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Resumo
Tema: o romance "Rui Barbosa Número 2", escrito por Jorge Amado (1912-2001),
mas não publicado após a desistência do autor (em 1933), apesar da divulgação na
mídia e da publicação de um trecho da história em periódico do Rio de Janeiro.
Posição de "Rui Barbosa Número 2" entre os livros do autor: a terceira obra,
após o folhetim "El-Rey" ("O Jornal", BA, 1930), lançado em livro como "Lenita"
(1931), obra criada em conjunto com Édison Carneiro (1912-1972) e Oswaldo Dias da
Costa (1907-1979); e "O País do Carnaval" (1931). Segundo romance do autor.
Motivos da desistência:
. Fator interno: leitura de romances nacionais e russos que levaram o escritor a optar
por um estilo mais social e engajado.
Único trecho publicado na mídia da época: matéria intitulada "Rui Barbosa n. 2",
na revista "Beira Mar", 29 de outubro de 1932, matéria intitulada "Rui Barbosa n. 2".
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Apresentação
Essa obra, intitulada "Rui Barbosa Número 2" (ou "Rui Barbosa n.º 2"), deveria ter
saído nos primeiros meses de 1933, logo após a publicação de "Lenita" (1931), história
criada com os amigos Édison Carneiro e Oswaldo Dias da Costa, e de "O País do
Carnaval" (1931), primeira história exclusivamente do autor.
Este artigo apresenta ainda um trecho inédito da história (em termos de divulgação,
desde a década de 30), publicado na revista "Beira Mar" em 29 de outubro de 1932,
durante o período de divulgação do "futuro" romance na mídia.
http://acervo.jorgeamado.org.br/assets/pdf/catalogo_Final.pdf
Observação
Livros
O recorte abaixo informa que "Rui Barbosa número 2" era um dos 52 capítulos do
livro de Miécio Táti. Mesmo sem ter acesso à obra, é possível afirmar que o trecho
inédito apresentado neste artigo não faz parte da biografia, de apenas 161 páginas: na
prática, cerca de 3 páginas por capítulo, em média.
"'Não Fiz Anotações, Morrem Comigo': o arquivo e a lacuna biográfica de Jorge
Amado", página 70, Marina Siqueira Drey, dissertação de mestrado em Literatura,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.
https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/177774/347082.pdf?sequence=1&isA
llowed=y
A biografia de Jorge Amado escrita por Joselia Aguiar e consultada via Google
Books traz informações importantes sobre o romance morto no prelo (veremos adiante),
mas não cita a publicação do trecho do romance na revista carioca "Beira Mar", em
1932 (observação: a autora me informou que conhecia essa publicação, mas não a
incluiu na obra, assim como dezenas de outras coletadas ao longo da pesquisa para a
biografia).
Veremos adiante que, apesar dessa falta de entusiasmo, o editor decidiu-se a publicar
o livro.
No trecho acima, Joselia apresenta o segundo fator (este, interno) que levou à não
publicação de "Rui Barbosa n.º 2": o efeito causado em Jorge Amado pela leitura de
obras socialmente engajadas e de maior qualidade artística.
Digite "rui barbosa nº 2" na caixa de busca
https://books.google.com.br/books?id=pSF0DwAAQBAJ&dq=%22glauter+duval%2
2&hl=pt-PT&source=gbs_navlinks_s
https://www.anais.ueg.br/index.php/anpuhgo/article/view/4084
"Em 1932, com apenas 20 anos de idade, Jorge Amado preparava o lançamento de
seu terceiro livro, Rui Barbosa nº 2, que abordava parte da sua trajetória e suas recentes
inquietudes políticas. A pouca idade, a imaturidade literária, as agitações políticas nos
primeiros anos de 1930, o contato com novas ideologias e a inserção em novos lugares
sociais vão transformando as visões do escritor que havia recentemente saído da Bahia e
mudado para a capital brasileira. Novas maneiras de apropriar a realidade, práticas
sociais e formas de representar suas visões de mundo através da literatura, levam o
literato a abandonar seu tom cético, individualista e elitista que ele havia herdado da
influência na 'Academia dos Rebeldes', na Bahia, passando a aproximar-se do discurso
em favor dos excluídos e engajando-se no intuito de transformar o mundo através da
escrita. Com as alterações dos convívios em novos grupos sociais no Rio de Janeiro,
Amado reformula suas táticas e estratégia na produção escriturária. Devido ao conteúdo
de Rui Barbosa nº 2 não atender as expectativas de suas novas opções e dos novos
lugares que o autor insere, o literato prefere não publicá-lo, colocando o livro no limbo
do esquecimento. Nosso objetivo com esse texto é de dar visibilidade ao livro não
publicado, apresentando-o no contexto em que ele foi produzido, sendo que nosso
suporte metodológico e teórico será um conjunto de conceitos e abordagens
desenvolvidos por Michel De Certeau e Roger Chartier".
"'Rui Barbosa nº 2': o livro não publicado de Jorge Amado", Matheus de Mesquita e
Pontes, "Anais do Encontro Estadual de História da Associação Nacional dos
Professores Universitários de História (ANPUHGO)", Universidade Estadual de Goiás
(UEG), 2016.
https://www.anais.ueg.br/index.php/anpuhgo/article/view/4084
https://repositorio.bc.ufg.br/tede/bitstream/tede/8432/5/Tese%20-
%20Matheus%20de%20Mesquita%20e%20Pontes%20-%202018.pdf
"Com perfil mais político e com ares de rejeição frente a religião como fonte de
solução dos problemas da infelicidade, Amado procurou a Editora Ariel para publicar
Rui Barbosa nº 2. Gastão Cruls, um dos proprietários da Ariel e amigo do escritor,
disse-lhe: '[...] publicaria se eu quisesse, mas que o livro não acrescentava nada em
relação ao anterior [O país do carnaval] e não era melhor que ele' (AMADO apud
ESPINOSA, 1981, p. 16). Segundo Amado, a opinião do primeiro leitor dos
manuscritos, do também amigo e escritor Otávio de Faria, contribuiu na opção por
engavetá-lo. Para Faria se ele fosse editor não publicaria e, que aquela obra, de nada
acrescentava se comparada ao romance anterior, O país do carnaval (AMADO apud
TÁTI, 1961, p. 37). Justificando sua grande vontade inicial de rapidamente publicar o
seu segundo romance de autoria própria, Amado alega que: '[...] embriagado com o
sucesso de crítica de O país do carnaval, escrito em 1930, publicado em 1931, escrevo a
correr Ruy Barbosa número 2, na mesma linha romanesca de influência europeia, debate
intelectual de ideias, bobageira' (AMADO, 2012b, p. 146)".
Outra menção à obra se encontra no estudo de Gustavo Rossi intitulado "Na trilha do
negro: política, romance e estudos afro-brasileiros na década de 1930" e publicado em
2013.
"Na trilha do negro: política, romance e estudos afro-brasileiros na década de 1930",
página 185, Gustavo Rossi, em "Colóquio Internacional 100 Anos de Jorge Amado –
História, Literatura e Cultura", Flávio Gonçalves dos Santos, Inara de Oliveira
Rodrigues e Laila Brichta (organizadores), Universidade Estadual de Santa Catarina,
Editora da UESC, 2013.
https://www.academia.edu/4034844/Na_trilha_do_negro_pol%C3%ADtica_romance
_e_estudos_afro-brasileiros_na_d%C3%A9cada_de_1930
Trechos disponíveis até agora
"Quem sabe se ele não será o segundo Rui Barbosa?" (página 21a).
"Só ele, Arcanjo, indeciso. Tudo que havia nele de revoltoso natural, de
anticonvencional, o aproximava da esquerda radical" (página 52).
"O liberalismo passara. Júlio Prestes não melhoraria o Brasil e os aliancistas [grupo
de apoio a Vargas] seriam capazes de desgraçá‐lo completamente. Não aceitou o
convite" (página 87).
"[Eulálio] – Quais?
"[Arcanjo] – E eu, fora do Partido, talvez possa fazer mais pela causa.
*
"– Vera é um partido ótimo para você. Você é o único sujeito daqui com quem Silvio
a casaria. E ele quer o casamento. Você, casa com ela, está deputado na certa, rico
podendo gozar a vida. Você precisa afinal se decidir" (página 122).
"Que nada! A turma é reacionária pra burro. Mete hóstias no braço pra se livrar da
bala. Pendura rezas no pescoço por causa das cobras. Só me ouvem quando lhes ofereço
cachaça. Mas eu gosto daquela vida. No meio de gente de coragem" (página 122).
"[Eulálio] – Sem sinceridade. Ele será político para enriquecer, subir, fazer as
mesmas desonestidades dos outros. Não leva nenhuma ideia de trabalhar pelo país e
pelo povo...
"O patriotismo de Rui Batista resumia‐se em saber o hino nacional, admirar as cores
da bandeira, falar em salvação da Pátria, de defender os bacharéis e fazer discursos
patrióticos. No fundo, pouco se lhe dava que a Pátria se desgraçasse ou fosse entregue
aos estrangeiros, contanto que ele [s] elegesse a deputado, a bandeira continuasse verde
e amarela e os soldados cantassem o hino nacional" (página 156).
"– Sabe, Arcanjo? Eu preciso de uma pessoa para dirigir o partido. Dirigir, isto é...
Nós, eu e seu pai, temos os eleitores, mandamos neles... mas eu falo dirigir... [...] Que
trate dos negócios aqui.” (página 166).
"Na Câmara, Arcanjo sentava‐se junto a Rui Batista, deputado pela Bahia, também
verboso, também eloquente, também nome conhecido, aclamado e respeitado.
"[...]
Arcanjo baixou a cabeça para dizer sim. A cabeça caiu‐lhe sobre as mãos que sempre
as tivera alvas e aristocráticas, agora tratadas por manicure francesa" (página 181).
"Ruy Barbosa N.º 2" na mídia de época
No período de produção de "Rui Barbosa N.º 2" foi possível encontrar quatro
menções ao romance, todas na mídia do Rio de Janeiro, cidade onde residia o escritor.
"Aparecerá, ainda este ano, um novo romance de Jorge Amado – 'Rui Barbosa n. 2'."
http://memoria.bn.br/DocReader/093092_02/8810
"Jorge Amado há uns dois anos publicou '[O] País do Carnaval' e agora anuncia 'Rui
Barbosa n. 2'. Escritor apreciado, recebido pela crítica com os maiores aplausos, Jorge
Amado com a próxima edição desse romance interessantíssimo que anuncia, firmará seu
nome de escritor da nova geração."
"O Malho" (RJ), 10/12/1932, número 1564, página 16, última coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/116300/77533
http://memoria.bn.br/DocReader/830399/303
"Será lançado, dentro em pouco, um novo romance de Jorge Amado – 'Rui Barbosa
n. 2'."
"Diario Carioca" (RJ), 6/1/1933, número 1355, página 4, primeira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/093092_02/9285
"Jorge Amado mandou para o prelo um novo romance, intitulado "Rui Barbosa
número 2".
http://memoria.bn.br/DocReader/093092_02/9522
A Bahia está no cartaz. Primeiro veio à baila o escândalo promovido pelo jornal "Era
Nova" de São Salvador, contra Carmen Miranda, que é, com a sua arte deliciosa, a
pequena namorada do Rio de Janeiro. O correspondente da "Era Nova" afirmou que
Carmen Miranda, mal chegada de sua excursão ao Norte, falara mal da Bahia. Onde?
Nas entrevistas que concedeu à imprensa, a cantora que tem uma tonelada de "it" na voz
e nos gestos, teceu louvores para a linda terra do Senhor do Bonfim. Mas a fervura
continua. É um disse-me-disse que não acaba mais. Carmen telegrafou protestando de
pés juntos. Mas os ouvidos de "Nova Era", jornal católico, estão fechados para o
protesto leal e sincero da pequena namorada do Rio. Anteontem – ainda há ingênuos –
começou o boicote aos discos de Carmen Miranda. Ainda não serenado o caso Carmen
– Bahia, chega-nos da terra de São Salvador um outro "caso": todas as livrarias baianas
resolveram boicotar o livro "Brasil Errado [:ensaio político sobre os erros do Brasil
como país]", de Martins de Almeida, proibindo a sua venda, porque nessas páginas
jovens Rui Barbosa é violentamente diminuído. (Que bruta reclame Martins de Almeida
arranjou! Sou capaz de jurar que esse boicote é arranjo dele para aumentar a venda de
seu livro no resto do país.) Aposto que se Rui Barbosa, paladino-maior da liberdade,
estivesse vivo ficaria indignado com a atitude dos livreiros seus conterrâneos.
Impedindo a venda de "Brasil Errado" agem duplamente errados: favorecem a
publicidade do livro e dão a impressão de que, no mesmo, nas páginas referentes a Rui
Barbosa, há coisas que a massa deve ignorar para não perder o fascínio pelo ídolo.
Verdade é que Martins de Almeida foi injusto com Rui Barbosa, que foi qualquer
coisa de admirável [e] de genial. "Como todas as obras-primas, só poderá ser vista do
cimo da montanha do tempo. Vai refulgir no futuro". Os livreiros baianos deram uma
maravilhosa oportunidade ao nome do jovem Martins de Almeida. A procura do livro
tem sido intensa. Até eu comprei um. Multiplicam-se os comentários. Gente que o
defende. Gente que o ataca. Jorge Amado, o romancista do "País do Carnaval", baiano
como Rui Barbosa, e um dos primeiros valores da nova geração, escreveu a Martins de
Almeida a carta que se vai ler, pitoresca, discutível, engraçada e brilhante, mantida a
ortográfica acadêmica adotada pelo moderníssimo Jorge Amado:
"Meu caro Martins de Almeida: – Eu, Jorge Amado, baiano, maior, revacinado,
escritor, venho lhe dar os meus parabéns pelo boicote que as livrarias da Bahia estão
fazendo do seu ensaio. Como baiano que felizmente se libertou da mulatíssima
admiração pelos 'gênios' retóricos, oradores de frases feitas, venho protestar contra a
estúpida campanha dos 'diários de poucas notícias' e dos jornais parcialíssimos da terra
do acarajé e do discurso, campanha que é a melhor propaganda do seu magnífico ensaio.
Os baianos vêm sendo tapeados desde as primeiras letras pelos patrioteiros professores
semianalfabetos quanto ao gênio de Rui Barbosa e outros Seabras. Engravidam os
ouvidos dos meus patrícios com lendas [sobre] a atuação desses 'gênios' nos cenários
político, literário e científico não só da nossa pátria como de todo [o] universo. De um
baiano eu sei que deixou de assinar um jornal francês porque este certa vez publicara a
biografia dos dez maiores homens do mundo e entre eles não incluíra a águia de Haia.
Ora, é evidente que numa terra desta[s], onde se acredita em lendas como a da
extraordinária admiração do mundo pelo fazedor de frases baiano, o seu livro sincero,
corajoso, que estudou com a máxima honestidade o 'caso Rui Barbosa" não poderia
agradar. A verdade dói e não é todo mundo que suporta ouvir verdades. Aliás esses
boicotes e essas campanhas estão reservadas a todos aqueles que ousem falar claro,
dizer verdades, fazer coisa séria, tentar algo de útil, numa terra que ainda se embriaga ao
ouvir maus oradores falar sobre liberalismo e outras velharias. Os baianos se
esqueceram em Rui Barbosa. O ídolo é intocável. Para que você foi bulir nele? Tem aí
os resultados: seu livro não será vendido na Bahia. O editor talvez se zangue. Você, eu
acho, deve estar certíssimo. Esse boicote é a consagração do seu ensaio. A prova de que
ele é acertado e a sua crítica justa.
"Todos os 'ruibarbosas da rua dos carvões e baixa do sapateiro' ficarão lhe odiando. É
esse o prêmio dos escritores que não temem falar a verdade nessa terra de políticos de
muitas falas e poucas obras.
LÚCIO MARIANNI.
"O Radical" (RJ), 28/11/1932, número 173, página 4, antepenúltima, sexta, sétima e
oitava colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/830399/303
O único trecho do romance publicado na mídia nacional
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Logo que chegou à idade de fazer admissão, seu Antônio enviou-o para o colégio na
capital do Estado. Escolheu o Ginásio 7 de Setembro devido ao nome patriótico.
– Meu filho, vais entrar para a vida. Vê como te portas. Obedece ao diretor e estuda
muito para seres digno do nome que usas...
***
– Rui Batista!
– Pronto!
– Quero lhe dar os parabéns! A sua composição está ótima! Em verso, calculem
vocês!
Leu em voz alta, para a admiração dos alunos embasbacados. Depois, ele mesmo
comandou as palmas. E terminou:
Beijou a testa de Rui Batista, que estava comovido às lágrimas. Foi uma cena tocante
da qual até hoje os rapazes que a assistiram (agora, todos doutores, agrônomos,
médicos, advogados e dentistas. Houve um que não se formou – foi ser fazendeiro. Mas
quem liga pra ele, a vergonha da turma?) se recordam emocionados.
– Viva...
***
Ficou ídolo. Dava a última palavra em todos os assuntos dos colegas, foi mandado ao
diretor como representante dos internos para reclamar [sobre] o arroz, os inspetores
tratavam-no com muita consideração e elegeram-no capitão do Arranca-Rabo, do qual
era o ponta-esquerda. Foi nessa época que o grêmio fundou o jornal A Pátria. Rui foi
escalado para o corpo da redação. Tudo isso ecoava na sua cidade natal. O que, porém,
mais serviu para firmar a sua situação foi o fato de fazer dois anos ginasiais em um só.
A lei facultava os exames do 1.º ano em março aos que fizessem admissão em
dezembro. Rui assim o fez. De forma que em dezembro seguinte prestou exames do 2º
para o 3º ano. Até os graves coronéis foram a bordo recebê-lo no dia de sua chegada.
E quando voltou, o pai de Rui chamou o filho em particular para proibi-lo de andar
com aquele moleque:
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"Beira Mar" (RJ), 29/10/1932, número 343, página 37A.
http://memoria.bn.br/DocReader/067822/3847