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Um laboratório de comunicação

livre no Médio Solimões


Prof. Msc. Guilherme Gitahy de Figueiredo
Universidade do Estado do Amazonas
Introdução
• As aldeias do Médio Solimões possuíam o
trucano, tambor parcialmente enterrado na
horizontal que era usado na mudança da lua,
para dar avisos, convidar para festas ou
anunciar o nascimento de uma criança (Sousa,
1989: 23).
• Nota-se o uso descentralizado e dialógico deste
instrumento para a comunicação entre as
aldeias, ao contrário do que é feito da maior
parte dos meios de comunicação modernos.
• Atualmente a região é capitaneada pela cidade de
Tefé (AM) que, com 70 mil habitantes e
instituições estrategicamente posicionadas em
sua área urbana (IBAMA, Polícia Federal,
Exército, Marinha, INSS, etc), centraliza ainda os
meios de comunicação:
 TV Tupebas, afiliada à Rede Bandeirantes;
 TV Amazonas, afiliada à Rede Globo de
Televisão;
 Rádio Educação Rural de Tefé AM;
 Rádio Mel FM;
 inúmeras rádios “boca de ferro” e
 Rádio Xibé, parte de um laboratório de
comunicação livre ligada à UEA.
• Thompson (2002) mostra como o desenvolvimento
dos modernos meios de comunicação (correios,
telégrafos, rádios, etc) esteve intimamente
associado às necessidades administrativas das
metrópoles e empresas neocoloniais.
• Atualmente, menos de meia dúzia de corporações
controlam 90% dos meios de comunicação mundial
(NO OLHO DO FURACÃO, S/D).
• No Brasil, o monopólio está estreitamente ligado
aos grupos políticos dominantes, uma vez que as
concessões de rádio e TV estão entre as moedas
de troca mais valiosas do clientelismo. Até mesmo
as rádios comunitárias estão, muitas vezes, ligadas
à esfera de influência de algum poderoso político
regional. Um exemplo é Gilvam Borges, com seus
152 pedidos de concessão (SALES, 2007).
• Em Tefé, o monopólio político e comercial teve
que dividir espaços com iniciativas divergentes:
 Rádio Educação Rural de Tefé 1580 hz –
nasceu em 1964 como parte do Movimento de
Educação de Base e sempre procurou abrir
espaços para a sociedade civil organizada.

• Nos seus primórdios,


a rádio doava rádios
receptores capazes
de sintonizar apenas
em sua estação.
 Instituto de Desenvolvimento Sustentável
Mamirauá - possui na Rádio Rural o programa
“Ligado no Mamirauá” desde 1993. Em 2004,
em parceria com a UFAM, iniciou os cursos de
“Comunicadores Populares” com comunitários e
adolescentes de Tefé. Em 2006 começou, com
parceria da USP, a implantar 3 rádios
comunitárias com energia solar em
comunidades das RDS sob sua co-gestão.

• “I Comunicadores Populares”,
realizado em novembro de
2004, com a presença do
Prof. Narciso Lobo da UFAM.
“Comunicadores populares” conhecem a Rádio Rural.
 Coletivo curupira – nasceu em 2004, formado
por jovens pesquisadores do IDSM, da UEA e
adolescentes de Tefé com o objetivo de levar ao
ar uma rádio livre. Em 2005 o “coletivo” se
enfraqueceu enquanto concentrou todos os
esforços para a elaboração de um ambicioso
projeto para o edital “Pontos de Cultura” do
Ministério da Cultura (Minc), chamado “Cultura
Cabocla”, e que por fim não foi selecionado. Este
“coletivo” renasceu em 2006 quando, por
iniciativa de estudantes da Universidade do
Estado do Amazonas (UEA), começou-se a
articular a formação de um Centro de Mídia
Independente de Tefé, que entre seus objetivos
tinha a criação da rádio livre Xibé.
• É nesse contexto rico de
experiências progressistas
com comunicação que
começa o Programa Mídia
e Cidadania da UEA. O
programa começou a
ganhar forma em 2005,
através de pesquisas
teóricas ligadas à invenção
de uma abordagem nova
ao ensino de introdução à
Camiseta do feita por
antropologia: alunos de história para
o desfile da UEA no
aniversário de Tefé em
15/06/2005.
• Após abordar os conceitos de “cultura” e
“etnografia” (incluindo-se aí “etnocentrismo”,
“evolucionismo” e “relativismo cultural”), busca-
se mostrar a utilidade destes conceitos para se
estudar a “dominação” e a “resistência” cultural,
fazendo-se então uma ponte com o problema
da “dominação” e da “emancipação” nos “meios
de comunicação” e na “educação”.

• Alunos do normal
superior fazem seminário
sobre democratização
das comunicações em
dezembro de 2005.
O desfile da UEA no aniversário da cidade de 2005 tinha
como tema idealizar a Tefé do futuro. A turma de história, a
partir do trabalho feito da disciplina de antropologia, levou
às ruas o ideal de uma cidade onde a comunicação esteja
nas mãos do povo.
• Turmas de geografia, normal
superior e história realizaram
seminários sobre dominação e
emancipação na educação e
nos meios de comunicação em
2006.
Unindo antropologia e
comunicação
Franz Boas (2005) Clifford Geertz (1989)
• Em 1930 afirma que o  A determinação
comportamento humano biológica deixa uma
é determinado:
lacuna que precisa ser
 biologicamente –
preenchida pela cultura.
dimensão imutável e
universal  A cultura é o sistema de
 culturalmente – significados atribuídos
dimensão mutável e por um grupo às coisas,
responsável pela acontecimentos, ações,
diversidade entre as qualidades e relações.
sociedades.
Marshal Sahlins (1997)
• A expansão capitalista ocidental aniquilou muitas
culturas indígenas e submeteu outras. Porém,
algumas não apenas sobreviveram como ainda
estão se fortalecendo num mundo em processo de
globalização. Como?
 Os atores dessas cultura nativas interagem com a
cultura dominante sem perder o sentido de si
mesmos.
 Realizam bricolagens em que as coisas trazidas
pela cultura ocidental ganham novos usos e
significados à luz da cultura tradicional: o nativo
improvisa, define, categoriza e orquestra os objetos
e modos de agir e de ser.
 Cada tradição, seja indígena ou ocidental, é feita de
modos distintos de transformação, o que demarca
as historicidades próprias de cada cultura.
Michel de Certeau (1994)
• No interior da sociedade capitalista, a “cultura
popular” é dominada pelos sistemas de produção
televisiva, urbanística, comercial, etc, “uma
produção racionalizada, expansionista, além de
centralizada, barulhenta e espetacular” (Certeau,
1994:39).
• A prática popular, qualificada de “consumo”, é
porém uma outra produção: é astuciosa, dispersa e
não é visível pois não tem onde deixar as suas
marcas. Se insinua não em produtos próprios, mas
na maneira de empregar os produtos da ordem
dominante.
• Realiza também bricolagens “com e na economia
cultural dominante, usando inúmeras e infinitesimais
metamorfoses na lei, segundo seus interesses
próprios e suas regras próprias” (Certeau, 1994:40).
• Para que o povo saia de sua situação de
resistência cultural e possa assumir o controle
dos processos de produção de significados
coletivos, é preciso ainda democratizar a
educação, a ciência e a mídia.
• Precisamos então do conceito de “transformação
estrutural da mídia” cujos precursores foram os
marxistas artistas: Bertolt Brech (apud Machado;
Magri; Masagão, 1986) e Hanz Magnus
Enzensberger (1978). Trata-se da necessidade
de se passar o controle dos meios de
comunicação para a sociedade, de maneira a
servirem à comunicação dialógica entre grupos e
culturas, e não à mera difusão da cultura do
grupo dominante.
O Programa Mídia e Cidadania
• No primeiro semestre de 2006 o “Programa” foi
pensado a partir das atividades de ensino e do Projeto
Cultura Cabocla. Foram então elaborados dois
projetos:
 Preparação de oficinas a partir dos seminários de
antropologia;
 Construção de um laboratório multimídia de
comunicação e produção cultural livre.
• Como esses projetos também não renderam verbas,
partiu-se para ações práticas de pouco custo e
aproveitou-se certas oportunidades.
Oficina de filme documentário –
julho de 2006
• Ana Carvalho Ziller e Pedro de Castro Guimarães
elaboraram uma metodologia de trabalho que
contemplava aulas teóricas, práticas e, é preciso
ressaltar, orientação após a oficina para que as
equipes realizassem seus próprios filmes combinada
com a possibilidade de participação na produção do
filme documentário sobre Tefé e região que a dupla
já tinha iniciado nas reservas de desenvolvimento
sustentável.
• A idéia é desenvolver um tipo de filme documentário
capaz de servir de tecitura do diálogo entre todos
aqueles envolvidos em sua temática e produção.
Guimarães pretende retornar em fevereiro de 2008,
se houver recursos, para dar continuidade ao
trabalho através de uma oficina de edição.
• A oficina, de 6 a 8 de
julho de 2006, foi
aberta à população de
Tefé, e continuou na
forma de orientação
após as aulas.
Jornada a Flor da Palavra em Tefé
- setembro de 2006
• A jornada a Flor da Palavra aconteceu em Campinas,
São Paulo (agosto), Tefé (setembro), Marília (outubro)
e Brasília (novembro), com o objetivo de unir, a partir
do tema do zapatismo, diversos movimentos,
linguagens, e formas alternativas de comunicação na
construção de “um mundo onde caibam muitos
mundos”.

• Flor da Palavra em Campinas


• Em Campinas...

• Em São Paulo...
• Em Tefé...

• Em Brasília...
Festival Latino Americano da
Classe Obreira (FELCO) –
setembro de 2006

• Durante a Semana
Acadêmica de 2006
ocorreu o FELCO.
•Aberto ao público externo

• Nova etapa do Programa foi a exibição do


FELCO em Tefé, cuja característica mais
marcante é a ampla possibilidade de
participação popular no festival de cinema,
graças à abertura para a inscrição de produções
não “profissionais” e à descentralização da
exibição e do julgamento das obras em
inúmeras localidades. Vários trabalhos latino
americanos abordando a realidade da classe
trabalhadora puderam ser apreciados em Tefé,
e serviram ainda de estímulo para o
desenvolvimento de produções locais.
Curso “Mídia e Cidadania” –
setembro de 2006
• Enquanto isso, a UEA ajudou o Núcleo de
Comunicação do IDSM a atender uma demanda da
Secretaria de Ação Social do município: cursos de
“Mídia e Cidadania” para os jovens em “situação de
risco” atendidos pela Prefeitura, com metodologia
inspirada nos anteriores cursos de “Comunicadores
Populares”.
Centro de Mídia Independente de
Tefé – outubro de 2006
• Foi a partir da iniciativa dos estudantes da UEA
que começou a formar-se a parte mais
importante do trabalho apoiado pelo Mídia e
Cidadania: o CMI-Tefé, pré-coletivo do CMI-
Brasil, por sua vez ligado à rede mundial
Indymedia. São redes de produtores
independentes de mídia participativa,
organizadas horizontalmente e que nasceram
dos protestos de Seatle em 1999.
• www.midiaindependente.org
• A iniciativa dos estudantes foi
providencial, pois tornou possível
dar início ao “laboratório”. Não são
os equipamentos que fazem um
laboratório, mas a disposição
humana em lançar-se em busca
de novas idéias, em experimentar,
em confrontar coletivamente as
novas intuições, descobertas e
erros. Era preciso, portanto, criar
um coletivo aberto, participativo,
vivo, no qual as pessoas
pudessem experimentar novas
formas de comunicação • Nasce a rádio
horizontais. Para tanto, como Xibé em 27/10/06
evitar a hierarquia universitária?
• Foucault (1983) evoca o paradigma da sociedade
disciplinar que marcou profundamente a maneira
de se organizar as instituições modernas, entre
elas a escola: atomização dos dominados, fluxo
de informações em direção ao centro que analisa,
reformula o seu planejamento, e avança na
racionalização para que dos “corpos” dos
dominados se extraia a maior eficiência possível
na direção das metas dominantes.
• Illich (1973) destaca ainda o perigo da
“escolarização” que ensina, sobretudo, que a
escola detém o monopólio do saber legítimo,
corroendo outros saberes e a auto-estima dos
grupos que antes mesmo da escola já eram
dominados, mas que com ela vêm reforçada a
sua dominação. Como evitar que mecanismos
como estes esvaziem a força do “laboratório”?
• A solução encontrada foi o apoio à formação de
um coletivo autônomo, que entra como mais um
parceiro da universidade no Programa Mídia e
Cidadania, e não na condição de “grupo de
alunos” ou projeto diretamente submetido à
hierarquia universitária. Um elemento essencial
para a consolidação desta autonomia foi a
aquisição independente de recursos para a
implantação de uma rádio livre: caso a
universidade algum dia deixe de respeitar a
autonomia do coletivo, este pode deixar a
universidade, pois o essencial de seus
equipamentos são próprios. Com esta base
mínima de autonomia garantida, a parceria
permite viabilizar projetos, via universidade, que
ampliem a dimensão e o grau de elaboração
das ações de extensão e pesquisa do coletivo.
• No último trimestre de 2006 o coletivo realizou
oficinas de rádio livre em diversas escolas públicas,
e até mesmo na cidade vizinha. Na Semana de C &
T as oficinas foram na UEA e em Alvarães. Como
parte do Mão Amiga, levou oficinas para a escola
Maria Mercês e ao Abial. E como “maratona tudo
pela democratização das comunicações”, foi feita
em mais 4 escolas.

• Oficina de
Alvarães
em outubro
• No Abial...

• Maria Mercês...
I Movimento Cultural de Tefé
• Festa em 2007 com o objetivo de arrecadar
recursos para o CMI-Tefé e abrir espaços para os
movimentos culturais de juventude. Dela saiu o 1º
vídeo da Xibé.
Outras ações de 2007:
• Participação de um representante do CMI-Tefé
no Encontro “Tech” do CMI-Brasil.
• Criação do site do CMI-Tefé:
http://xibe.guardachuva.org
• Oficina interna com participação do IDSM.
• Oficina de HTML para publicação na web.
• Preparação de 3 alunos para pesquisarem, na
iniciação científica, as experiências da Rádio
Rural, IDSM e CMI-Tefé.
• Preparação de um trabalho de extensão na
Barreira da Missão.

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