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Resumos Comunicação Intercultural

Inês de Oliveira – R21N

1. NOÇÕES DE CULTURA
A cultura é fluída (transversal a vários povos), dinâmica (não está parada – é um processo transformativo) – na sua
versão contemporânea.

1.1 Introdução à Noção de Cultura

No atual mundo globalizado, onde diversas culturas coexistem no contexto imediato que nos rodeia e subjazem às
mais comuns situações comunicativas do dia-a-dia, conhecer a cultura é equivalente a traduzir a cultura, tanto
quanto traduzir uma língua. A capacidade de reconhecer e de respeitar as diversas culturas com que irá deparar-se –
os seus textos, discursos, práticas, representações e estruturas de pensamento – é essencial à formação de qualquer
profissional de negócios.

“E como não existem textos culturais sem sujeitos predispostos para os interpretar e compreender, é no ato mesmo
de interpretação e de leitura que a cultura se autoinstitui como prática social e como campo de saber” – Luís Machado

Iceberg Cultural

O Iceberg Cultural é uma metáfora da cultura e de como a observamos. Existem várias versões sendo que o papel
principal desta referência é distinguir o que é observável e o que não é.

• No topo (à vista) estão os comportamentos e práticas – que podemos claramente perceber e são aparentes
ex: música; desporto; comida.
• No meio (quase à superfície) estão as atitudes – o que podemos ver e perceber se nos esforçarmos para tal
ex: arte; linguagem corporal; política.
• No fundo (submerso) estão os core values – o que leva tempo e dedicação para ser visto e percebido
ex: valores; conhecimento; religião.
Raymond Williams

1º a apresentar a ideia de cultura.


“Culture is one of the two or three most complicated words in the English language”

O mesmo ocorre com a polissémica “cultura” na Língua Portuguesa – encontra várias definições
Exemplos de utilização corrente da palavra “cultura” em Língua Portuguesa:
• Existem grandes diferenças culturais entre a Europa e a Ásia.
• Ela é muito culta.
• Este é um concurso de cultura geral.
• É preciso preservar a cultura popular portuguesa.
• A televisão é um fenómeno de cultura de massas.
• A cultura desta empresa defende os valores humanos.

A general process of intellectual, spiritual, and aesthetic development – Cultura enquanto ‘civilização’, objeto de
estudo da Antropologia – pensamento (civilização de forma cronológica tribal, selvagem e assim para estrutura
com estado regras)
The works and practices of intellectual and especially artistic activity – Cultura erudita, arte; cultura = produto
(distinção entre cultura erudita e cultura popular)
A particular way of life, whether of a people, a period, a group, or humanity in general – a visão contemporânea da
Cultura no geral

1.2 A Cultura e a Civilização

Matthew Arnold

“Culture is then properly described not as having its origin in curiosity, but as having its origin in the love of
perfection: it is a study of perfection. It moves by the force, not merely or primarily of the scientific passion for pure
knowledge, but also of the moral and social passion for doing good.”

“O estudo da perfeição”, para Matthew Arnold, deve estar ao alcance das “massas rudes e desinteressadas da
humanidade” e não apenas às elites = potencialmente democrático; implica alargar o acesso a produtos culturais
eruditos (museus, teatros, ópera, literatura) a todas as classes sociais.

Em suma:
• Cultura como conhecimento – procurar perfeição “ideal of beauty” / “study of perfection”
• Distanciado de Raymond Williams
• Cultura = Civilização / Ética (estudo da ética, como as pessoas fazem, pensam e fazem) + Estética
• Democracia em potência: estudar toda e qualquer ação
• Entendimento da cultura na essência não se concretiza
• Toda a gente passa a ter todo o tipo de arte (erudita + popular) – na prática não acontece por razões sociais,
politicas, entre outras, mas hoje em dia é mais acessível, principalmente no mundo ocidental
• Terminar o conceito de haver cultura inferior/superior

No entanto, esta realidade implica invariavelmente a existência de um “superior” e de um “inferior”, de um “culto” e


de um “inculto”. O primeiro elemento do binómio oferecerá o seu saber “superior” ao elemento dele desprovido,
que o deverá adoptar de forma grata e passiva.
Civilizado vs Selvagem – Elitismo, Imperialismo, Essencialismo, etc...

Perspetivas como a de Arnold restringem a cultura à instrução escolar/académica e às artes.


Ou seja, a cultura erudita (elevada) estabelece uma oposição com a cultura popular ou de massas. Ex: poder-se-à
estudar Shakespeare mas jamais um folhetim popular.

1.3 Cultura de Massas, Cultura Popular e Folclore

O debate em redor da “cultura de massas” (imprensa, rádio, cinema, TV) prolonga-se durante todo o século XX e XXI.

1. Necessidade de “doutrinar as massas”


a) Propaganda político-ideológica;
b) Propaganda comercial, publicidade
2. Necessidade de “controlar as massas”:
a) Censura;
b) Hegemonia (força + consentimento)

Nação – Estados Fortes muito associados ao conceito de língua e de religião (porque de facto a maior parte dos
nossos conflitos baseiam-se nestes três – nação, língua ou religião).

Porque se sentem as pessoas identificadas com a sua nação?


Espírito de um povo (ideia construída por intelectuais) – assim temos identidade coletiva (porque temos nação,
língua ou religião em comum).
Nós não nos sentimos portugueses por termos nascido em Portugal, mas pelo conceito representativo que é o
símbolo/ o espírito da nação. – Por isso é que a cultura é extremamente emocional.
Dentro das nações algo que deriva em conflitos é a divisão de classes.
Historicamente as classes eram separadas em duas – a elite e o povo. Até que eventualmente surge aquela que se
identifica como classe média. A partir do nascimento da classe média o conceito cultural oscila. (classe média
estuda, trabalha, etc.)

Folclore – Símbolo associado ao que é a tradição nacional. Tem expressão na arte popular, nos mitos, nas lendas,
nos rituais, nas danças e nas músicas regionais.
Expressão contrária à cultura erudita (intelectualizada, académica, instruída).

Cultura popular enquanto ‘folclore’ – uma cultura regional, local, tradicional, cujas manifestações são produzidas
pela comunidade e para a comunidade, sem fins lucrativos primordiais; ligada à economia de subsistência no mundo
rural ou piscatório e ao sector primário da economia.
• Barcos moliceiros da Ria de Aveiro;
• Danças e cantares regionais;
• Casas alentejanas;
• Gastronomia;
• Bordados de Viana;
• Tapetes de Arraiolos;
• Olaria e cestaria;
• Trajes típicos;
• Alfaias agrícolas.
Divisão entre cultura erudita e cultura popular/folclórica: A revolução industrial traz uma alteração. As pessoas do
meio rural que migram para as zonas urbanas levam consigo a cultura popular. Os meios urbanos tornam-se, centros
de cultura popular.

Cultura popular – uma forma de produção cultural não institucionalizada.


Agente cultural é o povo – desconhece ou não reconhece a sua dimensão e importância na produção cultural.
Características da cultura popular: Surgem tradições e costumes regionais. É passada de geração em geração
através da forma oral. É heterogénea.

Cultura popular enquanto cultura de massas – globalizada, cujas manifestações são produzidas por
empresas/indústrias com recurso às mais diversas tecnologias, com a finalidade de obtenção de lucro,
independentemente da participação da comunidade/indivíduo (consumidor) a que se destina; ligada ao consumo, ao
supérfluo, ao lazer e aos sectores secundário e terciário da economia.
• Cinema;
• Fast food;
• Videojogos;
• Centros comerciais;
• Moda;
• Televisão.

Cultura erudita: forma de produção cultural institucionalizada. Ligada ao domínio da escrita e da leitura, da escola e
da universidade e do pensamento científico.

Características da cultura erudita: surge da pesquisa e da produção académica. É preservada e transmitida entre
gerações através da escrita ou de uma estrutura gravada. É heterogénea, mas procura-se que seja
dominante/mainstream (aquela que se valoriza, que se entende como superior).

Cultura de massas – manipulações (reconhecemos, mas deixamos continuar)

Indústria cultural e cultura de massas: a partir da segunda revolução industrial as artes urbanas passam por uma
fase de produção autónoma. Os bens culturais são produzidos como mercadoria. A indústria cultural cria a ilusão de
felicidade (momentânea).
A indústria cultural ocupa o espaço de lazer do trabalhador sem lhe dar tempo para pensar sobre as condições de
exploração em que vive.
A mercantilização (trading) dos bens culturais equivale ao consumismo. Há uma homogeneização das manifestações
culturais. Disseminação da propaganda e a banalização da produção cultural (t-shirts com a mona lisa,
merchandising etc.)

1.4 Definições Sociais de Cultura

Raymond Williams

“A particular way of life, which expresses certain meanings and values not only in art and learning but also in
institutions and ordinary behaviour”
“Culture is ordinary: that is the first fact. (…) We use the word culture in two senses: to mean a whole way of life – the
common meanings; to mean the arts and learning – the special processes of discovery and creative effort. Some
writers reserve the word for one or other of these senses; I insist on both, and on the significance of their conjunction.
(…) Culture is ordinary, in every society and in every mind.”
De seguida veremos vários tópicos que podem ser interpretados de diferentes formas dependendo da cultura de
cada sociedade – construção social.

Representações ou expressões da cultura


• Palmas e Assobios;
• Alimentação;
• Aliança;
• Formas de saudação;
• Vestuário (traje académico, hábito, farda, luto, cerimónias);
• Códigos comportamentais em diferentes espaços (sala de aula, à mesa, concerto, cinema, conferência).

Outras formas de expressão materiais


O significado concedido aos objetos físicos e aos conceitos abstratos não é inerente, mas advém da forma como são
utilizados por um determinado grupo ou sociedade, num certo momento e contexto.
• Vestuário;
• Símbolos de estatuto – “status” ex: desejar algo – um Ferrari em vez de um Fiat)
• Modas ex: telemóveis que mudam de geração em geração

Outros conceitos que na sua explicação são mais abstratos


• Sexo;
• Religião;
• Moral;
• Respeito;
• Relação de gerações;
• Família;
• Beleza.

Significados diferentes em copresença podem gerar conflitos.


Estes exprimem-se em comportamentos, rituais e práticas concretas
• Templo como local de culto ou como atração turística;
• Comer carne de porco;
• Descobrir o cabelo/rosto/corpo;
• Jejum na 4ª feira de cinzas e abstinência à 6ª feira.
Há sempre as várias narrativas para entender cada representação.
Os diversos significados atuantes numa cultura interagem com os comportamentos e as práticas concretas dos
atores sociais.
• Férias de Natal e Páscoa;
• Fim de semana e Domingo;
• Feriados religiosos e político-históricos;
• Horário das refeições.

Raymond Williams

O grupo ou sociedade deve partilhar, por vezes tacitamente, certos valores e atitudes, que Raymond Williams
designa por “estruturas de pensamento” (e sentimento…) e que possibilitam a comunicação.

Rimos, choramos, revoltamo-nos, toleramos, chocamo-nos com estímulos semelhantes.


Tópicos dificeis porque mexem com os nossos core values
• Anedotas;
• Morte e suicídio (radicais islâmicos; kamikaze japoneses);
• Casamento de menores;
• Igualdade de género;
• Execuções públicas;
• Infanticídio feminino.

1.5 Práticas Significantes e Códigos Culturais

Stuart Hall

“Members of the same culture must share sets of concepts, images and ideas which enable them to think and feel
about the world, and thus to interpret the world, in roughly similar ways. They must share, broadly speaking, the
same ‘cultural codes’. In this sense, thinking and feeling are themselves ‘systems of representation’, in which our
concepts, images and emotions ‘stand for’ or represent, in our mental life, things which are or may be ‘out there’ in
the world.”

A cultura depende do modo aproximado mas não idêntico como os seus participantes interpretam o mundo e os
acontecimentos em redor.
A importância dos “significados comuns” não impede que em qualquer cultura exista uma grande diversidade no
modo como se interpreta ou representa qualquer tópico.
A cultura está implícita em todas as práticas que não são apenas geneticamente programadas, mas que contêm
significados e valores, a interpretar/descodificar pelo actor social (todos nós).

1.6 Cultura e Poder

Se encararmos a cultura enquanto “produção e circulação de significados”, então é na cultura que se formam os
discursos através dos quais um grupo social ou comunidade legitima o seu poder sobre outro grupo ou comunidade.

• Discurso político, partidário ou ideológico;


• Discurso dos radicais islâmicos;
• Israel vs. Palestina (‘direito bíblico’ vs. Intifada);
• Nazismo;
• Sharia;
• Apartheid;
• “Províncias ultramarinas” do Estado Novo;
• Católicos na Irlanda do Norte;
• Índios norte-americanos;
• Género;
• Publicidade e media (sobre-endividamento; fashion victims);
• Discurso nacionalista e colonialista;
• Mito americano da “city upon a hill”; “polícia do mundo” vs. “eixo do mal”.

Discurso/Narrativa (histórias) – textos que circulam numa cultura através da literatura, media, música, arte, mitos,
provérbios, lugares-comuns, ficção popular, publicidade, etc.
Estruturas narrativas simples e móveis.

Pierre Bourdieu
Capital cultural – expressão/representação do nacionalismo do que nos define
André Lefevere
Teoria das grelhas textuais/culturais – transformou a análise de Pierre numa grelha cultural para criar um perfil
cultural das nações – cultura ocidental

Edward Said
“as próprias nações são narrativas”. O poder de narrar, ou de proibir outros de o fazer, a apropriação da cultura pelo
poder, é muito importante para a compreensão da cultura. – falar constantemente de certas narrativas (por
exemplo as narrativas do ocidente) e as outras são silenciadas

• Mulheres;
• Cultura basca no franquismo;
• Culturas timorenses durante a ocupação indonésia;
• Censura e propaganda em Portugal durante o Estado Novo;
• Povos colonizados;
• Escravos;
• Católicos na Irlanda;
• Arménios e Curdos na Turquia;
• Dissidentes políticos em Cuba, China e URSS;
• Índios norte-americanos;
• Segregação racial e escravatura vs. “land of freedom” e “melting pot” nos EUA;
• Maoris na Nova Zelândia e aborígenes australianos.

Michael Chapman
“Cultural memory is the conglomerate of myths, proverbs, stories, reminiscences, codes, conventions, clichés, even
jokes, that grants a people its cohesion, its sense of belonging, belief and identity. In societies in which language,
race, religion, class, and comfort are reasonably homogeneous, cultural memory hardly need to be invoked in the
daily round. Instead, it can be reserved for the relatively harmless pursuit of supporting the national sports team.
(…)
[But] in my own, un-homogeneous country, South Africa, cultural memory has been – and continues to be – utilized
quite blatantly in the politics of power. This is not any different from its use in any other country, the more
homogeneous a society, however, the easier it is to conceal its manipulation of its own cultural memory.”

Explicação: Se um país é muito homogéneo então a memória cultural é muito comum (transversal), se falarmos de
uma nação como, por exemplo, a Africa do Sul (mais complexo), a cultura já não é homogénea então há mais
diferenciação. Ela é mais premiável a uma política de poder.

Jordan & Weedon


“Whose culture shall be the official and whose shall be subordinated? What cultures shall be regarded as worthy of
display and which shall be hidden? Whose history shall be remembered and who’s marginalized? What images of
social life shall be projected, and which shall be marginalized? What voices shall be heard and on what basis? This is
the realm of cultural politics.”

Explicação: Políticas Culturais – reconhecer e viver numa sociedade – exercício público.


Decidido pelo reconhecimento das prioridades da sociedade.
A partir do momento em que entendemos a cultura como bem transacional entramos num eixo político-económico
– deixa de ser só uma forma de representar (turismo: um prédio não tem valor, tem valor enquanto terra e edifício,
se for caracterizado como monumento histórico, passa a ser um produto alvo de turistas, aumenta o seu valor)
a própria historia passa a ser transacionada – por isso temos de ter regulamento politico, consequentemente ter leis.
A política cultural é transposta para as várias áreas
Áreas do poder no estado
Políticas culturais e financiamento – O estado financia produtos que possam ser rentáveis. As políticas culturais
baseiam se em produtos que possam trazer investimento.
Áreas do poder nas empresas
Mecenas (investem, altruísmo, retorno não em dinheiro se calhar, mas em mediatismo e visibilidade), marketing
cultural (ferramenta, cada vez mais na ribalta), investimento cultural e participação do sector privado (as empresas
precisam de se posicionar no mercado).
Áreas do poder na sociedade
Através dos movimentos socias – O que patrocinamos enquanto movimentos sociais é o que vai ter mais
investimento, medias (a sociedade influencia os media e vice-versa).
Áreas do poder do mercado
Consumo/concorrência – Consumimos produtos culturais. Isso é interesse e vai atrair investimentos que leva a
concorrência (porque se é um bem apetecível vai haver investimento).
Áreas do poder na identidade
Porque políticas culturais marcam a identidade e uma comunidade – investimento público e privado; locais
transformados em bem cultural (museu) através do marketing e media atraem visitantes. Caracterização da
comunidade em prol do eixo económico e político.

2. REPRESENTAÇÕES INTERCULTURAIS
O estudo de uma língua e de uma cultura tem de contextualizar os respetivos documentos e materiais, tanto
histórica quanto politicamente. Quando falamos, ouvimos, escrevemos ou lemos acerca de qualquer grupo ou
cultura, devemos distinguir claramente entre representações e realidade vivida, pois não se pode assumir de forma
acrítica que produtos como filmes, programas televisivos, romances, noticiários, publicidade e media forneçam um
reflexo direto e exato das experiências vividas numa determinada cultura.
Representações – Imagens e discursos impostos através dos media e do senso-comum.

2.1 Identidades Pessoais, Identidades Coletivas

“Identity is about belonging, about what you have in common with some people and what differentiates you from
others. At its most basic it gives you a sense of personal location, the stable core to your individuality.” - Jeffrey Weeks

As identidades com as quais nos identificamos ou somos identificados não são neutras nem iguais. O acto de
nomear, de categorizar, de conferir uma identidade, é um acto de poder, mesmo que mitigado. As diferenças são
marcadas simbolicamente e experimentadas socialmente. Os marcadores simbólicos têm efeitos reais na
experiência quotidiana dos indivíduos, nas suas relações sociais.

• Vestuário (uniforme, farda, hábito, traje académico);


• Símbolos de status;
• Norma vs. Desvio;
• Correntes alternativas (punks, góticos, rastas, metálicos);
• Designação por raça, nacionalidade, género, orientação sexual, religião, cultura, idade, deficiência, profissão;
• Alcunhas;
• Estrela judaica no nazismo;
• Designação por ‘senhor’, ‘senhora’, ‘mulher’, ‘menina’, ‘tu’, ‘você’, título académico, etc.
2.2 A Construção Social da Identidade

A possibilidade de acção, escolha e auto-determinação é sempre constrangida pelas estruturas sociais.


Construtivismo social – os factores sociais têm impacto no nosso sentido de identidade numa grande variedade de
formas complexas.

Aprendizagem das identidades sociais – conjunto de expectativas, direitos e obrigações normativos atribuídos aos
indivíduos pela sociedade e cultura em que se inserem.

• Género;
• Nível sócio-económico;
• Mãe e Pai;
• Poderoso/fraco;
• Raça;
• (In)Capacidade física;
• Orientação sexual;
• Pressão da imagem e dos media.

Estes tópicos não são ensinados, mas sim incutidos - com a nascença, são a nossa identidade.

Estereótipos – representações vivas, mas simplistas, que reduzem os indivíduos a um conjunto de traços
característicos exacerbados e geralmente negativos, através de operações de poder simbólico.

Senso-comum (ou usos e costumes) – “regulamento tácito” que atua como uma ideologia – por vezes
extremamente repressiva – nas práticas e representações do quotidiano.

• Secretária vs. Assessor;


• Loira;
• Espanhola (cf. Eça de Queirós)
• Brasileira;
• Chinês;
• Negro;
• Bailarino;
• Feminista;
• Bom aluno;
• Muçulmana

2.3 Identidades e Modernidade: Diáspora, Migrações e Globalização.

No mundo atual, é possível reconhecer a existência de identidades que contradizem os estereótipos e ultrapassam
as fronteiras da nação-estado.
Para tal, contribuíram vários fatores de hibridização cultural:
> As diásporas
> A transnacionalização da vida económica e cultural
> A globalização
> A migração (emigração e a imigração)
Tudo isto deriva no trânsito, na mobilidade. As pessoas entrarem em contacto umas com as outras das várias
formas possíveis. Isto transforma a nossa identidade pessoal e coletiva.
• Multinacionais;
• Deslocalização das empresas;
• Imigrantes em Portugal;
• Novos emigrantes portugueses;
• Êxodo rural;
• Refugiados;
• Media + Cultura de massas + Internet;
• Erasmus + Estágios internacionais;
• Turismo.

O que significará, atualmente, “ser português”?


• Os emigrantes de 1960/70, representados por João de Melo em Gente Feliz com Lágrimas (1988)?
• Os imigrantes africanos, brasileiros, indianos, chineses, de Leste?
• Os atletas naturalizados?
• O português da Expo98, do Nobel da Literatura, do Euro2004 e da Cimeira de Lisboa?
• Os portugueses do pós-revolução, da descolonização e da democratização, analisados por Eduardo Lourenço em O
Labirinto da Saudade (1978)?
• O “bom povo português”, categorizado por Jorge Dias em Os Elementos Fundamentais da Cultura Portuguesa
(1950)?
• O português cidadão da União Europeia?
• O português da crise, da troika, da recessão, do resgate financeiro?
• Os portugueses das bidonvilles d’Os Anos da Lama?
• Os novos emigrantes de 2014?
• O melhor destino turístico em 2020?

Qualquer cultura só existe quando os seus intérpretes a levam à cena, pelo que temos de rejeitar as interpretações
estáticas que reduzem a cultura a um texto fechado e definitivo, com uma leitura única ou de valor absoluto. Porque
não existe uma leitura única, mas sim uma pluralidade/infinidade de leituras culturais.

Michael Chapman
“There is a need for a hermeneutics of suspicion: a re-reading of authorities, a questioning of positions, reputations,
traditions, influences, as texts are set in contexts of controversy in which terms such as major/minor,
functional/aesthetic, the West/Africa, are held up for discursive investigation.”

“There is a need (…) for a humanism of reconstruction, in which damaged identities are reassemble, silenced voices
given speech, and causes rooted close to home in the priorities of the local scene examining itself as it examines its
relations to any international counterpart.”

Re-reading – Não se deve entender um texto como valor absoluto – nenhum texto é “sagrado” – Se estamos a
analisar um texto e lhe vamos dar um valor absoluto não estamos a dar espaço a outras narrativas, ou seja, estamos
a silenciar outras (narrativas, ideologias…).

Resumindo: Reconstruir a perspetiva, entender as várias perspetivas (na cultura) – por isso é que devemos evitar ao
máximo estereótipos.
3. CULTURA, COMUNICAÇÃO E TRADUÇÃO

3.1 A Tradução como Ação Intercultural

A tradução é uma ponte, ela faz uma ligação não só entre línguas, mas também entre culturas. Ou seja, ela tem um
papel a desempenhar entre as diversas culturas e línguas. Tal como a tradução, os estudos culturais também fazem
esta ligação.

A interculturalidade leva-nos a perceber a cultura do outro e a tentar arranjar uma forma de comunicar e a tradução
ajuda nesse processo.

Enquanto que o trânsito, a diáspora, a internet são mais o movimento das culturas do que propriamente a ligação –
são ferramentas que nos ajudam a fazer essa ligação.

No mundo atual, a crescente mobilidade e a interação transfronteiriça têm conduzido a uma cada vez maior
diversidade cultural e linguística e à consequente procura de uma comunicação intercultural eficaz, não só nas
principais línguas a nível mundial, mas também naquelas que são menos faladas, mas que estão a ganhar
protagonismo na arena internacional.

A tradução assegura a compreensão mútua entre diferentes línguas e culturas nacionais e no processo mais amplo
de hibridização intercultural, que produz novos e diferentes tipos de identidade – ou seja, a identidade vai-se
alterando (processo transformativo) mediante o conhecimento das outras culturas.

A subjetividade global define-se cada vez mais pela comunicação entre diferentes línguas e culturas.
O mundo que emerge da interação parece ser, também ele, cada vez mais influenciado pelos processos de
tradução.

Susan Bassnett & André Lefevere (Constructing Cultures: Essays on Literary Translation, 1998)
Se encararmos a tradução como uma forma de construção cultural, o estudo da tradução será também o estudo da
interação cultural, dos processos de socialização intercultural.

James Clifford (Travel and Translation in the Late Twentieth Century, 1997)

A viagem intercultural pode ser traduzida em múltiplas experiências, como a diáspora, a fronteira, a (e/i)migração, o
turismo, a peregrinação, o exílio ou até sem sairmos de casa, através da internet. Porque as identidades não são
fixas, porque os territórios culturais proporcionam encontros e diálogos complexos e difíceis, não existe uma solução
de consenso nem de valor universal: existe apenas mais tradução.

Todas estas viagens (como a diáspora, a fronteira, a (e/i)migração, o turismo…) são trânsitos, porque estamos em
mobilidade para entrar em contacto com outras culturas.

Resumindo os pontos anteriores, a tradução e a interação cultural são a construção de uma realidade que não é só
pessoal, mas também construída em comunidade.

É difícil captar as vivências e estruturas de pensamento de outras culturas ou de outros períodos históricos como se
fossem as nossas próprias. No entanto, poderemos aprendê-las suficientemente bem se as observarmos refletindo
sobre os preconceitos que estão a interferir na nossa visão.

A Babel de culturas (confusão, variedade) do mundo contemporâneo gera ao mesmo tempo novos conhecimentos e
também novos conflitos. Só o aprofundar do conhecimento poderá transformar o informe coletivo anónimo num
conjunto de seres humanos com uma identidade, uma cultura e experiências a partilhar em igualdade.
A globalização, o conflito político à escala mundial e local, o pós-colonialismo e os processos de assimilação e
hibridização cultural fizeram da tradução – e da compreensão e importância do trabalho dos tradutores e
intérpretes – um campo de estudo e investigação mais relevante do que nunca.

Ao tradutor restará a estratégia imutável da precisão (ou seja, da competência, do profissionalismo) que se ‘traduz’
no bom conhecimento das línguas e culturas de trabalho, com especial incidência no conhecimento profundo, tão
intuitivo quanto informado, e no manuseamento hábil do seu mais precioso recurso: a língua e a cultura materna,
no nosso caso, a língua e a cultura portuguesas.

3.2 Estudos da Tradução e Estudos Culturais

• Questionam a distinção conservadora ‘alta’ x ‘baixa’ cultura – Estes estudos (tradução e culturais) pensam
na mesma maneira e questionam a distinção conservadora entre cultura alta e cultura baixa (observa-se
então a cultura popular e folclore), a procurar produções narrativas que não sejam de línguas mainstream.
• Desafiam o cânone literário – Porque não analisar outras formas de contar esta história?
• Incluem as funções do texto no seu contexto específico – não pensar no texto como um objeto sagrado,
mas sim como um objeto de conhecimento. Ou seja, o texto é apenas uma perspetiva daquela narrativa, há
inúmeras outras e também devem ser ouvidas.
• Pluralidade de vozes – encontrar outras vozes ou outras formas de perceber.
• Analisam os processos de codificação e descodificação – porque é isso que faz a tradução, descodificar a
essência e as ideias de uma língua e codificar numa outra língua.

Os Estudos Culturais foram sempre um movimento contra-hegemónico e interdisciplinar dentro dos Estudos
Literários, desafiando o domínio de um conceito único de cultura, estabelecido por uma minoria – o que significa
que estas áreas conduzem à união.

Três fases dos Estudos Culturais


• Fase Culturalista (60’s):
• Contesta a apropriação do termo ‘cultura’ por uma elite – Porque tem de ser a cultura elite em toda
as áreas? Na música, no teatro, na literatura…
• Alarga o conceito de cultura – tentar pensar noutra forma
• Fase Estruturalista (70’s):
• Relações entre textualidade e hegemonia – como já se tinha falado, o texto deixar de ser sagrado e
passar a ser visto apenas como mais um texto. Isto também implicou que todos aqueles autores que
eram mais conceituados se começassem também a questionar.
• Fase Pós-estruturalista (80’s até ao presente):
• Reconhecimento do pluralismo cultural contemporâneo – a cultura ser “tudo” e todas as vozes
• Questões de identidade cultural, multiculturalismo e pluralidade linguística – o multiculturalismo até
aqui ainda não tinha sido descodificado

Questões culturais atuantes na tradução:


• Porque é que certos textos são selecionados para tradução e outros são ignorados? – Não escolhemos
textos que são contra a ideologia que está por base.
• Que normas e comportamentos adotam as traduções? E as editoras?
• Será a literatura portuguesa ‘fraca’ e ‘periférica’ porque traduz muito? – Não, simplesmente não há tanta
produção de literatura portuguesa quanto por exemplo a literatura inglesa e por isso há muitas traduções. A
quantidade é uma coisa e a qualidade é outra.
• Será a literatura inglesa ‘forte’ e ‘central’ porque traduz pouco? – Não, porque se produz muito em inglês.
• Estes critérios serão literários, políticos ou económicos?
Todas as anteriores são perguntas que ainda não têm resposta definida, existem várias opiniões, mas são
questões e casos que estão a ser estudados. No entanto, não se pode apenas considerar se a literatura é boa ou
má atendendo a questões de números. Estas questões existem para tentar separar estas perspetivas.

Desta forma, abre-se espaço para outro tipo de literatura:


• Textos da autoria de mulheres / traduzidos por mulheres;
• Textos de autores não consagrados (quais os critérios de “consagração”?);
• Textos da literatura oral e popular;
• Textos da dissidência política;
• Tradução da Bíblia para as línguas vulgares;
• Tradução e censura durante o Estado Novo;
• Tradução de artigos científicos para circulação internacional;
• Tradução e circulação de literaturas coloniais e pós-coloniais:

Chris Larkosh (Portuguese Literary & Cultural Studies, 2010)


“Há novas rotas linguísticas para alcançar um futuro intercultural comum”.

As narrativas deixam de ser centradas (o inglês deixa de ser centrado) e passamos a perceber a periferia.
➢ Macau (China) & economias emergentes do Brasil e África lusófona;
➢ Timor Leste: língua oficial = Português + Tetum;
➢ Brasileiros de origem japonesa na diáspora.

Abrir espaço a novas narrativas é uma comunicação intercultural. Se falamos com outros e outras nacionalidades e
se estamos a ler as perspetivas dos outros estamos a ser interculturais.
Objetivos da comunicação Intercultural:
• Olhar as próprias interações de forma analítica – perceber
• Localizar e desfazer preconceitos – eliminar estereótipos
• Interagir com outros indivíduos, em/de outros contextos
• Entendimento sobre as pessoas, a cultura e a sociedade em geral.
• Comunicação intercultural com pessoas de outras nacionalidades ou pessoas com outros sentidos de
pertença (de comunidade, classe, ocupação, género, idade, etc.).

3.3 Interculturalidade e Multiculturalidade

Multicultural Intercultural

Sociedades integradas e relações simétricas entre


Sociedades paralelas
culturas
Somos diferentes, temos que conviver sem conflito, Somos iguais e diferentes, aprendemos a conviver,
respeitando-nos enriquecendo-nos uns aos outros
Evitar conflitos Promover diálogo

Mantem estereótipos e preconceitos Tenta erradicar estereótipos e preconceitos

Ações afirmativas Ações transformadoras

Monólogo Comunicação

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