicatórias
A MEUS PAIS
MEUS TIOS
MEUS AVÓS
A A. F. SCHMIDT
A M. A. ASTURIAS
E ALEXANDRE EULALIO
Epígrafre
a M. E.:
“Todo lo llenas tu, todo lo llenas”
(NERUDA)
a B.
e a OLGA
PRESENÇA DE IFIGÊNIA
IFIGÊNIA
IFIGÊNIA — REENCONTRO
Deparamos com ela de regresso
e era a mesma Ifigênia que ficara
com o mesmo sorriso em toda a cara
e o mesmo rio no seu corpo impresso:
Encontramos o tempo e seu progresso:
Ifigênia era a mesma, não mudara,
Ifigênia, tão límpida e clara
que nunca possuiu nenhum recesso
onde a luz desaguasse que não fôsse
nela mesma. Ifigênia transparente,
atravessando a luz ficava intacta,
atravessando a morte ficou doce:
Atravessâmo-la perpètuamente
Ifigênia, cristal de longa data.
SOPRA IFIGÊNIA
Ifigênia, de pé na solidão,
acompanha os navios, ganha altura,
caminha pela morte e se procura,
irrefreável de sofreguidão,
através dessa inerte multidão
dos vivos que povôam a amargura:
Durante a vida apenas escultura,
abandona, com toda a mansidão
que sempre teve, a fixa e dura pose
do mármore que a teve toda a vida:
Respira agora e sopra a ventania,
levantando-se assim, adormecida,
sôbre seu próprio corpo, que jazia
e jaz, sem que ninguém nêle repouse.
IFIGÊNIA
ULISSES
Porque volvió sin regresar Ulises
(M. A. ASTURIAS)
PROMETEU
PROMETEU
ULISSES
PENEPOLE
RUTE
MINAS À DISTÂNCIA
ENTRE MONTANHAS
CHUVÔSO
se os mêses
não fossem, no tempo, rêses
Diamantina, 1953.
DIAMANTINA, 53
OURO PRETO
OUTRO PRETO — 2
OURO PRETO — 3
I
Esta ciudad, que, precipitante,
ha tantos siglos que se viene abajo.
(GONGORA)
II
CONGONHAS
A MESA
(de Carlos Drummond)
RUMINA AS HORAS
CRUZEIRO
CASA VELHA
(Santa Casa)
SENTIMENTO ELEGÍACO
SILÊNCIO
ELEGIA
(a Cangica)
ENTERRO — 1
ABANDONO
Onde estão teus habitantes
ó cidade abandonada?
Eram pássaros migrantes?
Está tudo como dantes
porém a vida, mudada.
Ariadne bem amada,
quedê o fio dos instantes?
nem Ariadne nem nada
devolve à casa fechada
defuntos vivos e amantes.
ENTÊRRO — 2
CASA MORTA
(em Minas)
ALTURA SOLITÁRIA
SUGESTÃO DE VENTO
DESGASTE
CRIAÇÃO
RETRATO
(um Modigliani)
SONETO NÚMERO 1
(Fragmentos de uma corôa)
SONETO NÚMERO 2
SONETO NÚMERO 7
SONETO NÚMERO 11
SONETO NÚMERO 12
PERENIDADE LITORÂNEA
Litorais acidentados,
os de seu corpo se atraem:
mas em seus olhos imensos
como baía nenhuma,
como baías, cuja água
fosse marítima e doce,
refugio-me fugindo
aos vendavais de mim mesmo:
TRIUNFO DE ESPUMA
ELEONORA
Cabêlo sôlto,
chamando o vento,
dando-te ao vento
para ficar,
Pássaro e sonho
encontram-se em teu sexo.
Mares revôltos
de sal, e nuvens
de solidão.
Virgem salgada,
mar litorâneo,
Deixa a tristeza
pousar no silêncio:
( . . . diante do vento
dando-te ao vento
para ficar).
AUSÊNCIA VIVA
DINÂMICA AMOROSA
SAZÃO TARDIA
CORÇA
Em si mesma encurralada
sente ladrar o arvorêdo,
córrego de água apressada
finge-se morta, parada
entre as árvores do mêdo:
Selvagem e silenciosa
leva os cães ao desespêro:
nos galhos vertiginosa
some a corça misteriosa
deixando seu bosque inteiro.
PARENTESCO PERDIDO
Entre as montanhas, redondas,
o mar que no mar sumia,
em convívio quotidiano
com o vento, os navios
e a prática do impossível —
E UM HÁLITO DE VENTO
SISMÓGRAFO
COLONIÃO
APRENDIZ
(Rimbaud)
CRÔNICA
(Tirada de Elsie Lessa, a Henriqueta Lisbôa.)
ARQUITETURA INCÓGNITA