Você está na página 1de 77

Aos nossos familiares, amigos, professores e amores

| EDITOR-CHEFE

Geison Araujo Silva

| CONSELHO EDITORIAL

Ana Carla Barros Sobreira (Unicamp)


Bárbara Olímpia Ramos de Melo (UESPI)
Diógenes Cândido de Lima (UESB)
Jailson Almeida Conceição (UESPI)
José Roberto Alves Barbosa (UFERSA)
Joseane dos Santos do Espirito Santo (UFAL)
Julio Neves Pereira (UFBA)
Juscelino Nascimento (UFPI)
Lauro Gomes (UPF)
Letícia Carolina Pereira do Nascimento (UFPI)
Lucélia de Sousa Almeida (UFMA)
Maria Luisa Ortiz Alvarez (UnB)
Marcel Álvaro de Amorim (UFRJ)
Meire Oliveira Silva (UNIOESTE)
Miguel Ysrrael Ramírez Sánchez (México)
Rita de Cássia Souto Maior (UFAL)
Rosangela Nunes de Lima (IFAL)
Rosivaldo Gomes (UNIFAP/UFMS)
Silvio Nunes da Silva Júnior (UFAL)
Socorro Cláudia Tavares de Sousa (UFPB)
Copyright © Editora Diálogos - Alguns direitos reservados
Copyrights do texto © 2023 Autores e Autoras

Projeto gráfico (capa e contracapa):


Hamilton Sérgio Nery de Medeiros
Revisão textual:
Géssika Silva Albuquerque de Macêdo,
Robson Lucena Carneiro e Thallyta Gomes Machado
Diagramação:
Geison Araujo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

O96
Ovídio, Públio, 42 ou 43 a.C. 17 ou 18 d.C
Apolo e Dafne. Metamorfoses, livro I, versos 452-567 / Tradução
e notas: Hamilton Sérgio Nery de Medeiros, Jaqueline Rayane
de Moura Lima, Lisandra Dias, Luciene Viana de Brito, Robson
Lucena Carneiro - Tutóia, MA: Diálogos, 2023. 77p.

Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN 978-65-89932-73-4
DOI: 10.52788/9786589932734

1. Poesia. 2. Literatura latina. 3. Mitologia clássica. I. Título.


CDD 871

contato@editoradialogos.com
www.editoradialogos.com
SUMÁRIO

I. APRESENTAÇÃO..................................................................... 7
Hamilton Sérgio Nery de Medeiros

II. NOTA INTRODUTÓRIA: O MITO DE APOLO E


DAFNE .................................................................................... 15
Hamilton Sérgio Nery de Medeiros

III. ESTUDO DA METRIFICAÇÃO E DA TRADUÇÃO DO


POEMA.............................................................................................32
Robson Lucena Carneiro

IV. APOLO E DAFNE METAMORFOSES, LIVRO I, VERSOS


452-567, TEXTO LATINO............................................................46

V. APOLO E DAFNE METAMORFOSES, LIVRO I, VERSOS


452-567, TEXTO EM PORTUGUÊS............................................52

VI. ICONOGRAFIA..............................................................................62

VII. REFERÊNCIAS................................................................................72

VIII. O LECTIO CLASSICA....................................................................75

IX. OS AUTORES...................................................................................76
I. APRESENTAÇÃO

Hamilton Sérgio Nery de Medeiros* 1

Publius Ouidius Naso, popularmente conhecido por


Ovídio, foi um poeta latino que nasceu a 43 a.C. em Sul-
mona2, região de Abruzzo, na Itália. Proveniente de famí-
lia nobre, Ovídio frequentou escolas de retórica junto ao
seu irmão mais velho. Visitou a Grécia, cidades da Ásia
Menor, Egito e Sicília, onde instalou-se por um ano. Ao
retornar à Roma, tentou a carreira na magistratura, mas
nela não permaneceu por muito tempo. A poesia ocupava
um lugar de destaque em sua vida, e a paixão por esta arte
o transformou em um dos maiores poetas da Antiguidade
Clássica romana.

* Graduado em Letras Clássicas, pela Universidade Federal da Paraíba. Mestrando


em Estudos Clássicos e Medievais, pelo Programa de Pós-graduação em Letras
– PPGL-UFPB, na condição de bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior - CAPES. Membro do grupo de pesquisa Poética e
Retórica no Mundo Clássico, vinculado ao CNPq. Autor dos livros infanto-juvenis
O que os deuses têm de bom para mim? (2019) e Deucalião e Pirra e o Dilúvio (2021).
2 Ovídio escreve, no verso 81 do livro IV dos Fastos, que sua pátria é Sulmona:
Sulmonis gelidi, patriae, Germanice, nostrae (da gélida Sulmona, Germânico, nossa
pátria).

7
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

Pertencente ao círculo de Messala Corvino e de Me-


cenas, Ovídio conheceu alguns dos notáveis poetas de sua
época: Horácio, Propércio, Tibulo e Virgílio. Casou-se três
vezes e, aos 50 anos, foi exilado por Augusto, por motivos
reais até então desconhecidos, na região da atual Constan-
za, no Mar Negro, onde permaneceu até a sua morte, por
volta de 17-18 d.C..
Ao estudarmos as composições do poeta Ovídio, po-
demos identificar uma forte influência dos mitos tradicio-
nais da Grécia Antiga e a corrente filosófica do estoicismo.
Dessa corrente, enxergamos em Ovídio a famosa teoria que
se refere ao fim do universo através das águas de cataclisma
e não de fogo3. Além disso, também podemos identificar
referências ao pensamento platônico no que tange a ideia
de um deus único (Demiurgo)4, sempre existente. Este
gera todas as coisas, a fim de criar hierarquias tanto divinas
quanto mortais para a manutenção do cosmos. Para tanto,
percebe-se um movimento cíclico que passa pela vida, mor-
te e retorno à vida, ao passo que em Ovídio, o movimento
cíclico também é marcado por mutações (metamorfoses).
Nas Metamorfoses, a harmonia é marcada pelo fim do
Caos e pela grande explosão5, responsável por dar origem

3 Metamorfoses, I, 253-258.
4 Ideia explícita na obra Timeu, em que o filósofo Platão narra a origem dos seres
viventes através de um deus único, como partes do cosmos, ambos ligados por uma
partícula imortal que o deus deposita em suas criações.
5 Metamorfoses, I, 26-27.

8
METAMORFOSES, LIVRO I, VERSOS 452-567

ao universo. Em algumas teorias científicas, essa explosão


é explicada através de possíveis fenômenos naturais6. Na
obra ovidiana, isto pode ser visto no mito da Separação
dos elementos, presente no livro I, especificamente no ver-
so 21: O deus e uma natureza melhor desfizeram esta dis-
puta7. Aqui, o autor refere-se ao momento após o Caos
primitivo, em que os elementos primordiais (líquidos,
sólidos, gasosos) combatiam entre si, e cita este deus ino-
minável como o responsável por separar tais elementos, a
fim de iniciar os processos que envolvem a criação da terra,
do universo. Adiante, Ovídio narra o momento em que
o Caos deixa de existir (versos 26-27): a força ígnea e sem
peso do céu convexo estourou e fez para si morada nas regiões
mais elevadas8.
Através das inúmeras comparações feitas no decorrer
de suas narrativas, Ovídio cria uma atmosfera completa-
mente imagética, o que facilita a visualização do que está
sendo exposto nos versos metrificados de seus poemas.
Além da cosmogonia, nessas composições o autor trata de

6 A informação exposta por Ovídio nos versos 26-27, no livro I das Metamorfoses,
é semelhante à famosa teoria do Big Bang de 1948, anunciada pelo cientista russo
George Gamow e pelo padre astrônomo belga, Georges Lemaître. Nos versos
escritos por Ovídio, há informações de que um átomo brilhante se lançou para um
ponto específico a fim de dar origem ao universo.
7 Assim está o texto em latim: hanc deus et melhor litem natura diremit.
8 Assim está o texto em latim: ignea conuexi uis et sine pondere caeli / emicuit
summaque locum sibi fecit in arce.

9
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

recorrentes jogos de sedução9, amor, cuidados com a bele-


za feminina, festividades civicorreligiosas, e dos momentos
tristes de seu exílio, nos últimos anos de sua vida.
Das composições escritas pelo poeta ao longo de sua
vida, destacamos as Cartas das Heroides (Epistulae Heroi-
dum), em que o poeta sugere, através de cartas de perso-
nagens femininas endereçadas aos heróis, outros rumos às
histórias já eternizadas por outros poetas.
Cosméticos para a face feminina (Medicamina faciei
femineae), obra pouco explorada por estudantes e profes-
sores de Línguas e Literaturas Clássicas no Brasil, devido à
escassez de materiais sobre a temática, trata dos cuidados
com a beleza através de produtos provenientes dos grãos,
das flores e do mel. Tais produtos estão ligados aos deuses,
especificamente a Ceres, deusa dos cereais, que são utiliza-
dos não apenas para a alimentação, mas para a produção
de bálsamos de beleza para a face feminina. Com a obra, o
poeta expõe a simbologia que há por trás desses cuidados:
um verdadeiro culto ao amor, à perpetuação da vida, aos
deuses. O conceito apresentado por Ovídio nesta obra as-
semelha-se a um dos pensamentos do cristianismo, de que

9 As obras de Ovídio quase sempre retratam episódios envolvendo investidas


masculinas, em um verdadeiro jogo de sedução que muitas vezes acarreta em
punições divinas, como nos mitos de Apolo e Dafne, Io, Pã e Siringe (livro I);
Calisto e Europa (livro II); Niso e Cila (livro III); Ganimedes (livro X), dentre outros
presentes nas Metamorfoses. O amor e a sedução também são temas recorrentes de
outras obras de Ovídio: Amores (Amores), Arte de amar (Ars Amatoria), Remédios
de amor (Remedia Amoris).

10
METAMORFOSES, LIVRO I, VERSOS 452-567

os cuidados com a aparência e as vestimentas da mulher,


seguidas por um padrão da época, têm finalidades virgi-
nais, conjugais e, sobretudo, religiosas10.
Os Fastos (Fasti) tratam do calendário romano e das
festividades civicorreligiosas da cidade. Muitas dessas fes-
tas foram introduzidas no Lácio através de Numa Pom-
pílio, segundo rei de Roma, responsável pela criação das
primeiras leis da cidade e dos primeiros ofícios religiosos.
Nas Metamorfoses (Metamorphoses), poema de cará-
ter cosmogônico e etiológico, publicado em 8 d.C., Oví-
dio narra, através de seus mitos distribuídos em 15 livros,
a origem do universo, o nascimento do homem, episódios
de impiedade/piedade, atividades civicorreligiosas etc.,
até os seus dias sob o império de Augusto. O pensamento
patriarcal surge em alguns mitos, como o de Calisto, em
que a personagem, integrante do séquito da deusa Diana,
formado por virgens, é violentada sexualmente pelo deus
Júpiter11. Em outro mito, o de Tereu, Procne e Filomela12,
temos outro relato de violência sexual contra uma perso-
nagem feminina, em que, ao ser estuprada pelo próprio
cunhado, tem a língua cortada, para que o crime não seja
denunciado e ganhe visibilidade.

10 Bíblia Sagrada, I Timóteo, I, 9.


11 Metamorfoses, II, 430-440.
12 Metamorfoses, VI, 412-674.

11
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

O mito de Tereu, Procne e Filomela retrata bem a vi-


são do autor ao que muitos denominam por “fragilidade
feminina”. Ovídio atribui essa fragilidade ao físico, posto
em contraponto ao gênero masculino. Na narrativa, ape-
sar dos momentos de dor e violência recorrentes, a perso-
nagem violentada mostra-se sábia ao tramar uma forma
de vingar-se do crime de estupro: ela denuncia o terrível
episódio através do tear13, e, depois, com auxílio da própria
irmã executa uma vingança cruel contra Tereu.
Mas, o que diferencia a visão de Ovídio sobre a figura
feminina da visão defendida por outros autores e filóso-
fos, como Aristóteles14, é que o autor latino não lhe atribui
falta de inteligência, ou incapacidade para discursar, mas
aponta o próprio físico em oposição à figura masculina,
apresentada como predominantemente forte.
Sobre tais episódios que surgem em Ovídio, chama-
mos a atenção do leitor para não incorrer em leituras in-
terpretativas de suas obras, levando em consideração ape-
nas a visão moderna que temos sobre determinados con-
ceitos, pensamentos que necessitaram de reformulações,
dentre outros aspectos. Faz-se necessário compreender
que determinados pensamentos, presentes nestes escritos,
sobretudo no que se refere a um “padrão” do feminino,
13 O tear é uma prática milenar, recorrente entre as mulheres da época. Autores
gregos também narraram episódios envolvendo tal prática, como Homero, na Ilíada
e Odisseia, através das personagens Helena e Penélope.
14 Política, I, 4, 7-17.

12
METAMORFOSES, LIVRO I, VERSOS 452-567

predominou também em outros períodos da história da


humanidade, o que implica diretamente em outras cultu-
ras e crenças anteriores15 e posteriores à época de Ovídio,
como no período inaugural do cristianismo.
A exemplo disto, citamos Tertuliano (160 d.C. – 220
d.C.), que compôs um tratado intitulado De cultu femina-
rum, cuja temática é direcionada às mulheres. Na compo-
sição, Tertuliano fala a respeito de comportamentos, ves-
tuário e adereços, que deveriam ser seguidos e utilizados
pelo gênero feminino, tendo por base a modéstia.
As composições de Ovídio serviram de inspiração
para a criação de obras de representantes de movimentos
artísticos mundiais, como do Barroco16 e do Renascimen-
to17, e de movimentos literários, como o Conceptismo18,

15 Na mitologia da antiga Mesopotâmia, uma figura divina e feminina, a deusa


Ishtar, sofre punições ao ser submetida às regras do submundo denominado
Kurnugu. Ao descer o submundo, a fim de resgatar sua irmã Eréshkigal, Ishtar
precisa atravessar sete portais. Porém, como regra estabelecida pelo guardião
daquele lugar, para atravessar cada portal, Ishtar precisa desfazer-se de um adorno
que compõe sua vestimenta. Assim, para atravessar o último dos portais, de Ishtar é
retirada a roupa. Com isso, ao adentrar o mundo dos mortos, a deusa é punida com
prisão por deixar o próprio corpo à mostra.
16 Originado na Europa, no século XVI, caracteriza-se por representar figuras
divinas, com requinte e excesso de adornos. O pintor italiano Francesco Albani
(1578-1660) foi um dos representantes do Barroco.
17 Inspirado na cultura clássica greco-romana, teve início no século XVI, também na
Europa. O racionalismo e o antropocentrismo são duas das características predominantes
do Renascimento. Além de Leonardo da Vinci (1452-1519) e Michelangelo (1475-
1564), se destacam outros nomes que fizeram parte desse movimento, como Antonio
del Pollaiuolo (1429-1498), pintor, escultor e ourives italiano.
18 Movimento literário do Barroco, originado na Espanha e caracterizado pelo
logicismo, agudeza do pensamento, imagens de persuasão racional, dentre outros.
Um dos representantes desse movimento é Francisco de Quevedo, escritor espanhol

13
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

e tornaram-se objeto de estudo de especialistas de demais


áreas, como literatura, história, psicologia etc.
Devido à atemporalidade inerente aos seus mitos,
Ovídio também foi responsável para que houvesse, na pos-
teridade, inúmeras analogias feitas entre a mitologia e fatos
do cotidiano, assim como questões psíquicas envolvendo
a vida do homem. A exemplo disso, temos o narcisismo,
termo criado a partir do mito grego de Narciso19, para de-
nominar um tipo de transtorno de personalidade em que
o portador desenvolve um amor-próprio além do comum.
Marcada pelo excesso, a pessoa narcisista tende a sofrer e a
causar sofrimento em suas relações. O termo narcisismo
começou a ganhar visibilidade em 1899, através de um es-
tudo publicado pelo psiquiatra alemão Paul Adolf Näcke,
e em 1914, com um artigo do famoso médico considerado
pai da psicanálise: Sigmund Freud.
Materiais como os de Ovídio nos fornecem informa-
ções riquíssimas em construções linguísticas, míticas, reli-
giosas e políticas de um determinado lugar, de um deter-
minado povo, e que necessitam ser bem mais exploradas.

(1580-1645). Dentre suas composições, destaca-se um poema sobre Apolo e Dafne.


19 Metamorfoses, III, 339-510.

14
II. NOTA INTRODUTÓRIA: O MITO DE
APOLO E DAFNE

Hamilton Sérgio Nery de Medeiros

2.1 OS MITOS

Antes de falarmos a respeito de Apolo e Dafne, mito


grego tratado por Ovídio em suas Metamorfoses, preci-
samos entender o conceito de mito e sua importância na
vida dos povos antigos. O termo “mito” tem sua origem
no grego, μύθος (mythos), que significa narrativa, história.
Na Antiguidade, essas narrativas estavam atreladas às
funções sociais, políticas e, sobretudo, religiosas da vida
do homem. Mito, ao contrário do que costumamos ler e
ouvir nos nossos dias, não tem relação com mentira, mas
com algum fato narrado primeiramente de forma oral, e
que foi perpetuado às gerações.
As primeiras noções de mito que conhecemos são
aquelas de que esse tipo de narrativa estava mais ligado à
crença na divinização tanto dos astros quanto dos elemen-
tos primordiais, como água, terra, fogo e ar. A finalidade

15
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

disso era fazer com que os homens pudessem obter, atra-


vés desses seres considerados divinos, o alimento, a força,
o tempo mais adequado para plantar e colher, auxiliando,
dessa forma, nos processos civilizatórios. Os mitos, en-
volvendo os elementos primordiais, também estavam re-
lacionados a educação, trabalho, às “questões fisiológicas
humanas, como a sexualidade” (ELIADE, 1992, p. 51-52).
Com o passar do tempo, os mitos foram evoluindo
e ganhando novos significados, novas funções, como a de
exemplificar modelos de condutas a serem seguidos pelas
civilizações. Eliade pontua muito bem essa questão atra-
vés de sua visão antropológica dos mitos em O sagrado e o
profano:

O mito se refere sempre a uma criação, contando como


algo veio à existência ou como um padrão de comporta-
mento, uma instituição, uma maneira de trabalhar, foram
estabelecidas; essa é a razão pela qual os mitos constituem
os paradigmas de todos os atos humanos significativos
(ELIADE, 1992, p.22, tradução de Rogério Fernandes).

Assim sendo, os mitos passaram a refletir nas civiliza-


ções paradigmas que deveriam ser seguidos por todos, e co-
meçaram a desenvolver um teor mais didático e que, mais
tarde, refletiria diretamente nos escritos dos poetas. Estes
recontariam os mitos, sempre acompanhados de exemplos
de boas e más condutas, de piedade e impiedade, de benes-
ses e castigos divinos.

16
NOTA INTRODUTÓRIA: O MITO DE APOLO E DAFNE

Os mitos também passaram a preencher o campo da


representação, sendo utilizados por autores em peças tea-
trais, epopeias, bem como a serem representados em pin-
turas e ilustrações feitas pelos artistas.
Nas Metamorfoses, obra da qual falaremos a seguir,
Ovídio se utiliza dos mitos para tratar de questões etioló-
gicas, a fim de justificar a origem e transformação de algo
ou alguém.

2.2 METAMORFOSES, LIVRO I

Dentre os 15 livros que compõem as Metamorfoses,


daremos ênfase ao primeiro, para falarmos posteriormente
sobre o mito de Apolo e Dafne, objeto de estudo e tradu-
ção deste livro.
O primeiro livro é composto por 14 narrativas, além
da invocação (vv. 1-4): origens do mundo (vv. 5-20); se-
paração dos elementos (vv. 21-75); criação do homem (vv.
76-88); as quatro idades (vv. 89-150); os Gigantes (vv. 151-
162); Licáon (vv. 163-252); o dilúvio (vv. 253-312); Deu-
calião e Pirra (vv. 313-415); Píton (vv. 416-451); Apolo e
Dafne (vv. 452-567); Io (vv. 568-600); Argo (vv. 601-688);
Pã e Siringe (vv. 689-746) e parte do mito de Faetonte (vv.
747-779), que se encerra no livro II (nos vv. 1-332). O livro
I representa a gênese da obra e possui inúmeras semelhan-

17
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

ças com as narrativas presentes na Teogonia e Trabalhos e


dias, de Hesíodo.
Em suas composições, o poeta grego Hesíodo invoca as
Musas20 do monte Hélicon, a fim de que seu poema seja ins-
pirado por essas divindades das artes. Na Teogonia, o autor
narra o nascimento dos deuses primordiais: o Caos, repre-
sentado pelo embate entre Urano e Gaia, que finda através
do deus Crono. O deus corta o pênis do pai, com uma foice
de adamanto, e o destrona, dando início, assim, à ordenação
cósmica por meio da separação entre céu e terra. O pênis de
Urano cai no mar, e a ordenação prossegue com o nascimen-
to de Afrodite, que surge para dar vida e ligamento (Eros) aos
seres. Zeus complementa a ordenação e a mantém, por meio
de divisões hierárquicas nos âmbitos divino e terreno.
Em Trabalhos e dias, Hesíodo narra o mito das quatro
idades. Tais mitos são marcados por episódios de piedade,
impiedade, labor, ordem, desordem etc. Inspirado neles,
Ovídio também escreve sobre as quatro idades, nas Me-
tamorfoses, mas para falar da necessidade de uma segunda
ordenação por parte dos deuses. Essa ordem se dá com os
mitos do Dilúvio e de Deucalião e Pirra.

20 A invocação é uma das características predominantes do gênero épico, da qual


Ovídio (Metamorfoses, I, 1-4) e Virgílio (Eneida, I, 1-11), poetas latinos, também
se utilizaram para a construção de suas obras. Do casamento com Mnemosine, Zeus
teve 9 filhas, as Musas: Terpsícore, Musa da dança; Érato, Musa da poesia lírica;
Talía, Musa da comédia; Melpómene, Musa da tragédia; Calíope, Musa da poesia
épica; Polímnia, Musa da poesia sagrada e da retórica; Urânia, Musa da astrologia e
da astronomia; Clío, Musa da história; e Euterpe, Musa da música.

18
NOTA INTRODUTÓRIA: O MITO DE APOLO E DAFNE

Em seguida, Ovídio retoma um dos aspectos mais


marcantes das Metamorfoses: a ἀρχή (arkhé), cujo signifi-
cado é princípio, origem. Quando há necessidade, o poeta
desenvolve dentro da narrativa novos fins e consequentes
recomeços, revelando na beleza de seu poema uma estrutu-
ra cíclico-mítica. Os mitos ovidianos apresentam um equi-
líbrio, uma sequência que propulsiona novos feitos, novas
criações, através de mutações que ocorrem a todo instante.
O poeta não fica estagnado nos erros cometidos por par-
te de suas personagens, pois isso alteraria bruscamente sua
proposição com tal obra, que é tratar, de forma linear, a his-
tória da origem do mundo até os seus dias em Roma.
No livro I, o poeta Ovídio inicia as Metamorfoses pela
invocação (invocatio) às divindades, para que sejam propí-
cias à construção e a perpetuação de sua arte de fazer poesia:

In noua fert animus mutatas dicere formas


corpora; di, coeptis (nam uos mutastis et illas)
aspirate meis primaque ab origine mundi
ad mea perpetuum deducite tempora carmen.
O ânimo leva a narrar as formas mudadas para novos
corpos; ó deuses, (pois vós também as mudastes) inspirai
a meus propósitos e conduzi um poema perpétuo, desde
a origem primeira do mundo até meus tempos (OVÍDIO,
Metamorfoses, livro I, vv. 1-4, tradução de Robson Lucena
Carneiro).

Adiante, o poeta começa a narrar os momentos finais


do Caos, representado como uma massa disforme, reple-

19
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

ta de elementos diversos e sem formas definidas, para dar


início à explosão cósmica e, por conseguinte, à origem do
universo e do nosso planeta.
Esse momento representa uma primeira ordenação,
semelhante àquela apresentada por Platão e a que conhe-
cemos, das narrativas bíblicas. Nelas, um deus auto-exis-
tente separa os elementos água, terra, ar e fogo, dá forma
a cada um deles, estabelecendo extensões e seus limites,
como a noite e o dia, através do nascimento e morte da luz
de seus respectivos astros (sol, lua e constelações).
Ovídio também narra a criação do primeiro homem,
de imagem e semelhança divinas, formado pela mistura das
águas da chuva com a terra21 pelas mãos de Prometeu22. Tal
similaridade está presente em outras narrativas além das de
Hesíodo e Ovídio, como nas narrativas bíblicas sobre a
origem do homem (Gênesis II, 7), formado da terra, pelas
mãos do deus judaico-cristão YHWH (Yahweh, possível
transcrição).
Na sequência, temos o mito das quatro idades, come-
çando pela idade de ouro. A idade de ouro contempla o
período da predominância do bem e da lealdade, da pri-

21 Alusão à distinção entre Céu e Terra (Urano e Gaia), na Teogonia (vv. 154-210).
Os pingos de chuva, aqui, remetem às gotas do sangue do pênis decepado de Urano,
que caem na terra e geram as Erínias, os Gigantes e as ninfas denominadas Freixos
(vv. 180-187).
22 Do grego προ-μηθής (pro-methés), que significa prudente, previsor. Προμηθεύς
(Prometheus), filho do titã Jápeto, e irmão de Atlas, Menécio e Epimeteu; representa
o ser cuja inteligência, prudência, vem antes da ação.

20
NOTA INTRODUTÓRIA: O MITO DE APOLO E DAFNE

mavera eterna e de natureza próspera em alimentos, sem


que houvesse a necessidade do trabalho com o cultivo do
solo. Era um período isento de punições, pois não havia
leis, tendo em vista a harmonia que ali imperava.
Surge também a idade de prata, “inferior ao ouro, e
mais preciosa do que o fulvo bronze”23. A partir dessa ida-
de, Júpiter passa a delimitar o tempo, separando o ano em
estações e encurtando a longeva primavera. Daí, surgem
as variações climáticas, como calor, frio, chuva e seca. Os
homens passam a buscar abrigo em grutas, e a praticar o
trabalho, através do plantio das sementes de Ceres e do
cultivo de bois.
A seguir, o poeta apresenta como terceira a idade de
bronze. Em ordem decrescente de valor metálico, a raça de
bronze é posta como inferior à raça de prata. O autor lati-
no não se detém a demonstrar detalhes sobre esta raça, de-
dicando apenas três versos (vv. 125-127) dentro do primei-
ro livro da obra citada. Afirma apenas que tem um gênio
mais feroz e dá enfoque ao seu teor bélico, tendo em vista
que se trata de homens caracterizados pela força e disposi-
ção ao combate, mas não sacrílega aos deuses.
Por último, surge a pior das idades: a idade de ferro. Na
idade de ferro, sobrevém o mal para corromper os homens,
afastando deles o pudor e a verdade. Com a piedade vencida

23 Metamorfoses, I, 115. Assim está o texto em latim: auro deterior, fuluo pretiosior
aere.

21
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

pelos males desta idade, a filha de Zeus e Têmis, Astreia, res-


ponsável por levar noções de justiça e virtude aos corações dos
homens, sobe aos céus, transformando-se na constelação de
Virgem. Astreia é a última das divindades a abandonar a terra.
Na sequência dos episódios da predominância do mal
e investidas a uma possível desordem, surgem os Gigantes,
que tentam atingir as moradas celestes dos deuses a fim de
tomarem o poder. Júpiter, porém, lança um raio que abala
a morada desses seres, levando-os à morte. Ovídio ainda
narra que, para dar veracidade à história, alguns deles fo-
ram transformados em seres humanos, embora violentos,
que desdenhavam os deuses.
Em seguida, Ovídio apresenta a narrativa do festim
no palácio de Licáon, rei da Arcádia. Este é o ponto cul-
minante de impiedade e de desmedida, que marca o livro
I das Metamorfoses. Conta-se, nesse mito, que Júpiter,
metamorfoseado em humano, visitou a Arcádia para ver
de perto a desordem praticada pelos homens. Convidado
para um banquete no palácio de Licáon, rei impiedoso
para com os deuses, o deus supremo do Olimpo foi servi-
do de um cozido, preparado com carne humana. A ira do
deus ocorreu de tal forma que fulminou o palácio do rei e
o transformou em lobo.
Ao subir à morada celeste, Júpiter prometeu o fim
do gênero humano aos demais deuses. Porém, houve uma
preocupação por parte dos demais olimpianos com a propa-

22
NOTA INTRODUTÓRIA: O MITO DE APOLO E DAFNE

gação dos ritos religiosos, visto que essa tarefa estaria fadada
aos homens. Então, em vez de lançar seu raio por toda a ex-
tensão terrestre, que atingiria também os céus e remontaria
todas as coisas ao Caos primitivo, Júpiter decide exterminar
parte da humanidade através de um dilúvio. Do dilúvio,
poupou o deus apenas o casal constituído por Deucalião,
filho de Prometeu, e Pirra, filha de Epimeteu, para exemplo
da futura geração de homens que povoariam a terra.
Após o grande cataclisma, Ovídio retoma à fase inicial
das Metamorfoses: o poeta começa a narrar mitos acerca
de uma segunda fase de ordenação do universo, através do
repovoamento da terra e da propagação da religiosidade e
de atividades cívicas, como os jogos.
Os novos homens surgem através de Deucalião e Pir-
ra, casal piedoso, que após o dilúvio curvam-se a Têmis,
deusa da justiça divina, para prestar-lhe honras e agradeci-
mentos por terem sobrevivido ao dilúvio. De Têmis o casal
cumpre a ordem de lançar pedras do alto do monte Parna-
so. Das pedras lançadas por Deucalião nascem homens, e
das pedras lançadas por Pirra nascem mulheres.
Logo tudo começa a ser restabelecido: novos homens,
novos seres, festividades e cultos. É o que ocorre em se-
guida, com o mito de Píton. Nesse mito, Ovídio narra a
origem de novas espécies de animais que surgem da lama
deixada pelo dilúvio. Dentre esses, há Píton: serpente que
destrói tudo por onde rasteja, devido ao seu peso e tama-

23
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

nho descomunais. A serpente é associada a Têmis e aos seus


oráculos, proferidos do monte Parnaso. Após ser aniquila-
da pelo deus Apolo, os oráculos da serpente passam a ser
atribuídos ao deus. O mito de Píton representa a vitória
do bem (Apolo) sobre o mal (Píton). Representa, sobre-
tudo, o restabelecimento da religiosidade e das primeiras
atividades civicorreligiosas, como os jogos píticos24, que
remetiam a esse famoso episódio do embate entre Apolo
e a serpente. Dentre os mitos supracitados, falaremos a se-
guir do mito de Apolo e Dafne, nosso objeto de estudo e
tradução.

2.3 O MITO DE APOLO E DAFNE

O mito conta a história do amor do deus Apolo, filho


da união de Júpiter com Latona, por Dafne, uma ninfa, fi-
lha de Peneu, deus fluvial da Tessália. Esse amor é causado
por uma flecha de ouro lançada em Apolo por Cupido, du-
rante uma disputa cuja finalidade seria destacar dentre eles

24 Jogos pan-helênicos realizados de quatro em quatro anos, na região de Delfos.


Faziam parte desses jogos as competições atléticas, musicais e poéticas. Os jogos
píticos rememoravam o mito da vitória do deus Apolo contra a serpente Píton.
Ao fim dos jogos, os vencedores entoavam cantos em honra ao deus. Esses cantos
eram chamados de Peã. Graças à Arqueologia, temos o conhecimento de um antigo
registro desse canto que se entoava a Apolo. Trata-se de uma inscrição nas paredes
do Tesouro dos Atenienses, de um hino peã composto por um jovem chamado
Limênio, que participou dos jogos píticos nos anos 128-127 a.C.. O hino também
recebeu o nome de Peã de Limênio.

24
NOTA INTRODUTÓRIA: O MITO DE APOLO E DAFNE

quem seria o maior dos flecheiros. Cupido ganha a disputa,


ao acertar Apolo com sua flecha da ponta de ouro. Ele tam-
bém acerta Dafne, mas com flecha diferente: flecha de pon-
ta redonda, de chumbo, que desperta a repulsa ao amor.
Essa disputa desencadeia em outra: a corrida de Apolo
e Dafne, carregada de simbologias diversas e que tem por
marco a metamorfose da ninfa, pois futuramente ocor-
reria a transformação da forma feminina em um loureiro
consagrado a Apolo. Isso está relacionado à etimologia dos
termos gregos δάφνη (dáphne), que significa loureiro, ramos
de louro, e δαφνη-φόρος (daphne-fóros): cuja acepção é que
porta a coroa de louros. A etimologia presente na constru-
ção dos mitos, tão significativos ao universo cultural de um
povo, incide na fixação e na perpetuação de tais narrativas.
Como pontuamos, no mito de Apolo e Dafne a ninfa
é transformada em uma árvore, e essa metamorfose é utili-
zada por Ovídio para justificar a origem do loureiro e, con-
sequentemente, da coroa de louro feita com as folhagens
dessa árvore. A coroa de louro era comumente utilizada
naquela época para ocupar as cabeças dos jovens vencedo-
res dos jogos píticos e dos generais latinos.
O mito de Apolo e Dafne engloba outros aspectos
além da relação entre um deus e um loureiro (Dafne). Na
construção de seu poema, Ovídio insere vocábulos de in-
terpretações dúbias, que indicam a corrida do deus e da
ninfa, mas que destacam fenômenos naturais, como a rela-

25
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

ção entre os elementos ar e fogo, em que este é intensifica-


do por aquele, que o alimenta sob forma de combustível.
Temos, portanto, em Apolo e Dafne a exemplificação
da gradação na intensidade do amor que o deus sente pela
ninfa, através de uma fenomenologia da natureza. Além
disso, Ovídio nos fornece outros exemplos e leituras do
mito, a saber da corrida entre o sol e a aurora. De acordo
com Cassirer25, o termo δάφνη remete à palavra Ahanâ,
do sânscrito, cujo significado é aurora. Apolo, em deter-
minado período mitológico, passa a ser assimilado ao sol e
recebe o epíteto de Febo; sua irmã, Diana, recebe o epíteto
de Febe e passa a ser assimilada à Lua, assim como ocorrera
com Selene26. Os epítetos dos dois são derivados do nome
da avó: Febe.
Assim, a corrida do Sol (Apolo) à aurora (Dafne), ao
nascer do dia, remonta a um dos mais belos espetáculos
que podemos contemplar na natureza. A aurora, que é
nomeada por Homero na Ilíada como “Aurora de róseos
dedos”27, surge à frente do deus que encerra seu ciclo, no
poente, coroado – δαφνηφόρος. Na Eneida, do poeta Vir-
gílio, podemos observar esse fenômeno no que respeita à
coroação do deus pela ninfa. Trata-se da primeira vez que

25 CASSIRER, 2013, p. 18-19.


26 Σελήνη (Seléne), filha dos titãs Hiperion e Téa, e irmã de Hélio, o sol (Bibl.
Mitológica de Apolodoro, L. 1; 2,2.).
27 Homero, Ilíada, I, 477, tradução de Frederico Lourenço. Esse é um dos exemplos
em que a aurora é descrita dessa forma, devido à sua coloração ao surgir.

26
NOTA INTRODUTÓRIA: O MITO DE APOLO E DAFNE

vimos Apolo ser chamado de róseo Febo28, uma atribuição


clara ao deus, sob o seu epíteto solar Febo, de uma das ca-
racterísticas homéricas à aurora do dia.

2.4 A ESTRUTURA DO MITO

Em Apolo e Dafne, Ovídio narra a disputa entre Cupi-


do e Apolo. Assim como sua irmã, a virgem e casta Diana,
Apolo é associado à arte da caça, além das artes e da medici-
na. O deus, que acabara de vencer a serpente Píton no mito
anterior, desafia Cupido, que encontrava-se portando um
arco e uma flecha. Na disputa, o deus Apolo, que se mos-
tra soberbo por sua recente vitória, acaba sendo rebaixado
e perde para Cupido, glorioso por sua ampla atuação cós-
mica em decorrência do amor disparado por suas flechas, o
qual subjuga todos os seres terrenos e divinos29: “disse-lhe:
Febo, teu arco fere todas as coisas; o meu, a ti. E o quanto
todos os seres vivos são inferiores a um deus, tão menor é
tua glória do que a nossa” (vv. 463-465, nossa tradução)30.
Depois disso, Cupido dispara em Apolo uma flecha
pontiaguda, de ouro (v. 470), que desperta no deus um
grande amor por Dafne. A ninfa também é atingida por
28 Virgílio, Eneida, XI, 913.
29 Exceto aqueles ligados à castidade, como a deusa Atena.
30 Assim está o texto em latim: ‘figat tuus omnia, Phoebe, / te meus arcus’ ait;
‘quantoque animalia cedunt / cuncta deo, tanto minor est tua gloria nostra.’

27
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

uma flecha, porém, diferente: de ponta redonda, com in-


terior de chumbo (v. 471), que desperta a repulsa. A dispu-
ta permanece como sendo a chave da narrativa criada por
Ovídio, nas Metamorfoses, para revelar um ser vitorioso.
Antes, a disputa ocorre entre Apolo e Cupido; de-
pois, entre Apolo e Dafne, em uma corrida motivada pelo
amor (v. 507): “para mim, a causa de perseguir é o amor”
(nossa tradução)31. O deus Apolo passa a correr atrás da
jovem ninfa, filha de Peneu, a fim de se tornar vitorioso ao
alcançá-la, para consolidar esse grande amor causado pela
flecha de Cupido. A ninfa tem aversão ao amor, pois o seu
maior desejo é ser como Diana: casta, afastada do matri-
mônio para viver livre, em bosques, à caça (vv. 475-480).
Esse é um dos pedidos que a ninfa faz ao seu pai, Peneu, de
permanecer sempre virgem (vv. 486-487).
Ovídio narra cuidadosamente cada detalhe, cada mo-
mento dessa corrida de Apolo em busca da consolidação
do amor. Os versos que compõem esse mito começam a
ganhar imagens, vida, através das construções de inúmeros
símiles que o poeta faz questão de expor ao leitor. Um dos
primeiros símiles é o da comparação que Ovídio faz entre
o fogo que queima uma plantação e o fogo do amor que
inflama Apolo ao avistar Dafne:

31 Assim está o texto em latim: amor est mihi causa sequendi.

28
NOTA INTRODUTÓRIA: O MITO DE APOLO E DAFNE

utque leues stipulae demptis adolentur aristis,


ut facibus saepes ardent, quas forte uiator
uel nimis admouit uel iam sub luce reliquit,
sic deus in flamas abiit, sic pectore toto
uritur et sterilem sperando nutrit amorem.

Assim como são queimadas as leves hastes das espigas


arrancadas, assim como ardem as cercas devido às tochas
que, por acidente, o viajante aproximou excessivamente
ou que deixou para trás, já sob a luz do dia: desse mesmo
modo, o deus se transformou em chamas; desse mesmo
modo, por todo o peito se inflama e, esperando, nutre um
amor infértil (OVÍDIO, Metamorfoses, I, vv. 492-496,
nossa tradução).

A ninfa não profere palavras às investidas do deus e


corre (vv. 502-503). Cada vez mais se distancia de Apolo,
que começa a chamá-la, enquanto corre atrás de seu gran-
de amor (vv. 503-505). A partir daí, outro símile surge na
narrativa, não mais atribuído ao deus Apolo, mas a Dafne,
que é comparada às presas do mundo animal, fugitivas de
seus respectivos predadores (vv. 505-507).
O deus, por sua vez, preocupa-se com sua amada, que
corre em velocidade absurda. Ele teme que a ninfa caia e,
com a queda, possa ferir seu belo corpo. Por esse motivo,
Apolo pede a Dafne para correr devagar, pois, desse modo,
a ninfa afastará por completo os perigos de uma possível
queda e o favorecerá na corrida (vv. 508-511). Dafne não
obedece e Apolo começa a se enfurecer com a jovem ninfa.
O deus, então, decide apontar sua soberania como inven-

29
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

tor da medicina, ser associado às artes, e, sobretudo, filho


do pai dos deuses, Júpiter. Apolo ainda destaca os lugares
que o devem veneração e obediência (vv. 512-524). Mas
Dafne ignora as palavras do deus e prossegue a corrida.
Nesse momento, Ovídio recorre outra vez a uma lingua-
gem completamente imagética, a fim de tornar visível tal
corrida do deus Apolo e da ninfa Dafne.

2.5 RECEPÇÃO DO MITO

A recepção do mito de Apolo e Dafne se deu através


das artes plásticas, da poesia e da música. O mito, famoso
pelo desenrolar do amor lançado pelas flechas de Cupido,
foi retratado através de pinturas famosas, compostas por
artistas ingleses, franceses, italianos, dentre outros. Além
disso, ganhou forma pelas mãos de escultores renomados,
como Bernini, em sua famosa obra exposta no Museu do
Louvre.
No campo da literatura, Ovídio, através de sua versão
para Apolo e Dafne, inspirou poetas das mais diversas nacio-
nalidades, dos quais destacamos Francisco de Quevedo com
sua composição intitulada A Apolo, siguiendo a Dafne, uma
espécie de sátira envolvendo as personagens Dafne e o deus
Apolo, que por Quevedo é chamado de Febo, o sol, reme-
tendo, desta forma, ao mais conhecido epíteto do deus.

30
NOTA INTRODUTÓRIA: O MITO DE APOLO E DAFNE

Na música, o mito serviu de inspiração às composições


dos mais variados estilos musicais, que tratam da temática
amorosa, sobretudo aos amores não correspondidos e/ou pes-
soas tomadas por paixões avassaladoras. Inspirado no mito, o
compositor norte-americano Rob Romeyn compôs Apollo:
Myth and Legend, executada por orquestras sinfônicas.
A narrativa mítica também serviu de inspiração para
a criação da música Primeira vez, da Dealema, banda de
Hip-hop portuguesa da década de 90. No Brasil, temos
uma famosa canção intitulada Bang Bang, que faz alusão
ao amor lançado por Cupido. A música foi composta por
Eri Carvalho e Edu Luppa, e interpretada pela Compa-
nhia do Calypso, banda do Pará, região norte do Brasil.
Em 2021 a música foi regravada na voz de Pabllo Vittar.
Em determinado trecho da canção, é mencionada a ação
de Cupido: “Penetrou, acertou o meu coração / Bang-bang,
o Cupido me acertou, despertou / provocou amor e paixão”,
uma referência direta à mitologia greco-latina.
Apolo e Dafne continua servindo de inspiração e
recriação de artistas das mais variadas áreas e campos de
atuação, e isso ocorre graças à atemporalidade da narrativa,
que trata de questões intrínsecas ao amor e seus estágios e
evoluções.

31
II. ESTUDO DA METRIFICAÇÃO E DA
TRADUÇÃO DO POEMA

Robson Lucena Carneiro* 32

As Metamorfoses foram escritas, ao longo de seus


quinze mil versos, em um metro chamado hexâmetro dac-
tílico. Os termos advêm do grego, a saber: hexâmetro, de ἓξ
(héx – seis) e de μέτρον (métron – metro, medida); dactílico,
de δάκτυλος (dáktylos – dedo). Então o hexâmetro dactí-
lico, a priori, é um metro que tem seis medidas e que se
relaciona com um dedo.
Tal metro é realmente composto de seis medidas, cha-
madas de pés. Nessa composição, cada pé pode ter duas ou
três sílabas, com as vogais sendo longas e/ou breves em re-
lação à duração de sua pronúncia, a depender do verso. A
sílaba longa é marcada por um macron (representado pelo
símbolo ̄ ) e a breve, por uma brachia (representada pelo

*Graduado em Letras Clássicas, pela Universidade Federal da Paraíba. Mestrando


em Estudos Clássicos e Medievais no Programa de Pós-graduação em Letras –
PPGL-UFPB, na condição de bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico – CNPq. Membro dos grupos de pesquisa RHETOR, e
Poética e Retórica no Mundo Clássico, vinculados ao CNPq. Autor do livro Mito
de Deucalião e Pirra (2020).

32
ESTUDO DA METRIFICAÇÃO E DA TRADUÇÃO DO POEMA

símbolo ̆ ) sobre as vogais. Atualmente não se consegue


mais diferenciar uma e outra, pois a regra de pronúncia
das palavras se pauta em acentos tônicos, como o agudo,
circunflexo etc., e não mais na duração das vogais. Sabe-se
apenas que a longa tem a duração de duas breves.
O verso hexâmetro comporta três tipos de pés. Em pri-
meiro lugar, pode ser um dáctilo: uma sílaba longa seguida
de duas breves ( ̄ ̆ ̆ ). Daí se dá a justificativa de sua nomen-
clatura de dactílico, por se relacionar com um dedo. Pode-
-se fazer uma analogia de que a sílaba longa seria o primeiro
osso do dedo (falange proximal), e as duas breves, os ossos
menores (falanges medial e distal), como no exemplo abaixo.

Em seguida, como uma contração do dáctilo, pode


aparecer um espondeu: duas sílabas longas ( ̄ ̄ ). Por fim,
um troqueu: uma sílaba longa e uma breve ( ̄ ̆ ).
Um hexâmetro, então, é constituído de seis pés, sendo
os cinco primeiros, de duas ou três sílabas cada (espondeus
ou dáctilos), e o último, apenas com duas (espondeus ou

33
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

troqueus). Um hexâmetro dactílico perfeito se compõe de


cinco pés dáctilos e o último, espondeu, pois, em relação a
este último, seu espondeu seria uma junção das duas lon-
gas do dáctilo. No mito de Apolo e Dafne, o verso 458 é
um exemplo:

quī dărĕ cērtă fĕrae̅, dărĕ uūlnĕră pōssŭmŭs hōstī, 458

quī dărĕ | cērtă fĕ | rae̅, dărĕ | uūlnĕră | pōssŭmŭs | hōstī,


1º pé 2º pé 3º pé 4º pé 5º pé 6º pé
Dáctilo Dáctilo Dáctilo Dáctilo Dáctilo Espondeu

Porém, para o metro ser considerado dactílico, o quin-


to pé precisa, necessariamente, ser um dáctilo. Para fazer a
escansão, inicia-se da direita para a esquerda, e separam-se
as duas últimas sílabas para a demarcação do sexto pé. Os
pés não se compõem obrigatoriamente de palavras com-
pletas, por exemplo: no verso 458 citado acima, o primei-
ro pé, um dáctilo, é formado por duas palavras completas
(quī dărĕ); já o segundo pé, também dáctilo, é formado
por uma palavra inteira e a primeira sílaba da seguinte (cēr-
tă fĕ). Nos outros pés, a lógica é a mesma, indicando as
quantidades das vogais e respeitando as imposições foné-
ticas que apareçam no decorrer do verso, tais como elisões
de vogais, crases etc. No mito de Apolo e Dafne, o verso
478 é um exemplo:

34
ESTUDO DA METRIFICAÇÃO E DA TRADUÇÃO DO POEMA

mūltī īllām pĕtĭērē, īllă āuērsātă pĕtēntēs 478

mūltī‿ī | llām pĕtĭ | ērē,‿ī | llă‿āuēr | sātă pĕ | tēntēs


1º pé 2º pé 3º pé 4º pé 5º pé 6º pé
Espondeu Dáctilo Espondeu Espondeu Dáctilo Espondeu

No primeiro e no quarto pés, houve a crase das vogais


i e a, respectivamente. No quarto pé, a vogal de auersata se
sobressaiu em relação à de illa, por causa de sua natureza
longa. No terceiro pé, por sua vez, houve o encontro das
vogais e e i. Dado que ambas são longas, não houve altera-
ção na quantidade da vogal aglutinada.
Como não havia a classificação dos poemas por temas,
mas, sim, através dos metros, então qualquer texto metri-
ficado em hexâmetros era considerado épico. As célebres
obras Ilíada e Odisseia, por exemplo, foram escritas tendo
como base esse tipo de medida. As Metamorfoses, por sua
vez, também são consideradas uma obra épica, em virtude
de seu metro; porém, são colocadas em contraponto com
as obras homéricas, pois estas são uma épica heroica, já a
obra ovidiana, uma épica não-heroica.

35
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

3.1 METRIFICAÇÃO DOS VERSOS

Prīmŭs ămōr Phoe̅bī Dāphnē Pēnēĭă, quēm nōn


fōrs īgnāră dĕdīt, sēd sae̅uă Cŭpīdĭnĭs īră.
Dēlĭŭs hūnc nūpēr, uīctā sērpēntĕ sŭpērbŭs,
uīdĕrăt āddūctō flēctēntēm cōrnŭă nēruō                455
‘quīd’ quĕ ‘tĭbī, lāscīuĕ pŭēr, cūm fōrtĭbŭs ārmīs?’
dīxĕrăt: ‘īstă dĕcēnt ŭmĕrōs gēstāmĭnă nōstrōs,
quī dărĕ cērtă fĕrae̅, dărĕ uūlnĕră pōssŭmŭs hōstī,
quī mŏdŏ pēstĭfĕrō tōt iūgĕră uēntrĕ prĕmēntĕm
strāuĭmŭs īnnŭmĕrīs tŭmĭdūm Pȳthōnă săgīttīs.                460
tū făcĕ nēscĭŏquōs ēstō cōntēntŭs ămōrēs
īnrītārĕ tŭā, nēc lau̅dēs ādsĕrĕ nōstrās!’
fīlĭŭs huīc Vĕnĕrīs ‘fīgāt tŭŭs ōmnĭă, Phoe̅bĕ,
tē mĕŭs ārcŭs’ ăīt; ‘quāntōquĕ ănĭmālĭă cēdūnt
cūnctă dĕō, tāntō mĭnŏr ēst tŭă glōrĭă nōstrā.’                 465
dīxĭt ĕt ēlīsō pērcūssīs āĕrĕ pēnnīs
īmpĭgĕr ūmbrōsā Pārnāsī cōnstĭtĭt ārcĕ
ēquĕ săgīttĭfĕrā prōmpsīt dŭŏ tēlă phărētrā
dīuērsōrŭm ŏpĕrūm: fŭgăt hōc, făcĭt īllŭd ămōrĕm.
(quōd făcĭt, au̅rātŭm ēst ēt cūspĭdĕ fūlgĕt ăcūtā;              470
quōd fŭgăt, ōbtūsŭm ēst ēt hăbēt sŭb hărūndĭnĕ plūmbŭm.)
hōc dĕŭs īn nȳmphā Pēnēĭdĕ fīxĭt, ăt īllō
lae̅sĭt Ăpōllĭnĕās trāiēctă pĕr ōssă mĕdūlās.
Prōtĭnŭs āltĕr ămāt, fŭgĭt āltĕră nōmĕn ămāntĭs

36
ESTUDO DA METRIFICAÇÃO E DA TRADUÇÃO DO POEMA

sīluārūm lătĕbrīs cāptīuārūmquĕ fĕrārŭm                475


ēxŭuĭīs gau̅dēns īnnūptae̅quĕ ae̅mŭlă Phoe̅bēs.
[uīttă coe̅rcēbāt pŏsĭtōs sĭnĕ lēgĕ căpīllōs.]
mūltī īllām pĕtĭērē, īllă āuērsātă pĕtēntēs
īmpătĭēns ēxpērsquĕ uĭrī nem̆ŏră āuĭă lūstrăt,
nēc quĭd Hy̆ mēn, quĭd ămōr, quīd sīnt cōnūbĭă cūrăt.   480
sae̅pĕ pătēr dīxīt: ‘gĕnĕrūm mĭhĭ, fīlĭă, dēbēs’;
sae̅pĕ pătēr dīxīt: ‘dēbēs mĭhĭ, nātă, nĕpōtēs’;
īllă uĕlūt crīmēn tae̅dās ēxōsă iŭgālēs
pūlchră uĕrēcūndō sūffūdĕrăt ōră rŭbōrĕ
īnquĕ pătrīs blāndīs hae̅rēns cēruīcĕ lăcērtīs                485
‘dā mĭhĭ pērpĕtŭā, gĕnĭtōr cārīssĭmĕ,’ dīxĭt
‘uīrgĭnĭtātĕ frŭī! dĕdĭt hōc pătĕr āntĕ Dĭānae̅.’
īllĕ quĭdēm ōbsĕquĭtūr, sēd tē dĕcŏr īstĕ quŏd ōptăs
ēssĕ uĕtāt, uōtōquĕ tŭō tŭă fōrmă rĕpūgnăt:
Phoe̅bŭs ămāt uīsae̅quĕ cŭpīt cōnūbĭă Dāphnēs,       490
quōdquĕ cŭpīt, spērāt, sŭăquĕ īllŭm ōrācŭlă fāllūnt,
ūtquĕ lĕuēs stĭpŭlae̅ dēmptīs ădŏlēntŭr ărīstīs,
ūt făcĭbūs sae̅pēs ārdēnt, quās fōrtĕ uĭātōr
uēl nĭmĭs ādmōuīt uēl iām sūb lūcĕ rĕlīquĭt,
sīc dĕŭs īn flāmmās ăbĭīt, sīc pēctŏrĕ tōtō                495
ūrĭtŭr ēt stĕrĭlēm spērāndō nūtrĭt ămōrĕm.
spēctăt ĭnōrnātōs cōllō pēndērĕ căpīllōs
ēt ‘quīd, sī cōmāntŭr?’ ăīt. uĭdĕt īgnĕ mĭcāntēs
sīdĕrĭbūs sĭmĭlēs ŏcŭlōs, uĭdĕt ōscŭlă, quae̅ nōn
ēst uīdīssĕ sătīs; lau̅dāt dĭgĭtōsquĕ mănūsquĕ                500

37
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

brācchĭăquĕ ēt nūdōs mĕdĭā plūs pārtĕ lăcērtōs;


sī quă lătēnt, mĕlĭōră pŭtāt. fŭgĭt ōcĭŏr au̅rā
īllă lĕuī nĕquĕ ăd hae̅c rĕuŏcāntīs uērbă rĕsīstĭt:
‘nȳmphă, prĕcōr, Pēnēĭ, mănē! nōn īnsĕquŏr hōstĭs;
nȳmphă, mănē! sīc āgnă lŭpūm, sīc cēruă lĕōnĕm,               505
sīc ăquĭlām pēnnā fŭgĭūnt trĕpĭdāntĕ cŏlūmbae̅,
hōstēs quae̅quĕ sŭōs: ămŏr ēst mĭhĭ cau̅să sĕquēndī!
mē mĭsĕrūm! nē prōnă cădās īndīgnăuĕ lae̅dī
crūră nŏtēnt sēntēs ēt sīm tĭbĭ cau̅să dŏlōrĭs!
āspĕră, quā prŏpĕrās, lŏcă sūnt: mŏdĕrātĭŭs, ōrō,                510
cūrrĕ fŭgāmquĕ ĭnhĭbē, mŏdĕrātĭŭs īnsĕquăr īpsĕ.
cuī plăcĕās, īnquīrĕ tămēn: nōn īncŏlă mōntĭs,
nōn ĕgŏ sūm pāstōr, nōn hīc ārmēntă grĕgēsquĕ
hōrrĭdŭs ōbsēruō. nēscīs, tĕmĕrārĭă, nēscĭs,
quēm fŭgĭās, ĭdĕōquĕ fŭgīs: mĭhĭ Dēlphĭcă tēllŭs               515
ēt Clărŏs ēt Tĕnĕdōs Pătărēăquĕ rēgĭă sēruĭt;
Iūppĭtĕr ēst gĕnĭtōr; pēr mē, quŏd ĕrītquĕ fŭītquĕ
ēstquĕ, pătēt; pēr mē cōncōrdānt cārmĭnă nēruīs.
cērtă quĭdēm nōstră ēst, nōstrā tămĕn ūnă săgīttă
cērtĭŏr, īn uăcŭō quae̅ uūlnĕră pēctŏrĕ fēcĭt.                520
īnuēntūm mĕdĭcīnă mĕŭm ēst, ŏpĭfērquĕ pĕr ōrbĕm
dīcŏr, ĕt hērbārūm sūbiēctă pŏtēntĭă nōbĭs.
ei̅ mĭhĭ, quōd nūllīs ămŏr ēst sānābĭlĭs hērbīs
nēc prōsūnt dŏmĭnō, quae̅ prōsūnt ōmnĭbŭs, ārtēs!’
     Plūră lŏcūtūrūm tĭmĭdō Pēnēĭă cūrsū                525
fūgīt cūmquĕ īpsō uērbă īmpērfēctă rĕlīquĭt,

38
ESTUDO DA METRIFICAÇÃO E DA TRADUÇÃO DO POEMA

tūm quŏquĕ uīsă dĕcēns. nūdābānt cōrpŏră uēntī,


ōbuĭăquĕ āduērsās uībrābānt flāmĭnă uēstēs,
ēt lĕuĭs īmpūlsōs rētrō dăbăt au̅ră căpīllōs,
au̅ctăquĕ fōrmă fŭgā ēst. sĕd ĕnīm nōn sūstĭnĕt ūltrā             530
pērdĕrĕ blāndĭtĭās iŭuēnīs dĕŭs, ūtquĕ mŏnēbăt
īpsĕ Ămŏr, ādmīssō sĕquĭtūr uēstīgĭă pāssū.
ūt cănĭs īn uăcŭō lĕpŏrēm cūm Gāllĭcŭs āruō
uīdĭt, ĕt hīc prae̅dām pĕdĭbūs pĕtĭt, īllĕ sălūtĕm;
āltĕr ĭnhae̅sūrō sĭmĭlīs iām iāmquĕ tĕnērĕ                535
spērăt ĕt ēxtēntō strīngīt uēstīgĭă rōstrō,
āltĕr ĭn āmbĭgŭō ēst ān sīt cōmprēnsŭs, ĕt īpsīs
mōrsĭbŭs ērĭpĭtūr tāngēntĭăquĕ ōră rĕlīnquĭt:
sīc dĕŭs ēt uīrgō ēst hīc spē cĕlĕr, īllă tĭmōrĕ.
quī tămĕn īnsĕquĭtūr pēnnīs ādiūtŭs Ămōrĭs,                540
ōcĭŏr ēst rĕquĭēmquĕ nĕgāt tērgōquĕ fŭgācĭs
īmmĭnĕt ēt crīnēm spārsūm cēruīcĭbŭs ādflăt.
uīrĭbŭs ābsūmptīs ēxpāllŭĭt īllă cĭtae̅quĕ
uīctă lăbōrĕ fŭgae̅ spēctāns Pēnēĭdăs ūndās
‘fēr, pătĕr,’ īnquĭt ‘ŏpēm! sī flūmĭnă nūmĕn hăbētĭs,             545
quā nĭmĭūm plācuī, mūtāndō pērdĕ fĭgūrăm!’
uīx prĕcĕ fīnītā tōrpōr grăuĭs ōccŭpăt ārtūs,
mōllĭă cīngūntūr tĕnŭī prae̅cōrdĭă lībrō,
īn frōndēm crīnēs, īn rāmōs brācchĭă crēscūnt,               550
pēs mŏdŏ tām uēlōx pīgrīs rādīcĭbŭs hae̅rĕt,
ōră căcūmĕn hăbēt: rĕmănēt nĭtŏr ūnŭs ĭn īllā.
Hānc quŏquĕ Phoe̅bŭs ămāt pŏsĭtāquĕ īn stīpĭtĕ dēxtrā

39
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

sēntĭt ădhūc trĕpĭdārĕ nŏuō sūb cōrtĭcĕ pēctŭs


cōmplēxūsquĕ sŭīs rāmōs ūt mēmbră lăcērtīs                555
ōscŭlă dāt līgnō; rĕfŭgīt tămĕn ōscŭlă līgnŭm.
cuī dĕŭs ‘āt, quŏnĭām cōniūnx mĕă nōn pŏtĕs ēssĕ,
ārbŏr ĕrīs cērtē’ dīxīt ‘mĕă! sēmpĕr hăbēbūnt
tē cŏmă, tē cĭthărae̅, tē nōstrae̅, lau̅rĕ, phărētrae̅;
tū dŭcĭbūs Lătĭīs ădĕrīs, cūm lae̅tă Trĭūmphŭm               560
uōx cănĕt ēt uīsēnt lōngās Căpĭtōlĭă pōmpās;
pōstĭbŭs Au̅gūstīs ĕădēm fīdīssĭmă cūstōs
āntĕ fŏrēs stābīs mĕdĭāmquĕ tŭēbĕrĕ quērcŭm,
ūtquĕ mĕŭm īntōnsīs căpŭt ēst iŭuĕnālĕ căpīllīs,
tū quŏquĕ pērpĕtŭōs sēmpēr gĕrĕ frōndĭs hŏnōrēs!’            565
fīnĭĕrāt Pae̅ān: fāctīs mŏdŏ lau̅rĕă rāmīs
ādnŭĭt ūtquĕ căpūt uīsă ēst ăgĭtāssĕ căcūmĕn.

3.2 METRIFICAÇÃO DOS VERSOS COM


A SEPARAÇÃO DOS PÉS

Prīmŭs ă | mōr Phoe̅ | bī Dāph | nē Pē | nēĭă, | quēm nōn
fōrs ī | gnāră dĕ | dīt, sēd | sae̅uă Cŭ | pīdĭnĭs | īră.
Dēlĭŭs | hūnc nū | pēr, uīc | tā sēr | pēntĕ sŭ | pērbŭs,
uīdĕrăt | āddūc | tō flēc | tēntēm | cōrnŭă | nēruō             455
‘quīd’ quĕ ‘tĭ | bī, lās | cīuĕ pŭ | ēr, cūm | fōrtĭbŭs | ārmīs?’
dīxĕrăt: | ‘īstă dĕ | cēnt ŭmĕ | rōs gēs | tāmĭnă | nōstrōs,
quī dărĕ | cērtă fĕ | rae̅, dărĕ | uūlnĕră | pōssŭmŭs | hōstī,
quī mŏdŏ | pēstĭfĕ | rō tōt | iūgĕră | uēntrĕ prĕ | mēntĕm

40
ESTUDO DA METRIFICAÇÃO E DA TRADUÇÃO DO POEMA

strāuĭmŭs | īnnŭmĕ | rīs tŭmĭ | dūm Pȳ | thōnă să | gīttīs.           460
tū făcĕ | nēscĭŏ | quōs ēs | tō cōn | tēntŭs ă | mōrēs
īnrī | tārĕ tŭ | ā, nēc | lau̅dēs | ādsĕrĕ | nōstrās!’
fīlĭŭs | huīc Vĕnĕ | rīs ‘fī | gāt tŭŭs | ōmnĭă, | Phoe̅bĕ,
tē mĕŭs | ārcŭs’ ă | īt; ‘quān | tōquĕ ănĭ | mālĭă | cēdūnt
cūnctă dĕ | ō, tān | tō mĭnŏr | ēst tŭă | glōrĭă | nōstrā.’            465
dīxĭt ĕt | ēlī | sō pēr | cūssīs | āĕrĕ | pēnnīs
īmpĭgĕr | ūmbrō | sā Pār | nāsī | cōnstĭtĭt | ārcĕ
ēquĕ să | gīttĭfĕ | rā prōm | psīt dŭŏ | tēlă phă | rētrā
dīuēr | sōrŭm ŏpĕ | rūm: fŭgăt | hōc, făcĭt | īllŭd ă | mōrĕm.
(quōd făcĭt, | au̅rā | tŭm ēst ēt | cūspĭdĕ | fūlgĕt ă | cūtā;            470
quōd fŭgăt, | ōbtū | sŭm ēst ĕt hă | bēt sŭb hă | rūndĭnĕ | plūmbŭm.)
hōc dĕŭs | īn nȳm | phā Pē | nēĭdĕ | fīxĭt, ăt | īllō
lae̅sĭt Ă | pōllĭnĕ | ās trā | iēctă pĕr | ōssă mĕ | dūlās.
Prōtĭnŭs | āltĕr ă | māt, fŭgĭt | āltĕră | nōmĕn ă | māntĭs
sīluā | rūm lătĕ | brīs cāp | tīuā | rūmquĕ fĕ | rārŭm             475
ēxŭuĭ | īs gau̅ | dēns ī | nnūptae̅ | quĕ ae̅mŭlă | Phoe̅bēs.
[uīttă cŏ | e̅rcē | bāt pŏsĭ | tōs sĭnĕ | lēgĕ că | pīllōs.]
mūltī ī | llām pĕtĭ | ērē, ī | llă āuēr | sātă pĕ | tēntēs
īmpătĭ | ēns ēx | pērsquĕ uĭ | rī nem̆ŏ | ră āuĭă | lūstrăt,
nēc quĭd Hy̆ | mēn, quĭd ă | mōr, quīd | sīnt cō | nūbĭă | cūrăt.     480
sae̅pĕ pă | tēr dī | xīt: ‘gĕnĕ | rūm mĭhĭ, | fīlĭă, | dēbēs’;
sae̅pĕ pă | tēr dī | xīt: ‘dē | bēs mĭhĭ, | nātă, nĕ | pōtēs’;
īllă uĕ | lūt crī | mēn tae̅ | dās ē | xōsă iŭ | gālēs
pūlchră uĕ | rēcūn | dō sū | ffūdĕrăt | ōră rŭ | bōrĕ
īnquĕ pă | trīs blān | dīs hae̅ | rēns cēr | uīcĕ lă | cērtīs                485

41
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

‘dā mĭhĭ | pērpĕtŭ | ā, gĕnĭ | tōr cā | rīssĭmĕ,’ | dīxĭt


‘uīrgĭnĭ | tātĕ frŭ | ī! dĕdĭt | hōc pătĕr | āntĕ Dĭ | ānae̅.’
īllĕ quĭ | dēm ōb sĕquĭ | tūr, sēd | tē dĕcŏr | īstĕ quŏd | ōptăs
ēssĕ uĕtāt, uōtōquĕ tŭō tŭă fōrmă rĕpūgnăt:
Phoe̅bŭs ă | māt uī | sae̅quĕ cŭ | pīt cō | nūbĭă | Dāphnēs,           490
quōdquĕ cŭ | pīt, spē | rāt, sŭă | quĕ īllŭm ō | rācŭlă | fāllūnt,
ūtquĕ lĕ | uēs stĭpŭ | lae̅ dēmp | tīs ădŏ | lēntŭr ă | rīstīs,
ūt făcĭ | būs sae̅ | pēs ār | dēnt, quās | fōrtĕ uĭ | ātōr
uēl nĭmĭs | ādmō | uīt uēl | iām sūb | lūcĕ rĕ | līquĭt,
sīc dĕŭs | īn flā | mmās ăbĭ | īt, sīc | pēctŏrĕ | tōtō               495
ūrĭtŭr | ēt stĕrĭ | lēm spē | rāndō | nūtrĭt ă | mōrĕm.
spēctăt ĭ | nōrnā | tōs cō | llō pēn | dērĕ că | pīllōs
ēt ‘quīd, | sī cō | māntŭr?’ ă | īt. uĭdĕt | īgnĕ mĭ | cāntēs
sīdĕrĭ | būs sĭmĭ | lēs ŏcŭ | lōs, uĭdĕt | ōscŭlă, | quae̅ nōn
ēst uī | dīssĕ să | tīs; lau̅ | dāt dĭgĭ | tōsquĕ mă | nūsquĕ              500
brācchĭă | quĕ ēt nū | dōs mĕdĭ | ā plūs | pārtĕ lă | cērtōs;
sī quă lă | tēnt, mĕlĭ | ōră pŭ | tāt. fŭgĭt | ōcĭŏr | au̅rā
īllă lĕ | uī nĕquĕ ăd | hae̅c rĕuŏ | cāntīs | uērbă rĕ | sīstĭt:
‘nȳmphă, prĕ | cōr, Pē | nēĭ, mă | nē! nōn | īnsĕquŏr | hōstĭs;
nȳmphă, mă | nē! sīc | āgnă lŭ | pūm, sīc | cēruă lĕ | ōnĕm,           505
sīc ăquĭ | lām pē | nnā fŭgĭ | ūnt trĕpĭ | dāntĕ cŏ | lūmbae̅,
hōstēs | quae̅quĕ sŭ | ōs: ămŏr | ēst mĭhĭ | cau̅să sĕ | quēndī!
mē mĭsĕ | rūm! nē | prōnă că | dās īn | dīgnăuĕ | lae̅dī
crūră nŏ | tēnt sēn | tēs ēt | sīm tĭbĭ | cau̅să dŏ | lōrĭs!
āspĕră, | quā prŏpĕ | rās, lŏcă | sūnt: mŏdĕ | rātĭŭs, | ōrō,            510
cūrrĕ fŭ | gāmquĕ ĭnhĭ | bē, mŏdĕ | rātĭŭs | īnsĕquăr | īpsĕ.
cuī plăcĕ | ās, īn | quīrĕ tă | mēn: nōn | īncŏlă | mōntĭs,

42
ESTUDO DA METRIFICAÇÃO E DA TRADUÇÃO DO POEMA

nōn ĕgŏ | sūm pās | tōr, nōn | hīc ār | mēntă grĕ | gēsquĕ
hōrrĭdŭs | ōbsēr | uō. nēs | cīs, tĕmĕ | rārĭă, | nēscĭs,
quēm fŭgĭ | ās, ĭdĕ | ōquĕ fŭ | gīs: mĭhĭ | Dēlphĭcă | tēllŭs            515
ēt Clărŏs | ēt Tĕnĕ | dōs Pătă | rēăquĕ | rēgĭă | sēruĭt;
Iūppĭtĕr | ēst gĕnĭ | tōr; pēr | mē, quŏd ĕ | rītquĕ fŭ | ītquĕ
ēstquĕ, pă | tēt; pēr | mē cōn | cōrdānt | cārmĭnă | nēruīs.
cērtă quĭ | dēm nōs | tră ēst, nōs | trā tămĕn | ūnă să | gīttă
cērtĭŏr, | īn uăcŭ | ō quae̅ | uūlnĕră | pēctŏrĕ | fēcĭt.               520
īnuēn | tūm mĕdĭ | cīnă mĕ | ŭm ēst, ŏpĭ | fērquĕ pĕr | ōrbĕm
dīcŏr, ĕt | hērbā | rūm sūb | iēctă pŏ | tēntĭă | nōbĭs.
ei̅ mĭhĭ, | quōd nū | llīs ămŏr | ēst sā | nābĭlĭs | hērbīs
nēc prō | sūnt dŏmĭ | nō, quae̅ | prōsūnt | ōmnĭbŭs, | ārtēs!’
     Plūră lŏ | cūtū | rūm tĭmĭ | dō Pē | nēĭă | cūrsū               525
fūgīt | cūmquĕ īp | sō uēr | bă īmpēr | fēctă rĕ | līquĭt,
tūm quŏquĕ | uīsă dĕ | cēns. nū | dābānt | cōrpŏră | uēntī,
ōbuĭă | quĕ āduēr | sās uī | brābānt | flāmĭnă | uēstēs,
ēt lĕuĭs | īmpūl | sōs rē | trō dăbăt | au̅ră că | pīllōs,
au̅ctăquĕ | fōrmă fŭ | gā ēst. sĕd ĕ | nīm nōn | sūstĭnĕt ūltrā         530
pērdĕrĕ | blāndĭtĭ | ās iŭuĕ | nīs dĕŭs, | ūtquĕ mŏ | nēbăt
īpsĕ Ămŏr, | ādmī | ssō sĕquĭ | tūr uēs | tīgĭă | pāssū.
ūt cănĭs | īn uăcŭ | ō lĕpŏ | rēm cūm | Gāllĭcŭs | āruō
uīdĭt, ĕt | hīc prae̅ | dām pĕdĭ | būs pĕtĭt, | īllĕ să | lūtĕm;
āltĕr ĭn | hae̅sū | rō sĭmĭ | līs iām | iāmquĕ tĕ | nērĕ               535
spērăt ĕt | ēxtēn | tō strīn | gīt uēs | tīgĭă | rōstrō,
āltĕr ĭn | āmbĭgŭ | ō ēst ān | sīt cōm | prēnsŭs, ĕt | īpsīs
mōrsĭbŭs | ērĭpĭ | tūr tān | gēntĭă | quĕ ōră rĕ | līnquĭt:
sīc dĕŭs | ēt uīr | gō ēst hīc | spē cĕlĕr, | īllă tĭ | mōrĕ.

43
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

quī tămĕn | īnsĕquĭ | tūr pē | nnīs ā | diūtŭs Ă | mōrĭs,            540


ōcĭŏr | ēst rĕquĭ | ēmquĕ nĕ | gāt tēr | gōquĕ fŭ | gācĭs
īmmĭnĕt | ēt crī | nēm spār | sūm cēr | uīcĭbŭs | ādflăt.
uīrĭbŭs | ābsūm | ptīs ēx | pāllŭĭt | īllă cĭ | tae̅quĕ
uīctă lă | bōrĕ fŭ | gae̅ spēc | tāns Pē | nēĭdăs | ūndās
‘fēr, pătĕr,’ | īnquĭt ‘ŏ | pēm! sī | flūmĭnă | nūmĕn hă | bētĭs,        545
quā nĭmĭ | ūm plā | cuī, mū | tāndō | pērdĕ fĭ | gūrăm!’
uīx prĕcĕ | fīnī | tā tōr | pōr grăuĭs | ōccŭpăt | ārtūs,
mōllĭă | cīngūn | tūr tĕnŭ | ī prae̅ | cōrdĭă | lībrō,
īn frōn | dēm crī | nēs, īn | rāmōs | brācchĭă | crēscūnt,             550
pēs mŏdŏ | tām uē | lōx pī | grīs rā | dīcĭbŭs | hae̅rĕt,
ōră că | cūmĕn hă | bēt: rĕmă | nēt nĭtŏr | ūnŭs ĭn | īllā.
     Hānc quŏquĕ | Phoe̅bŭs ă | māt pŏsĭ | tāquĕ īn | stīpĭtĕ | dēxtrā
sēntĭt ăd | hūc trĕpĭ | dārĕ nŏ | uō sūb | cōrtĭcĕ | pēctŭs
cōmplē | xūsquĕ sŭ | īs rā | mōs ūt | mēmbră lă | cērtīs              555
ōscŭlă | dāt līg | nō; rĕfŭ | gīt tămĕn | ōscŭlă | līgnŭm.
cuī dĕŭs | ‘āt, quŏnĭ | ām cōn | iūnx mĕă | nōn pŏtĕs | ēssĕ,
ārbŏr ĕ | rīs cēr | tē’ dī | xīt ‘mĕă! | sēmpĕr hă | bēbūnt
tē cŏmă, | tē cĭthă | rae̅, tē | nōstrae̅, | lau̅rĕ, phă | rētrae̅;
tū dŭcĭ | būs Lătĭ | īs ădĕ | rīs, cūm | lae̅tă Trĭ | ūmphŭm            560
uōx cănĕt | ēt uī | sēnt lōn | gās Căpĭ | tōlĭă | pōmpās;
pōstĭbŭs | Au̅gūs | tīs ĕă | dēm fī | dīssĭmă | cūstōs
āntĕ fŏ | rēs stā | bīs mĕdĭ | āmquĕ tŭ | ēbĕrĕ | quērcŭm,
ūtquĕ mĕ | ŭm īntōn | sīs căpŭt | ēst iŭuĕ | nālĕ că | pīllīs,
tū quŏquĕ | pērpĕtŭ | ōs sēm | pēr gĕrĕ | frōndĭs hŏ | nōrēs!’        565
fīnĭĕ | rāt Pae̅ | ān: fāc | tīs mŏdŏ | lau̅rĕă | rāmīs
ādnŭĭt | ūtquĕ că | pūt uī | să ēst ăgĭ | tāssĕ că | cūmĕn.

44
ESTUDO DA METRIFICAÇÃO E DA TRADUÇÃO DO POEMA

3.3 SOBRE A TRADUÇÃO

O caráter de nossa tradução para a língua portuguesa do


texto do mito de Apolo e Dafne, presente nos versos de 452 a
567 do livro I das Metamorfoses, será majoritariamente opera-
cional. Haverá alguns momentos em que não será convenien-
te a exata transposição entre o que está dito em latim e o nosso
idioma, em função de seus diferentes sistemas linguísticos.
O texto utilizado para este estudo e tradução diz
respeito à versão estabelecida a partir de P. Ovidi Nasonis,
Metamorphoses, edição de R. J. Tarrant, Oxford, Clarendon
Press, 2004 (Biblioteca Oxoniensis), presente no livro
apresentado na seção da bibliografia, com a tradução de
Domingos Lucas Dias para o português.
Oustinoff (2011) pontua bem a questão da dificulda-
de do tradutor em fazer seu papel. Nos termos do teórico,
faz-se necessária uma “literalidade bem equilibrada”, para
um bom conhecimento do contexto, das circunstâncias,
da finalidade tradutória etc. Em linhas gerais, depende da
natureza do texto que será traduzido, da língua de parti-
da para a língua de chegada. Além do que, ainda segundo
Oustinoff, a tradução-texto surge com a presença do tra-
dutor, amparado em três aspectos, a saber: a posição tradu-
tória, que é a atividade de tradução; o projeto de tradução, a
maneira de traduzir; o horizonte do tradutor, um conjunto
de parâmetros que o envolvem.

45
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

APOLO E DAFNE
METAMORFOSES, LIVRO I, VERSOS 452-567
TEXTO LATINO

46
METAMORFOSES, LIVRO I, VERSOS 452-567
- TEXTO LATINO

Primus amor Phoebi Daphne Peneia, quem non


fors ignara dedit, sed saeua Cupidinis ira.
Delius hunc, nuper uicta serpente superbus,
uiderat adducto flectentem cornua neruo 455
‘quid’ que ‘tibi, lasciue puer, cum fortibus armis?’
dixerat; ‘ista decent umeros gestamina nostros,
qui dare certa ferae, dare uulnera possumus hosti,
qui modo pestifero tot iugera uentre prementem
strauimus innumeris tumidum Pythona sagittis. 460
tu face nescioquos esto contentus amores
inritate tua, nec laudes adsere nostras!’
filius huic Veneris ‘figat tuus omnia, Phoebe,
te meus arcus’ ait; ‘quantoque animalia cedunt
cunca deo, tanto minor est tua gloria nostra.’ 465
dixit et eliso percussis aere pennis
impiger umbrosa Parnasi constitit arce
eque sagittifera prompsit duo tela pharetra
diuersorum operum; fugat hoc, facit illud amorem.
(quod facit, auratum est et cuspide fulget acuta; 470
quod fugat obtusum est et habet sub harundine plumbum.)
hoc deus in nympha Peneide fixit, at illo
laesit Apollineas traiecta per ossa medullas.
Protinus alter amat, fugit altera nomen amantis,
siluarum latebris captiumque ferarum 475
exuuiis gaudens innuptaeque aemula Phoebes.
[uitta coercebat positos sine lege capillos.]

47
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

multi illam petiere, illa auersata petentes


impatiens expersque uiri nemora auia lustrat,
nec quid Hymen, quid amor, quid sint conubia curat. 480
saepe pater dixit: ‘generum mihi, filia, debes’;
saepe pater dixit: ‘debes mihi, nata, nepotes’;
illa uelut crimen taedas exosa iugales
pulchra uerecundo suffuderat ora rubore,
inque patris blandis haerens ceruice lacertis 485
‘da mihi perpetua, genitor carissime’ dixit,
‘uirginitare frui; dedit hoc pater ante Dianae.’
Ille quidem obsequitur, sed te decor iste quod optas
esse uetat, uotoque tuo tua forma repugnat.
Phoebus amat uisaeque cupit conubia Daphnes, 490
quodque cupit sperat suaque illum oracula fallunt.
utque leues stipulae demptis adolentur aristis,
ut facibus saepes ardent, quas forte uiator
uel nimis admouit uel iam sub luce reliquit,
sic deus in flammas abiit, sic pectore toto 495
uritur et sterilem sperando nutrit amorem.
spectat inornatos collo pendere capillos,
et ‘quid si comantur?’ ait; uidet igne micantes
sideribus similes oculos; uidet oscula, quae non
est uidisse satis; laudat digitosque manusque 500
bracchiaque et nudos media plus parte lacertos;
si qua latent, meliora putat. fugit ocior aura
illa leui neque ad haec reuocantis uerba resistit:

48
METAMORFOSES, LIVRO I, VERSOS 452-567
- TEXTO LATINO

‘nympha, precor, Penei mane! non insequor hostis;


nympha, mane! sic agna lupum, sic cerua leonem, 505
sic aquilam pena fugiunt trepidante columbae,
hostes quaeque suos; amor est mihi causa sequendi.
me miserum, ne prona cadas indignaue laedi
crura notent sentes, et sim tibi causa doloris!
aspera qua properas loca sunt. moderatius, oro, 510
curre fugamque inhibe; moderatius insequar ipse.
cui placeas inquire tamen; non incola montis,
non ego sum pastor, non hic armenta gregesque
horridus obseruo. nescis, temeraria, nescis,
quem fugias, ideoque fugis. mihi Delphica tellus 515
et Claros et Tenedos Patareaque regia seruit;
Iuppiter est genitor; per me, quod eritque fuitque
estque patet; per me concordant carmina neruis.
certa quidem nostra est, nostra tamen uma sagitta
certior, in uacuo quae uulnera pectore fecit. 520
inuentum medicina meum est opiferque per orbem
dicor, et herbarum subiecta potentia nobis.
ei mihi, quod nullis amor est sanabilis herbis,
nec prosunt domino quae prosunt omnibus artes!’
Plura locuturum timido Peneia cursu 525
fugit cumque ipso uerba imperfecta reliquit,
tum quoque uisa decens. Nudabant corpora uenti,
obuiaque aduersas uibrabant flamina uestes,
et leuis impulsos retro dabat aura capillos;

49
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

aucta forma fuga est. sed enim non sustinet ultra 530
perdere blanditias iuuenis deus, utque monebat
ipse Amor, admisso sequitur uestigia passu.
ut canis in uacuo leporem cum Gallicus aruo
uidit, et hic praedam pedibus petit, ille salutem,
alter inhaesuro similis iam iamque tenere 535
sperat et extento stringit uestigia rostro,
alter in ambiguo est an sit comprensus et ipsis
morsibus eripitur tangentiaque ora relinquit;
sic deus et uirgo est, hic spe celer, illa timore.
qui tamen insequitur pennis adiutus Amoris 540
ocior est requiemque negat tergoque fugacis
imminet et crinem sparsum ceruicibus adflat.
uiribus absumptis expalluit illa citaeque
uicta labore fugae spectans Peneidas undas
‘fer, pater’ inquit ‘opem, si flumina numen habetis; 545
qua nimium placui, mutando perde figuram.’
uix prece finita torpor grauis occupat artus;
mollia cinguntur tenui praecordia libro;
in fronden crines, in ramos bracchia crescunt; 550
pes modo tam uelox pigris radicibus haeret;
ora cacumen habet: remanet nitor unus in illa.
Hanc quoque Phoebus amat, positaque in stipite dextra
sentit adhuc trepidare nouo sub cortice pectus,
complexusque suis ramus, ut membra, lacertis 555
oscula dat ligno; refugit tamen oscula lignun.

50
METAMORFOSES, LIVRO I, VERSOS 452-567
- TEXTO LATINO

cui deus ‘at quoniam coniunx mea non potes esse,


arbor eris certe’ dixit ‘mea; semper habebunt
te coma, te citharae, te nostrae, laure, pharetrae.
tu ducibus Latiis aderis, cum laeta Triumphum 560
uox canet et uisent longas Capitolia pompas;
postibus Augustis eadem fidissima custos
ante fores stabis mediamque tuebere quercum.
utque meum intonsis caput est iuuenale capillis,
tu quoque perpetuos semper gere frondis honores!’ 565
finierat Paean; factis modo laurea ramis
adnuit utque caput uisa est agitasse cacumen.

51
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

APOLO E DAFNE
METAMORFOSES, LIVRO I, VERSOS 452-567
TRADUÇÃO EM PORTUGUÊS

52
METAMORFOSES, LIVRO I, VERSOS 452-567
- TEXTO EM PORTUGUÊS

O primeiro amor de Febo33 foi Dafne Peneia34. A ira


cruel de Cupido35 o deu, e não um acaso ignorante.
Délio36, soberbo pela serpente vencida pouco antes37,
tinha visto Cupido curvando as pontas do arco, depois de
puxar a corda para si, e disse: “O que fazes, lascivo menino,
com fortes armas? Tais ornamentos são convenientes aos
nossos ombros38. Nós, que podemos dar golpes certeiros
a uma fera, e dar golpes certeiros para um inimigo. Nós,
que há pouco estendemos com inúmeras flechas a túmida
Píton, que tantas geiras39 premia com o ventre pestífero. Sê
tu contente em provocar pela tua tocha amores que desco-
nheço, e não reivindiques nossas glórias!”
O filho de Vênus40 disse-lhe: “Febo, teu arco fere todas

33 Epíteto de Apolo. Febo (Φοῖβος - Phóibos) significa brilhante, iluminado. O


epíteto também era associado a Ἣλιος (Hélios) – o sol –, avô do deus.
34 Epíteto de Dafne. Significa filha de Peneu, deus fluvial da Tessália.
35 Correspondente latino do deus grego alado, Eros. Cupido é sempre representado
com feições de criança seminua, portando uma aljava com flechas e um arco. O deus
representa o desejo, a paixão, o amor. Em algumas vertentes míticas, Cupido surge
como filho da deusa Vênus.
36 Epíteto de Apolo relacionado à cidade de Delos, onde nasceu.
37 Referência ao mito da Píton (vv. 416-451), serpente descomunal vencida por
Apolo.
38 Optamos por traduzir a expressão latina quid tibi, lasciue puer? (que ipsis litteris
significa o que a ti, lascivo menino?) por o que fazes, menino?, para uma melhor
compreensão. Percebe-se aqui também o emprego da primeira pessoa do plural em
lugar da primeira do singular.
39 Nome dado à antiga medida agrária correspondente a 240 pés de comprimento,
por 120 de largura. Também pode ser considerada como a medida correspondente à
porção de terra lavrada por uma junta de bois, durante um dia. Neste contexto, serve
para medir a proporção da serpente e o tamanho do lugar que ela devastou.
40 Correspondente romana da deusa grega Afrodite. Vênus é a deusa do amor, ligada
à procriação/fecundidade. Em companhia de Cupido, semeia o amor no coração dos

53
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

as coisas; o meu, a ti. E o quanto todos os seres vivos são


inferiores a um deus, tanto é menor tua glória em relação
à nossa”41.
Disse e, rompido o ar pelo bater das asas, posicio-
nou-se veloz no sombroso cume do Parnaso42 e tirou da
aljava sagitífera43 duas flechas de funções diferentes: uma,
afugenta; a outra faz nascer o amor – a que o faz nascer
é dourada44 e reluz, com a ponta aguda; a que o afugen-
ta é obtusa45 e tem chumbo sob a haste. Esta, o deus fin-
cou na ninfa Peneide46; com aquela, por outro lado, feriu
a medula47 de Apolo, ao longo dos ossos, transpassados.
homens e demais seres vivos, impulsionando, assim, a vida. À deusa são atribuídos
elementos como o mirto, aves (pombos e gansos), golfinhos e a estação primaveril,
que tem início no mês de março, no hemisfério norte.
41 Eros é considerado uma força superior na organização do universo, sendo
responsável pela harmonia do cosmos. Seu poder é capaz de subjugar tanto os
mortais quanto os deuses. Eros representa a atadura, o elo que une todas as coisas.
42 Monte localizado na região central da Grécia, na antiga cidade de Delfos. É um
lugar sagrado, por ser considerado uma das moradias do deus Apolo. Aparece em
várias narrativas míticas, como a de Deucalião e Pirra, onde o casal piedoso chegou
após o dilúvio, por ser a maior dentre as montanhas daquele lugar, e a única que não
estava submersa.
43 O adjetivo é derivado de duas palavras latinas: sagitta, que significa flecha, e o
sufixo -fera, proveniente do verbo ferre, que significa levar, portar. A sagitífera,
portanto, é quem leva flechas. Essa aljava é uma espécie de estojo, geralmente
confeccionado com couro, para que as flechas possam ser acomodadas.
44 Proveniente do ouro (aurum). Aqui, Ovídio apresenta uma relação entre os
metais ouro e chumbo, fazendo a distinção de suas cores, em que o ouro representa
a luz, o renascimento; já o chumbo, por ser uma cor escura e opaca, representa a
digressão da luz do ouro. Essa relação já foi tratada por Hesíodo, no mito das cinco
raças, sendo a primeira e mais importante, a raça representada pelo ouro.
45 Flecha de ponta arredondada, que não penetra.
46 Epíteto de Dafne, filha de Peneu.
47 O termo medula aqui é utilizado para enfatizar o quão profundamente foi atingido Apolo.
Para os antigos, a medula e as entranhas eram empregadas como as sedes das emoções.

54
METAMORFOSES, LIVRO I, VERSOS 452-567
- TEXTO EM PORTUGUÊS

Um, imediatamente ama. A outra, foge da qualidade de


amante, imitadora da casta Febe48, e que se contenta com
os esconderijos das florestas e com as peles das feras cativas.
[Uma faixa prendia os cabelos, dispostos sem ordem].
Muitos pretenderam-na; ela, que muitas vezes se afastou
dos pretendentes com repugnância, livre de um homem e
impaciente, percorre bosques inacessíveis e não se interessa
de quem seja Himeneu49, do que seja o amor, do que sejam
os casamentos. Muitas vezes o pai lhe disse: “filha, me de-
ves um genro”; muitas vezes o pai lhe disse: “filha, me deves
uns netos”. Ela, que odeia as tochas conjugais50 como a um
crime, cobrira as belas faces com um vergonhoso rubor, e,
colocando os braços carinhosos no pescoço do pai51, dis-
se: “Permita-me, caríssimo genitor, usufruir da virgindade
perpétua; anteriormente o pai de Diana concedeu isto”.
Ele certamente cede a ti, mas essa formosura te impede
de ser o que pretendes, e tua imagem se opõe a teu voto52.

48 Epíteto de Diana.
49 Himeneu ou Hímen. Algumas vertentes míticas acerca da origem de Himeneu
apontam que ele é filho de uma das Musas com o deus Apolo; em outras, como filho
de Dioniso e de Afrodite. É o deus condutor dos cortejos nupciais e do casamento, a
quem são dedicadas a coroa de flores, as tochas e a flauta.
50 Tochas que representam as núpcias, o casamento.
51 A ação de envolver o pescoço com os braços simboliza um ato de súplica. Outro
exemplo de súplica consiste em segurar os joelhos, tal como o ato da deusa Tétis, no
canto I da Ilíada, quando realizou a súplica a Zeus (vv. 500-510).
52 Entra o discurso direto do narrador para Dafne. Ovídio afirma que, embora o pai
da ninfa tenha lhe concedido seu pedido de manter-se virgem, sua beleza irá contra
este desejo.

55
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

Febo ama e, logo que avista Dafne, deseja ardente-


mente casar-se com ela. O que deseja, espera; seus oráculos
o enganam53.
Assim como são queimadas as leves hastes das espigas
arrancadas, assim como ardem as cercas devido às tochas
que, por acidente, o viajante aproximou excessivamente
ou que deixou para trás, já sob a luz do dia: desse mesmo
modo, o deus se transformou em chamas; desse mesmo
modo, por todo o peito se inflama e, esperando, nutre
um amor infértil. Aprecia seus cabelos sem ornamentos
penderem sobre o colo e diz: “Como seriam, se estivessem
penteados?” Observa-lhe os olhos, cintilantes de fogo54, se-
melhantes aos astros; observa-lhe os labiozinhos, os quais
não foi possível ter observado o suficiente; elogia-lhe os
dedos, as mãos, os antebraços e os braços, mais desnudos
na parte do meio. Se algumas partes estão escondidas, ele
considera como as melhores.
Ela foge, mais rápida do que a leve brisa, e não para
ante estas palavras de quem a chama: “Ninfa, Peneide, eu
te suplico. Espera! Não te persigo como inimigo. Ninfa,
espera!”

53 Apesar de ser o detentor das artes da adivinhação, conforme se observa nos versos
517 e 518, desta vez Apolo foi enganado por seus próprios oráculos e subjugado pelo
amor, ação de Cupido.
54 Os olhos de Dafne estão cintilantes de fogo por refletirem a chama do amor
de Apolo ao vê-la. Também se pode fazer a analogia do brilho do sol, refletido nos
demais astros.

56
METAMORFOSES, LIVRO I, VERSOS 452-567
- TEXTO EM PORTUGUÊS

Como a ovelha foge do lobo, como a corça foge do


leão, como as pombas de asa trepidante fogem da águia,
cada uma foge de seus inimigos55.
“Para mim, a causa de perseguir é o amor. Pobre de
mim! Que não caias, inclinada para frente [pela corrida],
nem os espinhos marquem suas pernas, indignas de serem
feridas, e eu não seja causa de dor para ti! Ásperos são os
lugares por onde te apressas. Rogo-te: corre mais devagar
e detém a fuga, que eu mesmo irei mais devagar. No en-
tanto, busque saber a quem aprecias. Eu não sou um ha-
bitante dos montes, tampouco um pastor. Nem observo,
como um selvagem, rebanhos de animais grandes e peque-
nos nesses lugares. Tu não sabes, temerária, tu não sabes
de quem foges, e por este motivo foges. Servem a mim a
região Délfica56, Claros57, Tênedos58 e o palácio Patareu59.

55 Dafne foge de Apolo por vê-lo como inimigo, tal como os animais citados. Nesta
versão da tradução, entendeu-se que o excerto dos versos de 505 à primeira parte do
507 trata-se de uma intervenção direta do autor, em que compara a fuga de Dafne
à relação de presa e predador no mundo animal. Infere-se isto, dado que nos textos
originais não havia pontuação e, assim, não se constitui em erro atribuir tais versos
à fala do narrador, em vez de atribuí-las à fala de Apolo, conforme consta na edição
utilizada. Nos versos de 533 a 539, ocorre outro exemplo de intervenção direta do
autor, através de símiles, para comparar a corrida de ambas as personagens com a
ação predatória, recorrente no reino animal.
56 Refere-se à cidade de Delfos, famosa por ser a localização do templo e do oráculo
de Apolo.
57 Cidade da Grécia, sede de um dos oráculos de Apolo.
58 Ilha do Mar Egeu, na qual há um templo dedicado a Apolo.
59 Cidade de Pátara, localizada na costa da Lícia, no sul da Ásia Menor, hoje
Anatólia. O lugar ganhou fama na Antiguidade devido ao famoso oráculo de Apolo.
Por conta disso, o deus recebeu o epíteto de Patareu,como podemos observar no
verso 64 da Ode IV, do livro III das Odes de Horácio: Delius et Patareus Apollo..

57
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

Meu genitor é Júpiter. Através de mim se manifesta o que


é, o que foi e o que será60; através de mim, os cantos se har-
monizam com as cordas da lira61. Sem dúvida, certeira é
a nossa flecha; no entanto, há uma mais certeira do que
a nossa, que me causou feridas no peito, livre de amor. A
medicina é meu invento, e por todo o orbe sou chamado
opífero62, e, sujeito a nós, o poder das plantas. Ai de mim,
porque o amor não é curável com nenhuma planta, e as
artes que são úteis a todos não são úteis ao dono!63”
Com a receosa corrida, Peneia foge daquele que lhe
há de falar várias coisas. Por um lado, ela deixou para ele
palavras incompletas; por outro, ela ainda lhe pareceu
formosa64. Os ventos desnudavam os corpos, e os sopros
que vinham ao encontro sacudiam as vestes, contrárias.
E uma leve brisa lançava para trás os cabelos agitados. A
beleza foi aumentada com a fuga.
Mas o jovem deus realmente não suporta mais perder

60 Apolo é um deus associado aos oráculos. Era procurado por aqueles que buscavam
uma resposta. Por isso, ele manifestava o passado, presente e futuro.
61 Apolo era também o deus da música. Por isso, a associação à lira: instrumento de
corda, comumente tocado pelos poetas durante suas declamações de poesia.
62 O adjetivo é derivado de duas palavras latinas: ops, que significa auxílio, assistência,
e o sufixo -fero, proveniente do verbo ferre, que significa levar, portar. Opífero,
portanto, é quem leva auxílio. Mais um dos epítetos de Apolo, também conhecido
como deus da cura e da medicina.
63 Apesar de ser o detentor da medicina natural, Apolo não consegue curar o amor
que Cupido lhe causou.
64 Dafne continua a corrida e não corresponde às investidas de Apolo. Apesar da
rejeição, o deus mantém seu desejo vivo por ela.

58
METAMORFOSES, LIVRO I, VERSOS 452-567
- TEXTO EM PORTUGUÊS

palavras ternas, e, como o próprio Amor65 lembrava-lhe,


ele segue os vestígios com passo apressado. Como um cão
gálico66, quando vê uma lebre em campo aberto, ele confia
aos pés a presa, e ela, a salvação: um, semelhante a quem há
de capturar, espera já já possuí-la, e aperta os passos com o
focinho estendido; a outra está na incerteza se tenha sido
agarrada e pelas próprias dentadas é apressada e deixa para
trás as faces que a tocam. Assim são o deus e a virgem: este,
célere pela esperança; ela, pelo temor.
No entanto, aquele que persegue, auxiliado pelas asas
do Amor, é mais rápido e nega o descanso. Aproxima-se
das costas daquela que foge e aspira-lhe o cabelo disperso
sobre os ombros.
Findadas as forças, ela empalideceu. Vencida pelo es-
forço da fuga veloz, observando as águas Peneidas67, diz:
“Pai, concede-me recursos, se vós, os rios, possuís poder
divino! Destrói a forma de que tanto me agradei, mudan-
do-a!68”. Terminada a prece, logo invade-lhe os membros
grave torpor; os seios macios são envoltos por uma tênue
casca; os cabelos crescem para fronde, e os braços, para ra-
mos; o pé, há pouco tão veloz, fica preso por raízes imóveis;
a copa possui as faces. Dela, só o brilho permanece.

65 Cupido.
66 Adjetivo pátrio, para designar algo, ou alguém, proveniente da Gália, antiga região
da França povoada pelos gauleses e que serviu de província ao Império Romano.
67 Águas do rio Peneu, pai de Dafne.
68 Dafne pede que a forma com a qual agradou Apolo seja mudada, metamorfoseada.

59
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

Esta, Febo ama do mesmo modo. Colocada a destra


no tronco, ele ainda sente trepidar o peito sob a nova cas-
ca. E, abraçado aos ramos – seus braços como membros –,
dá pequenos beijos na madeira; a madeira, no entanto, se
desvia dos pequenos beijos69. Disse-lhe o deus: “Mas, por-
que não podes ser minha esposa, minha árvore certamente
serás; a ti, loureiro, sempre terão a cabeleira, a ti terão as cí-
taras70, a ti, nossas flechas. Tu estarás presente nos generais
Latinos, quando a alegre voz cantar o Triunfo71 e o Capi-
tólio vir as longas procissões72. Do mesmo modo, ó fidelís-
sima guardiã, estarás de pé nos umbrais Augustos, ante às
portas, e guardarás a coroa de folhas de carvalho73 no meio.
69 Pela palavra tronco entende-se que ainda há resquícios do corpo de Dafne, pois
é uma parte presente tanto no corpo humano quanto na árvore. É o início da
transformação. Em seguida, ao utilizar o termo casca, percebe-se a transformação
ocorrendo - a pele agora é casca. Por fim, a ninfa está completamente transformada
em árvore. Sendo assim, refere-se a ela como madeira.
70 Antigo instrumento musical, de cordas, da família da lira, alaúde etc. O
instrumento era utilizado por poetas e rapsodos. Também era utilizado para
acompanhar danças e cantos líricos. Segundo a tradição, a cítara foi criada por
Apolo. Além do deus Apolo, a poetisa Safo de Lesbos também é associada à cítara.
71 O triunfo diz respeito a uma cerimônia civicorreligiosa dos romanos, em que se
homenageava de forma pública os comandantes militares, quando retornavam de
um feito bem-sucedido, a fim de exaltar a vitória. Assim, dentre as partes de sua
indumentária, o general usava uma coroa de louros na cabeça.
72 O Capitólio, ou monte Capitolino, é uma das sete colinas em que se fundou a
cidade de Roma. Neste monte havia primeiramente um altar, e depois de um tempo
foi erigido o Templo de Júpiter Capitolino, dedicado aos deuses da tríade capitolina
(Júpiter, Minerva e Juno). Este templo era o destino final das procissões celebradas
por ocasião dos triunfos romanos, em cortejos pomposos. Nelas havia o uso de
música, incenso e flores, e era acompanhada pelos magistrados, soldados, escravos,
dentre outros.
73 Gaius Iulius Caesar Octavianus Augustus, mais conhecido por “César Augusto”,
foi o fundador do Império Romano. Nasceu a 23 de setembro de 63 a.C. e morreu
em 19 de agosto de 14 d.C.. Pertentence à dinastia Júlio-Claudiana, Augusto foi

60
METAMORFOSES, LIVRO I, VERSOS 452-567
- TEXTO EM PORTUGUÊS

E, assim como minha cabeça juvenil é de cabelos intonsos,


tu, também, traze contigo as honras perpétuas da fronde”.
Findara Peã74. O loureiro assentiu com os ramos feitos
há pouco e pareceu ter agitado como uma cabeça a copa.

considerado herdeiro no testamento deixado pelo seu tio avô, Júlio César, assassinado
em 44 a.C., e assumiu o poder em 16 de janeiro de 27 a.C. até 19 de agosto de 14 d.C.,
ano de sua morte. Junto a Marco Antônio e Lépido, Augusto formou o Segundo
Triunvirato e derrotou os assassinos de César. Durante seu império, Augusto
promoveu a Pax Romana, ao afastar Roma, por quase dois séculos, de conflitos em
larga escala. Obteve a permissão de colocar na porta de sua casa a corona civica (coroa
cívica), feita de carvalho, como também a de colocar coroas de louros nos umbrais.
Estes pontos serviam para denotar a preeminência daquele local.
74 O Peã (Paean, do grego Παιάν - Paián) é um hino em honra ao deus Apolo,
comumente cantado por um vencedor ao final de uma competição. Neste trecho, o
próprio deus é chamado com este nome.

61
VI. ICONOGRAFIA

POETA OVÍDIO COM COROA DE LOURO NA CABEÇA

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Metamorfoses#/media/
Ficheiro:Latin_Poet_Ovid.jpg. Em domínio público.

62
iconografia

APOLO BELVEDERE, SÉC. IV A.C., ESCULTURA EM


MÁRMORE ATRIBUÍDA AO ARTISTA GREGO LEOCARES

]]]]

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Apolo#/media/
Ficheiro:Belvedere _Apollo_Pio-Clementino_Inv1015.jpg. Em
domínio público.

63
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

CUPIDO, SÉC. XIX, DE WILLIAM-ADOLPHE BOUGUEREAU

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cupido#/media/
Ficheiro:William-Adolphe_Bouguereau_(1825-1905)_-_Love_
on_the_Look_Out_(1890).jpg. Em domínio público

64
iconografia

DIANA, SÉC. XVII, ESCULTURA EM MÁRMORE DE


GUILLAUME COUSTOU

Fonte: Fotografia de Hamilton Sérgio Nery de Medeiros. Ano: 2023.

65
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

APOLO E DAFNE, SÉC. XV, DE ANTONIO DEL POLLAIUOLO

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Antonio_del_Pollaiuolo#/
media/File:Piero_del_Pollaiolo_(attr.)_Apollo_and_Daphne.jpg.
Em domínio público.

66
iconografia

APOLO E DAFNE, SÉC. XVII, DE FRANCESCO ALBANI

Fonte: https://es.wikipedia.org/wiki/Apolo_y_Dafne_(Albani)#/
media/Archivo:Apollo_Daphne_Albani_Louvre_INV18.jpg.
Em domínio público.

LOUREIRO

Fonte: https://www.pinterest.dk/pin/309552174362270060/.

67
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

AURORA

Fonte: Fotografia de Robson Lucena Carneiro. Ano: 2021.

NASCER DO SOL

Fonte: Fotografia de Robson Lucena Carneiro. Ano: 2021.

68
iconografia

ALJAVA

Fonte: https://www.pinterest.co.uk/pin/360569513917603348/

LIRA

Fonte: https://br.pinterest.com/pin/296815431675750832/

69
OVÍDIO • APOLO E DAFNE

CÍTARA

Fonte: https://musicaparaver.org/instrumentuak/1261

70
iconografia

REPRESENTAÇÃO DO MITO DE APOLO E DAFNE. PINTURA


EM AQUARELA (2021), DE HAMILTON SÉRGIO NERY DE
MEDEIROS

71
VII. REFERÊNCIAS

PRINCIPAIS OBRAS:

APOLODORO. Biblioteca mitológica. Traducción, introducción


y notas de Julia García Moreno. 3ª ed. Madrid: Alianza editorial,
2016.
ARISTÓTELES. A Política. Tradução de Nestor Silveira Chaves.
1ª ed. São Paulo: Editora La Fonte, 2017.
BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Tradução do Novo Mundo.
São Paulo: Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 2015.
BRANDÃO, Jacyntho Lins. Ao Kurnugu, terra sem retorno.
Descida de Ishtar ao mundo dos mortos. Tradução, introdução e
estudo de Jacyntho Lins Brandão. 1ª ed. Curitiba: Kotter Ediorial,
2019.
CASSIRER, Ernest. Linguagem e mito. Tradução de J. Guinsburg,
Miriam Schnaiderman. 4ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2013.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. Tradução de Rogério
Fernandes. 1ª ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1992.
HESÍODO. Teogonia: a origem dos deuses. Estudo e tradução
de Jaa Torrano. 2ª ed.; 6ª reimpressão. São Paulo: Illuminuras Ltda,
2017.
HOMERO. Ilíada. Tradução e prefácio de Frederico Lourenço;
introdução e apêndices de Peter Jones. 1ª ed. São Paulo: Penguin
Classics Companhia das Letras, 2013.
HOMERO. Odisseia. Tradução e prefácio de Frederico Lourenço;
introdução e notas de Bernard Knox. 1ª ed. 4ª reimpressão. São
Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2016.

72
NOVAK, Maria da Glória; NERI, Maria Luiza. Poesia lírica latina.
Organização de Maria da Glória Novak e Maria Luiza Neri. 3ª ed.
São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003.
OUSTINOFF, Michaël. Tradução: história, teorias e métodos.
Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola Editorial,
2011.
OVÍDIO. Amores e Arte de amar. Tradução, introdução e notas
de Carlos Ascenso André; prefácio e apêndice de Peter Green. São
Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011.
OVÍDIO. Fastos. Tradução de Márcio Meirelles Gouvêa Júnior. 1ª
ed. Belo Horionte: Editora Autêntica, 2015.
OVIDIO. Le Metamorfosi. Cura e traduzione di Mario Scaffidi
Abbate. 1a ed. Roma: Newton Classici, 2011.
OVÍDIO. Metamorfoses. Tradução, introdução e notas de
Domingos Lucas Dias; apresentação de João Angelo Oliva Neto. 1ª
ed. São Paulo: Editora 34, 2017.

DICIONÁRIOS:

BAILLY, Anatole. Dictionnaire Grec-Français. Édition revue par


L. Séchan et P. Chantraine. 4ª ed. Paris: Hachette, 2000.
GAFFIOT, Félix. Dictionnaire Latim-Français. 9ª ed. Paris:
Hachette, 2001.
GRIMAL, Pierre. Dicionário da mitologia grega e romana.
Tradução de Victor Jabouille. 5ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2005.
URBINA, José María Pabón de. Diccionario Manual Griego -
Griego Clásico - Español. Barcelona: Editora Vox, 2014.

73
LINKS:

BEZERRA, Juliana. Renascimento: características e contexto


Histórico. Toda Matéria. Disponível em: https://www.
todamateria.com.br/renascimento-caracteristicas-e-contexto-
historico/. Acesso em: 15 de nov. 2021.
GUIMARAES, Mariângela Areal. O corporal e o incorporal
na ontologia estóica. Disponível em: https://www.academia.
edu/1015612/O_corporal_eo_incorporal_na_ontologia_
est%C3%B3ica. Acesso em 14 jul. 2020.
MAINGON, Claire. Le Baroque en 2 minutes. Beauxarts.
Disponível em: https://www.beauxarts.com/encyclo/le-baroque-en-
2-minutes/. Acesso em 15 de nov. 2021.
OVÍDIO. Medicamina faciei femineae. Disponível em:
https://www.hsaugsburg.de/~harsch/Chronologia/Lsante01/
Ovidius/ovi_medi.html. Acesso em: 15 jun. 2019.
PENNA, Heloísa. Odes romanas. Disponível em: http://www.
letras.ufmg.br/padrao_cms/documentos/eventos/vivavoz/Odes%20
Romanas_interativo.pdf. Acesso em 13 de ago. 2021
PLATÃO. Timeu. Disponível em http://www.perseus.tufts.
edu/hopper?doc=Plat.+Tim.+41&fromdoc=Perseus%3Atex-
t%3A1999.01.0179. Acesso em: 15 jun. 2019.
RIBEIRO JR., Wilson A. Limênio / Hino a Apolo Délfico nº
2. Portal Graecia Antiqua, São Carlos. Disponível em: https://
greciantiga.org/arquivo.asp?num=1019. Acesso em 12 de mai.
2021.
TERTULIANO. De cultu feminarum. Disponível em: https://
thelatinlibrary.com/tertullian/tertullian.cultu.shtm. Acesso em: 30
ago. 2021.

74
VIII. O LECTIO CLASSICA

Este livro é uma produção do Lectio Classica, grupo


independente voltado às Línguas e Literaturas greco-latinas.
O grupo foi criado em 2020 por graduados(as) e graduandas
em Letras Clássicas (UFPB) e por mestrandos em Estudos
Clássicos e Medievais (PPGL-UFPB), como uma alternativa
de continuidade aos seus estudos de temas do universo grego e
latino durante o período pandêmico. Com reuniões semanais,
os integrantes promovem leituras, estudos e traduções de obras
literárias grecorromanas. Nas redes sociais do Lectio Classica são
publicados conteúdos aos interessados na temática supracitada.
Para conferir, acesse: https://linktr.ee/LectioClassica

75
IX. OS AUTORES

HAMILTON SÉRGIO NERY DE MEDEIROS


Possui Licenciatura em Letras Clássicas (grego e latim) - UFPB;
aluno do Mestrado em Letras, na linha de pesquisa em Estudos
Clássicos e Medievais - PPGL-UFPB.

JAQUELINE RAYANE DE MOURA LIMA


Aluna concluinte da Licenciatura em Letras Clássicas (grego e
latim) - UFPB.

LISANDRA DIAS
Aluna egressa da Licenciatura em Letras Clássicas (grego e
latim) – UFPB.

LUCIENE VIANA DE BRITO


Aluna concluinte da Licenciatura em Letras Clássicas (grego e
latim) - UFPB.

ROBSON LUCENA CARNEIRO


Possui Licenciatura em Letras Clássicas (grego e latim) - UFPB;
aluno do Mestrado em Letras, na linha de pesquisa em Estudos
Clássicos e Medievais - PPGL-UFPB.

76
77

Você também pode gostar