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Skinner aponta para o fato de que essa definição republicana tem clara inspiração
nos Discorsi de Maquiavel, que definia como cidades livres aquelas que eram governadas
por sua própria vontade3.
Estados livres, como pessoas livres, são assim definidos por sua capacidade de
autogoverno. Um Estado livre é uma comunidade na qual as ações do corpo
político são determinadas pela vontade dos membros como um todo. 4
O que Skinner argumenta por todo seu livro – com foco especial no
desenvolvimento e embate dessas ideias no contexto da história constitucional inglesa –
é o exato oposto do argumento que encontramos entre os liberais clássicos, como
Benjamin Constant e seu elogio de uma liberdade meramente negativa como aquela
adequada aos governos da modernidade5; Skinner aponta para a emergência e
consolidação de uma ideologia republicana “altamente subversiva” – com formadores
ilustres como Harrington e John Milton na formação da Inglaterra moderna, em especial
no período que vai do regicídio de 1649 até a restauração da monarquia6. Inicialmente
1
Doutorando em Direito pela UFMG, com financiamento CAPES, Mestre em Direito pela UFMG e
Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo.
2
SKINNER, Quentin. Liberdade antes do Liberalismo. São Paulo: Editora Unesp, 1999, p. 37.
3
SKINNER, Liberdade antes do liberalismo...cit., p. 33.
4
SKINNER, Liberdade antes do liberalismo...cit., p. 33.
5
CONSTANT, Benjamin. Da liberdade dos antigos comparada a dos modernos. Revista Filosofia Política,
Rio Grande do Sul, Número 2, 1985, pp. 09–25.
6
SKINNER, Liberdade antes do liberalismo...cit., p. 22.
críticos da monarquia, também se tornaram (subversivos) opositores do protetorado de
Cromwell7.
Isto diz Satã a Belzebu, quando se vê em meio ao Caos, boiando com seus anjos
em meio ao lago de fogo. O motivo: “desafiar o onipotente a armas/ Nove vezes o espaço
dia e noite/ dos mortais, ele e sua acerba chusma Jazeram voltos no lago de fogo/Confusos
e imortais.”11
7
SKINNER, Liberdade antes do liberalismo...cit., p. 59.
8
SKINNER, Liberdade antes do liberalismo...cit., p. 33.
9
SKINNER, Liberdade antes do liberalismo...cit., p. 66.
10
ARMITAGE, David. John Milton: poet against empire. In: ARMITAGE, David. Milton and
Republicanism. Cambridge: Cambridge University Press, 1995. p. 207.
11
MILTON, John. Paraíso Perdido. São Paulo: Editora 34, 2015, p. 80.
12
ARMITAGE, David. John Milton: poet against empire. In: ARMITAGE, David. Milton and
Republicanism. Cambridge: Cambridge University Press, 1995. p. 215,
E de que modo estaria refletida essa preocupação miltoniana com uma república
que cuide, primeiro, de seus assuntos internos, antes de se aventurar por conquistas
mundo afora? Encontraremos parte desse debate no Livro II, por ocasião da assembleia
de anjos caídos, em que se debate, sob a liderança de Satã, sua sorte coletiva. Assim é que
será a opinião de Mammon:
De outra opinião será Belzebu, que defenderá não uma república para
conservação, mas uma república voltada à expansão. Para Belzebu, permanecer uma
república voltada apenas à própria preservação seria um convite ao desastre e traria mais
derrotas ao pandemônio. Com isso, Satã se oferece para que com “transcendente glória”
e “soberba monárquica”, explore esse novo mundo de que falava a profecia celestial. O
próprio Satã faz a pergunta retórica: “Por que assumo eu reais prerrogativas?”; Satã se
aventura, diz Milton, como “Supremo chefe, o único Adversário do Céu, imperador cruel
do inferno, cheio de grã pompa e ar de Deus.” 14
Milton iniciara sua obra, Paraíso Perdido, nos meses finais do protetorado; veio
a ser publicada já depois da Restauração, no ano de 1667. Embora esteja claro que muitos
republicanos, Milton entre eles, tenham preservado sua crença na causa e razão
republicanas, todos haviam se decepcionado com o rumo que tomara a república de
Cromwell. Por isto mesmo, ao explicar sua guinada tirânica, sempre o comparavam a um
13
MILTON, John. Paraíso Perdido. São Paulo: Editora 34, 2015, p. 130-138.
14
MILTON, John. Paraíso Perdido. São Paulo: Editora 34, 2015, p. 137
Monarca. Em Paraíso Perdido, a saga de Satã rumo à conquista da Terra, criada para os
homens, é descrita de modo a compará-lo a um monarca e imperador.
Referências Bibliográficas