Você está na página 1de 90

INVESTIGAÇÕES DE AUTORIA E PUBLICAÇÃO

Pasta no OneDrive com mais de 100 artigos para baixar:


https://1drv.ms/u/s!Aj6kOBkyV630khcEvKdfnFl6K5aP?e=hcoacK

Autor: Sérgio Barcellos Ximenes.

Artigos no Medium | Blog literário | Scribd | Twitter | Livros na Amazon

______________________
O autor do poema-acróstico O bobo do rei faz anos, publicado no dia do
aniversário de D. Pedro II, em 2 de dezembro de 1868
Resumo
Tema: o poema-acróstico O bobo do rei faz anos.
Título original do poema: Hino – Dedicado a S. M. I. o Imperador D. Pedro II, no
dia 2 de dezembro de 1868.
Publicação: Jornal do Commercio (Rio), em 2 de dezembro de 1868, supostamente
para comemorar o 43.º aniversário do imperador D. Pedro II, seguindo a tradição desse
dia no Jornal do Commercio, publicação governista e monarquista.
Revelação do acróstico ofensivo ao imperador: Diário do Rio de Janeiro, em 3 de
dezembro de 1868, na seção de textos pagos Publicações a Pedido, por Vicente José
Ramos em sua série Interesse Público (número 40), também conhecida como Relógio
Político.

Republicações do poema-acróstico:
1. No jornal oposicionista Opinião Liberal (Rio de Janeiro) em 3 de dezembro de
1868.
2. No jornal oposicionista Diário do Povo (Rio de Janeiro) em 5 de dezembro de
1868.
3. No periódico oposicionista O Alabama (Salvador) em 15 de dezembro de 1868.

Outras menções ao poema-acróstico:


1. No jornal oposicionista O Tribuno (Recife) em 17 de dezembro de 1868.
2. No jornal oposicionista Cearense (Fortaleza) em 22 de dezembro de 1868.
Respostas poéticas publicadas no Diário do Rio de Janeiro (ambas por
anônimos):
. Variante do hino publicado no dia 2 e assinado "Um monarquista", em 4 de
dezembro de 1868, por Um brasileiro, com o acróstico Bobo é quem fez o hino.
. Ao poeta monarquista do dia 2 de dezembro, em 5 de dezembro de 1868, por O
verdadeiro monarquista, com o acróstico És um burro.

Autores antes associados ao poema:


. Fagundes Varela, poeta: por Almeida Nogueira, em seu livro Academia de São
Paulo: Tradições e reminiscências, estudantes, estudantões, estudantadas (1908).
. Ferreira Viana, jornalista conservador: registro (cético) da atribuição por Evaristo
de Moraes em seu livro A Campanha Abolicionista (1879-1888), de 1924.
. Salvador de Mendonça, político republicano: registro da atribuição por Hendrik
Kraay em seu livro Days of National Festivity in Rio de Janeiro, Brazil, 1823–1889, de
2013.
. Francisco Otaviano, senador liberal: registro da atribuição por Hendrik Kraay em
seu livro Days of National Festivity in Rio de Janeiro, Brazil, 1823–1889, de 2013.
Autor (quase certo) do poema-acróstico: Vicente José Ramos (1826-1896),
português radicado no Brasil, comerciante no ramo de joias e jornalista independente.

Indícios de autoria:
1. O motivo pessoal para a publicação do poema-acróstico: a recusa do Jornal do
Commercio em continuar a publicar seus textos de denúncia social e política;
2. A proximidade dos fatos: a recusa em publicar um artigo e a vingança em forma
de trollagem;
3. O temperamento do autor do artigo, fartamente demonstrado nas situações
conflituosas reveladas neste texto;
4. A postura política de Vicente, de fiscal do comportamento das pessoas de destaque
na sociedade;
5. O conhecimento da chave do poema (o acróstico) e o fato de ter sido o primeiro a
revelá-la;
6. O testemunho categórico de dois contemporâneos do próprio meio jornalístico, em
1894 (em nota de A Notícia) e 1896 (no obituário de A Cidade de Ytu).

Consequências da publicação da chave do acróstico:


. Três dias após a publicação da chave do acróstico, uma agressão com manopla de
ferro (ou cassetete) por parte do dono do Diário do Rio de Janeiro, Custódio Cardoso
Fontes, auxiliado por um policial encarregado de seus negócios particulares e alguns
policiais à paisana, na própria loja de Vicente.
. Prisão arbitrária por 12 dias, a partir de 6 de dezembro, sob a alegação de
resistência à ação policial.
. Dois processos penais, um movido pelo Estado, baseado na alegação de resistência,
e outro por Custódio, atribuindo uma agressão a Vicente (futura absolvição em ambos).
. Proibição de voltar a tratar de temas políticos, imposta para a soltura em 18 de
dezembro de 1868.
. Bloqueio à publicação de seus textos em jornais, devido ao risco de incorrerem no
desagrado do imperador ou na ação repressiva da Justiça.

Atuação de D. Pedro II no episódio:


. Ordenou irregularmente a José de Alencar, o ministro da Justiça, a finalização do
processo contra o Jornal do Commercio (tido como o diário oficial da monarquia), por
ter publicado inadvertidamente o poema-acróstico, mas recusou-se a aceitar o pedido
pessoal de ajuda feito pela família de Vicente, embora conhecesse as circunstâncias
abusivas da agressão e da prisão do jornalista, amplamente divulgadas pela imprensa da
época.

Atuação de Vicente José Ramos como jornalista independente:


. Tipografia pessoal na rua dos Ourives 137, com o periódico Relógio Político.
. Textos pagos nos jornais Gazeta de Notícias, Correio Mercantil, Jornal do
Commercio, O País e Diário do Rio de Janeiro. Provavelmente também na Pacotilha,
no Rataplan (jornal satírico ilustrado) e em A República.

Atuação de Vicente José Ramos no carnaval:


. Um dos fundadores dos Zuavos Carnavalescos, em 1855, sociedade que passou a se
chamar Tenentes do Diabo em 1867.
. Um dos fundadores do Clube Infantes do Diabo, nome adotado pelos Os
Templários em 1869.

Publicações de textos na imprensa:


. A série Interesse Público, de 40 artigos, assinada como Relógio Político e Et Voilá:
no Correio Mercantil, Jornal do Commercio e Diário do Rio de Janeiro (todos em
1868).
. Textos assinados como O Malhadeiro: na Gazeta de Notícias e em O País (de 1891
a 1895).
________________________

D. Pedro II e a louvação poética no dia de aniversário do imperador


Durante o Segundo Reinado, um item não podia faltar nas edições de jornais
governistas em 2 de dezembro: um poema melosamente elogioso às virtudes do
imperador. Em geral, o poeta se esmerava a ponto de incluir um acróstico na
composição, ou seja, uma frase formada pela letra inicial de cada verso do poema, lidas
verticalmente.
As imagens abaixo, recortadas da edição de 2 de dezembro de 1863 do Jornal do
Commercio (Rio), periódico tido como o diário não oficial do Governo, mostram dois
desses acrósticos.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 2/12/1863, número 332, página 2,
penúltima coluna.
http://memoria.bn.br/docreader/364568_05/6103
Obviamente, essa louvação previsível não agradava aos opositores do regime, aos
abolicionistas ou mesmo aos cidadãos não politizados, mas que acompanhavam com
espírito crítico a verdadeira situação do país.
______________________________

A mais famosa trollagem poética da nossa literatura


Ainda demoraria cinco anos para os incomodados experimentarem o delicioso gosto
da humilhação dos bajuladores oficiais do Império. E a vingança veio com a mais
ousada trollagem jornalístico-literária do século XIX.
Em 2 de dezembro de 1868, o mesmo Jornal do Commercio aceitava como matéria
paga mais um inocente e verborrágico poema, intitulado Hino – Dedicado a S. M. I. o
Imperador D. Pedro II, no dia 2 de dezembro de 1868. Supostamente, o texto
comemorava o 43.º aniversário do monarca.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 2/12/1868, número 335, página 1,
penúltima coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/14689
Repare no acróstico, não ressaltado no texto impresso no jornal:
*

Oh! Excelso monarca, eu vos saúdo!

Bem como vos saúda o mundo inteiro;

O mundo que conhece as vossas glórias...

Brasileiros, erguei-vos, e de um brado

O monarca saudai ― saudai com hinos!

Do dia de dezembro o dois faustoso,

O dia que nos trouxe mil venturas!

Rebomba ao nascer d'alva a artilharia


E parece dizer em som festivo

Império do Brasil, cantai, cantai!

Festival harmonia reine em todos;

As glórias do monarca, as sãs virtudes

Zelemos, decantando-as sem cessar.

A excelsa imperatriz, a mãe dos pobres,

Não olvidemos também de festejar

Neste dia imortal que é para ela

O dia venturoso em que nascera

Sempre grande e imortal Pedro II.

Um monarquista.

O acróstico: O bobo do rei faz annos (ortografia da época).


Para entender o qualificativo pouco elogioso associado ao imperador, é importante
saber que "rei bobeche" (personagem real ridicularizado em O Barba Azul, ópera de
Offenbach) e "Pedro Banana", cujo significado é evidente, eram apenas alguns dos
epítetos aplicados a Pedro II, motivados por sua passividade cúmplice ante o interesse
dos políticos, mineradores e fazendeiros escravocratas.
Mas, nesse caso, tanto os profissionais do Jornal do Commercio quanto seus leitores
não atinaram para a mensagem oculta no poema. Essa inocência durou pouco.
______________________________

A revelação do acróstico
Logo no dia seguinte, em 3 de dezembro de 1868, o Diário do Rio de Janeiro
publicava mais um texto da série Interesse Público, também conhecida como Relógio
Político, em sua seção Publicações a Pedido. O Diário também era simpatizante do
governo, mas menos oficialista que o Jornal do Commercio.
Essa série de textos redigidos por escritor anônimo apresentava estilo confuso e se
caracterizava, no lado da forma, pelas ênfases escandalosas, e no lado do conteúdo pela
atividade fiscalizadora do tipo "metralhadora giratória", mesclada com teorias não
muito sensatas. A assinatura era sempre Et voilá [Ai está, ou Pronto].
Não por outro motivo, alguns periódicos da época (veja mais abaixo) associaram o
autor anônimo ao comerciante português Francisco Gomes de Freitas, chamado
maldosamente Mal das Vinhas, o qual também foi conhecido por suas teorias
"científicas" estapafúrdias.
Naquela edição de 3/12/1868, o Diário publicou os números 38, 39 e 40 da série
Interesse Público. No último número, o responsável informava a chave de leitura do
poema que "comemorava" o aniversário de D. Pedro II:
____
"O Relógio Político é incapaz de fazer versos com versais [letras maiúsculas] que
lidos em decadência deem em resultado
"O Bobo do Rei faz annos
"como se vê do Jornal do Commercio de hoje 2 de dezembro!!!
"Ó POTÊNCIA TERRESTRE que te chamas REDAÇÃO DO JORNAL DO
COMMERCIO; o Relógio Político vos agradece o
VOSSO LÓGICO DISPARATE!!!"
"Quando os BRASILEIROS NATOS atingirem ao mesmo grau de dignidade a que
chegou o Bastardo Relógio Político, que procurou a família brasileira por sua livre
vontade, SEM RENEGAR pátria alguma, então eles protestarão como o Relógio
Político o faz hoje, devolvendo o mesmo jornal à competente redação, e pedindo ao
mesmo corpo coletivo a eliminação do nome do Relógio Político como assinante de tão
imundo papel.
"O Relógio Político não reproduz a tal poesia, que sua pena não será prostituída, nem
que o bom-senso fugisse um dia ao R. P., porque então haveria desculpa e se atenderia
aos dois versos da lavra do Relógio Político que são
"Celeste flama que te chamas siso,
"Tua ausência jamais será um crime.
"Os curiosos que vão ao Jornal do Commercio comprar a folha de 2 de dezembro,
folha mais decente que o artigo Interesse Público n. 25 [do autor], que foi ENJEITADO
PELA ILUSTRADA CONGREGAÇÃO DA RAÇA DOS MUS, conhecida nesta
pequenina Babel com o nome de REDATORES do Jornal do Commercio.
"Et voilá."
Diário do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ), 3/12/1868, número 331, página 2,
última coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/23725
No mesmo dia, o jornal Opinião Liberal, de oposição ao governo, reproduziu a
novidade.

"Até o Jornal do Commercio!!!


"― Eis o que o órgão imparcial e de maior circulação do império publicou no dia 2,
do corrente aniversário do Sr. D. Pedro II: [...]"
Neste ponto, a matéria reproduzia o poema-acróstico, sem negrito nas letras iniciais.
"É demais!...
"E o que é pior é que o Diário do Rio de Janeiro, órgão semioficial e conservador, se
incumbiu de aumentar-lhe a circulação publicando hoje o seguinte: [...]"
Nesta parte final, o texto reproduzia integralmente a nota do Relógio Político.
Opinião Liberal (Rio de Janeiro, RJ), 3/12/1868, número 110, página 4, segunda
coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/359696/579
Estava consumado aquilo que o site Migalhas viria a denominar O Boimate do
Século XIX.
https://migalhas.uol.com.br/amanhecidas/3188/migalhas-n--819
Boimate denomina uma brincadeira de 1.º de abril levada a sério pela revista Veja na
edição de 27 de abril 1983: um suposto artigo científico alemão revelou o "sucesso" na
experiência de fusão de células de bois e de tomates, da qual surgira um novo fruto que
combinava nutrientes de ambas as fontes.
No dia 4 de dezembro de 1868, um dia após a revelação do acróstico, iniciou-se o
contra-ataque: o mesmo Diário do Rio de Janeiro publicou um novo poema-acróstico,
agora governista, no qual se lia: Bobo é quem fez o hymno (ortografia da época).
_____

Variante do hino publicado no dia 2 e assinado "Um monarquista"


Besouro, vai zumbir em outra parte
Onde possa valer o teu zumbido.
Baixa o ferrão, não sejas atrevido.
O estrume é que lhe dá em que se farte,
É nos currais que o seu mover tem arte.

Quem deixa de fugi-lo, se ele ofende?


Um mau inseto aos homens desagrada,
E nem a vil besouro a mão é dada
Menos a que a matá-lo se lhe estende.

Foste ousado em querer, bicho nojoso,


Elevar o ferrão para ofender,
Zumbidos nessa altura desprender
Onde resplandece o sol tão majestoso.

Homem, o teu zumbir mesquinho e vil.


Yatim, pernilongo ou coisa tal.
Marimbondo ou mutuca sua igual,
Não lhe darão seu voto, salvo hostil
Os prudentes varões deste Brasil.
Um brasileiro.
Diário do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ), 3/12/1868, número 331, página 2,
última coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/23730
Custódio Cardoso Fontes, o proprietário e responsável pela publicação do Diário do
Rio de Janeiro, viu-se forçado a esclarecer os leitores sobre o erro histórico, redigindo
uma Explicação na edição de 4 de dezembro.
_____
Embora estejam os artigos publicados nesta folha, assinados por Et voilá,
responsabilizados na forma da lei, e pelo seu próprio autor, todavia declaramos, em
homenagem à idade, à posição e aos predicados das pessoas a quem eles parecem
referir-se, que se os tivéssemos visto não autorizaríamos a sua inserção. ― Custódio
Cardoso Fontes.
Diário do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ), 4/12/1868, número 331, página 2,
última coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/23728
No dia seguinte, em 5 de dezembro, um poeta anônimo tomou as dores do jornal e
publicou, na seção Publicações a Pedido, um poema-acróstico onde se lia És um burro
nas primeiras letras dos versos.
______

Ao poeta monarquista do dia 2 de dezembro.


Elevastes orgulhoso a tua voz,
Saudando do Monarca o aniversário;
Uma inteligência vasta revelastes,
Mancebo patriota e monarquista:
Bradei jubiloso e embasbacado:
Única inteligência que a pátria honra!
Recebestes do demo a inspiração;
Recebe pois da pátria agradecida
Os aplausos à tua bela produção.
O verdadeiro monarquista.

Diário do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ), 5/12/1868, número 333, página 3,
terceira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/23734
Também no dia 5 de dezembro, um redator anônimo na seção A Pedidos do jornal
Diário do Povo (Rio) expôs a situação aos leitores do periódico, reproduzindo o poema
ofensivo a Pedro II e criticando o Diário do Rio de Janeiro pelo desleixo editorial que
resultara na revelação do acróstico.
______

O acróstico
2 de Dezembro.
Ad perpetuam rei memoriam [Para perpetuar a memória do fato]:
A 2 de dezembro, o Jornal do Commercio trouxe um hino dedicado ao Imperador
por um monarquista.
Muitos não leram o hino, ou não deram pelo acróstico que ele continha.
Com efeito, eis aqui o hino tal qual, e ver-se-á que não era fácil fazer a descoberta
para quem lesse sem atenção esses versos de pé quebrado, que tanto abundam em
nossas folhas: [...]
[Nesta parte o Diário do Povo reproduz o poema-acróstico.]
Entretanto, que surpresa não causou a toda a gente ler ontem no Diário do Rio a
decifração do hino!
O Diário do Rio, órgão semioficial e conservador, incumbiu-se, com efeito, de
aumentar a circulação dessa injúria grosseira, imprimindo um a pedido do novo mal das
vinhas (O Relógio político), que contém o seguinte período final:
[Nesta parte o Diário do Povo reproduz o trecho do Interesse Público de número 40,
mostrado acima.]
"Ora, agora o que havia de fazer o Diário do Rio? Depois da imprudência, a
humilhação. Saiu-se hoje a dar explicações pelo seguinte modo: [...]
[Nesta parte o Diário do Povo reproduz a Explicação do Diário do Rio de Janeiro
oferecida pelo seu proprietário Custódio Cardoso Fontes e reproduzida acima.]
Não condeno, Sr. redator, a explicação; pelo contrário, estimo-a: a injúria contra
quem quer que seja, é condenável; e a injúria no dia [do] aniversário de uma pessoa
qualquer e pelo próprio motivo de seu regozijo e da sua família, é uma brutalidade.
Mas então, em vez de descerem a uma explicação, não era melhor terem-na evitado,
procedendo como cavalheiros, repelindo aquele comentário do Relógio político?
Estou certo, Sr. redator, que, se o Correio Mercantil vivesse, não teria nunca dado
circulação em a pedidos a uma semelhante coisa. Certamente, não. Mas o Diário do Rio
parece que tem licença para tudo. Audácia, sempre audácia! É o mote da quadra. Ao
Diário do Rio não lhe falta audácia.
UM CONSERVADOR MODERADO
Diário do Povo (Rio de Janeiro, RJ), 5/12/1868, número 286, página 3, segunda
coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/367737/1369
Em 16 de dezembro, na seção Crônica – 30 de novembro a 14 de dezembro, o Diário
do Rio de Janeiro ofereceu a seus leitores uma explicação mais extensa da polêmica do
poema-acróstico.
_______
2 de dezembro ― [...]
Apareceu neste faustoso dia, no Jornal do Commercio, uma peça da mais refinada
malvadez, e tanto mais refinada que soube iludir a boa-fé daquela folha. Era um hino a
Sua Majestade, e escrito em termos tão lisonjeiros que a ninguém despertaria a menor
suspeita. Mas nas letras que formavam o acróstico estava derramada a baba peçonhenta
do miserável, talvez alguém a quem o Imperador tenha mais de uma vez dispensado
seus favores, pois é certo que não tem ele por inimigos senão os ingratos.
Agora mesmo tem o muito digno autor dessa poesia degenerada, ocasião de conhecer
a extensão do amor e da simpatia que o povo brasileiro vota à Família Imperial, na
reprovação absoluta que sufocou esse parto infernal, cujo fabricante não ousou nem
ousará jamais declarar-se. E coitado dele se o fizesse! Pelo contrário, quanto não se terá
ele arrependido de sua loucura, querendo ofender ao Imperador do Brasil a quem o
único defeito que se poderia notar é a excessiva bondade!

Diário do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ), 16/12/1868, número 334, página 1,
penúltima coluna, sétimo e oitavo parágrafos.
http://memoria.bn.br/docreader/094170_02/23776
A publicação do poema repercutiu em outros Estados. Os jornais O Alabama, de
Salvador (BA), O Tribuno, de Recife (PE), e Cearense, de Fortaleza (CE), comentaram
ironicamente o fato inusitado.
_____

O Alabama (Salvador, BA), 15/12/1868, número 446, página 3, primeira coluna.


http://200.187.16.144:8080/jspui/bitstream/bv2julho/985/1/Dezembro_1868.pdf
O Tribuno (Recife, PE), 17/12/1868, número 68, página 4, última coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/822795/578

Cearense (Fortaleza, CE), 22/12/1868, número 2780, página 1, última coluna.


http://memoria.bn.br/DocReader/709506/8622
Transcrição Jequitinhonha - 1869
http://memoria.bn.br/DocReader/819379/598
______________________________

Os suspeitos históricos da trollagem


Nas décadas seguintes, a lista de prováveis suspeitos da travessura incluiu o político
republicano Salvador de Mendonça, o senador liberal Francisco Otaviano, o jornalista
conservador Ferreira Viana e o poeta Fagundes Varela.
Days of National Festivity in Rio de Janeiro, Brazil, 1823–1889, página 254,
Hendrik Kraay, Stanford University Press, California (EUA), 2013.
https://books.google.com.br/books?id=DpUeZSNP3K4C&lpg=PA254&ots=Tigiey0
P5G&dq=%22o%20bobo%20do%20rei%20faz%20annos%22&hl=pt-
PT&pg=PA254#v=onepage&q=%22o%20bobo%20do%20rei%20faz%20annos%22&f
=false

A atribuição a Fagundes Varela


O estilo "vida loka" que caracterizou o poeta Fagundes Varela (1841-1875) deve ter
contribuído para fazer dele um suspeito ideal.
Conta Almeida Nogueira, em seu livro Academia de São Paulo: Tradições e
reminiscências, estudantes, estudantões, estudantadas (1908), que Varela...
"Pediu ao Jornal do Commercio, que de bom agrado lhos pagou, vinte mil réis por
uma belíssima Ode ao Imperador, destinada a celebrar o dia 2 de dezembro. Trazia o
título propositalmente altissonante Ao faustoso aniversário natalício do Excelso
Monarca, etc., etc.
"O respeitável e circunspecto órgão colocou em lugar de honra, precedidos de
apropriado reclamo, tipo 10, impressos em duas colunas, os esplêndidos versos
cortesãos do insigne poeta fluminense.
"Quem poderia desconfiar de que latebat anguis in herbis [latet anguis in herba,
frase do poeta romano Virgílio que significa A serpente se esconde sob a erva].
"Eis, entretanto, que no dia seguinte a República reproduz literalmente os mesmos
versos, dando, porém, deitadas e em corpo mais forte, as iniciais de cada verso.
"Formavam o seguinte acróstico:
"'O BOBO DO REI FAZ ANNOS'.
"Imaginem o sucesso do escândalo produzido por esta revelação."
Academia de São Paulo: Tradições e reminiscências, estudantes, estudantões,
estudantadas, página 281, Almeida Nogueira, São Paulo, 1908.
https://archive.org/details/s3academiadeso00nogu/page/280/mode/2up?q="o+bobo+d
o+rei+faz+annos"
Basta comparar as imagens e informações anteriores com o relato de Almeida
Nogueira para perceber as distorções produzidas pela memória do escritor: o poema não
era uma ode, e sim um hino; o título, bem diferente; o texto não saiu em duas colunas;
também não foi precedido de aviso; e o jornal que revelou o acróstico não foi A
República, e sim o Diário do Rio de Janeiro.
Frederico Pessoa de Barros, biógrafo de Fagundes Varela, contesta a afirmação de
Nogueira: "Nunca seu antimonarquismo chegaria à indelicadeza de escrever o acróstico
[...]" (Fagundes Varela, Poesia e Vida, página 165, São Paulo, 1965).
Apesar disso, autores como Vicente de Paulo Vicente de Azevedo associaram o
nome da Varela ao poema.
https://ihgb.org.br/pesquisa/hemeroteca/artigos-de-periodicos/item/73416-o-bobo-
do-rei-faz-anos.html
Aparentemente o hino foi publicado também no livro Dispersos: e pela primeira vez
em livro, poesia, prosa, editado pelo mesmo Vicente de Paulo (1970).

A atribuição a Ferreira Vianna


Em seu livro A Campanha Abolicionista (1879-1888), Evaristo de Moraes associa
essa atribuição à "fama de pouco reverente [de Ferreira Vianna] para com a pessoa do
Monarca", mas complementa:
"Temos, porém, motivos para crer que o acróstico não fora da lavra de Ferreira
Vianna".
A Campanha Abolicionista (1879-1888), página 79, Evaristo de Moraes, Rio de
Janeiro, 1924.
https://ufdc.ufl.edu/AA00012014/00001/79?search=faz+annos

A atribuição a Salvador de Mendonça


Além da menção a Salvador de Mendonça no trecho do livro em inglês mostrado
acima, na Web encontra-se a mesma associação, agora no texto de natureza monarquista
No Império a imprensa é livre, de Leopoldo Bibiano Xavier.
"Esse acróstico, cuja autoria não se conhece com certeza, mas é atribuída ao
republicano Salvador de Mendonça [...]."
https://fenai.org.br/no-imperio-a-imprensa-e-livre/
______________________________

O verdadeiro autor do poema


A solução desse enigma histórico deu-se por acaso. Ao realizar uma pesquisa rápida
sobre o poema, incluído na segunda edição do meu livro digital Cenas da Escravidão
(1849-1888): o Sofrimento dos Torturados no Império da Crueldade, cliquei em um dos
resultados e...
_____
"Faleceu a 5 do corrente na capital federal o Sr. Vicente José Ramos, na avançada
idade de 70 anos.
"O finado foi um dos mais intransigentes republicanos e era conhecido pelo
"REBOLIO (sic: RELÓGIO) POLÍTICO".
"Colaborou na Pacotilha, no Rataplan, na República, no Jornal do Commercio e
outros jornais.
"Foi iniciador das sociedades que no Rio de Janeiro fizeram época: Zuacos (sic) e
Infantes do Diabo.
"No dia 2 de dezembro de 1860 (sic: 1868) publicou um acróstico no Jornal do
Commercio ao aniversário do Sr. Pedro II em que se lia O bobo do rio faz annos hoje
(sic: não há "hoje" no acróstico)."
A Cidade de Itu (Itu, SP), 14/5/1896, número 269, página 2, terceira coluna.
http://obrasraras.usp.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/5986/A_Cidade_de
_Ytu_ano3_n269_1896.pdf?sequence=1
A pista era ótima: a associação do poema a um autor, em fonte da época.
A comprovação exigiu inicialmente uma pesquisa extensiva no Google, Google
Books e Google Scholar, entre outras fontes, para verificar se algum outro autor,
pesquisador ou historiador citava essa relação de autoria. Negativo.
A providência lógica seguinte seria conseguir uma fonte que associasse Vicente José
Ramos ao Relógio Político. E ela veio em uma seção sobre sedes de periódicos no
Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, excelente fonte de
informação sobre vários aspectos da cidade.

Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1869, número


26, página 708.
http://memoria.bn.br/DocReader/313394x/29683
O recorte seguinte mostra que era bem conhecida a associação entre o nome de
Vicente e o Relógio Político, a ponto de a pessoa ser denominada por seu principal
projeto pessoal. Note a expressão "programa sui generis", que introduzia mais uma das
maluquices do autor do poema-acróstico.

http://memoria.bn.br/DocReader/382710/64
A continuidade da pesquisa revelou outra associação explícita, agora entre Vicente
José Ramos e o poema de 1868, em nota publicada em novembro de 1894 no jornal A
Notícia (Rio). Reproduzindo o parágrafo final:
____
Inteligente e muito ilustrado, na imprensa bateu-se pela República, tornando-se
notável por um soneto (sic), O Rei Bobeche (sic), que fez publicar em 1868, no dia do
aniversário do imperador.
A Notícia (Rio de Janeiro, RJ), 26/11/1894, número 70, página 1, primeira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/830380/257
Portanto, dois veículos da imprensa, na década de 90 do século XIX, afirmaram
categoricamente que Vicente José Ramos era o autor do poema-acróstico que, como
veremos a seguir, incomodou profundamente os monarquistas.
E por que Vicente não assumiu a autoria?
O trecho a seguir, parte da Crônica do Diário do Rio de Janeiro reproduzida acima, é
autoexplicativo:
"Agora mesmo tem o muito digno autor dessa poesia degenerada, ocasião de
conhecer a extensão do amor e da simpatia que o povo brasileiro vota à Família
Imperial, na reprovação absoluta que sufocou esse parto infernal, cujo fabricante não
ousou nem ousará jamais declarar-se. E coitado dele se o fizesse!".
Esse ponto é importante: a imprensa jamais acusou Vicente de ter sido o autor do
poema-acróstico porque jamais soube quem este era. Acusou Vicente, sim, de ter
revelado o artifício usado pelo autor anônimo para atingir a imagem de D. Pedro II.
E Vicente José Ramos jamais assumiu publicamente a autoria do poema-acróstico,
porque, se não o fazendo já sofrera agressão física, prisão e perseguição judicial (como
veremos adiante), é fácil imaginar o risco pessoal associado a esse reconhecimento
temerário. O trecho reproduzido acima ("E coitado dele se o fizesse!") indica a
disposição dos monarquistas quanto àquele episódio.
Mas como revelam as duas notícias acima (o obituário de Vicente e o trecho sobre o
Rei Bobeche), para o meio jornalístico a autoria estava mais do que provada. E há uma
ampla rede de indícios apontando para essa autoria, entre eles o seguinte.

O provável motivo do poema


Investigadores policiais buscam desvendar um crime associando-o a uma motivação
significativa do criminoso.
Muito provavelmente, a motivação para o poema O bobo do rei faz anos encontra-se
explícita no parágrafo final do texto em que seu autor expôs o acróstico.
"Os curiosos que vão ao Jornal do Commercio comprar a folha de 2 de dezembro,
folha mais decente que o artigo Interesse Público n. 25 [do autor], que foi ENJEITADO
PELA ILUSTRADA CONGREGAÇÃO DA RAÇA DOS MUS, conhecida nesta
pequenina Babel com o nome de REDATORES do Jornal do Commercio."
As maiúsculas dizem tudo: o Jornal do Commercio recusou-se a publicar um dos
textos polêmicos da série Interesse Público, em que Vicente divulgava o seu Relógio
Político. No mês de novembro houve sete publicações da série naquele jornal, a maior
parte na primeira página; uma delas, nesse espaço (em 8/11/1868), ocupava duas
colunas, privilégio que deve ter custado bem caro a Vicente.
A decisão do Jornal do Commercio teve, por certo, base editorial. E a vingança veio
rápida e certeira.
Se Vicente já demonstrara em seus artigos uma natureza raivosa e agressiva sem ser
provocado, obviamente seria esse o caminho escolhido para lidar com aquela
contrariedade imprevista.
Assim, como fortes indícios de autoria podemos mencionar:
1. O motivo pessoal para a publicação do poema-acróstico;
2. A proximidade dos fatos: a recusa em publicar um artigo e a vingança em forma
de trollagem;
3. O temperamento do autor do artigo, fartamente demonstrado nas situações
conflituosas reveladas neste texto;
4. A postura política de Vicente, de fiscal do comportamento das pessoas de destaque
na sociedade;
5. O conhecimento da chave do poema (o acróstico) e o fato de ter sido o primeiro a
revelá-la.
6. O testemunho categórico de dois contemporâneos do próprio meio jornalístico.
______________________________

As consequências graves da trollagem


Por causa da revelação da chave do poema-acróstico, Vicente José Ramos viu
fecharam-se as portas dos principais jornais do Rio aos seus artigos; sofreu uma
agressão física do proprietário do Diário do Rio de Janeiro, que invadiu a sua residência
quatro dias após a publicação do texto; esteve preso, a partir de então, por 12 dias;
respondeu a dois processos, um iniciado pelo Estado, um por suposta resistência à
prisão, e outro iniciado por seu agressor, que alegava ter sido ele o agredido; e teve de
consentir em jamais comentar novamente a situação política brasileira ― condição
imposta para a saída de prisão.
Nos sites monarquistas, lê-se que a "magnanimidade" de Pedro II garantiu a
segurança e a integridade de Vicente.
Como veremos abaixo, D. Pedro II interveio (irregularmente) para livrar o Jornal do
Commercio, o diário não oficial da monarquia, de um processo penal gerado por esse
caso, mas recusou-se a intervir ao receber a denúncia de abuso policial cometido contra
um cidadão comum, por sua família. Ao final, a Justiça inocentou Vicente José Ramos
em ambos os processos.
Conta o historiador Lira Neto em seu livro O Inimigo do Rei: uma biografia de José
de Alencar, ou, a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos,
azucrinava d. Pedro II e acabou inventando o Brasil (páginas 269 e 270, 2006):
afronta, pois este dera uma identificação falsa no balcão que negociava os espaços da
seção.
Os versos, assinados com o pseudônimo de "Um Monarquista", foram atribuídos a
pelo menos meia dúzia de suspeitos. Entre eles, Francisco Otaviano, o velho amigo de
Alencar, que fazia oposição cerrada ao governo desde o primeiro dia da recente subida
dos conservadores ao poder. Houve também quem garantisse que o autor fosse
Fagundes Varela, uma espécie de ufanista arrependido, que na juventude havia
cometido o livro de poemas O estandarte auriverde, uma patriotada empolada e em
louvação ao rei. Contudo, nunca se provou nada contra ninguém. O inquérito instaurado
por Alencar não chegou a lugar nenhum. A única consequência efetiva de toda a
investigação resumiu-se à prisão de três rapazes que, em meio a um festival de
gargalhadas, recitavam os tais versos numa esquina da rua do Ouvidor com a rua da
Quitanda.
https://books.google.com.br/books?id=ADeF31xxk4EC&lpg=PA269&ots=vohdtFP0
XW&dq=%22o%20bobo%20do%20rei%20faz%20anos%22&hl=pt-
PT&pg=PA269#v=onepage&q=%22o%20bobo%20do%20rei%20faz%20anos%22&f=
false
Esse relato será atualizado pelas informações e fontes reveladas a seguir.
A prisão dos populares, realizada na noite do próprio dia da publicação do poema
(2/12), pode indicar que algumas pessoas perceberam o significado do poema-acróstico
antes da publicação de sua chave no Diário do Rio de Janeiro em 3 de dezembro. A
nota abaixo, publicada no Opinião Liberal nesse mesmo dia, vinha logo antes da
reprodução do texto escandaloso do Relógio Político, indicando que essa edição do
jornal não havia sido lançada na parte da manhã.
________
Estão ensaiando. ― Informam-nos que estando ontem à noite a conversar na rua da
Constituição, esquina da de S. Jorge, quatro ou cinco indivíduos, dirigiu-lhe a eles um
urbano [agente de polícia] intimando-lhes grosseiramente que se dispersassem, e como
ponderassem ao urbano que não lhe era lícito impedir que ali estivessem, e menos
[ainda] tratá-los grosseiramente, tiveram logo ordem de prisão e foram conduzidos para
a polícia, onde ainda se acham. A pessoa que nos referiu o fato acrescenta que a
conversa versava sobre o acróstico publicado no Jornal do Commercio de ontem. Dar-
se-á acaso que a polícia esteja à cata do autor do tal acróstico — e tenha assim
violentado aqueles quatro indivíduos para averiguações?

Opinião Liberal (Rio de Janeiro, RJ), 3/12/1868, número 110, página 4, primeira
coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/359696/579
Nenhuma outra fonte confirma essa ocorrência divulgada pelo Opinião Liberal.

A instauração de processo contra o autor do poema-acróstico


A primeira consequência concreta para Vicente foi, obviamente, o fim de sua coluna
paga (por ele mesmo) no Diário do Rio de Janeiro. Por extensão, nenhum outro jornal
"sério" do país admitiria mais publicar qualquer texto de sua autoria, depois das
confusões geradas por aquele último artigo.
No dia 5 de dezembro, uma nota no Opinião Liberal informava sobre um
desenvolvimento no caso: a segunda consequência grave chegara.
____
Novidade. ― Consta-nos que a promotoria pública teve ordem para requerer a
exibição em juízo do autógrafo do acróstico publicado no Jornal do Commercio de 2 de
dezembro, a fim de proceder criminalmente contra o seu autor.
O que houver soará. O Jornal do Commercio há de estar em embiras [em aperto]...

Opinião Liberal (Rio de Janeiro, RJ), 5/12/1868, número 111, página 4, primeira
coluna.
http://memoria.bn.br/docreader/359696/582
A parte relativa a "autógrafo" refere-se aos dados do autor que havia comprado a
publicação do poema no Jornal do Commercio.
No dia seguinte, uma retificação sobre a nota.
_____
Retificação. ― Retificando a notícia do número anterior desta folha sobre o fato de
haver sido chamado à responsabilidade o autor do acróstico do dia 2 do corrente ―
temos a declarar que o ato foi exclusivo da promotoria pública. Informa-nos disto
pessoa competente, acrescentando que por intervenção ulterior do ministério da Justiça
sobrestou-se ao processo já iniciado.

Opinião Liberal (Rio de Janeiro, RJ), 8/12/1868, número 112, página 1, última
coluna.
http://memoria.bn.br/docreader/359696/584
Detalhe: descobriu-se que o comprador do espaço no Jornal do Commercio ofereceu
dados falsos ao contratar a publicação do texto, situação que comprometia os
responsáveis pela aceitação e divulgação da chave do poema-acróstico.

O "atentado da rua dos Ourives"


A Explicação publicada por Custódio Cardoso Fontes no próprio jornal em 4 de
dezembro foi respondida por meio de dois folhetos publicados por Vicente José Ramos
em 4 e 5 de dezembro, impressos em sua tipografia do Relógio Político.
No dia 6 de dezembro, o proprietário do Diário do Rio de Janeiro, furioso com o tom
agressivo dessas respostas, decidiu ele mesmo fazer justiça e punir o jornalista
responsável pelo maior constrangimento de sua carreira.
Por volta das 15 horas, um amigo de Custódio entrou na loja de Vicente e exigiu dele
explicações sobre a revelação do acróstico. Insatisfeito, chamou-o então até a porta,
onde o esperavam Custódio e um policial encarregado dos negócios particulares de
dono do Diário, conhecido por José Barbeiro. Depois do inevitável um bate-boca,
Custódio aproveitou-se de um momento de distração de Vicente e aplicou-lhe pelas
costas um golpe no crânio com uma manopla de ferro, fugindo depois.
Em seguida, o agente de polícia deu voz de prisão a Custódio, arrastando-o até o
meio da rua, onde já se achavam vários outros policiais à paisana.
Ao chegarem à delegacia, Custódio, ainda sangrando, foi levado à cadeia, onde ficou
incomunicável até conseguir uma autorização especial do chefe de polícia para falar
com um advogado, um senador da República, o qual também conseguiu, contra a
vontade da polícia, impor um exame de corpo de delito para deixar registrados nos autos
do processo os ferimentos sofridos por Vicente.
Somente no dia seguinte este soube do "motivo" da prisão: resistência à autoridade
policial.
A nota de Vicente José Ramos, publicada por seu advogado no Jornal do Commercio
em 8 de dezembro, era acompanhada do testemunho corroborador de 29 vizinhos que
presenciaram as cenas ou ouviram relatos sobre a prisão.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 8/12/1869, número 341, página 1, quinta
e sexta colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/14719
Um abaixo-assinado redigido por esses vizinhos saiu no Diário do Povo nesse
mesmo dia 8 de dezembro, em edição que explorou extensamente o episódio.
Diário do Povo (Rio de Janeiro, RJ), 8/12/1868, número 288, página 3, última
coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/367737/1377
No mesmo dia da agressão, 6 de dezembro, o agressor, Custódio Fontes, publicou um
editorial na primeira página do Diário do Rio de Janeiro explicando, do seu ponto de
vista, as circunstâncias tanto da publicação do artigo de Vicente quanto de sua agressão
ao jornalista independente.
Lamentava o descuido que havia possibilitado a publicação de insultos à "sagrada
pessoa do imperador" e acusava Vicente de ter imprimido um folheto na tipografia do
Relógio Político, em resposta à sua Explicação, no qual era "injuriado e atrozmente
ameaçado de ser esbofeteado".
No mesmo dia, teria aparecido no escritório do Diário para ameaçar o dono, ausente,
de ser alvo de "quatro bofetadas", ameaça repetida à noite no Teatro Lírico Francês ante
várias testemunhas, estando Custódio ausente do local.
Segundo Custódio, ao passar inocentemente diante da loja de Vicente, foi agredido
de leve depois de um bate-boca, motivo pelo qual teria revidado a agressão com
sucesso. O dono do Diário não menciona o instrumento de agressão nem o auxílio de
policiais à paisana.
Diário do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ), 6/12/1868, número 335, página 1,
primeira e segunda colunas.
http://memoria.bn.br/docreader/094170_02/23740
A encenação do agressor prosseguiu quando Custódio, devido à repercussão negativa
do caso, recolheu-se espontaneamente ao quartel de polícia e, ato contínuo, conseguiu
um curioso habeas corpus verbal do chefe de polícia.
Diário do Povo (Rio de Janeiro, RJ), 8/12/1868, número 288, página 1, penúltima
coluna.
http://memoria.bn.br/docreader/367737/1375
Em outra matéria da mesma edição, o Diário do Povo detalhou aos leitores a
sequência de fatos até aquele dia. Ao comentá-los, revelou a cumplicidade da polícia
com o ato criminoso:
"O Sr. Dr. Fontes, proprietário do Diário do Rio, penetra no domicílio de um
cidadão, por quem, com razão ou sem ela, se julga insultado, fere-o, e a vítima é quem
vai presa!
"E demais [além disso], quem é o chefe de polícia da Corte [o Rio de Janeiro]?
"Será o proprietário do Diário do Rio?
"Se não o é, como se explica o fato de ter às suas ordens os agentes da força
pública?".
Repare abaixo na expressão "novo mal das vinhas", usada para se referir a Vicente.
Diário do Povo (Rio de Janeiro, RJ), 8/12/1868, número 288, páginas 3 (última
coluna) e 4 (primeira coluna).
http://memoria.bn.br/docreader/367737/1377
http://memoria.bn.br/docreader/367737/1378
Também nesse dia, o ministro da Justiça, José de Alencar (ele mesmo, o romancista),
decidiu não dar prosseguimento ao processo contra o Jornal do Commercio pela
publicação do poema-acróstico.

Diário do Povo (Rio de Janeiro, RJ), 8/12/1868, número 288, página 1, terceira e
quarta colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/367737/1377
José de Alencar seguia uma ordem de D. Pedro II, que interveio nessa questão a
favor de seu principal aliado na mídia. Além disso, a questão do culpado, não se
podendo atingir o autor da brincadeira ou o dono do Diário (simpático ao imperador), já
se encontrava resolvida: o divulgador do acróstico recebera o devido castigo, conforme
ressaltou o Diário do Povo (8/12/1868, página 1):
"Compreendeu-se que havia necessidade de uma vítima para o descuido da folha
semioficial, mas não se podia crer que tão longe fossem as iras celestes".
Em 10 de dezembro, o jornal Opinião Liberal comentou a arbitrariedade dessa
decisão do imperador:
"Sua majestade ordena ao poder judiciário que não prossiga, como seu pai ordenou
outrora que condenasse Ratkliff (sic)."
[João Guilherme Ratcliff, líder da Confederação do Equador (1824), foi condenado à
morte por D. Pedro I. O imperador ordenou que a cabeça de Ratcliff, após a execução,
fosse separada do corpo, salgada e entregue à mãe do conspirador.]
"É sempre o governo absoluto dispondo arbitrariamente dos demais poderes do
estado!
"Muito bem. Hoje para seus fins finge a Coroa recuar diante do Jornal do
Commercio; amanhã mandará condenar alguém à pena última!".

Opinião Liberal (Rio de Janeiro, RJ), 10/12/1868, número 113, páginas 1 (segunda e
terceira colunas), 2 e 3 (todas as colunas).
http://memoria.bn.br/DocReader/359696/588
Em 9 de dezembro, Custódio voltou à carga contra Vicente, ainda preso, em novo
editorial do Diário do Rio de Janeiro, no qual negava ter usado um cassetete para bater
na cabeça do adversário e transferia à autoridade policial a responsabilidade de explicar
a presença de agentes no local.

Diário do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ), 9/12/1868, número 337, página 1,
primeira coluna.
http://memoria.bn.br/docreader/094170_02/23748
No dia seguinte, 10 de dezembro, a edição do Opinião Liberal ressaltou o aspecto
vingativo do "atentado da rua dos Ourives".
______
A polícia da ditadura compreende o seu papel: Vicente José Ramos é oferecido em
holocausto à realeza nos prostíbulos do servilismo e adulação; ele serviu de meio torpe
para render o preito de homenagem ao imperador.
[...]
Era preciso, portanto, imolar alguém nas aras da vaidade para abrandar as celestes
iras e fazer descer sobre os sacerdotes do templo da corrupção as boas graças do Divino
Senhor.
Opinião Liberal (Rio de Janeiro, RJ), 10/12/1868, número 113, páginas 1 (segunda e
terceira colunas), 2 e 3 (todas as colunas).
http://memoria.bn.br/DocReader/359696/588
Também nesse dia, Custódio publicou no Jornal do Commercio os textos de sua
defesa divulgados nos dias 6 e 8 no Diário do Rio de Janeiro.

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 10/12/1868, número 343, página 1,


terceira e quarta colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/14733
Na mesma página, o advogado de Vicente publicou um texto "Ao respeitável
público", sobre o "atentado da rua dos Ourives":
"As pessoas que desejarem saber como se passou o horrível atentado cometido na
pessoa do Sr. Vicente José Ramos, no dia 6 do corrente, podem se dirigir a qualquer dos
vizinhos do mesmo senhor, que saberão as puras verdades e assim ficará confundida a
publicação do Diário do Rio de Janeiro, folha semioficial".
Como o agressor, os policiais, a Justiça e a imprensa amiga do imperador situavam-
se do lado contrário, restava como defesa a Vicente o testemunho de quem se
encontrava no local no momento da agressão.

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 10/12/1868, número 343, página 1, sexta
coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/14733
No dia seguinte, 11 de dezembro, ainda preso, Vicente José Ramos conseguiu a
publicação de uma contestação às acusações de seu agressor, no mesmo Jornal do
Commercio, revelando a contradição entre os escritos de Custódio. Referindo-se ao
primeiro artigo, afirmava:
"[...] o ato de coragem que o Sr. bacharel, auxiliado pelo agente da polícia José
Barbeiro, foi devido à defesa de tão insólita (palavras textuais) quanto brutal ofensa,
que eu lhe fizera, estendendo o braço com o punho fechado em direção ao seu rosto.
"No segundo artigo, porém, S. S. vai buscar mais longe a raiz do seu nobre
cometimento, e qualifica-o como desagravo de injúrias por mim impressas contra S. S.
e sua família!".
E Vicente informa que o agressor havia, ainda, apresentado uma queixa-crime contra
ele.
No final do texto, Vicente acrescentava ao primeiro abaixo-assinado 22 novas
assinaturas de pessoas apresentadas como testemunhas a favor de sua versão do
conflito, sete delas testemunhas oculares do fato, que confirmaram terem visto Vicente
ferido e ensanguentando.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 11/12/1868, número 344, página 1,
penúltima coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/14737
No dia 12 de dezembro, o irmão de Custódio, Álvaro Cardoso Fontes, publicou um
texto em defesa do dono do jornal, intitulado O Sr. Vicente José Ramos. Nele era
reproduzido o folheto publicado em 4 de dezembro por Vicente, impresso na tipografia
do Relógio Político, o qual motivara a agressão cometida pelo dono do Diário.
_____
O nosso pequeno e valente prelo está à disposição de quem, como nós, se julgar
agravado, sempre gratuitamente, sendo verdade.
PROTESTO
Contra a explicação do Noticiário do Diário do Rio de Janeiro, assinada pelo
bacharel Custódio Cardoso Fontes, seu muito digno ―oıɹɐʇǝıɹdoɹd ―
O bacharel Custódio Cardoso Fontes mentiu!!!
É um covarde, que para salvaguardar meia dúzia de contos de réis, que arriscou na
compra da empresa do Diário do Rio de Janeiro, já lambe também as patas daqueles
que ainda uma vez podem tomar as rédeas do governo, para maior desgraça deste
povo.
Já rasteja aquele animal rampante, querendo apresentar um elogio à entidade que o
Voilá n.º 39 (Interesse Público) atacou de frente.
___
E o texto seguia, em seu estilo agressivo e um tanto confuso.
Repare no curioso artifício formal de desqualificação do opositor, no primeiro
parágrafo da seção PROTESTO: Vicente imprimiu a palavra "proprietário" de cabeça
para baixo.
O irmão de Custódio também reproduziu o folheto de 5 de dezembro, com novas
acusações e xingamentos ("animal coiceiro e traidor") ao dono do Diário do Rio de
Janeiro, assim como a ameaça de lhe dar "DUAS MAIS TREMENDAS BOFETADAS
que as concavidades fluminenses até hoje nunca devolveram como eco repercussor, e
das quais nem a Majestade das Majestades o há de livrar."
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 12/12/1868, número 345, página 1,
terceira e quarta colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/14741
Em 12 de dezembro, o Diário do Povo reservou a sua primeira página (exceto o
espaço do folhetim) para o caso da rua dos Ourives, assim como parte da primeira
coluna da segunda página. Reproduzindo a versão oficial, criticou-a e, mais uma vez,
centrou a questão na ilegalidade dos procedimentos contra Vicente e na impunidade do
agressor.
Abaixo, a versão dos agressores.
______
"'O guarda urbano José da Silva Albuquerque, diz ele, parou [casualmente] à parte de
uma casa de joias, onde existem várias pinturas, e nessa ocasião [coincidentemente] saiu
de dentro dela o respectivo dono Vicente José Ramos e agrediu [sem ser provocado]
uma pessoa que passava, e que depois soube chamar-se Fontes [embora fosse seu
encarregado de negócios particulares], à qual injuriou com os epítetos de 'sem
vergonha', 'infame' e 'indigno', dando-lhe depois um soco no rosto; travando-se a luta
entre ambos, e não os podendo apartar por querer Ramos com ele brigar, dera-lhe voz
de preso, à qual resistiu, dando-lhe socos no estômago, de modo que foi obrigado a
agarrá-lo corporalmente até que acudiu força [os outros policiais, estrategicamente
postados e à paisana] que o coadjuvou, evadindo-se entretanto Fontes.'
"Como se vê, nenhuma palavra sobre os ferimentos que recebeu Ramos, ao passo
que cautelosamente se menciona o soco que, conforme a confissão do Dr. Fontes,
apenas deixou o leve vestígio da unha!".
[...]
"Agora um homem desarmado, surpreendido em sua casa, saindo do meio de três
outros com a cabeça quebrada e as vestes ensanguentadas, ao passo que aqueles nenhum
sinal conservam de qualquer violência, é arrastado à cadeia pública e processado por
injúrias, ofensas físicas e resistência!
"É até onde pode chegar o despotismo.
"Atacado em sua própria casa, esbordoado, ferido, preso e incomunicável, Ramos vê-
se privado de todos os recursos legais, enquanto o seu ofensor passeia livremente nas
ruas da cidade, e ri-se da vítima!
"Honra e glória ao governo imperial e aos seus fiéis servidores!".
Diário do Povo (Rio de Janeiro, RJ), 12/12/1868, número 292, páginas 1 (da
primeira à quarta coluna) e 2 (primeira coluna).
http://memoria.bn.br/DocReader/367737/1391
O duplo critério de D. Pedro II no caso do poema-acróstico está cabalmente
demonstrado na correspondência a seguir, entre o imperador e José de Alencar, seu
ministro da Justiça.
D. Pedro interveio irregularmente a favor do seu apoiador político, o dono do Jornal
do Commercio, mandando cessar o processo contra o periódico. Já quando a família de
Vicente José Ramos conseguiu uma audiência com o imperador e expôs o caso de abuso
policial contra o jornalista independente, o imperador optou por não usar o seu poder
para anular o processo manchado pela ilegalidade.
"A Justiça decidirá, e foi isto que eu disse, quando me entregaram os papéis."
Repare que D. Pedro afirma na comunicação: "pelo que tenho lido nas folhas
públicas". Como se demonstra neste artigo, boa parte da polêmica saiu em artigos na
primeira página do Jornal do Commercio, o jornal mais lido do país naquela época, e
fervoroso defensor de Pedro II.
Ou seja, o abuso era de pleno conhecimento do imperador. "Cumpre examinar como
procedeu esse urbano [agente de polícia]" era uma observação óbvia no caso.
Aos amigos, a impunidade; aos inimigos, a lei.

Há muito tempo que não te escrevo...: reunião da correspondência alencariana


(edição anotada), página 393, Patrícia Regina Cavaleiro Pereira, dissertação da
mestrado, São Paulo (SP), 2012.
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8149/tde-31082012-
095814/publico/2012_PatriciaReginaCavaleiroPereira_VRev.pdf
No mesmo dia em que o imperador lavava as mãos ante a ilegalidade da prisão de
Vicente (14 de dezembro), um redator anônimo começava a publicar na primeira página
do Jornal do Commercio a série intitulada A questão Relógio Político, uma contestação
à versão de Vicente, série interrompida no segundo artigo, em 15 de dezembro, apesar
do aviso Continuaremos em outro no final dele.
No segundo texto dessa série, talvez por considerar a versão original de Custódio
como inverossímil, o redator tentou justificar o porte de arma, a agressão e a presença
de policiais na rua dos Ourives, imaginando uma situação em que alguém é ameaçado
por um rival político e então considerando essas medidas como uma defesa da
integridade do ameaçado.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 14/12/1868, número 347, página 1,
quinta coluna.
http://memoria.bn.br/docreader/364568_05/14753

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 15/12/1868, número 348, página 1,


última coluna.
http://memoria.bn.br/docreader/364568_05/14759
Na mesma edição de 14 de dezembro, um texto na coluna ao lado direto daquela do
início da série mostrava como o caso teve ampla repercussão naquele mês. Uma dupla
de ourives anônimos intitulada Dois da rua dos Ourives escreveu uma defesa da versão
de Vicente, utilizando o mesmo título (Questão Relógio Político). No texto,
reafirmavam terem visto a manopla de ferro (ou cassetete) com que Custódio abrira a
cabeça do seu rival.

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 14/12/1868, número 347, página 1, sexta
coluna.
http://memoria.bn.br/docreader/364568_05/14753
Em 17 de dezembro foi a vez de Vicente José Ramos responder a seus acusadores,
também na primeira página do Jornal do Commercio. Novamente com o título O
atentado da rua dos Ourives, e graças a um trabalho de seu advogado, Vicente pôde
apresentar uma extensa folha corrida do policial José Barbeiro, além de denunciar que
não tinha sido conduzido à presença de um juiz ao ser preso, como impunha o código de
processo penal da época.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 17/12/1868, número 350, página 1,
quarta coluna.
http://memoria.bn.br/docreader/364568_05/14767

A soltura condicional de Vicente José Ramos


Além do abuso policial e da conivência das autoridades (entre elas, o imperador), o
atentado da rua dos Ourives ficou marcado pela censura política. Proibição de participar
da vida política do País ― este foi o resultado menos sofrido da travessura de Vicente
José Ramos, que veio a se somar ao seu espancamento pelo proprietário do Diário do
Rio de Janeiro e aos doze dias de cadeia.
O número de dezembro da Revista Fluminense publicou o acordo realizado entre
Vicente e a polícia, que lhe garantiu a liberdade:
_____
TENDO o RELÓGIO POLÍTICO avisado em 25 de novembro, como se vê no
DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO de 26 do mesmo mês, que a exposição dos
JAPONESES teria lugar necessariamente todos os DOMINGOS, vem por este
DECLARAR
Que saindo da GAIOLA no dia 18 de dezembro de 1868, depois de 12 dias e 12
noites empregadas em contínua relação com as AUTORIDADES POLICIAIS desta
Corte, faz as seguintes explicações, sendo livre a quem quer que seja comentá-las:
1.º Declara que as pessoas mais notáveis e mais ilustradas do partido Liberal pediram
ao RELÓGIO POLÍTICO que cessasse com sua vidraça Mágica onde tem entrado, e
devem entrar, todos os espertalhões da época, sendo certo que já lá está o dito
RELÓGIO POLÍTICO.
2.º A abstenção completa do dito RELÓGIO POLÍTICO da política do País.

Revista Fluminense (Rio de Janeiro, RJ), dezembro de 1868, número 8, página 8,


primeira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/382710/64
Explica-se, assim, o desaparecimento da série de artigos intitulada Interesse Público
nos periódicos fluminenses a partir do caso do poema-acróstico.
Os dois últimos textos de Vicente sobre o episódio saíram em 21 de dezembro, já
livre, embora ainda respondendo a dois processos penais. Na primeira página do Jornal
do Commercio, usando em ambos o título O atentado da rua dos Ourives, o jornalista
independente responsabilizou o chefe de polícia por sua situação.
_______
Minha iníqua prisão foi mantida, como a coisa mais regular, pelo Sr. Dr. chefe de
polícia, que, apesar de ver-me lavado em sangue e com o crânio coberto de ferimentos,
não se dignou a interrogar-me e ouvir-me, nem às pessoas que me acompanharam,
calcando aliás aos pés a leis que tais interrogatórios terminantemente lhe ordenava.
Estará na altura de presidir a segurança pública na capital do Império um chefe de
polícia que assim se comporta?
Se na Corte tudo isto se pratica, que horríveis abusos não se cometerão nas
províncias e remotos centros deste vasto país?

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 21/12/1868, número 354, página 1,


antepenúltima e penúltima colunas.
http://memoria.bn.br/docreader/364568_05/14791
Uma informação importante: D. Pedro II costumava se reunir regularmente com a
pessoa encarregada da função de chefe de polícia no Rio de Janeiro. Esta, aliás, era uma
crítica frequente da imprensa abolicionista nas décadas finais da escravidão,
inconformada com a conivência desses chefes com as violações dos parcos direitos dos
escravos: por que não o imperador não agia, então, a favor deles, consciente das
inúmeras denúncias publicadas em jornais?
A partir da conquista de sua liberdade relativa, Vicente foi obrigado a se concentrar
em negócios comerciais, nos quais não teve sucesso, como veremos adiante.
Não houve, portanto, nenhuma "magnanimidade" de D. Pedro II, ressaltada
elogiosamente em sites monarquistas ao abordarem esse caso. Um cidadão comum foi
perseguido pela Justiça e pela polícia, preso por 12 dias e depois obrigado a se calar
sobre assuntos políticos (sua principal atividade social à época), apenas por haver
divulgado a chave de um poema-acróstico ofensivo ao imperador.
No dia 1.º de janeiro de 1869 chegava ao fim a luta jurídica entre Custódio e Vicente,
na qual a única parte punida monetariamente foi o dono do Diário do Rio de Janeiro.
_____
QUESTÃO DO RELÓGIO POLÍTICO. ― Estão findos os processos instaurados
pelos fatos ocorridos na rua dos Ourives entre os Srs. Dr. Fontes e Ramos, desistindo
ambos de suas queixas, e reconhecendo a justiça que não cabia no caso o procedimento
oficial.
Para chegar a este resultado pagou o Dr. Fontes todas as custas, e perdas e danos no
valor de 4:000$. O juiz municipal julgou improcedente, como era de rigorosa justiça, a
imputação de resistência feita a Vicente José Ramos.

Diário do Povo (Rio de Janeiro, RJ), 1/1/1869, número 1, página 1, penúltima


coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/367737/1449
E em 12 de janeiro de 1869, Vicente também foi absolvido do crime de resistência à
prisão:
"Da instrução, porém, não ressalta o mais leve indício sequer de haver o réu resistido
à prisão, que lhe fora intimada pelo agente de polícia José da Silva Albuquerque (o José
Barbeiro) [...]".
Diário do Povo (Rio de Janeiro, RJ), 12/1/1869, número 9, página 1, penúltima e
última colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/367737/1481
Quatro dias depois, em 16 de janeiro de 1869, o Liberal, jornal de Recife (PE),
explicava a seus leitores todo o caso, desde o início, errando apenas na informação de
que Vicente ainda estaria preso no Rio.
O Liberal (Recife, PE), 16/1/1869, número 36, página 2, primeira e segunda colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/709611/146
Em março de 1869, um juiz pôs termo ao último processo contra Vicente José Ramos
(veja as duas linhas finais), garantindo-se, assim, a lisura de seu comportamento no
imbróglio que movimentou a política brasileira no final de 1868.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 17/3/1869, número 75, página 1, sexta
coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/15203
Mas a lembrança do caso permaneceu. Em julho daquele ano, um jornalista do
América do Sul comentou uma sessão no Senado brasileiro do seguinte modo.
______
"No ajuntamento noturno de sexta-feira houve coisa grossa de língua, que ia
produzindo cenas do relógio político, entre os Srs. Fontes, Pereira da Silva, Alencar e
Penido; tudo porque os Srs. Pereira da Silva e Penido falaram francamente!

América do Sul (Rio de Janeiro, RJ), 26/7/1869, número 6, página 4, segunda coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/385115/25
E o Sr. Fontes, agora ex-dono do Diário do Rio de Janeiro, teve de conviver com a
sua merecida reputação.
"Homem de força corpórea é o Sr. Fontes, que já uma vez quebrou a cabeça ao...
relógio político [...]."

A Vida Fluminense (Rio de Janeiro, RJ), 17/8/1872, número 242, página 3, primeira
coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/709662/1362
______________________________

O duplo retorno à luta política, em 1880 e 1891 (O Malhadeiro)


Após sair da cadeia, Vicente José Ramos permaneceu fiel durante 11 anos à censura
imposta como condição para voltar a ser um homem livre.
Em janeiro de 1880, um fato político deu-lhe coragem suficiente para retomar a luta
contra o governo e a monarquia: a Revolta do Vintém.
A aprovação de um imposto sobre o preço das passagens de bonde, em fins de 1879,
gerou revolta na população da cidade do Rio de Janeiro. No primeiro dia do ano,
quando o imposto passou a ser cobrado, o sentimento virou ação: milhares de
manifestantes tomaram as ruas e enfrentaram a polícia e o exército. Resultado: 3 mortos
e 28 feridos.
No dia 9 de janeiro, a Revista Ilustrada informava aos leitores:
______

Ricochetes
Esta questão do vintém que tão caro nos está custando, trouxe-nos felizmente uma
vantagem, isto é, trouxe-nos o Sr. Ramos que constitui uma vantagem.
Este Sr. Ramos tem uma história, longa e cheia do peripécias. Ele é o autor do
célebre "Relógio político" e de muitas outras coisas que por aí correm impressas nas
folhas diárias, boas coisas que todos pensam, mas ninguém diz. Ninguém, exceto ele,
que tem a rara coragem de dizê-las e subscrevê-las; e palavra! se cada imposto de
vintém nos trouxesse um Ramos, eu propunha desde já muitos vinténs de imposto.
Com essas qualidades, claro está, o Sr. Ramos deve ter muitos inimigos,
especialmente entre aqueles que cortam de cima; e os alugados do governo já estão
todos a descompô-lo no Jornal e no Cruzeiro, os dois grandes City-imp... em que vai
desaguar toda mofina anônima e ruim.
Também José do Patrocínio está sendo atassalhado [dilacerado] e desmentido pela
secreta do Sr. Dr. Pindahyba [chefe de polícia do Rio], que depois de ter insultado uma
nação inteira, foge agora à responsabilidade com a coragem... que só lhe vem quando
rodeado de capangagem.
Felizmente, nós já vimos o que vale a palavra da polícia; e José do Patrocínio não foi
ainda pilhado em flagrante.
JÚNIO.

Revista Ilustrada (Rio de Janeiro, RJ), 9/1/1880, número 190, página 7, última
coluna.
http://memoria.bn.br/docreader/332747c/1123
Na semana seguinte, a mesma Revista Ilustrada comentou o agradecimento de
Vicente José Ramos aos elogios do redator.
______
Tenho sobre a mesa um cartão do Sr. Vicente José Ramos, que veio agradecer-me as
justas e sinceras expressões com que saudei seu reaparecimento nas colunas ineditoriais
[de conteúdo pago] da nossa imprensa. Honra-me em extremo a visita de um homem
que tem o culto da justiça e leva a sinceridade até à bravura; mas S. S. nada tem que
agradecer-me, se bem que a justiça ande por favor...
O que realmente lamento é o desencontro que privou-me de oferecer-lhe o que
pretendia pedir-me.
Mais alguns Ramos e menos Lafayettes [menção ao principal redator do Diário do
Povo]; e tudo andaria mais direito... ou menos torto.

Revista Ilustrada (Rio de Janeiro, RJ), 17/1/1880, número 191, página 7, última
coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/332747c/1131
No final daquele mês de janeiro de 1880, a Gazeta da Noite informou que Vicente
era um dos membros da comissão encarregada de preparar um espetáculo teatral em
benefício das vítimas da violência governamental de 1.º de janeiro, a ser realizado
(ironicamente) no Teatro Pedro II.
Gazeta da Noite (Rio de Janeiro, RJ), 31/1/1896, número 171, página 2, última
coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/710725/966
Não consegui encontrar textos de Vicente José Ramos em jornais dessa época.
Provavelmente utilizou algum pseudônimo que dificulta a localização.
Em 1891, Vicente voltou ao combate político por meio da imprensa com o
pseudônimo O Malhadeiro, agora escrevendo textos, publicados também como matéria
paga, no jornal fluminense Gazeta de Notícias (três deles). À época, Vicente residia em
Mogi das Cruzes, município de São Paulo.
Em 1895, assinou com o mesmo apelido dois textos em O País, também do Rio de
Janeiro. Os dias de publicação e os links de acesso aos textos originais encontram-se no
final deste artigo.
A revelação desse cognome veio de nota publicada em 1896 pela empresa Gierth &
Lavagnino, sobre uma condenação judicial de Vicente José Ramos (reproduzida ao final
deste artigo)
O País (Rio de Janeiro, RJ), 31/8/1895, número 3986, página 4, terceira e quarta
colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/178691_02/13591
__________________

Vicente José Ramos, o autor do poema-acróstico


Vicente José Ramos nasceu em 1826 e faleceu em 5 de maio de 1896, aos 70 anos de
idade.
Exceto quanto à polêmica do poema-acróstico, à sua atividade jornalística,
independente e ocasional, e aos seus anúncios bombásticos recheados de teorias
fantasiosas, os quais visavam atrair o público para a sua loja de joias na rua dos
Ourives, pouco se sabe de sua vida.
Como jornalista independente, publicou matérias pagas e sensacionalistas, com
críticas a autoridades e pessoas famosas da época, na Gazeta de Notícias, Correio
Mercantil, Jornal do Commercio, O País e Diário do Rio de Janeiro. O obituário de A
Cidade de Ytu acrescenta os títulos da Pacotilha, do Rataplan (jornal satírico ilustrado)
e de A República.
Suas teorias, obviamente, não tiveram consequências práticas e lhe valeram o apelido
de "o novo mal das vinhas", com vimos acima.

A importância de Vicente José Ramos para o carnaval carioca


O obituário do jornal A Cidade de Ytu também informa que Vicente foi um dos
fundadores das sociedades carnavalescas Zuacos (sic) e Infantes do Diabo. Na verdade,
a primeira chamava-se Zuavos Carnavalescos. Fundada em 1855, tornou-se conhecida a
partir de 1867 como Tenentes do Diabo.
A criação dos Zuavos Carnavalescos inspirou-se na Guerra da Crimeia, tema
dominante no noticiário internacional dos periódicos brasileiros em 1855. Os zuavos
eram soldados árabes de infantaria a serviço do Exército francês e lutaram bravamente
contra os russos.
Nesse ponto, o site da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro
informa erroneamente que os Zuavos, após um incêndio em 1861, adotaram o nome de
Tenentes do Diabo.

http://liesa.globo.com/por/08-historiadocarnaval/historiadocarnaval-
cronologia/historiadocarnaval-cronologia_principal.htm
As fontes contam uma história bem diferente.
O incêndio ocorreu na noite de 12 de fevereiro de 1861, terça-feira de carnaval, na
rua Direita (a atual Primeiro de Março, no centro do Rio). Os zuavos, que se divertiam
no Teatro de S. Pedro de Alcântara, ajudaram a combatê-lo e a salvar os pertences dos
moradores, passando então a desfrutar de reputação positiva entre os cariocas.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 17/2/1861, número 47, página 1, segunda
coluna (em Folhetim).
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/1690
Caso a informação da Liesa estivesse correta, no ano seguinte teriam desfilado como
Tenentes do Diabo. Entretanto, em 1862 a sociedade mantinha seu nome original.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 15/4/1862, número 104, página 2,
terceira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/3561
Em 1863, idem.

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 1/1/1863, número 1, página 4, penúltima


coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/4719
Assim como em 1864.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 20/1/1864, número 20, página 2, quinta
coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/6343
E 1865. Repare no lema da sociedade: "Morrem, mas não se rendem".

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 24/2/1865, número 55, página 3,


penúltima coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/8249
E ainda em 1866.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 11/2/1866, número 42, página 4,
penúltima coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/9786
A primeira ocorrência de Tenentes do Diabo, em todos os periódicos do Rio, aparece
somente em 1867. Portanto, a afirmação da Liesa de que essa denominação substituíra a
de Zuavos Carnavalescos em 1861 não se sustenta ante a evidência dessas imagens.

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 17/2/1867, número 48, página 2, primeira
coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/11478
A outra sociedade carnavalesca de cuja criação participou Vicente José Ramos, os
Infantes do Diabo, intitulava-se, anteriormente, Templários. Em 1.º de janeiro de 1869
deu-se a mudança de denominação.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 1/1/1869, número 1, página 1, última
coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/14851
As informações disponíveis permitem afirmar que Vicente não foi exatamente um
homem de sorte na vida. Além da incapacidade de se firmar como jornalista crítico do
governo, dos sérios problemas causados pela revelação da chave do poema-acróstico e
da reputação de "novo mal das vinhas" entre os colegas de profissão, enfrentou
problemas financeiros e legais até os meses finais de sua longa existência.
Em 1864, o nome de Vicente apareceu como o presidente da comissão de credores da
Casa bancária Montenegro, Lima & Cia., que falira depois de fraudar balanços
contábeis.

Relatório da Comissão Encarregada do Governo Imperial (Rio de Janeiro, RJ),


1864, página 60, primeira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/761729/433
Seus esforços para cativar o público com atrações esquisitas (o drama
Estranguladores com "música de assobios"), teorias amalucadas como as "vantagens da
mecânica irracional sobre a pensante", e sua "vidraça mágica", afundariam com a
falência da loja (veja a seguir).
Consciente da própria esquisitice, Vicente se considerava "um gramático um pouco
acima do Mal das Vinhas e um pouco abaixo do jovem poeta Barreto Bastos".
Diário do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ), 29/11/1868, número 327, página 4,
última coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/23711
Repare na maluquice do texto e das teorias deste anúncio.
Diário do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ), 4/12/1868, número 332, página 4,
penúltima coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/23731
Em 1870, Vicente ainda possuía a sua loja de joias e relógios.

Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro,


RJ), 1870, página 669.
http://memoria.bn.br/DocReader/313394x/31208
Mas não no ano seguinte. Em 3 de janeiro de 1871, um "edital de convocação dos
credores da massa falida de Vicente José Ramos" expunha a situação financeira
delicada do agitador político.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 3/1/1871, número 3, página 3, segunda
coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/26775
O leilão da massa falida (um "variadíssimo sortimento de joias, de brilhantes, ouro e
prata") realizou-se em fevereiro daquele ano.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 8/2/1871, número 39, página 4,
última coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_06/2028
Vicente enfrentou outros problemas com a Justiça, além dos já abordados.
Em 1880, morando em São Paulo, foi condenado a dois meses de prisão pelo crime
de injúrias verbais. Mais uma vez, o temperamento de agitador político trazia problemas
a seu dono.

Jornal da Tarde (São Paulo, SP), 26/11/1880, número 20, página 3, terceira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/713120/2940
Em 1882, na cidade paulista de Paraibuna, Vicente foi considerado um "homem
turbulento e dado à embriaguez" pelo juiz de Direito da região, mas quase inimputável
devido às suas boas relações com as autoridades policiais do local.
O delegado militar no interior da província de São Paulo, no fim do Império, página
205, André Rosemberg Vozes, Pretérito & Devir, ano VI, volume IX, número I, 2019.
https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahU
KEwi4vK27wIjtAhXNHLkGHQ1YAC8QFjAEegQIBhAC&url=http%3A%2F%2Frevi
stavozes.uespi.br%2Fojs%2Findex.php%2Frevistavozes%2Farticle%2Fdownload%2F2
09%2F215&usg=AOvVaw2oX7iJQUoswRB947bdJExR
Em 1896, ano do falecimento, outra condenação, também por injúrias verbais, esta
seguida de absolvição "por ter o tribunal reconhecido em seu favor a circunstância
dirimente do enfraquecimento senil".
Certamente, os membros do tribunal não conheciam o passado do réu.
Ensaios Jurídicos, páginas 104 e 105, Viveiros de Castro, Rio de Janeiro, 1892.
https://bdjur.tjdft.jus.br/xmlui/bitstream/handle/tjdft/31381/Ensaios%20jurídicos.pdf
?sequence=3
Nesse caso, de novo, o problema jurídico derivou da atividade de jornalista
independente: um artigo publicado como matéria paga no jornal O País em 31 de agosto
de 1895, época em que Vicente utilizava o pseudônimo O Malheiro.
O processo teve origem nas acusações feitas a uma firma contratada pela Prefeitura
do Rio para a construção de fornos de incineração do lixo.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 11/2/1896, número 42, página 5, segunda
coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_08/20228

_________________________________
Vida familiar
Em 1868, pouco antes do episódio do poema-acróstico, Vicente revelou ter seis
filhos, em um de seus textos no Correio Mercantil.

Correio Mercantil (Rio de Janeiro, RJ), 5/9/1868, número 304, página 3, quarta
coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/217280/29781
Outro filho viria a falecer em maio de 1869, com apenas um mês de idade, vítima de
"convulsões".

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 17/5/1869, número 136, página 1,


penúltima coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/24371
Em 1890, já com 64 anos e morando na cidade paulista de Mogi das Cruzes, Vicente
casou uma filha, Antônia de Souza Ramos. Na ocasião realizou-se o batismo de seu
neto, filho de (repare nos três primeiros nomes) José Brasil Paulista da Piedade.
Correio Paulistano (São Paulo, SP), 15/7/1890, número 10.156, página 2, terceira
coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/090972_05/600
Em 1894 falecia outra filha de Vicente, Delminda Ramos.

O País (Rio de Janeiro, RJ), 19/6/1894, número 4334, página 5, última coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/178691_02/9996
E em 5 de maio de 1896, o homem cuja ousadia político-literária marcou a História
do Brasil partia deste mundo, deixando uma viúva (Anna Rosa Ramos) e "filhos e
filhas", conforme o anúncio de agradecimento da família publicado no Jornal do
Commercio.

Jornal do Commercio (Rio de Janeiro, RJ), 11/5/1896, número 132, página 7,


segunda coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_08/21148
Eis o obituário do jornal A Cidade de Ytu, que levou a esta pesquisa.

Cidade de Itu (Itu, SP), 14/5/1896, número 269, página 2, terceira coluna.
http://obrasraras.usp.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/5986/A_Cidade_de
_Ytu_ano3_n269_1896.pdf?sequence=1
A resposta a uma solicitação publicada na Gazeta de Notícias permite-nos saber que
à época do falecimento Vicente José Ramos morava no bairro carioca de Santa Tereza,
à rua Fluminense.

Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro, RJ), 20/6/1896, número 171, página 5, última
coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/103730_03/14393
A viúva Ana Rosa Ramos viria a falecer em 1903.
A Notícia (Rio de Janeiro, RJ), 15/10/1896, número 171, página 3, penúltima coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/830380/10356
A série de artigos Interesse Público, do Relógio Político
. No Correio Mercantil.
. Número 7.
5/11/1868, número 304, página 3, terceira e quarta colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/217280/29781
. Número 10.
8/11/1868, número 307, página 3, quinta coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/217280/29793
. Número 18.
13/11/1868, número 312, página 3, quinta coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/217280/29813
. No Jornal do Commercio.
. Número (ilegível).
8/11/1868, número 311, página 1, quarta e quinta colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/14559
. Número 1?.
10/11/1868, número 313, página 1, última coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/14567
. Número 1?.
11/11/1868, número 314, página 6, segunda coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/14576
. Número 1?.
12/11/1868, número 315, página 1, sexta coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/14579
. Número 1?.
13/11/1868, número 316, página 1, sexta coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/14587
. Número 1?.
14/11/1868, número 317, páginas 1 (última coluna) e 2 (primeira coluna).
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/14591
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/14592
. Número 1?.
15/11/1868, número 318, página 1, coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/364568_05/14595
***
. No Diário do Rio de Janeiro.
. Número 22.
18/11/1868, número 316, página 3, da primeira à terceira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/23666
. Número 23.
19/11/1868, número 317, página 3, primeira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/23670
. Número 24.
21/11/1868, número 319, página 3, terceira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/23678
. Número 25.
22/11/1868, número 320, página 2, penúltima e última colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/23681
. Números 26, 27 e 28.
24/11/1868, número 322, página 3, segunda e terceira colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/23690
. Números 29 e 30.
25/11/1868, número 323, página 2, da segunda à quinta coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/23693
. Números 31 e 32 (também os números 27 e 28).
26/11/1868, número 324, página 2, da quarta à sétima coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/23697
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/23701
. Número 33 (duplicado).
27/11/1868, número 325, página 2, última coluna.
. Números 34 e 35.
28/11/1868, número 326, página 3, segunda e terceira colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/23706
. Número 36.
29/11/1868, número 327, página 2, quarta e quinta colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/23709
. Número 37.
1/12/1868, número 329, página 3, segunda e terceira colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/23718
. Números 38, 39 e 40.
3/12/1868, número 331, página 2, da quinta à sétima coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/094170_02/23725

_______________
Textos de Vicente José Ramos como O Malhadeiro
. Na Gazeta de Notícias.
11/4/1891, número 100, página 3, quinta e sexta colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/103730_03/3151
7/8/1891, número 219, página 3, da primeira à terceira coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/103730_03/3941
21/10/1891, número 294, página 3, da quinta à sétima coluna.
http://memoria.bn.br/DocReader/103730_03/4431
. Em O País.
26/8/1895, número 3981, página 4, segunda e terceira colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/178691_02/13551
31/8/1895, número 3986, página 4, terceira e quarta colunas.
http://memoria.bn.br/DocReader/178691_02/13591

Você também pode gostar