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Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
Introdução
Você já parou para pensar na diversidade de práticas simbólicas que a
humanidade elaborou ao longo de sua história? O número de religiões,
rituais, práticas artísticas e costumes cotidianos é quase infindável. E não
precisamos ir muito longe no tempo para notar essa diversidade: ela está
presente nos dias de hoje, por meio do que chamamos de diferentes
culturas.
Neste texto, você vai conhecer o modo como a semiótica trabalha
com o estudo dessas diferentes práticas culturais. A semiótica, como o
campo que analisa as práticas simbólicas das sociedades, encontra no
funcionamento das diferentes culturas um campo privilegiado para ela-
borar suas análises e aclarar como, em diferentes contextos, a humanidade
conseguiu criar uma rica e diversa herança cultural.
Essa atitude aponta para uma questão semiótica: por que atribuímos signi-
ficados distintos para práticas semelhantes? Uma resposta possível para essa
questão é de que a comunicação se trata de uma prática cultural. Como que
a semiótica trabalha nesse registro? É o que você vai descobrir neste capítulo.
Mas antes de entrar nas particularidades do conceito semiótico de cultura,
cabe uma breve incursão sobre as formas como esse conceito foi tratado de
forma geral. Pois, como você deve imaginar, o conceito de cultura é escorre-
gadio: ele pode significar muitas coisas diferentes, em diferentes situações.
Por exemplo, pode ser usado como um xingamento (“Você não tem cultura!”)
ou como justificativa para alguma prática (“Ele fez isso pois faz parte de sua
cultura”). Da mesma forma, valorizamos enquanto sociedade a cultura, tanto
que temos políticas de defesa do nosso “patrimônio cultural” e também leis
de “incentivo à cultura”. Parece que estamos falando de coisas bastante
diferentes, não é mesmo?
Podemos iniciar nossa discussão do conceito de cultura a partir de sua
perspectiva histórica. Pois, curiosamente, não é desde sempre que a palavra
cultura circula na sociedade. Inclusive, podemos traçar sua gênese para um
período bastante recente, em meados do século XVIII. O conceito de “cultura”
começa a ser utilizado no período da revolução burguesa e do Iluminismo, na
Europa Central. Se apropriando do sentido de cultivo (como em agricultura), a
burguesia ascendente começou a tratar a palavra cultura como um conceito que
denominaria um cultivo do espírito. Seria cultura tudo aquilo que escaparia
ao mundano: o que não fosse trabalho ou da ordem das relações econômicas
ou afetivas, estaria no universo da cultura.
Nesse período, a cultura se torna um sinônimo da apreciação das belas
artes: a pintura, a poesia, a música. Foi uma estratégia da classe burguesa
de alcançar sua autonomia: por um lado, se distancia da nobreza que só se
preocupava com disputas de poder; por outro, se diferencia do proletariado,
acusados de brutos e incautos. Para se tornar um cidadão integrado a socie-
dade, era preciso ser cultivado: ter um conhecimento e uma sensibilidade que
iam além dos meros afazeres cotidianos. Até os dias de hoje esse conceito
de cultura é corrente, podendo ser observado desde chamar alguém de culto
(alguém que é bem lido, que conhece as artes, que se interessa por questões
intelectuais) e também em políticas públicas de incentivo à cultura, que se
referem em geral a produção artística.
Um conceito mais contemporâneo de cultura é o chamado conceito antro-
pológico. Nessa perspectiva, cultura é tudo aquilo produzido pela humanidade
que vá além de seus instintos mais básicos de sobrevivência e preservação
da espécie. Note que esse é um conceito muito mais amplo de cultura, que
Signo e cultura 25
Você deve estar se perguntando: onde entra a semiótica nisso tudo? Assim
como existem diferentes correntes que conceituam a cultura, a semiótica
também estabelece para ela um conceito particular. A cultura é determinante
nos estudos semióticos pois, como afirmou Morin (2002), ela se organiza
como grandes sistemas simbólicos. Ou seja, a cultura funciona dentro do
paradigma da significação e do sentido. Inclusive, grande parte dos processos
de significação ocorrem em uma relação direta com o contexto imediato no
qual estão inseridos.
Por exemplo, pense num dos mais importantes símbolos da nossa cultura:
uma cruz. Se pensarmos na ideia de policultura, de Morin (2002), identificamos
que há um processo de significação específico da cruz no âmbito da cultura
religiosa cristã: Jesus Cristo e todo o conjunto de crenças dessa religião. Agora,
se transpormos o mesmo símbolo para outra cultura religiosa (a cultura hindu,
por exemplo), não teremos o mesmo significado, ou até mesmo significado
nenhum dentro do contexto religioso.
Usando o vocabulário específico da semiótica, você pode observar que
o mesmo significante pode assumir diferentes significados em diferentes
culturas. Isso quer dizer que, para além da relação própria do signo, existe
também um sistema que une determinados significantes a determinados
significados a partir de uma convenção.
A palavra convenção é importante nessa reflexão, por dois motivos: o
primeiro, é o de reforçar o caráter arbitrário que o signo mantém entre
significante e significado. O segundo, pois são justamente essas conven-
ções, ou sistemas simbólicos que produzem uma significação específica,
que a semiótica vai chamar de cultura. A cultura, portanto, é um sistema
semiótico de convenções que articula relações específicas entre significantes
e significados.
Podemos empreender um estudo semiótico da cultura a partir de dois
lados distintos:
Alguns casacos, inclusive, são produzidos por grifes famosas e custam pe-
quenas fortunas (Figura 1). A explicação semiótica para essa diversidade de
casacos para além de sua função fisiológica, é que usar uma determinada peça
de roupa também comunica algo. Se uso um casaco rosa, estou dizendo algo
com isso; se uso um casaco de pele, expresso um tipo de condição monetária
elevada; se uso um caso de uma marca famosa e em evidência, comunico
que sou uma pessoa consciente das tendências do vestuário. Essa dimensão
comunicacional que constitui o campo semiótico de Eco. O fato das pessoas
usarem casacos para se proteger do frio é um fato cultural, mas não semiótico.
Essa relação faz parte da cultura, mas não recai num processo comunicativo
que cabe a semiótica analisar.
pois todos estarão usando casacos de pele! A convenção casaco de pele = status
social não está presente nessa relação, pois há outro sistema de significação
vigente nesse espaço. Há outra cultura (Figura 2).
próprio autor, é de que “[...] a cultura, em sua complexidade, pode ser entendida
melhor se for abordada de um ponto de vista semiótico.” (ECO, 2002, p. 21). Isso
quer dizer que a semiótica possui as ferramentas teóricas apropriadas para o
estudo de qualquer prática cultural. Ou seja, Eco (2002) define a cultura e a
semiótica como práticas recíprocas: define uma em relação à outra. Por isso
que a cultura se estabelece como objeto da semiótica, e a semiótica como um
referencial teórico para estudar a cultura.
A contribuição de Eco para elaborar esse referencial teórico para o estudo
da cultura é a sua chamada Teoria dos Códigos.
Código e cultura
Na seção anterior discutimos a cultura a partir de diversos termos: convenção,
conjunto de regras, sistema de significação. Eco (2002) estabelece um conceito
geral para dar conta desses termos sob uma única perspectiva teórica: o código.
Como afirma Nöth (1996, p. 195), “A semiótica de Eco é o estudo dos códigos
e um código tem sua base numa convenção cultural: semiótica é, portanto, o
estudo sígnico da cultura.”.
Antes de abordar a especificidade da teoria dos códigos de Eco, é preciso
definir preliminarmente o que é um código. A base do código é a sua con-
vencionalidade. É a convenção ou ACORDO entre dois ou mais indivíduos
para estabelecer uma espécie de substituição de linguagem. Você pode pensar
num código rudimentar para criptografar uma mensagem: você estabelece
que cada letra do alfabeto corresponde a um numeral, como no esquema A=1,
B=2, C=3 e assim por diante. A partir do estabelecimento desse código ou
regra, que não passa de uma convenção arbitrária, você pode escrever uma
mensagem linguística usando apenas numerais, como por exemplo 5 – 3 – 15.
Mas apenas alguém que conhece essa convenção, que tem o domínio das regras
do código, conseguirá interpretar corretamente a mensagem e saber que você
está se referindo ao grande teórico dos códigos semióticos: E (5) C (3) O (15).
Esse exemplo trata de um código rudimentar, limitado, mas serve para
demonstrar como Eco pensa os processos culturais. Para Eco (2002), todo ato
semiótico de comunicação tem por detrás de si um código que estabelece um
sistema de significação. De maneira geral, um código é um sistema de regras
fornecido por uma cultura que possibilita a comunicação e o entendimento entre
seus integrantes. Assim, o estudo semiótico da cultura é baseado na descrição
do funcionamento dos códigos que estão presentes e agem concretamente na
significação e nas práticas de sentido de uma sociedade.
32 Signo e cultura
Para conhecer exemplos de análises culturais sob o prisma da semiótica, uma das
melhores fontes é um livro do próprio Umberto Eco (1987), chamado Apocalípticos
e Integrados. Nesse livro, Eco empreende uma série de análises culturais que vão
desde os quadrinhos do Super-Homem até a série de romances Os Mistérios de Paris,
de Eugene Sue. É um trabalho vigoroso, que não apenas propõe diferentes visões
para a chamada “cultura de massas” como também coloca para funcionar todas as
ferramentas de sua teoria dos códigos.