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Império

Bizantino
Jr.e
'rioFranco
deOliveira
Andrade

107

br silien e
Copyright © Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade
Filho

Responsável editorial:
Lilia Moritz Scbwarcz

Capa:
"O Todo-Poderoso", mosaico do séc. XI.

Revisão: lNDICE
Mârcia Takeuchi
Elisabeth Tasiro

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
As estruturas religiosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
As estruturas políticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
~estruturas econômicas ................... ,j8__
As estruturas sociais ........... -.. . . . . . . . . . . . 63
As estruturas culturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
O legado de Bizâncio ....... ; . . . . . . . . . . . . . . . 92
Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
Indicações para leitura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

lrP
Editora Brasiliense S.A.
R. GeneralJardim, 160
01223 - São Paulo - SP
Fone (011)231-1422
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INTRODUÇÃO

Ao se pretender dar uma visão geral, simples


\ mas rigorosa, do Império Bizantino, o primeiro pro-
blema que se coloca é quanto ao seu próprio nome.
De fato, é essencial lembrar que "bizantino" não tem
conotação étnica, mas civilizacional, correspondendo
aos indivíduos de fala grega (ainda que seu idioma

• matemo fosse outro) e religião cristã ortodoxa. As-


sim, tal grupo de indivíduos (racialmente gregos,
egipcios, asiáticos, semitas, eslavos) variou ao longo
da história bizantina, conforme as alterações terri-
toriais e/ ou religiosas ocorridas no império. Por
exemplo, grande parte da população do Egito e da
Síria, grupo humano dos mais importantes nos pri-
meiros séculos da vida de Bizâncio, ao ser submetida
pelos árabes ~ulmanns, mudando conseqüente-
mente seu idioma e sua religião, perdeu a condição
de bizantino. Ou melhor, de rhomaioi ("romanos"),
pois eles assim se c~msideravam. De fato, o termo
8 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filho O ImpérioBúantino

"bizantino" foi vulgarizado apenas a partir do século JJSCUlativos.herdei!"os das antigüissimas.., religiões
XVI, depois do desmembramento do império, que egípcio-mesopotâmicas e da filosofia grega, o cristia- \/'
em vida se via como herdeiro e continuador do lm- ~ii"ãi>~iii.es.m~
nli_iii9- t~_!l!PO
f~tlJ_ede sentimento e de~~ p
·pério Romano. re!l,~x~9~_forisso envolvia a todos: -a pàlãvrI.iregll ,, 1t\~
Num certo sentido isso era verdadeiro, pois aqui- "igreja" tinha lá seu sentido literal, ãe comumdade;- ti . ,,) ·
lo que se tomou conhecido por Império Bizantino era -~Ígní§_candoo c_2njunjodosJiéis_,m~rto~ e:vi~os.Pará í)
na origem o Império Romano do Oriente ( Grécia, os ocide_ntais,de esp!}ito mais _pragmático, por m_yjto ·
Egito, Siria-Palestina, Mesopotâmia, Ásia Menor). tempo-ª reljglão foi vista como uma espécie de_prá-
E realmente, como Roma, Bizâncio uniu através de Í!~~jná •• ~ não podena_~~Lobi~to deisfu.dôé __
uma língua e uma determinada maneira de sentir e _ ~!>ªJç~, & pa_!!_eles Igreja design!!_!. hierarquia :
de pensar, povos que nada tinham de comum entre ~do!!L-o &!J!Pº d~essoa~e monopolizava a
si. Como os anfüms '!egos e romanos, os b~~ntinos comunic~ e a negociaçã_!Ufertilidade,sáúde;-n- O
corisiaeravam-se=osÍucõs l1âbitãrites':i}Q~mundocivi~ ~a, ~6ria,Elvação) C.Q!llJ)e~s. :J- - -
liiadO;--rotufan<IO.de.bi\ifiw todos os_que nãô--par- Contudo, os ocidentais não podiam deixar de se
ãoíóngo de sua
tfiiiãvani'-de süa· cülfiira:-ciiritff<lõ; espantar diante do esplendor de Constantinopla. Re-
extensa históriã, aê 33Cfâ 1453, aquele Estado foi aos velando surpresa, o cronista francês participante da
pou,cos mesclando suas raizes latinas com os ele- Quarta Cruzada confessou: "não creio que nas 40 ci-
mentos greco-orientais há muito enraizados naqueles dades mais ricas do mundo houvesse tantos bens
territórios, surgindo assim uma civilização nova, ori- como se encontraram em Constantinopla". De fato,
ginal, com personalidade própria. Por i§~,Jne~mo, a velha colônia grega de Bizâncio, criada no século
com o Ocidente qie9içv.al
s11!5 !'f'.ll-ªçQes sempre TtlraIJ?. VII a.C., fora refundada em 330 e tomada capital
dificeis. A língua grega, uma vida material fausfQfill, pelo imperador Constantino devido à sua excepcional
uina culfüiãrefiiiadã, a çoncepção de um imperador localização. Colocada entre a Europa e a ÃsiaJodo o
visto como vice-rei de Deus, eis âiguns dos elementos trânsito do mar Negro para9-Íriar Mêdiforrâneo 9hri-

inconcebíveis pafa osocidentais que os afastava aos gãlõnamente .deveria Jlil.iiar .1>.m·_-ali.Estraiegica-
,~ bizantinos. - mente, à cidacle também era privilegiada, apresen-
Mesmo aquilo que poderia ser o_grande_ponto tando condições naturais que facilitavam sua defesa.
de contato, acabou J~(}~'?._Sisolar irremediavelmet:1!~= Assim, não é de se espantar que Constantinopla
o cristianismo. Elemento central nas duas civ11iza- tenha provavelmente se aproximado de ynunilhiQde
a
ções, · religÍão era vista, professada, sentida, de ma- h-ªbitantes. (no mesmo momento em que Roma ou
neiras düerentes. Para os orient~ds, sem_premais es- Paris não passavam de 20 000) e tenha sido por sé-
10 Hilário Francó Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filho O Jmpmo Bizantino 11

culos um dos maiores centros urbanos do mundo. Aí melhor compreensibilidade da realidade histórica bi-
a atividade cultural era naturalmente intensa, e o zantina. Desta forma, deve-se ter sempre em mente
Ocidente apesar de seus preconceitos e res~st~n~ias - e em função disso há propositalmente repetições
acabou absorvendo· muito -õã culhifif bizantina/Por de um capitulo para outro - que na verdade todas
exenii>Iõ;··até·o-séêüloXII a arte-õcT<lentàfsegtiiu, às aquelas estruturas não existiam de maneira isolada.
vezes muito de perto, modelos bizantinos, como na Apenas a articulação entre elas nos permite entender
igreja que Carlos Magno mandou erguer em Aix-la- de forma adequada o que foi o Império Bizantino.
Chapelle 01.1na catedral de São Marcos, em Veneza/
Inúmeras vezes, em quase toda Europa, igrejas, mos-
teiroi;-palacío~ 'êstátiia.s;"piiituyas, iluminuras, f~
ram inspiradas na produção artística de Bizâncio/O
direito romãnó 1 que a pr6pna Itália esquecera du-
rante a Altà"-iêtadeMédiã;Toiredespertado ..no Oéí-
dente através da.compilação. e -sistematizaç_!'!.q_!!e
dele mandara fa~r _o imperador bizantino Ju§tigiil-
~:-x-nca· fil~~~_,grega pe~OU 1!~~~a C?5~
graçasa B~JP. mdiret@:.m.~11te no caso de Anst6-
teles (por inte!1:!}_Ç,4iCUWJ.J!lllçul1_11~n~s,Jbéri~~s),
di-
retamente ii:ode Plat~~~- _tjª11çiª<!!. Antiguidade,
esquecida por longo temj>~tpeloscristãos ocidentais,
seguiu o mesmo camiI,!_ho.Enf:in\....Pizânªo forneceu
o 'material índispensável Pa.ta..Q.UeaEuropa .~ .sobre-
tudo a Itália, por sua proximidade geográfica e suas
relações mais freqüentes coni os .biiantinos --"'.,pro-
duzisse o Renascimento dos séculos XV-XVI e com
ele entrasse na Modernidade.
Procurando examinar o significado histórico de
Bizâncio, e não simplesmente o desenrolar linear de
seus fatos, cada capitulo deste livro corresponde a
uma das estruturas básicas da vida do império. Claro
está, que tal divisão é apenas formal, visando uma
1 -Q' r~~ e.~~ r\J>~e,).»~ {:

O Império Bizantino &, C.:r◊• (·Üc· ~~ t,o~ 13

sua razão de s~r -:- u.91a_ytecipaçãe Bmo2 do ç


.~ uma cópia 1Dlperfeita mas que preparava os
homens para Aquele. Para tanto deveria ser justo· e
crente, mas, e assim os bizantinos explicavam o fra-
casso político do império, como ele fora dominado
pelo pecado, Deus puniu essa cópia terrestre que se
afastara demais do modelo celeste, destruindo-a, ..
-~ssa import~ncia cem~ religião_!!~~
AS ESTRUTURASRELIGIOSAS monstrada. P.ºr tres fatores; .i__sxt~nslo.e inflneoçi:·-
<l;ase~truturas 9,!;lesi\s!i~-~--ªi~~~~~~ e exaliada~l?!-
ntualidade popular, as mumeras controvérsias teoló-
iicas_.~<>mnes0,dos de~dobr.i_uijenfoli. P.QÜtjçOs·~e"'s
Indiscutivelmente, o homem, e portanto a His- _ç~Jiís, No primeiro caso, o papel desempenhado pêfa
tória, é uma globalidade, com suas atividades, an- hierarquia clerical na vida do império dependia mui-
seios, necessidades, sentimentos, existindo uns em to da figura de seu chefe, o patriarca de Constanti-
função dos outros, formando um todo. Assim, qual- nopla. Contudo, desde suas origens ele esteve intima-
quer análise centrada sobre a economia, a política, ã mente ligado ao poder imperial. Já em 3§1, no Se-
a.Pi:
culturão1i"outra mãriITeslâçã,fhüníãiia, deco~ __ gundo Concílio E~:u!!l~J!!C.'JLJ?Or p_~~ do ~mt
rias de . únia· ·necêssídaae .metõõó16gica. Contudo, l"~clQrestabeleceu-~_ que "por··seraNova Roma, o_
cada socie<\adeparece; dentro· de··suã totalidade his- bisp~ _de C~nstantinopla re<!e~e-~â. ·_a.s_honraslogo_a 1
tórica, enfatizar um de seus elementos constitutivos, seguir ao bispo de Roma'': Tsto é, por sua posição ·
que funciona então como articulador do conjunto. política a diocese da nova capital ganhav~ nrim .. -~..
No caso do Império Bizantino, tal fator sem dú- sobre as de Alexandria, Antioquia e Jerusalém, ~
vida era a religião, que fornecia.a fundamentlão. êio sar destas terem sido fund~as~~ap~~~~ ..A~
a a . ontrário do que ocoma no êídente, onde au-
~ de uma força política permitia ao Papado e-
poder imperiãt, niotivaçã~ 6"ãs1cae a JtistFcativa
Cla-politicaexteriõr;-·õstemãse o signmcadÕaapro-
duçãocultural. Era eia que ãbsÕrvfa. pârte Cõnslde- senvolver-se como um poder independente, em Bi-
rãvel dos recursos econômicos, que determinava o z~cio
- ·•·· ·ºJ:,_atriarcado
-.... a·-··-·-•-··· desde
- seu início ..··--- esteve
.,,._,,-coe
atrelá.do
,~···-·--·-:--··--~
cotidiano dos indivíduos do nascimento à morte. Mais ~o 1!!1J>eraor.
do que isso, o Império era -,- daí sua importância e Este fazia a própria c;scolhado patriarca .a partir·
de uma
----
JisJª-. triplice elaborada por
-·-·· ·----------"'""'-"'"""-·lõ:·--- ·-- ---·
um sínOdo,
~ ,..
mas
14 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade · Filliá - O Império Bizantino 1S

freqüentemente acabava por indicar um quarto no- · perial de fins do século IX reconhecia que "o pa-
me, totalmente de sua confiança. Em função disso,. triarca é a imagem viva de Cristo". Por tudo isso, a
algumas vezes foram indicados laicos, que ocuparam concórdia entre o imperador e o patriarca era vista
o mais alto posto da hierarquia eclesiástica sem ja- como condição básica para o bem-estar espiritual e
mais terem anteriormente feito parte dela. Mas tal material dos bizantinos.
intervenção dos,soberanos
..... ,.......
..
nos negócios da Igreja era
...~•-.-•·•--·---~
.....- .
Abaixo do___pªqiJ!!ça na hierarquia_.f!~riçaj~
cõnsi~~~~timll_, .P!~!n~_porque, c~mo nos c~n- via, no século _){! __
pêrtO de. seis ce~tenas de bi~..Q~.~
ta um cronista do século XII, eles se Julgavam os ..~9!!~
.a!~~l:,ísP.<:>~ po~ª vez control,g_am~e.s qe
intérpretes infalíveis das cois~~-ª1,vfu~f:inurfümãs, pároc_gs.Q valor moral e cultural daquele vasto corpo
episcopal naturalmente variou conforme as épocas e
iit~é::;:~~ül:a?:~titl1l!°re:tfJ~: : os locais do Império Bizantino. Algum~~~---º.S.-~-
definidores dos dogmas". tt:iarcas J>!_e,<:~!LY.!!!LÇ2.W-Q!J~t.Jl_l!!Q~~i;~çja,, i~tp
Completava-se assim a fusão tipicamente bizan- é, o liãbito de certos bispos viverem em Constanti-
tina entre o temporal e o espiritual: o imperador,
como sabemos, reunia em si as duas atribuições, e o
nopJ~~ vwfà1iêlõ:süa.s :díõcêses 8pêiiãsesp9f !1-c;lisa-
mente, para receberem os rendimentos que gastavam
mesmo deveria então ocorrer com o segundo· perso- ~ÜIÍdãnãme~ã- éãi)fiãCçõino õ~Jilspõs· Il~(f po-
nagem do Estado, o patriarca. De fato, este, atém de CWIJP. ~---
Ç_M~_(aofo.iifmio do.s.P~5>Cº~h-!1...P.ªrtir .do
possuir a suprema jurisdição em matéria eclesiástica, 5.~_l~__ XU_~!~~eass!!)!m.~reçrutados exclusiva-
com suas sentenças criando jurisprudência, assesso- mente entre osmonges, o que_elevouseu qivéfmQral
rava o imperador mesmo em questões temporais. mas_~~º~-~~'myel ültefecfual. De qualquer forma,
:r C>~~c!!!2..W~l!llº':>--~ liavia m,iperador~~
~~S.<!~. os bispos estavam bem distanciados dos clérigos que
\1
imperatriz vivospara coroar o sucessor, isso er~ le.ito nas cidades ou nas aldeias rurais viviam próximos aos
pelo patÍiaj:çj.-:Nó·càsó·de minondaóêão imperador, fiéis, realizando os ofícios religiosos cotidianos. Di-
e,pafriãrc'a era figura obrigatória no conselho de re- vididos em,_v~as ordens hierarquizadas (leitor, sub-
gência, a que muitas vezes presidia~ Ainda que dé diácÕno;-diãcono, sacerdote, etc.), aqueles clérigos
maneira geral ao longo da história bizantin~ ele te- viviam na Sl,!~própria ~r.QQ!llil.commulher-e filhos. _
·nba permanecido. numa posição secundária em re- Aot<;>rizados· à. se""1eâii!lléD1·-:a"
tarefas artes~JJU
lação ao imperador, o patriarca podia, e o fez al-
gumas vezes, discutir e criticar atos do governo, im-
.cam~esmas
. --·-•.
p.ar_~somplementã.rseus
. .-
.
mentos, muitos deles acabaram-se voltando para ati-
----
magros rendi-

por penitências ao soberano, interditar-lhe os ofícios vi.dades suspeitas ( usura, jogo, .hospedaria, prosti-
religiosos e até excomungá-lo. Mesmo um código im- tuição) que de tempos em tempos os bispos procu~
O Império Bizantino
16 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filho ;:,
1

poucos monges de cada comunidade tinham sido


ravam reprimir. ordenados sacerdotes, mas o abade obrigatoriamente
ao~ou~
função
!;!!} Jlisso~_,R.{e..!.,ti~~
,jeç~.
-?º cl~ro ~u~J!?j
e. a.p<>p_i,•J~i:i~ad~do. mo?as~-
deveria sê-lo. Além dele, devia haver um certo nú-
\ mero de monges sacerdotes no mosteiro para que os
cismo se elevando: dos 120 patriarcas.dabist6na b1- serviços religiosos fossem realizados regularmente.
ziiiifma, 13 foramTàlco~ S(c~rigos seculares e~
E~.~~a, ~ o bizantino R mosteirp1ofereciaa
IPJmaCS;poucos anos antes da queda do império, em Íl1illllB aê ideal, aa Q.Wll,aestuacom Qe_lls
Constantinopla existiam apenas 8 igrejas paroquiais
mas 200 mosteiros. Na verdadei. o estilo de vida __ roo-
mas sem se deixardê ser?iiiraoshomens. Era por-
tanto a verdadeira vivência cristã, impossivel de se
nástico se revelara desde os J!rimeiros tempos do c$- ter plenamente ·no mundo. Contudo, a realidade his-
1iaiílsmÕ com eremitas q~e sefs~filvari(iªi:a_esçapar tórica nem sempre correspondia a esse retrato ideali-
e
às tentações miín4_aiias le~j_vida ~cétiça. Foi por zado: as inúmeras doações recebidas pelos mosteir2,s
ísso que no Oriente Médio vários desses indivíduos enriquecerãm=nos õe_J!! form11_q~~em vários 1!10-
foram viver ou no deserto, ou em grutas ou em altas riienfus os. costumes foram-se relaxando. e ...a vtda
colunas construidas para esse fim. Os exa_geros e I', santã"lõi-substituida P!i"iimâ~__m_:ql1º$mun.di_iia..
abuso~_J)_m:ém.,.,.levaram à organizaçã~ de c9muoi- · ·•· . -·-oe qualquer forma, os monges eram imprescin-
/<' ~~s~. -~ás.,:_q~ilis -~(i?iissªva- a vaíõ~.L a. vi<!!..JLm cllveispara a sociedade. De um lado, pois suas ora-
:\! ,~~~~/ ~~~a~ii~~tl!i\i~~b~o;r~~:c~~~n:n.~:: ções não se davam apenas em_proveito próprio, mas
intercediam junto a Deus para beneficio de todos os
1 Y~.~ ciaria o modelo monástico. ~•.dental, de São Bento, 1 . homens. Dai a imperador Justiniano afirmar que "se
·, , ~>J,:(1no século VI), os monges divtdiam seu tempo entre as essas mãos puras e essas almas santificadas rezam
lf :1 (ç " orações e o trabalho manual e intelectual. pe{o' serf~àfs.fo~~-'--11J>r~St!_C
im_p!_!Ío~··:il!éreJt_Q _
' · v; ·
1
~~~~- fora~ ~e~»~ÇQtJl_pJe_tà-
Esse8-J>ri!J:<:!pios
dos e codificados ~1ª legislaç~QJ..UStj!}J.ana.J'.or
f "'''
esta, . '
daêle49...imP<ltlomaior, ~ .~~_ra e o. co~érct~

· mais fl<>~ntes'.:. Geralmente, foram eles também
/' os monges·deveriam renUJ.!Ciarl!QS se_!!lJ>~ partiÇJ!:: .quérealiÜrám a evangelização dos vários povos da
lares antesãe"ingr§_Sarua. mo.steh:o,e as.pessoas-ea- Europa Oriental, alargando a área de atuação da
sadas.préci~~!~ obte1::_9lº~!~~_!ime~od9..ç_ôJli~. Igreja Ortodoxa e da influência exercida pela civili-
Após um nov1c1adoeletres anos, faztam-se os votos zação bizantina. De outro lado, eles eram populares
definitivos de castidade, pobreza e obediência. A co- devido também ao fato da vida monástica ser a anti-
munidade era dirigida por um ab"adeeleito pela maio- tese da vida oficial, escapando à hierarquização que
ria dos monges e confirmado pelo bispo em cuja dio- regia toda a sociedade bizantina. Escolhendo seu
cese o mosteiro se localizava. Comumente, apenas
18

Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Füho O Império Bizantino 19

!' próprio lidere as regras de sua comunidade (respei-


tadas as determinações mais amplas da legislação), o
monge ê, de todos os pontos de vista, "um anarquis-
jl ta" (Ducellier). Cioso de sua independência tanto em
J relação ao poder eclesiástico quinto ao 1mperw;:íiio-
delo dêpureza e de relfgwsid8.0e apãixonadã, o mon-
~- e1ã~eíiJ:Õlm.dá;,i'~~gem mais PQJ?.Ulat..4ª~-
ciedade bizantinJl.. Mesmo depois da queda do im-
pério, o papel dos monges continuou importante na
preservação da civilização bizantina, de cuja religião
e arte eles foram os maiores continuadores.
Tal se devia, sobretudo, ao fato de.os monges se
. r-, ••
ide_ntificaremcom a religiosidade popular, com a es-
piritualidade vivida e sentida pela maior parte da
n-~-~"
..
•I.J!~~~.:::.::ã==::~.
população dó império. Isto é, com o sentimento reli- Dajni, Grécia, Igreja do mosteiro, 1080.
gioso que tocava diretamente o bizantino comum, Mt.CIACIC
distanciado de sutilezas teológicas dominadas apenas
por uma elite clepcal e intelectual. A Igreja Bizan-
tina esteve quase sempre ao longo de súa história
mais próxima dessa religiosidade popular do . que
I \
ocorria com a, Igreja Ocidental. Em Bizâncio não
havia preocupação em se estabelecer rigidamente
uma teologia a ser seguida por todos os cristãos. Pelo
contrário, havia uma certa tolerância, deixando um
espaço de manobra dentro do qual cada indivíduo
escolhia seu caminho para a Salvação. Por isso mes-
mo, as controvérsias religiosas eram ali apaixonada-
mente discutidas e não raro geravam violência e re-
percutiam de forma ampla na vida do império. De
qualquer maneira, a religiosidade bizantina era viva-'- 1.
intensa, sem grandes fos5-oss~~itido-a da elite ~~e-
Mosaico, descida ao ljmbo, séc. XI, Igreja de Dafni, Gré.cia.
JO Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filho O Império Bizantino 21

rica), como aconteceu em boa parte da história do munhão para os leigos e de deposjçjQ_gara os clé-
!'
Ocidente medieval. niõs:lsso põrêiue,"na verãaoe-;á liturgia não é apenas
Na sua essência, a mentalidade cristã bizantina representação, mas atuaÍização, renovação do fato,
ji esteve voltada para a questão da Graça, da relação portanto presença objetiva da Divindade. Por exem-
direta com Deus, isto é, caracterizava-se por um plo, a celebração do Natal não é somente uma com~
acentuado sentimento de presença do sagrado entre moração do nascimento de Cristo, mas Ele rea.l~te
os homens. Para os bizantinos, a idéia de que "Deus n-ª1,cecom o rito. Ou seja, pelo mistério da lituqia o
se fez homem para que o homem possa se tomar cristão é colocado no tempo dos acontecimentos bl-
Deus"' era algo concreto e ansiosamente perseguido. blicos, vive-os como testemunha ocular. Nesse sen-
Assim buscava~se a fusão do material e do espiri~al ti_<f:~~abalhatambé!.!!-ª=-~~4_!1Jte~~ ~ iã!'el_~-~
(idêia ~resente no Ocidente apenas a partir do século dox~, c9m, iLlmensªcúpula. ..nw~tan~ o céu'-
XII), o que se refletiu, por exemplo, na concepção de onde se coloca em P.intura. ® rnosa•co o Cnsto Pau-
um Estado que era uma organização celeste na Terra. . tôcrãfür ..(ouseja, Todo-Poderoso) observando seus
Um bmmtino do século XII sintetizou a questão di- fiéiS. .. ·- . ... .. ----·----· -- -- . ··--
7.endoque "não se pode chamar ho~em, separada- ___ · Todo o ritual, utilizando cores e riquezas em
mente nem à alma nem ao corpo; é juntos que eles profusão, é acompªµljado PQLÇ,bU~,.Jl!t.maafi!i:
• ,, p .
constituema imagem de Deus . or 1sso mesmo, dadé destmadâ â fáíar não à razão dos fiéis, mas aos
nem as festas públicas ( como a comemoração ~ fun- seus sentimentos. E -sem
. atuígià
dóvida. seus .ob.i&-
daçlo de Co~tantinopla ou a coro~ão de ~m tmpe-. :nvos, como 'testemunham os emissários de um prfn-
rador) nem as privadas ( como os antversários, !este- cipe russo falando dos oflcios religiosos assistidospor
jados no dia do nascimento da pessoa e no dia_ do eles na catedral de Santa Sofia: "não sabemos se es-
santo cujo nome adotara) tinham caráter exclusiva- tivemos no Çéu ou n&_Tma, PQ~S.se~~fe-iiio
mente laico. . fiãtà.1esplendor ou beleZ@: ~m.parJ;ealgunia..na.Terra.
Essa constante presença do sapd(! __Jla v1d!. Não podemos descrevê-lo a vós; s6 sabemosque Deus
humanatràmparece na liturgia ("serviço público) bi: mora lá entre os homens e que o culto que eles ren-
zaDiina,~-muito mais que a la~_!ffi__ye o_Ey_g.- dem ultrapassa o modo de adorar de todos os outros
1
1
aeJho~. ~- 4~1.-ª9'.ªY~~d~l,t,,~_u~ram~se fat~ 9aL fugares. Não podémos esquecer tanta -beleza''. O
Hist6riaSa.grada, dramatizados, !~-~tr~dC>_~l?M!

=
t · mesmo devia acontecer nos inúmeros templos de todo
cada fiel descobrir a prõpria verd~c!~através da élÇ_ão território bizantino: s6 em Constantin~do
---.-Yê ·w -- resentadã.-Dãf" a falta à missa por um judeu ocidental queavtsltouno sécõlo :tn.JUiiiã.
domingos~guidos.ãcarretar a pena de exco- ufüi'igreJa-paracãéta dia do ano.
·----·· --·---------~
,·-----~- ..
22 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filho ,f O Império Bizantino

::
Mas a melhor expressão da cotidiana presença 1 um eremita de vida santa produzia novas reliquias e
divina entre os homens estava no fervoroso culto bi- a constru~o de um novo mosteiro para abrigá-las.
zantino às reliquias e nos milagres por elas produ- Diante dess~ papel que as reliquias desempenhavam
zidos. As reliquias - pedaços de corpos santos ou na mentalidade bizantina, não é de se estran4ar gue
objetos que tinham tido contato com eles - existiam . quando no curso de uma invasão em 61S. os o~
em Bizftncio em tal quantidade que causavam admi- se ~possaram rla e ruz Sagrada. para os bizantinos
ração e inveja aos ocidentais. Aliás, quando do saque aquela luta ganhou aspecto de guerra santa e não
que os cruzados realizaram em Constantinopla em cessou até recuperarem o objeto sagrado f.f anõs· &'-
1204, dentre as riquezas mais. cobiçadas e levadas pois.-Pél11-mesma..razao; ·orõulfo de relfqufãs-;ãli-
para o Ocidente estavam as reliquias. Realmente, a 2:~~-p~los--europeu~ em·12Õ4afasfóu""irreversivel-
variedade que delas possuiam os bizantinos era es- mente Bizâncio ~<> O.c::idente.Os monges, antigos
pantosa: de Cristo tinham os cueiros, a camisa, a possuidores de boa parte daquelas reliquias, toma-
faixa, o cinto, as sandâlias, a túnica, o sudârio, uma ram-se os maiores inimigos de qualquer idéia de rea-
garrafa com seu sangue, a cruz, os pregos, a coroa de proximação com os ocidentais.
espinhos, a lança. Possuia-se até mesmo a bacia na Todo esse valor dado às reliquias devia-se à
qual Ele tinha lavado os pés dos discipulos e a toalha função protetora que elas exerciam, ajudando com
que usara para os enxugar. E também os cestos dos seus milagres não apenas aos bizantinos individual-
pães por Ele multiplicados e mesmo uma carta assi- mente, mas garantindo a própria sobrevivência do
nada por Ele próprio. Da Virgem tinha-se uma gar- império. Foi uma imagem santa da Virgem, defen-
rafa com seu leite, a túnica, a cinta e o manto. De sora de Constantinopla, que em procissão pelas mu-
inúmeros santos havia fragmentos espalhados por ralhas da cidade impediu que os persas e os âvaros a
todo império: de João Batista a cabeça, um dente, invadissem em 626, os ârabes em 677 e 717. O mesmo ·
um dedo, de São Paulo e São Mateus as cabeças, de tipo de milagre fez um véu da Virgem ao frustrar um
São Simã.oo joelho, de São Pedro a tibia, de São Es- ataque russo em 860. Ãs vezes, essas interferências
tevão a mão direita, de São Tiago um braço ... sobrenaturais na vida do império podiam ser mano-
_Aimportância da maiori~ ~StRosteiros de~~- bradas pelos homens. No século XII, no inicio de
ria em grande llm~LQQJ'ª!º -d~al>Jjg~~tnl:~!ígyias, uma guerra contra os húngaros, ocorreu um mau
q!le 1>§,fstji}imple~ _,:Pr.~~S..~,~acrallQY'anL-ª~le pressâgio. No fórum de Constantinopla havia duas\
~-espaço e seush~itil~tes, OSJ!l.ºl!Ses.Daí as freqüen- estâtuas de mulheres, uma hóngara, outra grega,
tes peregrinações àqueles mosteiros, que ganhavam tendo esta misteriosamente desmoronado enquanto
desta forma riqueza e prestigio. Por isso, a morte de aquela continuava de t>é. Para alterar o resultado d~
- -""
24 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filho O Império Bizantino 25

prodígio, o imperador Manuel Comnent mandou cial do clero e intensa religiosidade popular, é que se
imediatamente levantar a estátua grega e.aerrubar a deve colocar às freqüentes e acirradas controvérsias
húngara. Essa providência produziu bons frutos, teológicas. Para os ocidentais, sempre de espírito
pois logo a guerra terminou através de negociações mais prático, os acalorados debates dos cristãos ori-
diplomáticas bastante favoráveis ao Império Bizan- entais sobre assuntos religiosos pareciam mero pas-
tino. satempo, uma "discussão bizantina", segundo a ex-
1
E~ clima de. fort~ .!@renaturalidade, de cons- pressão pejorativa que indicava a futilidade ( do ponto
'11 tante comunicação com-as coisas do Além, levou os de vista ocidental) daqueles debates. Muitas vezes,
bizantinos à prática de diversas formas de adivinha- porém, tais disputas tiveram profundas repercussões
ção. Buscando saber o que a Vontade Divina lhes sobre os rumos tomados pelo Império Bizantino. Não
reservava, eles recorriam especialmente à astrologia e sendo possível aqui acompanharmos as complexas
à interpretação de. sonhos. Também eram praticadas sutilezas teológicas e todos seus desdobramentos his-
as bibliomancia, ou seja, a abertura da Biblia ao tóricos, vamos nos limitar a lembrar um ou outro t
acaso, interpretando-se a passagem encontrada de desses debates e seus reflexos nas relações Bizâncio- \_Y
·· ·
acordo com as dúvidas átuais do consulente; a "lei- Ocidente. \r
tura" do vôo das aves, que pela sua altura, direção e O ponto de partida de tais divergências eram as \)}
duração indicavam acontecimentos futuros; a alek- inúmeras questões teologicamente mal esclarecidas
tryomancia, isto é, o método de se escrever as 24 pelas Escrituras_~·Na busc~ de uma intemretaç_ão
letras do alfabeto na areia, colocando grãos de ce- . consensual..,reuniram-se de 325 a 787 Sete Concilios
reais sobre elas e soltando um galo que ao picar de- ·Eçµm~~:~,éQULJ'~_s _4~L~tomas-
terminadas letras dava as indicações desejadas. Qes- C:Jistã$.
Con~aruLd~.~® tais .de.batesfoj
!as prátiç~jp.,.!~c~~sivas, de__<:(?nsul!!}~Jorç_as· ª ..!'ivalidtlqe ~P~ ª~sés ~Ollais do.~
S(}bre~ª!u.i:-a~"

inimigos~
.··-••-.-··•--- '-·
eara.__~l?!~~icasati':!5~.,<i,~-P:~li~~ção
~quelas fõrças para benefi-ªpJ?rfümo ou P~1:1~ _de
·----' çii.~ apenas
:~91sffl1.1~iª -- -
,--, um passo.·- por-
::~~~~ra::~e
r:.ii::-~:~:Po
ao papa autoridade para tal decisão. Como Constan-
UI:!!~º• ·rog~se_tQ!.-
' ' '"''

,!Jrja~a_s2!!,Jormas. varjadtssirn.as t4topJa·fç_iJlO~j~-'?~ ijrm_a.r.ido


sua tireem~ência no
nou comum entre os bizantinos, aeesar de a Igreja ()pente, suplantando as rivais Alexandria, Antioquia
im~~r-~~~1c1.s_p_rnJiç~pt~_~co_1m~ de ptjyAÇão.dos ~·ÍerusaiénÇã.cã6ôu'por secõfõêãr frente a:·-1rente
sacramentos e o Estado em al_gunscasos condená-los com-í{~mD:na~-~ pelalidér&Õç_8sõbreO mundo
à morte. cristão. Nesse contexto, cada heresia - divergência
-- Nesse quadro de grande influência politico-so- doutrinal, ou seja, rejeição de um dogma aceito pela
26 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filho O Império Bizantino 27

Igreja através dos concílios - ganhava, forte cono- ainda hoje encontram-se na zona fronteiriça Tur-
. tação política. quia-Iraque~lrã-URSS. O papa, também descon-
Foi assim, por exemplo, com o monofisismo. No tente com a intervenção do imperador eni- quesfão
século V um patriarca de Constantinbpla, Nestorio, religiosa, Irias não se sentindo forte para pum-lo) ex-
defendeu a doutrina segundo a qual em Cristo as na- .c0mUngoÜo ~ãtríãrca de ConstanTmopfa:-Rra·o·pn:.:·-
turezas humana e divina estavam separadas, vendo merro cismaôu sêjã;al?sfameiita.,,.separaç!)p) ~@e
na Encarnação uma humanização quase total de RõiiiãeBizâncio. Se mais ou menos 50 anos depois,
Cristo, dai não aceitar que se chamasse a Virgem de no começo do século VIJ o imperador Justiniano
Mãe de Deus. Contra isso 'levantou-se a sé rival de abandonou o Henoticon, foi apenas pensando que o
Alexandria, caindo no exagero oposto, que procla-
mava a união quase completa das duas naturezas,
praticamente negando o caráter humano do Filho, e
fato facilitaria suas conquistas no Ocidente. Mas as
rela ões com Roma continuaram dificeis, tanto que
ep1-545 o a a f · ..
-
vado ara ons an-
portanto vendo-O com uma s6 natureza, dai o termo t.!,11~!!.Ju?.ression.i.49-ª,..,~ceitar
JU?.,Qntode vista Jm-
monofisismo. Num primeiro momento, o nestoria-
nismo foi condenado como herético, mas depois o.
p~tj&,.JalJat9, ali~.reite.tiq•:iS: ~ç}l~~-_ç!eJ?ois .· 1
,. '. ~ºJll !>UU:OP.8.11~ se1;1dQ ~egüestradg. orre~~,~e~i-\.·" w-
monofisismo também. "~/ !ade:> em.1.e.r.ritóagbizantino. " . ~ \J,: .·\~" _~
Na tentativa de encontrar um meio termo~a- ~ Muito mais sério, porém, para os ~tihós do \l ~
cifi~~i Bizâncio, o ·iliweraãõr"°zenã[Janço~ ª·· dou- Império Bizantino e suas relações com o Papado foi o
trina conhecida por Henoticon, procurando r~apro- movimento iconoclasta. Este representou a negação
xiniãr aquelas.,juas correntes através_ <lêf§rmu~ da validade dos icones, imagens pintadas ou escul-
vagas e conciliad.Õrª-li,Sua tentativa apenas descon- ; pidas de Cristo, da Virgem e dos santos. Na verdade,
tentôu 'àtodos. Q Egitoea Síria não 9-u~~~a;mnegar ' :rriaisdo .4t~e.~s im~. os icones são "uma
o monofisismo, descontentes com as detêrJl!!!lãÇÕêS .!e.v~~!'S~-ºda eternidade no tempo''. ~rovaçã~
dêConstaiitinopla e .por isso século elliero~~_pois ª~_Er6pria Encarnação, ~aJl__ÇA_clil~\lS
~~ram sem rêsistêncião domínio Íf!,be .. ~~-.!Uª tinha-se revelado ao homem e por isso é possível re-
religião não desapareCE?:U,to~~l~ente, e ~.!!!~hgje presentá-Lo de forma visivel._Em726, contudo, o
existemlgrejas monofisistas no Egito, Armênia, Etió- iíiiperâdor Leão III, motivado por razões religiosas e
pia e lndiá-~Os iiesforla.õos, por süã vez, refugiaram- politicas, decretou que a adoração de imagens era
se ·nos domínios do rei persa, alcançaram a China, idolatria e desencadeou por todo o império uma sis-
trabalharam como missionários entre os mongóis temática destruição dos ícones. Por um lado, isso
(ond~ Marco Polo os encontraria no século XIII) e expressava o pensamento de uma corrente que &;ehava
r

__
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1
28 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filho O Império Bizantino

,, 1
1

incompatível a essência espiritualizada do cristianis-


.-~-------_:__
~s violentas perseguições -não eliminavam O partido
C~r\ '.,
1;:'
1

;1 1con6dulo(favorável aos ícones), em 843 um sínodo


mo conviver com a materialização de personagens <::_:5
co~vocado pelo poder imperial finalmente restabe- 6
sagradas em pedaços de pano ou madeira. Por outro,
demonstrava um certo descontentamento imperial lec1ao culto das imagens. ~:.,
com o crescente prestigio e riqueza dos mosteiros, O Império Bizantino, no entanto, saia dessa cri-
principais possuidores e fabricantes de icones. Esse se _ba~tante desgastado interna e externamente. No
poder de atração que fazia jovens vestirem o hábito prune_iro caso, o poder imperial viu-se impotente
monástico tirava do Estado soldados, marinheiros, par~ impor seu ponto de vista, o que fortaleceu a
camponeses e pagadores de impostos. Assim, a since- lgreJa (sobretudo o segmento monástico) diante do
ridade das intenções religiosas de Leão III era refor- Esta~lo. ~<> segundo, a oposição de Roma à icono- '
çada pelo interesse imperial em limitar um poder clas~a levou o Papado a pedir auxílio ao reino ger- .\
monástico perigosamente crescente. m~ruco dos francos, e não a Bizâncio, para enfrentar \ 'J
Contudo, a espiritualidade popular, profunda- a mv~ão dos lombardos. Como conseqüência disso ~ ~.:..:
mente crente no valor religioso dos icones e na sua a P.~ de 768 _nãomais se pedia ao imperador qu; 1
capacidade de realizar milagres, reagiu violentamen- ratificasse a eleiç~o de cada novo papa, cuja escolha 1
te à determinação imperial. Quando a imagem de era poré?1 comurucada ao rei dos francos. Desta for- 1 f~
Cristo existente no portão do Palácio Imperial foi ~ª• muitos dos territórios italianos que o império
destruída, o funcionário encarregado da tarefa foi ainda possuia foram perdidos. Também ai foi aberto
1 1 linchado pela população enfurecida. Mas a icono- o caminho para que meio século depois no final do
clastia podia contar com o exército, em sua maior ano de 800, o rei dos francos Carlos Ma~o fosse co-
parte formado por elementos originários da Ãsia roado pelo papa como "imperador dos romanos".
Menor (como Leão III), onde o rigorismo e o purita- Apesar dos protestos bizantinos, o Império do Orien-
nismo religioso eram maiores. Desta forma, o im- te até. mes?Io no plano teórico perdera qualquer
pério se viu envolvido numa verdadeira guerra civil preeminência sobre o Ocidente.
religiosa. Mesmo dentro da família imperial a ques- A partir de então esse afastamento acentuou-se
tão não era incontroversa: regente diante da minori- com qualquer d;iv~r~ncia teológica servindo de pre:
dade do filho, em 787 a imperatriz Irene reintroduziu textf Pai:a as ~1vmdicações políticas de lado a lado.
1 o culto das imagens e para se manter no poder man- Ass~ fo~trazida à tona uma antiga questão: os oci-
dou mais tarde cegar o próprio filho: Destronada dentaIS tinham no século V modificado a tradicional
anos depois, um novo imperador pôde em 815 re- • fórmula "o Espírito Santo procede do Pai" acrescen-
tomar a iconoclastia, mas logo foi assassinado. Como tando a expressãoFüioque, isto é, "e do Filho". Mas
f' í(q;t
1
:! 30 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filho O Império Bizantino
1 1 31
!
1
!i \
,, 'i
j! 1
1:
tal detalhe teológico não provocara maiores pro- 1
população bizantina. Entende-se assiiq que o próprio
i, 1
,,
blemas até Carlos Magno insistir na sua utilização comandante das forças bizantinas - 1diante da su-
,.
visando-legitimar seu Império Ocidental ao acusar os
1 1·
bizantinos de terem suprimido o Filioque. Em 858,
gestão de buscar au'xílio ocidental face ao perigo imi-
I. nente da queda do iinpério, que ocorreria logo depois
no contexto da rivalidade Roma-Bizâncio pela cris- - tenha declarado preferir ver em Constantinopla o
1
tianização da Bulgária, o Papado invocou o "erro turbante muçulmano que um chapéu cardinalicio.
teológico bizantino" e a irregularidade da nomeação
',,i
li
t;) ~de um leigo, F6cio, como patriarca. Os bizantinos
~
1
1
,
refutaram as acusações e ocorreu o chamado Cisma '
' ' '\'
1:
' de F6cio, que rompeu temporariamente as relações
1 entre as duas Igrejas.
1

,;, Mais tarder-em--lO~mo .decorr6nciaJiess~ ' ..,


':~ i relações envêfi~nadas por .má .vontade ~ c~ÚP!e!tanto '!

'J '1.
1
1 (
do Papado quanto do Patriarcado, ocorreram exco-
'·''
~v,,~ 1

! 1 ;},,
munhões reciprocas e assim. o Cisma do ()ri~1!te.
,, Desde então a unidade cristã estava qúébrada, com 11

',: ✓
uma Igreja Católica Romana encabeçada pelo papa e
1,. uma Igreja Ortodoxa Grega chefiada pelo patriarca.
'\i\
1
Na verdade, porém, o rompimento não era irrever-
~ sível, tanto que pouco depois, em fins do século XI,
quando na Primeira Cruzada, os ortodoxos pediram
1 auxilio contra os muçulmanos e os católicos correram ,_,:,
~
1
1
a prestá-lo. Mas os intei:esses político-econômicos
1 ocidentais que levaram. à ocupação de Constanti-
i
nopla em 1204 definitivamente afastaram católicos e
f
1 ortodoxos. Para estes, os ocidentais, capazes de sa-
1
quearem com tal violência uma cidade cristã como i
' i.
Constantinopla, eram piores que os infiéis. -nesta
: 1
forma, as tentativas de união das duas Igrejas, uma
1 1
1: 1
no século XIII, outra no XV, foram apenas circuns- '/ 1

tanciais e sempre esbarraram em forte oposição da 1

ILW - 1
lr
O lm~rio Bizantino 33

mesmo material, cantando de dive.as maneiras,


conforme suas espécies. Também o irono era feito
com muita arte, de tamanho imenso, e estava guar-
dado por leões de· bronze ou de madeira coberta de
ouro, os quais fustigavam o chão com a cauda e ru-
giam de boca aberta e mexendo a língua. Depois de
me ter prostrado por três vezes em adoração ao impe-
rador, levantei a cabeça e vi aquele que anterior-
mente tinha estado sentado a uma pequena distância
AS ESTRUTURASPOLlTICAS do solo, agora com outra roupa e sentado próximo ao
teto. Como isso foi feito não consigo imaginar, a nJo
ser que ele tenha sido levantado por algum tipo de.
mecanismo".
Também as concepções politica~ de Biz.~cio es- O Império Bizantino era portanto um Estado
ta m intimamente ligadas à sua visão rehgiosa do . autocrata. Ao deixar extensos poderes nas mãos do
v_a O. De fato , O imperador .bizantino foi sempre
umvers · imperador, Bizâncio buscava uma fórmula de so-
visto pelo seu povo como um vice-Deus, uma mam- lução para sua conturbada história, mas isso foi,
festação visível da Divindade. Assim como Deus é o também, causa de muitas de suas crises. Realmente,
regulador da ordem cósmica, o imperador como s:u nascido no contexto dos :últimos tempos de um Im-
prolongamento humano deveria ser o regulador a pério Romano de organização fortemente centrali-
seus atos possuíam um carâter
ordems ocial• Logo, . t d zada, Bizâncio desde seus primeiros momentos le-
essencialmente sagrado. Na ~e ele era represen a o vava essa marca. Acentuando-a, havia a proximidade
,1 1
por todo um simbolismo religioso: seus retratos, por de territórios nos quais tradicionalmente o monarca
exemplo, mostravam-no quase sempre.c?m a auréol_a era visto como figura divina. Ademais, a aceitação do
reservada aos santos e personagens divinas. O cen- cristinianismo pelo Estado fez do imperador um per-
monial que o cercava era pomPOS?•levando~~~ sonagem com traços sagrados também para os cris-
soas a verem-no como um Deus vivo. Um ~ en tãos. Desta forma, por contato com o Oriente ele se
que visitou a corte bizantina no séc~l~ X deixo~-n~ tomou desde o inicio do século VII basileus, isto é,
a respeito um relato deslumbrado: diante do impe aquele que dispõe de autoridade absoluta. Por in-
' 1
,,
1 rador havia uma ârvore feita de bronze doura~o, c;- fluência do cristianismo tomou-se isap6stolos, quer
jos ramos estavam cobertos de pássaros feitos o dizer, igual aos apóstolos, portanto representante de
~11~ ,_, 34
--

/1 e Ruy de Oliveira Andrade Fillwí


Hilário Franco r.
O ImpérioBizantino_ 35

,I 111·,,
aristocrática, teve certo poder apenas nos séculos VI
~. , .
' 1
' e VII. Depois disso, ele quase sempre se limitou are-
r Deus. imperador era eleito pelo
1' r\

1, '
1
Mas em nnc1p10, 0 t tinopla ferendar o imperador que estivesse no poder, e pouco
,, \i 1O Exército e pelo Povo de Cons an . .
' !

1
1
1,\
Senado, pe
Como, con~d~ nã~ h:t::
• ma regra sucess6na ela-
vida O imperador coroa-
ramente defini a, am ue ele não fosse depois con-
influiu até mesmo em períodos de regência. O pa-
triarca, pelo contrário, constantemente fazia parte
do conselho regencial.
va seu sucessor' para q rática fazia parte do poder Portanto, havia uma certa tendência a que o
1\ 1\
testado. Des~ forma, ~: :scolher seu sucessor' que poder ficasse na mesma familia, tendo existido di-
il soberano do im.perad .tores deveriam aclamar, o nastias que governaram por longos períodos CODlO a
constitucionalmente os e1e1 V6.rias vezes chegou-se dos Macedônicos por 192anos(867-1059), a dos Com-
1

11
'1 '1'
,
mesmo a coroar mais t
que quase sempre _oco::~ co-imperador: no século
ileus coexistindo com cinco
X temos ocaso de um p asrém s6 um deles exercia o
nenos por 104(1081-1185), a dos Paleólogos por 192
(1261-1453). Contudo, a idéia de que o imperador
era em última análise um escolhido de Deus, deixava
1 0
' outr os imperadores. b a Depois de escolhid o, o aberta a porta para constantes golpes. Realmente, se
1\ '.
'' poder, o autocrator as eus. ois esse· ritual é um indivíduo conseguisse matar o imperador e assim
'I '.. imperador prec!~;\~=~:::~d!. Tal cerimônia tomar o trono, ele era visto como legítimo, pois se
,1 que lhe_garanti século VII, na catedral de Santa acreditava que só conseguira tal feito por ter a apro-
'' acontec~ desde O . m imperador vivo para vação divina. O fracasso da tentativa, porém, pela
Sofia. Quando não h!vta : sucessor' isso era feito razão inversa, era crime de lesa-majestade, punido
coroar aquele que sena ~
' ,1

' rigorosamente. Logo, por causa daquela concepção,


pelo patri-!ca de~::~::1:izantina, quando da não é de seestranhar que dos 107 imperadores exis-
! . Por ~s ~ d m herdeiro designado, o tentes, apenas 34 tenham tido morte natural, 8 na
•I 1
morte de um tmpera or se mulher A imperatriz
1 guerra ou por acidente, e todos os demais. tenham
!
r
',i poder foi exercido por uma próprio e escolher sido violentamente destronados, assassinadosou mu-
1
'' podia, então, governar em no:m era a imperatriz
'!
1

',

:r
seu sucessor. Mais comumt 1: um' imperador menor
ocupar o trono co!11ore::U~o X geralmente essa re- ',
filados. O trono estava aberto a todos, excluindo-se
apenas os eunucos, homens castrados usados geral-
i
mente na guarda imperial justamente por sua impos-
de idade. A partir do resentante do Exér- sibilidade de ter herdeiros; os cegos, por isso muitos
:\ gência era ocupada por um rep . odia eleger um
d fo que em teona P destronados foram inutilizados dessa forma; os he-

t a:,
cito, uma as rças ática muitas e muitas vezes o reges declarados, pois devido ao -caráter sagrado do
,, imperador e que na assembléia essencialmente imperador, a discordância religiosa era crime polf-
' ' 1 sustentava. O Sen ' '
1 ,, 'l-,,
' '
36 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filho O Império Bizantino
,,,Y{"
~ \
tico· as mulheres, com exceção daquelas que to- Ocidente redescobriria bem mais tarde, no século
ma;am o poder como impera~ ou i:e~~nte,por es- XII, o Direito Romano graças à compilação justi-
tarem incapacitadas devido à impossibilidade de se- niana.
rem militares ou sacerdotes. . . . · O Império Bizantino, como sabemos, reunia di-
Aquele enorme poder imperial tinha apen~s ferentes nacionalidades, e assim era preciso um apa-
duas limitações estabelecidas pelo costume. A Pt:· relho administrativo bem montado para dar força e
meira era um juramento que o imperador devena coesão àquele mosaico de povos e culturas .. Em fun-
fazer quando de sua coroação, comprometend~-se a ção disso enunciou-se a fórmula "um só senhor, uma
respeitar os decretos dos Sete ConciliosEcum!m~os e s6 fé". Ou seja, como Deus atuava através dos anjos,
os direitos e privilégios da Igreja. Por decorrenc1~de o imperador fazia-o através de funcionários, permi-
seu poder sagrado, o imperador era a fonte de to o o tindo a unidade terrestre que se deveria basear na do
direito o único legislador' a "lei encarnada". Con- modelo celeste. Daí a vasta burocracia e sua rigida
tudo, ~aradoxalmente, o ?ireit~ repr~~tava a outra centralização nas mãos do imperador~Mais uma vez,
grande restrição à aufondade impenal. esta gerava Bizâncio encontrava nas suas próprias origens os ele-
as leis, mas estava submetida. a ela~. ~~ a grande mentos que lhe permitiriam satisfazer essa necessi-
importância dos códigos jurid1cos biza1;1tinos,espe- dade Política e psicológica. De fato, o Império Ro-
i cialmente do Corpus Juris Civilis o~ganizado no c~- mano, sobretudo seus territórios orientais que com-
' meço do século VI por ordem do imperador _Justi- poriam o Império Bizantino, tinha forte tradição
niano. Esse código foi resultado de uma_~o~p~ação centralista e burocrática. Por isso, até o início do sé-
do velho direito ,romano, parcialmente ci:isti~nizad~ culo VII o básico da administração bizantina foi for-
e adaptado às condições da época. Sua .P~e1ra ~a~ necido pelas antigas instituições romanas. Inade-
te ou Codex Justinianus reunia os editos 1mpena1s quadas depois daquele momento, foram abandona-
deseosc
d é uiº II , complementados. pelas
· Novellae,
t h das e com elas o latim, que além de deixar de ser o
leis lançadas pelo próprio Justiruano. A par e c~~e:- idioma administrativo do Oriente, perdia também
cida por Digesto reproduzia seletivamente as ~p1~1 s seu papel na religião e na cultura. Essa. transforma-
de grandes juristas clássicos. Por fim, aslnstitutiones ção não implicou, logicamente, na diminuição dá
serviam como uma espéci~ de m~nual ~ara, ~studan- importância de uma vasta burocracia, "armadura
tes, discutindo os princípios bâs1cos, filosoficos, do robusta que sustentou o Império Bizantino" (Diehl).
Direito. Esse Corpus se tomou desde então a ~ase Naquela primeira fase, o sistema administrativo.
'urídica de Bizâncio, sempre fundat?entando e m~;. ·dividia o império em prefeituras, por sua vez for-
~irando codificaçõesdos séculos segumtes. O própno madas por dioceses e estas por províncias. O co-
38 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filho O Império Bizantino
39

mando de cada uma dessas unidades cabia, respecti-


vamente, a um Prefeito Pretoriano, a um Vigârio e a
um Governador. Para impedir abusos, em todas
essas circunscrições o poder civil estava separado do
militar. No entanto, invasões estrangeiras em fins do
1: século VI e começo do VII tomaram necessârio um
novo sistema. Em função disso, o imperador Mauricio
em certas regiões do império criou os exarcados, ter-
rit6rios cujos titulares, os exarcas, englobavam di-
versos poderes. O exarca podia atuar sobre as fi-
nanças, a justiça, as .obras públicas, a defesa. Ele
nomeava funcionârios civis, militares e mesmo ecle-
siisticos. Era "um verdadeiro vice-imperador" (Bré-
hier).
O sucesso dessa experi6ncia nas terras ociden-
tais do império levou a uma ampliação e aperfeiçoa-
mento do sistema. Surgiam assim poucos anos de-
pois, com o imperador Herllclio, os themas. Por tal
regime, o império foi dividido em sete grandes llreas
militares, aumentadas - para impedir desmandos
por parte de seus chefes :- para 25 no século IX e
para 31 no X. Estas províncias eram de tamanho e
' i importlncia desigual, com a de maior peso locali-
i
,1
i
zada na Ãsia Menor em função de sua posição estra-
tégica. Ã frente de cada thema estava um estratego
com poderes militares e civis. As tropas instaladas
nessas regiões recebiam hereditariamente lotes que
cultivavam, criando um laço muito forte entre o exér-
cito e a terra defendida. Desta forma, cada um da-
. queles soldados-camponeses' lutava com afinco por
sua própria terra, protegendo todo o império de ma-
40 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade FiÍh
1 O Império Bizantino
41
neira muito mais eficiente que as caras e instáveis
1 '~iz8:ntinos a acreditarem estar guerreando pelo cris-
tropas mercenárias. . 1

O imperador, naturalmente, mantinha-se como tianismo, portanto, pela civilização. Eles passaram a
o Supremo Comandante, pois este era um de seus se ver como um povo eleito, destinado a defender
papéis essenciais. No entanto, ~ sistel!1~de thema~, toda Cristandade, dai uma das razões da superiori-
bastante eficiente do ponto de vtsta mibtar, não de!- dade que sentiam frente ao Ocidente. Os bizantinos
xou de trazer problemas políticos. De fato, a combi- se tomavam um instrumento de Deus face aos infiéis.
nação de altos postos militares com a posse_de gra1;1- Nascia então, por oposição ao conceito islâmico de
des propriedades gerou uma poderosa a~tocra_cia guerra santa, um verdadeiro "nacionalismo bizan-
que aos poucos foi rivalizando com o po~er impenal. tin?" (A~e~er). Ou seja, um vasto movimento que
Este estado de coisas levou mesmo em fins do século uma etnias diferentes frente a um inimigo comum: a
º.
X a que um militar e latifundiário tomasse pod~r solidariedade cristã confundia-se com a solidarie-
dade política para gerar aquele nacionalismo. Como
interrompendo temporariamente a poderosa dinastia
Macedônica. Da mesma forma, o imperador também definiu um imperador da época, a guerra pela Cris-
se via muitas vezes em dificuldades para controlar tandade tomava-se "uma virtude, e fonte de toda
glória". .
sua extensa, custosa e geralmente ~o~pt~ bu_ro-
:1 1' cracia. Noutros termos, se nenhum sudit? bizantino Ultrapassado o momento mais difícil no Orien-
punha em dúvida o caráter sagrado do tmperador, te, o Império Bizantino no século IX voltou nova-
isso não impedia que constantemente grandes buro- mente os olhos para o Ocidente. De um lado reto-
mando as velhas idéias de reestabelecimento da uni-
:d era tas , militares ou latifundiários. fossem tentados ea dade perdida em fins da Antiguidade com a divisão
tomar o poder, sabendo que se tivessem sucesso s -
i 1 do Império Romano, cuja metade ocidental havia
riam imediatamente aceitos por todos. D8! a ~o~tra-
1 ! i dit6ria estabilidade e instabili~de que. a ms~tuição sido conquistada pelos bárbaros germânicos. De ou-
r , 1
tro, porque ali um germano apoiado pelo papa usur-
1
1
,1
1
imperial provocou ao longo da vida de Bizâncio.
A partir de suas funções tradicionais de ~hefe do paraº. titulo imperial: Carlos Magno. A resposta a
Exército, da burocracia e, num certo. sentido, da lSSO foi o redespertar do universalismo bizantino a
Igreja, o imperador passou a ser o sim~olo natural ~e reafirmação dos direitos exclusivos do único império
um novo sentimento que se desenvolvia entre os bi- unive~al, do único e genuíno continuador do antigo
zantinos desde o século VII. Isto é, a luta então_co- Impéno Romano. Mas como a possibilidade de um
meçada contra os muçulmanos, que eram movidos domínio real sobre o Ocidente logo se revelou estar
pela religião e pela idéia de guerra santa, levou os definitivamente ultrapassada, Bizâncio concentrou
novamente suas forças nos Balcãs e no Oriente; A
/
O Império Bizantino 43
42 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filho
1 roctone
t6ria em("matador
1014mandadde búl garos ") tenha após uma vi-
política imperialista decorrente disso levou Bizincio
em meados do século XI a estender suas fronteiras do povo. Significativame:i:e: 151~b~ome?s daquele
Eufrates e do Cáucaso à Itália, do Danúbio à Pales- : olhos vazados era o cast: as eis izantmas ter os
cavam o crime de lesa-m!f: ::;r;ado aos que prati-.
tina.
. O instrumento para essa obra benéfica a toda os búlgaros foram consid s e. s~o quer dizer que
humanidade - obra conduzidora de povos em di- contra seu soberano natur~radc_,s simples rebelados
reção a Deus, que incumbira o império dessa tarefa E importante lembrar ue ' o ~~erad~r _bizantino.
- era uma "guerra justa". Ou seja, que legitimava o ravam qualquer tortu q . as leis impenais conside-
imperialismo bizantino, na medida em que este re- da civilização bizan~= mcom!'atfvel. com o espfrito
presentava a ampliação do Estado encarregado do é, na clemência, a prin~!'::. ~:e ~an?"opia, isto
Bem universal. Por isso, nas palavras de um c6digo Contudo, não houve contr d" o imperador.
de leis do século IX, "a finalidade do imperador é aqueles que foram cegados a i~ão 1:1º ep_is6dio, pois
manter e salvaguardar pela sua virtude os bens pre- sem honra" E pe enciam a uma "raça
sentes, recuperar por sua ação vigilante os bens per-
• m suma as dif ld
levaram-no à prática de ~~u a~es. do império
didos, adquirir pór seu zelo, por sua aplicação e por sivo" (Obolensky) e assim um •~pe~alismo defen-
suas vitórias justas os bens faltantes". Essa visão de ao racismo. ao nacionalismo e mesmo
mundo e sua correspondente prática político-militar
levou de meados do século X a meados do XI ao
apogeu de Bizincio, sem dúvida a grande potência Naturalmente esses ele t
mundial de então. O imperador podia, com razão, se acabamos de ex~m· ar ti men os estruturais que
. es veram prese t
ver como o pai de todos os soberanos, como "Cristo dos mais
Nas
de onze séculos d .
suas linhas . ª _nes .ªº longo
VJ..dapolítica bizantina
gerais - poi 5 ã • •
no meio dos ap6stolos".
A conseqüência inevitável disSOfoi o desenvolvi- crever os inúmeros e m ·t
.
°
n nos mteressa des-
ui as vezes confu f t
mento da crença na superioridade bizantina em re- compuseram aquela históri sos a os que
lação a outros povos. Mesmo búlgaros ou francos, em três perlodos O Alt a -:-• podemos dividi-la
reconhecidamente cristãOS, mereciam expressões na qual Bizânci~ aindaº~mpério (JJ0-610) _foia fase
como "raça sem honra e sem dignidade", "raça cor- dade, deixando cada vezusca!a sua pr6pna identi-
rompida", "raça bárbara". Todos aqueles que não ap@ndiceoriental do lmpé .m;s de ser apenas um
compartilhavam da concepção de vida dos bizantinos o Ocidente mergulhava n~º . omano. Ã medida que
eram rotulados negativamente, e tratados de forma invadido e dividido pelos bár~searosque o le!aria Cons-
germb1cos, a ser
correspondente. Isso explica que Basilio li Bulga-
44 . · nnA-drade Filho·
Hilário Franco Jr. e Ruy de Ol,ve,ra
O Império Bizantino 45

tantinopla tomava consciência de suas ~ondições su-


periores comparativamente à velh~ capital. De fato, gerando forte descontentamento popular. Certo dia
a localização comercial e estratégica da Nova Roma durante os jogos realizados no Hipódromo, começou
era sem dúvida melhor. Os territ6rios. que a cercavaJ?l a revolta que se estendeu por toda Constantinopla e
eram mais densamente povoados e ~cos q~e os.~!- só a muito custo foi sufocada. Mas as realizações que
de tais Ali estavam algumas das mais antigas c1vih- fariam do reinado de Justiniano um dos mais impor-
nões ·do mundo fornecendo uma base cultural tantes da história bizantina não estiveram na polí-
zaç•t • s6lida 'e refinada. A marinha daquelas tica, e sim na cultura, caso do Corpus Juris Civ,1ise
mu10 mais , · d ar da catedral de Santa Sofia.
regiões mantinha-se ativa, com o do~mo o m
permitindo condições econômicas e militares que o O segundo período, conhecido por Médio Im- ·
Ocidente já havia perdido. I é . pério (610-1204), correspondeu à mais longa fase,
Em função disso tudo, aos poucos o mp no quando já consolidado Bizâncio alterou momentos
Romano do Oriente foi ganhando feiç~s cada vez difíceis com outros brilhantes. Dentre os primeiros
. gregas e menos latinas; Mas a ilusão de se esteve uma invasão persa que comoveu a opinião pú-
=ter a unidade mediterrânica f!l<? desapareceu. blica bizantina ao roubar de Jerusalém o mais impor-
Foi assim que sob o reinado de Iustimano (527-565), tante símbolo cristão, a Cruz de Cristo. Vencidos os
Bizâncio envolveu-senuma longa e desg~tante guc;:- inimigos e recuperada a relíquia graças à energia do
ra rocurando recuperar o norte da África ocupa o imperador Heráclio e seu novo sistema fiscal-militar
1' lp van"dalos a Itália dominada pelos ostrogodos e dos themas, ocorreu nova invasão. Foi então a vez
pe os
a Penfnsula '
Ibérica . · pe1os visigo
invadida · · dos. O su- . dos árabes, que além de arrancarem definitivamente
cesso re ·
lati vo destas campanhas custou caro
J tin'
a d8 i- a Síria (636) e o Egito (642) do império, chegaram às
"' . Preocupado com o Ocidente, us iano •es-_
zancio. portas de Constantinopla que quase conquistaram.
.1
cuidou-se do Oriente, onde os persas se reorgamza Superado esse grave perigo, pouco depois a questão
m depois de um período decadente e onde sobre- político-religiosa do iconoclasmo (que examinamos
:do os árabes começavam a despertar de ~on~ le- no capítulo anterior) agitou o império por mais de
targia. Assim, no período seguinte, o lmpéno Bizan- um século.
' tino teria grandes perdas provocadas por esses povos. Contudo, com o advento da dinastia Macedônica
! i
1 ' ii Internamente, as ambições justinianas tamb~m ca: (867-1056},o Império Bizantino conheceria seu apo-
saram problemas, por exemplo com a Se~ção . geu. Retomou-se a ofensiva contra os árabes, coroa-
Niké em 532. Preparando suas expedições ~1denta1s, da pela reconquista de Creta e Chipre, que davam
aquele imperador elevou excessivamente os impostos, novamente a Bizâncio o controle sobre o Mediter-
râneo. Em razão disso, o poder bizantino pôde ser
46 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filho O ImpérioBizantino
47

restaurado no sul do Itália. A Síria, perdida três sé- sido perdidos durante a ocupação latina e não havia
culos e meio antes, fÔi reconquistada, ainda que mais condições de se recuperá-los. Os grandes pro-
apenas parcial e temporariamente. O reino búlgaro prietários rurais haviam-se fortalecido novamente
recém-formado e que se revelava perigoso, foi com- causando duplo prejuízo: econômico, pois suas terr~
pletamente esmagado e colocado na órbita da in- trabalhadas por camponeses dependentes eram me-
fluência bizantina. O mesmo aconteceu, por vias pa- ~os ~rodu~~as; politico, ao escaparem da obrigações
cíficas, através da cristianização e da aculturação, fiscais e militares. O comércio tomara-se uma ativi-
com a Rússia. Baseada nesse extenso território, numa dade ~otalmente dominada pelos ocidentais, primeiro
força militar respeitada, numa agricultura produtiva venezianos depois genoveses. Diante desse quadro,
com suas pequenas propriedades, num comércio in- não é de surpreender que a outrora poderosa Cons-
tenso, Constantinopla era a mais brilhante cidade do tantinopla - praticamente tudo que restara do an-
mundo. Correspondentemente, a produção cultural teriormente extenso Império Bizantino - tenha caí-
naquele período foi bastante rica. do em 1453 frente aos turcos. O império chegava ao
Mas todo esse poder e prestígio afastara Bizân- fim, mas sua civilização continuou sobrevivendo em
cio do Ocidente, o que culminou em 1054 com a se- muitas regiões que dele tinham feito parte ou que
paração das suas Igrejas, e em 1204 com uma trai- tinham sentido a força de sua atração.
çoeira ocupação de Constantinopla por parte dos cru-
zados, teoricamente aliados do império contra os
muçulmanos. Desta forma, por mais de meio século
os ocidentais dominaram a grande cidade e alguns
outros territórios formando o Império Latino de Cons-
tantinopla (1204-1261). Os bizantinos organizaram
então três Estados menores que reivindicavam a con-
dição de herdeiros do verdadeiro império, que pre-
tendiam reconstituir. Por fim, com a ajuda de Gê-
nova, que não aceitava os benefícios que sua rival
V-eneza tirava do Império Latino, os bizantinos re-
conquistaram Constantinopla.
Mas no Baixo Império (1261-1453) que come-
çava, Bizâncio não foi nem sombra daquele poderoso
Estado do período anterior. Muitos territ6rios tinham
O Império Bizantino 49

real.
Toda esta prosperidade do império dependia
como tivemos oportunidade de examinar de um~
ampla administração, de uma ativa diplo~acia e de
uma poderosa força armada, que demandavam vas-
tos ·recursos econômicos. Apesar da existência de
grandes cidades, portos, indústrias e um pujante co-
~ércio,. sua economia permanecia basicamente agrã~
na. Ma1er calculou que as cidades participavam com
AS ESTRUTURASECONÔMICAS apenas 5% das rendas impetj.ais e que se necessitava
de dezenove pessoas trabalhando no campo para que
a~enas uma pudesse viver na cidade. Assim, a capa-
cidade produtiva e tributãria, responsãvel pela sua
Constantinopla foi, sem dúvida, o grande centro sobrevivência, residia sobretudo no campo. Diante
urbano da Europa Medieval. Todos que par~ ela deste quadro, percebe-se que o poder efetivo do im-
fluíam espantavam-se com sua grandiosidade e ri- pério estã em relação direta com as oscilações fron-
queza. Um .deles, ocidental, sobre ela dirã: "é uma teiriças, com o vigor ou fraqueza relativa das grandes
grande cidade de negócios; os comerciantes chegam a propriedades rurais em cada fase de sua história. Em
ela de todos os paises do mundo; excetuando Bagdã, , cons:q~ência, elaborou-se um opressivo dirigismo
não existe no universo cidade alguma que a ela se · econom1coestatal, que restringia a iniciativa privada
possa comparar". Durante muito tempo, a cidade através de severas normas e o desenvolvimento de
não foi apenas a capital do Império Romano do uma inevitãvel burocracia, uma das principais fontes
Oriente, mas a capital da comunidade mediterrâni- de despesa do Estado.
ca. Em seu porto, mercadorias de diversas procedên- Assim, o papel do Estado na economia foi deci-
cias se aglomeravam e, para alguns, transmitiam sivo em muitos momentos, ainda que não tenha exis-
apenas uma pãlida idéia da riqueza do império. tido uma doutrina econômica defendida por ele. Na
Porém, as maravilhas de que falam os cronistas em verdade, a prática, a política econômica adotada era
muito amplia o fascínio que a cidade exerce, escon- resultante da própria evolução histórica de Bizâncio.
dendo atrãs de um "aspecto inesgotãvel", um sis-1· Esta ~oi,,,m8:rcadapela herança romana, dai, apesar
tema econômico oscilante e muitas vezes dependente. da ex1stenc1ade um comércio importante em boa
Na verdade, sua riqueza era muito mais aparente que parte de sua história, o fundamental ter sido a agri-
;,<.
/,"
Hüário Franco Jr. e Ruy de Oliveira ,Andrade Filh , O Império Bizantino
51

cultura. Do século III veio o estatismo econômico, rações na estrutura política bizantina, debilitando-a.
fórmula tentada para contornar a grave crise do fim No entanto, a prosperidade será, até o final do
do mundo antigo e que pôde ser facilmente assimi- século XI, a grande marca do Império e de sua ca-
lada por Bizâncio, pois seu nascimento se dera na- pital para todos que conheceram ou deles ouviram
quele contexto e porque, reforçando esta tendência, falar. Um francês do século X dirá que Constanti-
faziam parte de seu território os antigos reinos hele- nopla "é a glória da Grécia, sua riqueza é famosa e é
nísticos, onde o dirigismo era antigo e estava enrai- ainda mais rica que sua fama". Muitos comerciantes
zado na mentalidade. · chegavam a empreender seis meses de duras e peri-
~ Ainda que o objetivo desta política fosse mais. gosas viagens para lá venderem suas mercadorias e
· fiscalista que protecionista, em alguns setores exis- obterem as raras especiarias, os produtos de luxo tão
tiam monopólios estatais, especialmente naqueles decantados. A existência de uma moeda forte e es-
considerados vitais. Pelo mesmo motivo, os artesãos tável, o nomisma, muito contribuía para a realização
os comerciantes estavam reunidos em corporações deste comércio internacional. Sedas, tecidos de linho,.
·gidamente regulamentadas e supervisionadas pelo perfumes, jóias, objetos de marfim ricamente traba-
"'\IJstado.Contudo, o grau de intervenção imperial va- lhados, relicários, diversos tipos de especiarias; estas
liou conforme as circunstâncias históricas, ainda que mercadorias e muitas outras estimulavam os comer-
de maneira geral tenha prevalecido o papel do Estado ciantes de diversas partes do mundo a se dirigirem pa-
como definidor das linhas de rumo da economia, fato ra o império. Feiras realizadas em diversas de suas ci-
perfeitamente aceito pelos bizantinos acostumados à dades, expunham mercadorias européias, islâmicas,
sacralização da autoridade política. O resultado dis- persas, indianas e chinesas; em geral, elas coincidiam
so foi uma iniciativa privada extremamente limitada com as comemorações do "santo" local e promoviam
na medida que o Estado determinava as quantidades grandes afluxos de traficantes locais e estrangeiros.
de mercadorias a serem vendidas, os preços, os sa- O artesanato do império muito contribuía para
lários, os lucros a serem obtidos. Uma conseqüência o sucesso destas "feiras" e deste comércio, desta-
de extrema importância adveio desta politica econô- cando-se o de Constantinopla. Todos seus ramos,
mica: a aristocracia não podia investir na produção como já tivemos oportunidade de mencionar, es-
industrial, controlada pelo governo, nem tinha inte- tavam agrupados em corporações, regime que pre-
resse em fazê-lo no comércio, onde os riscos eram tendia defender os trabalhadores do desemprego, ga-
grandes. Assim, voltou-se completamente .para a rantir aos consumidores abundância de produtos de
agricultura. Esta intima ligação da aristocracia com boa qualidade e a bom preço, combater a ociosidade
a terra provocou, como sabemos, importantes alte- e os ganhos exagerados, manter a reputação dos ar-
52 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filhd O Império Bizantino
53

tigos industriais, principal fonte de exportação. Di- de ouro por vez, depois de provar ter utilizado a pri-
rigindo cada corporação havia um presidente esco- meira.
lhido por seus membros, mas cujo nome deveria ter a Mas essa severidade não afetava apenas aos co-
aprovação do prefeito local. Para se ingressar em merciantes locais. Todos os comerciantes que se diri-
uma corporação, devia-se fazer um pedido ao pre- giam ao império tinham seus barcos revistados na
feito apresentando uma petição com a assinatura de entrada e na saida e suas mercadorias eram rigoro-
l cinco membros que garantissem sua honorabilidade samente registradas. Limitava-se seu tempo de per-
e sua aptidão profissional. Sendo dada a licença, pa- manência, taxavam-se suas mercadorias e proibia-se
gava-se uma taxa variável conforme a corporação. O a venda de determinados produtos que poderiam
1! ' local de estabelecimento da oficina ou loja também concorrer com similares produzidos pelo império.
1 11n'
i,' 1, era designado pelo prefeito, no bairro em que se Também existiam certos artigos cuja venda estava
'! 'r agrupavam os profissionais do mesmo ramo. As ma-
térias-primas e as mercadorias eram compradas se-
proibida aos estrangeiros. Uma eficiente fisca~ação
aduaneira incumbia-se do cumprimento destas de-
:(
,1 gundo cotas fixadas por aquela autoridade, que ainda terminações; severas penas e humilhações prescre-
1 indicava os fornecedores. Toda mercadoria, antes de viam-se para os infratores. Enquanto durou sua pree-
ser vendida, recebia uma estampilha do poder pú- minência mediterrânica, Bizâncio pôde reservar-se a
blico. cômoda posição de receber as mercadorias do estran-
Cada corporação tinha o monopólio de sua espe- geiro sem importá-las e de deixar a cargo destes mes-
cialidade, que devia ser respeitada. A transgressão mos estrangeiros a venda de sua produção. A partir
ao regulamento implicava a expulsão da corporação, do final do século XI, todavia, sua supremacia finan-
confisco da propriedade ou multa em dinheiro, fla- ceira e comercial começará a sofrer a devastadora
gelos e corte do cabelo e da barba (atos humilhantes) concorrência das cidades italianas.
e em casos graves o desterro ou a perda de uma das Até então, três fatores se agregavam para privi-
mãos. Tal sistema não incentivava as iniciativas pes- legiar a prosperidade do Império. Em primeiro lugar
soais, dificultando as inovações técnicas e impedindo a localização geográfica,· pois era ponto de união
grandes ganhos: Gérard Walter calculou em cerca de entre a Europa e a Ásia. Em seu território desembo-
17%-o lucro sobre o preço de venda da mercadoria, cavam as principais rotas comerciais da época: as
sem se levar em conta as despesas gerais. O ritmo de mercadorias do Extremo Oriente vindas pelo Oceano
produção era lento e a produtividade baixa em fun- Indico e subindo o Nilo chegavam a Alexandria; atra-
ção da rigida regulamentação: por exemplo, cada vessando a Pérsia pelo oásis da Sogdiana alcançavam
ourives só podia comprar uma libra (459,S gramas) a Síria; da Ásia Central pelo mar Cáspio atingiam o
54 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filh , O Império Bizantino 55

mar Negro. Em segundo lugar, a existência de exce- Contudo, os historiadores discutem muito sobre
lentes portos em seus territórios, como Alexandria, a continuidade ou não desse comércio após o século
os portos da Síria, da Anatólia, da Grécia, do mar VIH. De um ponto de vista, as conquistas árabes que
Negro e sobretudo Constantinopla. Esta dominava as no século VH tiraram o Egito e a Síria do império
ligações do Mediterrâneo com o mar Negro, era o não chegaram a interromper o comércio dos "sírios",
ponto de encontro de pessoas e mercadorias de todas o que teria ocorrido com o domínio muçulmano da
as procedências, era enfim "o grande empório em Espanha, no século VIH, e a pirataria dos. dois sé-
que se centralizava o comércio do mundo" (Diehl). culos seguintes. De outro ponto de vista, o fato de os
Por último, a marinha bizantina com seu domínio "sírios" terem desaparecido do mundo ocidental não
sobre o Mediterrâneo permitia que os comerciantes , significou um corte com aquela região, pois as re-
da Siria, do Egito e da Ãsia Menor, chamados gene- lações continuaram através dos gregos e dos judeus.
ricamente de "sírios", pudessem manter relações De qualquer forma, o fim do domínio bizantino
com todos os territórios banhados por aquele mar. sobre o Egito e a Síria representou a perda de dois
O comércio com o Oriente levava a Bizâncio pro- terminais de rotas que traziam para Bizâncio pro-
dutos de luxo, sobretudo especiarias e seda. No sul, dutos orientais. Procurou-se então intensificar a ter-
os portos da Criméria comerciavam com os povos das ceira rota, que desembocava no mar Negro. Assim, o
estepes, levando-lhes produtos manufaturados da comércio bizantino precisou mudar de orientação -
Síria e de Constantinopla e obtendo em troca peles, via Itália para com o Ocidente, via mar Negro para
escravos e provavelmente âmbar. Com as tribos do com o Oriente - com a expansão muçulmana, mas
Cáucaso trocava-se trigo, vinho e sal por peles de ' não declinou.
carneiros. Para o Ocidente os "sírios" levavam pro- Sua decadência viria apenas no século XII, do-
dutos orientais, estabelecendo-se em colônias nas minado desde então pelos italianos, que colhiam seus
principais cidades daquela região. Em Roma a co- resultados. Jâ em 922 os venezianos recebiam de Ba-
lônia síria era tão poderosa e prestigiosa que de 686 a sílio I liberdade de comércio no porto de Constanti-
752 apenas um papa não foi de origem grega ou síria. nopla, pagando uma taxa inferior à de outros estran-
Refletindo tal situação, a influência cultural bizan- geiros. A verdadeira penetração latina, porém, co-
tina sobre a Itália daquela época foi marcante. Tam- meçou mais tarde, quando precisando de ajuda con-
bém na Gália havia muitas e prósperas colônias sí- tra os normandos, Bizâncio chamou os venezianos,
rias, como em Marselha e Narbone. As relações co- também temerosos de um crescente poder por parte
merciais com os "sírios" estendiam-se mesmo até a daqueles. Assim, em 1082 Veneza recebia isenção
Inglaterra. total de taxas alfandegárias, um bairro em Constan-
56 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Fil ., O Império Bizantino 57

tinopla e liberdade de trânsito em todo império com nefícios e seu poderio no mar; os gregos se debili-
exceção do mar Negro. Mas para contrabalançar a tavam progressivamente, e cada dia somava uma
- crescente influência dos venezianos, Bizâncio pre- desgraça a mais às calamidades dos dias anteriores".
cisou no começo do século XII conceder privilégios Paralelo ao declínio do comércio exterior e conse-
comerciais a Pisa. Como isso não se revelou sufi- qüente à economia urbana, o triunfo da grande pro-
ciente, também os genoveses receberam vantagens priedade não só rompia o equilíbrio entre a cidade e
para fazer frente ao poderio veneziano. Mas tudo o campo como levava a aristocracia a cobrar sua de-
que Bizâncio conseguiu com essa política foi trans- cisiva participação nas estruturas do império. Os
ferir para seu próprio território a rivalidade e as grupos sociais intermediários, que nas cidades e no
guerras que opunham Veneza e Gênova. O império campo permitiram durante bom tempo uma fonte de
i tornava-se "o teatro e a vitima" (Diehl) daquelas clis- ingressos essencial para a fazenda do império e pos-
putas comerciais. sibilitaram a estabilidade do Estado, estavam agora
De fato, foi procurando apossar-se definitiva- esfacelados. Os grandes proprietários que sempre se
mente e com exclusividade do comércio bizantino, opuseram ao rigido centralismo e intervencionismo
'·1\' que Veneza soube explorar as divergências político- estatal, em sua luta pelo poder, acabaram - junta-
1,
religiosas entre Ocidente e Bizâncio de forma a fazer mente com o declínio comercial e financeiro - com-
.,1
a Quarta Cruzada trabalhar a seu favor. Desta ma- prometendo de forma irreversível a capacidade de
:11''
,1
neira, é que se es.tabeleceuo Império Latino de Cons- sobrevivência do Império. Mas observemos sua evo:-
;11 tantinopla (1204-1261), que beneficiou fundamental- lução ao longo da existência de Bizâncio.
lil\ mente os interesses mercantis venezianos. Por causa A história agrária bizantina pode ser dividida
disso, Gênova ajudou a reconstituição do Império Bi- em três fases: até o século VII a estrutura da agricul-
,1111.'
11'1 zantino, que em troca lhe entregava praticamente o tura romana foi mantida; daquele momento ao sé-
111
dominio sobre seu comércio. Chegou-se mesmo a culo X, graças a uma mudança no regime de proprie-
(\1. cobrar uma taxa de todos os navios não genoveses - dade da terra, defendendo-se o pequeno proprie-
inclusive bizantinos - que se dirigissem ao mar târio, alcançou-se a maior produtividade agricola da
1,! Negro. Bizâncio perdera o controle sobre seus pró- ,história do império; no último periodo, encerrado
L prios territórios. Portanto, à hegemonia econômica .c:omo fim do Estado bizantino no século XV, os
":\i veneziana no Império Bizantino seguia-se a hegemo- grandes domínios reapareceram e passaram a predo-
1 nia genovesa. . minar.
Um cronista bizantino lamentava-se dizendo Na primeira fase, como aliás ao longo de toda a
que "os latinos aumentavam continuamente seus be- história bizantina, as necessidades fiscais do Estado
:1
1
Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Fll O Império Bizantino 59
58

é que determinaram as condições da agricultura. tuida por um imposto per capita e outro sobre a
Assim o sistema tributârio criado para fazer frente terra, sem a necessidade de sujeitar o contribuinte ao
'
aos problemas .
do século III continuou a ser. empre- solo. No caso das terras que escapavam a essa re-
gado, ligando o indivíduo à terra. Sem condições. ~e forma, cada aldeia devia um imposto global, que era
satisfazer as necessidades do Estado no que dizia dividido entre as propriedades individuais. Os mem-
respeito aos impostos, a população rural colocava-se bros da aldeia respondiam solidariamente ao paga-
sob a proteção de um senhor poderoso, oferecendo- mento do imposto, pois se um camponês não pagasse
lhe suas terras e seu serviço. Ainda que legalmente ' sua parte o vizinho era obrigado a fazê-lo, mas ga-
1
1,1 livres estes camponeses perdiam sua liberdade de nhando o direito de usufruto sobre aquela terra. Tal
1 li movi:nento tomando-se servos. Surgiam desta forma sistema era conhecido por a/lelengyon.
'1\,' ',, grandes proprietârios, donos de imensas riquezas e Tanto num caso como noutro a vida quotidiana
, .i 1
do camponês bizantino não era fácil, geralmente
de poder, como o caso da familia d?s Apion, no
1
r Egito, que nos séculos V, VI e VII tinha ~m s~as morando numa cabana bastante simples, trabalhan-
1
,1~,; mãos extensos territórios, um corpo de funcionânos do com recursos precários e extremamente depen-
lt !\1 para administrâ-los, prisões, sistema próprio ~ dentes das condições naturais, vitima do banditismo
pesos e medidas, um serviço de transporte~ _parti- endêmico em certas regiões e de invasões estrangeiras
,J' '
,,·1 cular para ligar suas terras, um regime especifico de em outra. A produtividade agricola, ainda que su-
. ,ili
11
11
arrecadação de impostos. Enfim, um verdadeiro Es- perior à do Ocidente da mesma época, não permitia
1
'·11 grandes exceden!es. A criação era muito importante,
,1 /,\ : tado dentro do Estado.
No século VII, porém, o poder dessa aristocra- sobretudo na Ásia Menor, com o gado sendo o prin-
1

'.1\\ll cia diminuiu devido às invasões eslavas, âvaras, per- cipal bem do camponês e a medida de sua riqueza
pessoal. Em função disso, a carne era pouco consu-
l11
'111.
I.',
111,1
sas ·e ârabes, que devastavam a terra, destruíam as
colheitas, escravizavam a população. A grande pro- mida, pois implicava abater o animal, mas o leite e
priedade, no entanto, não desapareceu. Mas o f~to seus derivados eram bastante utilizados. A caça,
,\ 1:.\11, porém, permitia ao camponês o consumo de carne de
1 11 ' significativo desse periodo foi a reforma empreendida
1: pelo imperador Heráclio (610-641). Este criou, como tempos em tempos. A pesca complementava sua ali-
vimos os themas, províncias militarizadas cujas tro- mentação com mais frequência.
i pas ~cebiam terras que deveriam cultivar. O fil~~ Tal situação tornou-se mais difícil desde o sé-
primogênito de um soldado herdava os deveres mib- culo X com a desintegração das comunidades cam-
tares do paí e os outros filhos tomavam-se camp~- ' ponesas livres. Como o sistema a/lelengyon forçava a
neses livres. Assim, a tributação anterior era substi- emigração daqueles que não conseguiam pagar os
',
60 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filh O ImpérioBizantino
61
....----------~-----
impostos, muitas terras passavam para as mãos do
l

O primeiro compunha-se de propriedades privadas


Estado. Este não as explorava diretamente, venden- d,a ~am~a imperial e de domínios estatais, em Prin-
do-as, arrendando-as ou concedendo-as, de forma c1p10diferentes mas na prâtica uma coisa só pois o
que acabavam por cair sob dominio dos grandes imperador dispunha de ambas. Estas terras ;stavam
proprietãrios. Não surpreende assim que o crescente dispersas por todo território em grandes e pequenas
poder da aristocracia a tenha levado a ocupar o trono parcelas, variando sua extensão total jâ que freqüen-
com Nicéforo Focas, que em 967 anulava certos di- temente faziam-se concessões e incorporações. As
reitos anteriormente dados aos camponeses. Mu- terras da Igreja cresciam de forma constante graças
dando a estrutura das terras militares, tirando-lhes o às doações feitas por todas as camadas sociais e à .
i
1 carâter de pequena propriedade, alterou-se a própria P!oibição de se vender terras de instituições reli-
1,
composição do exército bizantino, desde então for- giosas. Contudo, as propriedades que mais cresciam
mado pela pequena nobreza. eram as dos nobres, tomando terras de camponeses,
A última tentativa de enfrentar o poder dos soldados e mesmo, como administradores dos do-
1 ' grandes proprietários veio com Basílio II, que em 996 mínios alienâveis da Igreja. '
1 revogava a legislação de compras feitas pelos latifun- Assim reuniram-se'as forças que levariam o im-
'1 diârios hâ alguns anos. No entanto, sua mais impor- pério à dissolução. Perdendo o controle sobre suas
,,1
\'11 tante determinação foi atribuir o pagamento do alle- principais fontes de renda - o imposto territorial e
" lengyon aos grandes proprietários, ação de duplo as taxas alfandegárias - o Estado viu-se obrigado a
;1 '
1:1 1 efeito ao dar maior segurança ao tesouro (já que desvalorizar a moeda. O nomisma que por séculos
muitas vezes o pagamento ultrapassava a capacidade fora o instrumento de troca preferido no comércio
dos camponeses) e ao debilitar politicamente os aris- internacional da época, desde o século XI era cu-
tocratas. Porém, com a morte desse imperador, nhado cada vez com menor quantidade de ouro. Se
aquele sistema tributário foi abolido e passou-se a desta maneira o Estado obtinha recursos imediatos,
arrendar os impostos. As leis que protegiam os pe- pagando os credores com moeda fraca, a médio pra-
quenos proprietários foram deixadas de lado. A gran- zo perdia, pois recebia os impostos nesta mesma
!i
1: de propriedade vencera, ainda que em vários locais moeda desvalorizada. Assim, o luxo da corte, a con-
1: tenham continuado a existir camponeses não depen- tratação de mercenãrios, a custosa diplomacia as
11,
1 dentes. .
numerosas isenções '
concedidas à nobreza e ao clero
'1'
1
. De qualquer forma, a unidade produtiva básica levavam novas e constantes desvalorizações, agra-
continuou a ser o latifúndio num dos seus três tipos: vando a situação financeira. Enquanto no começo do
i
terras da Coroa, de nobres e das igrejas e mosteiros. século XIII um ocidental deslumbrado com Constan-
62 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filho

tinopla falava do ouro, prata, pedr~s preciosas, pe-


les tecidos finos "e de todas as coisas caras como
ja~ais foram encontradas noutro local"' um -~c~l~
depois no casamento de um imperador, a comi a .o1
rvid; em vasilhas de louça e de estanho, nos traJes
~~periais havia contas coloridas em lugar de pedras
preciosas, o diadema era de couro: E concluia ~.cro-
. ta biz·antino que nos dã essa mformação, faço
vergonh"a .
DlS .
esse relato com verdadeira
AS ESTRUTURASSOCIAIS

A conturbada existência de onze séculos do Im-


pério Romano do Oriente acarretou inúmeras pecu-
liaridades e características que, em meio a elos co-

muns, elaboraram sua personalidade. Mesmo uma
delimitação geográfica do mundo bizantino torna-se
' uma tarefa árdua. A cada momento de sua história,
retrocessos e expansões alteram-lhe constantemente
as feições. Uma multiplicidade de povos, raças, lin-
'1
guas e credos ora instalam-se sob suas fronteiras, ora
as fazem recuar. Constantinopla se pretendia a ca-
pital de um império greco-cristão, mas os seus habi-
:i tantes verdadeiramente gregos constituem uma ma-
ara parcela da população. Tal complexidade nos
impõe a tarefa de encontrar alguns eixos onde pos-
1,,
,,1
~qa~~º~º~º~~~--:;:..---::~ samos identificar e compreender alguns dos traços
Seda damasqueada com grifos ala~~• séc. XI. Tesouro mais comuns e mais gerais de sua personalidade.

•----
! da Catedral de Santo Estevao, Saens. Ser "bizantino" não implica uma "nacionali-
I'
:j
dade".Os estrangeiros de Constantinopla, já em sua
1
64 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filh O Império Bizantino
65

segunda geração eram considerados "romanos de estiveram continuamente sujeitos a violências, quase
origem" (Walter). Para tanto, bastava que falasse o sempre instiladas pela Igreja. Tal intolerância; de
grego e fosse ortodoxo. E~ ~?e da gra!ld.; fl~tua- certa forma, era justificável para um bizantino; pois
ção de suas fronteiras, sena difícil uma exis~encia t_ão no império, "a ortodoxia tomava o lugar da naciona-
prolongada sem esta elasticidade de ~u~ cidadama. lidade" (Diehl). A sua manutenção material muitas
Eslavos búlgaros, georgianos, armemos, persas, vezes cobrava atitudes extremas: deslocavam-se po-
russos, ~ormandos, gregos, italian~s, an~l~-saxões e pulações inteiras, construíam-se fortalezas frontei-
outros confundiam-se em meio à mstabilldade das riças, realizavam-se campanhas contra tribos ou po-
·1 feições do império. Estas geralmente enc~ntravam vos insubmissos. A estes procedimentos, reunia-se a
1.
,. um freio a oeste no Adriático; ao norte, a hnh~ tr~- tentativas de assimilação onde tinham papel desta-
dicional do Danúbio e do mar Negro; ao sul~ pnmei- cado a língua grega e a ortodoxia religiosa para asse-
,1,
ramente o Egito e depois ~~ta, sem?re disputa~ gurar a unidade em meio ao redemoinho das mi-
,,, pelos árabes. No oriente, Sina, Palesti~a, Anat6ha, grações.
'),
',

,'\
0

11
Georgia e Armênia formavam uma lm~a . sempre A religião ocupava um lugar de destaque na vida
:'I
1 muito apagada e indecisa. Mas mes~o o~ h~it~s geo- da população do império e, em especial, de sua ca-
'
,, '
' gráficos não definem uma "área bizantin~ 'Já q~e pital. O sobrenatural tinha um destacado papel no
~i eram completamente extravasados pela diplomaci_a quotidiano: problemas políticos ou sociais acabavam
i•i1
'"'I da Roma Oriental. Muitos são os povos a ~~~er. tn- por tomar feições religiosas; as festas quase sempre
:,1i butos à sua civilização, incluindo até os mimigos eram religiosas; até mesmo o comércio carregava
'( '

'ntimos". Geralmente, quando derrotada pela força símbolos religiosos. Tal fervor era agravado pelas
:1·,
'11 ,1
~as armas; Bizâncio ressurgia vi~oriosa?ela força das constantes tensões que passava o império. Portanto,
'li;
ili. idéias; a renascença é disto o mais clássico dos exem- não causa espanto as rivalidades que eventualmente
'1!1
,1
'i afloravam entre suas principais cidades. ConstanH-
1

plos. . "d d . nação nopla necessita comb~ter a rivalidade de grandes


Uma exceção a esta ampla ci ~ ~ma era a
:\t '1
! judaica. O impedimento à sua assimilação d~o1;1~•
obviamente, de problemas religiosos. Se a pnn~1pio
.
centros como Alexandria e Antioquia. Algumas con-
tingências auxiliam a vitória de Bizâncio: Alexandria
gozavam de direitos, à medida ~ue o impéno foi ad- é arrebat~ pelos árabes e Antioquia declina por
,,
quirindo suas caracteristicas cnstãs-ortodoxas, pas- razões comerciais. Outras cidades, vitimadas pelas
,1
1,
sam a sofrer restrições. Em Constantinopl~, sua per- reformas administrativas - em especial a instalação
!; seguição principia-se logo, já com Teodósio_II (-1()8- do sistema de themáS - transformavam-se em ca-
i: 450). Nunca foram muito numerosos na capital, mas pitais de províncias, pequenos bispados ou centros
66 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade
O Império Bizantino 67

das comunidades rurais. Só Roma Oriental guardou


a situação de grande centro urbano. Com o grande
O 500 1000 1500
cisma de 1054, liberou-se de Roma e tornou-se a """
M- 1 1
grande capital espiritual do Oriente.
Até a sua conquista pelos latinos da Quarta Cru-
zada (1204), a população de Constantinopla situava-
se ao redor de um milhão de habitantes, decaindo a
seguir para menos de cem mil em 1453. Sua popu-
lação esparramava-se pelas circunscrições adminis-
trativas ou Demos, bairros onde estabeleciam suas
diferentes facções. Estas eram quatro a princípio
(Vermelhos, Verdes, Brancos e Azuis), mas logo re-
du~ram-se a duas: os Verdes e os Azuis. Tal assimi-
no •$ante 1
lação denotava que adquiriram cunho bem mais •\ ♦Santa S:~o~~~
amplo que o de meras "associações desportivas". _,;s
Milion Âu Ü
G11nd1 ..
Possuíam feições econômicas, político-religiosas, atri- \'· Ptlkio

buições civis e militares. Isto explica a grande impor- Porto


ucoleo
tância de que se revestiram nos inícios no império. MAR DA MARMARA
• Slo Joio de Studi
Assim, os Azuis eram aristocratas e ortodoxos, en- , ~
d
quanto os Verdes eram populares e de ortodoxia du- •• oraaÔour■da
vidosa. Sua história nos primeiros trezentos anos do TRACIA
império é pontilhada de violências, rebeliões e verda-
deiras "guerras civis". Muitos imperadores aprovei-
taram-se deste antagonismo, ora favorecendo a um
ora a outro. No entanto, às vezes os Azuis e Verdes
uniam-se e se tomavam extremamente perigosos,
como no caso da Revolta de Nik:é (532). O Hipó-
dromo era seu palco para reivindicações e comícios.
Nele, uma querela religiosa, uma questão política,
alterações de leis ou costumes, dava vazão às sedições
e massacres que, por vezes, estendiam-se por toda a Planta de Constantinopla.
68 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade O Império Bizantino 69

cidade. monetários por parte do Estado tomou mais elástica


A importância dos partidos não deve, todavia, a ascensão a certas dignidades, desenvolvendo ao
ser exagerada. Apesar de suas raízes populares, os lado de uma hierarquia burocrática, uma hierarquia
Demos tinham sido criados pelos imperadores. Seus de títulos, abertamente vendidos e constantemente
núcleos eram numericamente pequenos e titulados, ampliados. A riqueza monetária democratizou as fi-
tendo-se a impressão de amplos "partidos de massa" leiras da aristocracia. Além da compra de um título,
por atraírem às suas órbitas grande parte da popu- uma outra forma de ascensão muito utilizada era a
lação, passando-os à dependência dos Verdes ou castração. Bizâncio era "o paraíso dos eunucos"
Azuis. Se no inicio a política antagônica era mantida (Runciman). A impossibilidade de sua hereditariza-
e às vezes insuflada pelos imperadores, vê-se nisto ção nos cargos os tomava atraentes aos olhos do Es-
uma tentativa de desvio das tensões populares que tado. Desenvolveu-se uma grande burocracia de eu-
poderiam chegar a ameaçar o Autocrator Basileus nucos, poderosa arma imperial contra a tendência de
(Rei Autocrata, o Imperador) e seu trono, como no ca- "enfeudação" dos cargos, sempre presente na no-
so de Niké. Destarte, a afirmação do poder imperial breza hereditária.
desvenda, já no século VII, o pequeno número de O comércio bizantino valorizava os ganhos mo-
Verdes e Azuis detendo privilégios e cargos na admi- netários estigmatizados no Ocidente, dinamizando a
nistração imperial. Diversas reformas asseguram sua estrutura social. O Estado, através de monopólios,
completa transformação. Os partidos dos Demos se- fábricas e regulamentações, figurava entre os grandes
guiram organizando os jogos circenses e formando comerciantes. Por vezes, até mesmo a Igreja tomava-
corporações, mas seus organismos muitas vezes tor- se uma "agência de financiamentos". A existência
nam-se puramente nominais. Chegaram a formar o destes mecanismos de ascensão e dinamização social
núcleo da guarda palaciana e da guarda da cidade, permitiram a composição de um "grupo intermediá-
constituindo o exército imperial em oposição ao exér- rio". Este grupo social e a existência de uma "buro-
cito provincial. cracia estéril" possibilitam, durante longo tempo,
Entretanto, os caminhos de ascensão social para uma maior independência do Estado e a estabilidade
os membros dos Demos não estavam vedados. Mes- de suas instituições.
mo um escravo, fosse rural ou urbano, poderia uti- O extensoperiodo de agitações e flutuações fron-
lizar seu tempo disponível em trabalhos remunera- teiriças vivido pelo império permitira uma supre-
dos, através dos quais acabava por comprar sua li- macia da cidade sobre o meio rural. Até a segunda
berdade. Quebrara-se a paralisia social típica dos metade do século IX, a terra, fonte primária do
primeiros tempos do império. A busca de recursos poder social dos "poderosos" (nobreza), mantivera
O Império Bizantino 71
70 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Fil ·

propriedades enfraquecia a aristocracia em relação à


um valor duvidoso, instigando a aristocracia territo- sociedade e ao Estado. Unia-se o poder civil ao mi-
rial buscar sua manutenção nos altos cargos burocrâ- litar 'e pagava-se com moedas aos Estrâtegos (ge-
ticos, militares ou eclesiâsticos. Mas esta mesma nerais) das principais e mais estratégicas provindas,
terra continuara a exercer poderosos estímulos. Mui- evitando-se a acumulação imobiliâria.
tos militares destacados continuaram a receber re- Todavia, a autonomia que certas provindas go-
compensas territoriais; a Igreja expandia seu movi- zavam aliada aos problemas e querelas sucessórias,
mento monâstico somando propriedades. Lenta, mas discussões teológicas, crises e pestes somaram-se para
continuamente, imunidades iam corroendo o fisco e fragilizar o sistema. Chefes militares, apesar de di-
destroçando sua base com o gradativo desapareci- versas regulamentações em contrârio, passaram a
mento dos pequenos proprietârios livres. A ascensão comprar terras. Originava-se uma nova aristocracia
de eunucos à administração em grande número co- latifundiâria e militar. Alguns camponeses, incritos
meçava a articular o posterior conflito entre a Buro- nas listas tributârias e que se arruinaram, fugiam ou
cracia e a Aristocracia militar e latifundiâria. Um encomendavam-se a estes grandes proprietârios.
periodo de estabilidade na política externa deflagrou Cresceram os latifúndios comprometendo-se o fisco
o conflito e o meio rural cobrou sua decisiva parti- imperial e a defesa do império. Enquanto persistiram
cipação nas estruturas do império. os perigos externos,· a Roma Oriental permaneceu
No século VII, o sistema de Themas erradicou a coesa e funcional em suas estruturas. Bastou que Bi-
obra dos imperadores do Baixo Império. Tinha ori- zâncio vivesse um período de relativa paz para que
gem o Estratiota ou "camponês-soldado", nova base seus elementos desagregadores emergissem. Rom-
militar e fiscal de Bizâncio. Ligava-se o serviço mi- peu-se o tênue fio que o sustentava. Como diz Vryo-
litar· à posse gratuita de terras. Assemelhava-se à nis "o desequilíbrio entre a espada e a pena, isto é,
principal função do "feudo ocidental", mas o estra- entre os militares e os burocràtas, é a primeira causa
tiota não prestava juramento e dependia diretamente do colapso do Império Bizantino".
do Estado. Os themas pretendiam dar ao império a Este conflito não poderia ter ocorrido em mo-
independência das tropas mercenârias, estabelecer mento pior. De todos os 1,ados, novos perigos abru-
um exército sempre apto para a ação e, simultanea- mavam os i.onzontes do ,império. Temendo a ação
.mente, fortalecer os ingressos da fazenda pública dos militares, os burocritas empreenderam um sis-
ampliando o número de pessoas tributâveis. 8 neces- tema pelo qual o indivídúo vinculado a um "bem mi-
sârio lembrar que a "posse gratuita" da terra não litar" - pequenas propriedades dos themas - po-
eximia o camponês-soldado do imposto territorial. deria ser licenciado dq, serviço ativo em troca de ur
Além destas vantagens, a multiplicação das pequenas
72 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Fil O lmplrio Bizantino 73

resgate monetârio. O exército enfraquecia-se e se re-


-
seu parceiro ocidental. Na origem do império, devido
tomava o expediente da contratação dos mercenâ- 1 às reformas de Diocleciano, encontravam-se fixados
rios. A tudo isto ainda somavam-se as isenções fiscais às terras e divididos juridicamente em servos e livres.
dadas à Igreja que em muito ampliara seus territórios Os primeiros estavam presos à terra de forma defini-
através do monasticismo. tiva; os segundos, ligados apenas por um contrato de
à falência do sistema themático seguiu-se o de- arrendamento. Ao terminá-lo, teriam direito a aban-
senvolvimento da Pronóia, em especial a partir dos donar a propriedade. Na verdade, poucos o faziam.
Comnenos (1081-1185). ! origem da pronóia re- O Estado procurava não incentivar mudanças que
monta a um antigo costume da república romana: lhe afetasse o abastecimento ou· a tributação. A prá-
ceder lotes de terras, a título de recompensa, a sol- tica permitia uma certa mobilidade: a existência de
dados que se destacavam a seu serviço. A ele trans- , um herdeiro - geralmente o primogênito - que le-
feriam-se os direitos sobre as pessoas que habitavam gasse o trabalho e os impostos que cabiam à terra,
ou cultivavam aquela terra; também o de receber os liberava os demais para outras profissões. Para os
impostos antes pagos ao fisco. A idéia que presidia a servos, esta liberação também era possível, depen-
retomada da pronóia era a de associar os proprietâ- dendo apenas da boa vontade do seu senhor. Com o
rios aos destinos do império, além de reorganizar o tempo, aglomeraram-se em aldeias ou comunidades
exército. Aos seus beneficiârios impunham-se pre- rurais. O fisco disto aproveitou-se, passando a taxar
cisas obrigações militares e o dever de recrutar sol- as comunidades que se tomavam responsáveis pela
dados entre seus dependentes. Mas ao final do im- ausência - qualquer que fosse o motivo - no paga-
pério; tais obrigações militares também jâ eram res- mento de algum de seus membros ..
gatáveis por uma taxa, o que incrementa a contra- A reorganização destas comunidades rurais efe-
tação de mercenârios. Sem dúvida, a pronóia asse:. tua-se com o estabelecimento do sistema themático.
melha-se aos senhorios do Ocidente· medieval. Po- O Estado passou a fornecer um lote de terra ao cam-
rém, é necessârio considerar que a pronóia, apesar ponês em troca da obrigação militar, como já tivemos
de muitas vezes hereditária, era uma concessão Es- oportunidade de mencionar. Alguns destes campo-
tatal não implicava a prestação de um "juramento neses-soldados cumpriam à risca o acordo; outros às
cont;atural" e sequer era permitido ao seu possuidor vezes contratavam "terceiros" para realizar sua ta-
alienâ-la ou dividi-la. Em conseqüência, não era um refa militar. Cria-se também o hábito de se contratar
feudo. . . auxiliares para as tarefas agricolas; sobre eles, o
A expansão do sistema de pronózas tornou a si- camponês-soldado exerce apenas uma autoridade
tuação do camponês bizantino bem semelhante à de econômica.
\
74 Hilário Fran.co Ir. e Ruy de Oliveira Andrade Pi. · O Império Bizantina
75
A crise dos themas ampliou o regime de depen-
dências e fortaleceu novamente os grandes proprie- pendê~cia fre~te à autocracia imperial, contribuindo
tários. As comunidades rurais perderam sua força e a para o Jogo ?e ?Iteresses, para as lutas sociais. O ele-
pequena propriedade declina. O camponês instala-se me?to econ~m1co, baseando as estruturas do conflito
de forma hereditária nas grandes propriedades, pa- social, agudiza-se frente à irregularidade fronteiriça
gando taxas e prestando serviços ao detentor legal ~ente. à questão agrâria, à assimilação de novas na~
das terras. Vivem em aldeias pertencentes ao senho- c1onalidades ~ etnias at~avés apenas da língua grega
rio e às suas obrigações para com o grande proprie- e ~ª.o~odox1a. Neste império multi-racial onde a
tário, somam-se as devidas ao Estado. Este .. dua- leg1!1m1dade do .imperador depende da aclàmação
lismo tributário" articula uma luta entre o Estado e soc1a~,sem questionamentos à sua origem e formação
os grandes proprietários laicos e eclesiásticos por tudo impele à constituição destas forças centrifugas'
imunidades e o seu ônus recai sobre o camponês. E o derrotado é o Império. ·
Muitos livram-se das "dependências" e passam a
viver sem domicilio fixo e de trabalhos esparsos. Tais
camponeses muitas vezes não são considerados pelo
fisco imperial em virtude de sua "não-fixação". Sua
situação já provocou inúmeras discussões entre reno-
mados bizantinistas: para alguns, ele teria desapare-
cido com os Comnenos e a ampliação da pronóia;
para outros, prosseguiu existindo. Juridicamente, o
camponês instalado na grande propriedade ocupava
uma posição semelhante à do colono no final da an-
'li
1'
tiguidade e o não fixado era até mesmo considerado .
1
legalmente inexistente.
O conflito entre os grandes proprietários rurais e
o Estado, que domina toda a história de Bizincio nos ·
últimos séculos, reflete, em última instincia, um ·
conflito mais amplo, entre a cidade e o campo, entre
a mobilidade e a imobilidade social. Entremeando o .
conflito, a Igreja, seus mosteiros, seu poder condutor
em um império altamente religioso, busca sua inde- .
O Império Bizantino 11

apenas teriamos raspado o verniz que lustra a civili-


zação bizantina.
Assim, qualquer tentativa de "rotulação" estâ
fadada ao fracasso. Dizer que se trata de um prolon-
game:q.todo mundo romano é uma simplificação que
sequer se aproxima da verdade. Tentar encontrar na
civilização bizantina a "Grécia Clâssica" é um es-
forço que obtém sucesso parcial, em especial no que
diz respeito à educação da elite e das camadas mé-
AS ESTRUTURASCULTURAIS dias; também nos diversos "renascimentos" vividos
por esta civilização. No entanto, esta detecção com-
prova apenas uma "tradição", uma sobrevivência; a
simples menção de "renascimentos" jâ lhe rouba a
Como o leitor pôde constatar ao longo dos ca- primazia. Também já exclui a possibilidade de uma
pitulos anteriores, trata-se de uma tarefa extre~a- vitória incontestada dos elementos do Oriente ou da
mente dificil tentar, em poucas palavras, re!um1! ~ . civilização helenística. Adendos islâmicos - árabes
"mosaico" - sem trocadilho - que constitui a civt- ou turcos -, armênios, iranianos, eslavos, búlgaros·,
lização bizantina. No momento em que principiâ- normandos, anat6licos, etc., somam-se na compo-
vamos a redação deste capitulo, veio-nos à mente . sição do "mosaico bizantino".
uma anedota que o folclore guardou a respe!to de O "mundo romano", que tanto sucesso tivera
uma frase do ilustre ex-general e na época presidente . com relação às terras do Ocidente, não teve êxito na
francês De Gaulle, que teria dito: "é extremamente · propagação de sua civilização latina nas localidades
dificil governar um pais com tantos tipos e marcas de .i por onde passara Alexandre, o Grande. Ai a civili-
queijo"! . .. zação helenística encontrava-se enraizada profunda-
Guardadas as devidas proporções e temporah- ' mente; mas são as exceções que comprovam este
dade, de repente nos víamos diante de uma ci~iliza- _, fato; o monofisismo e a iconoclastia, em especial,
ção britânica em sua tradição e seu conservadonsmo; tomam claros os separatismos, individualismos e tra-
polonesa em sua fé; grega _e~. suas especu~a~ões e _ dições culturais. "A sintese, apesar de suas diferentes
ironia· italiana em sua sensibilidade e emotmdade; raízes, continua sendo um elemento decisivo na evo-
espanhola em seus excessos; corsa em sua. susce~bi- lução de Bizâncio" (Maier).
lidade ... ! A lista poderia estender-se muito mais e : Durante muito tempo se atribuiu a Bizii.ncio,em
78 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Fil o [tfipmo Bú.antino 79
\

razão do forte conservadorismo presente em suas es- da~, tradição e mudança coexistindo simultanea-
truturas, um papel de mero compilador, sem origi- meJ\te, compõem a dinâmica da civilização bizan-
nalidade ou criatividade. Muitas vezes, os próprios tina.\ A sfntese destas duas fortes tendências cimen-
bizantinos contribuíram para esta falsa idéia. Basta tam a originalidade de Bizâncio.
para tanto citarmos o célebre João Damasceno que já ~s transformações político-administrativas e as
dizia: "nada direi que venha de mim mesmo". O medidas econômicas do Baixo Império Romano cons-
peso da tradição romana do Baixo Império, a influên- truíram seus alicerces. Sua estrutura se forjará ap6s
cia sempre presente da Grécia clássica e helenística, árdua luta pela supremacia de Constantinopla frente
a ortodoxia religiosa com verdades definitivas e trans- a outros baluartes do helenismo, comoAlexandria e
cedentes, etc., de fato contribuem para um forte tra- Antioquia. O cristianismo triunfante assume e incor-
dicionalismo e conservadorismo arraigado em sua pora a tradição clássica, determinando o estilo do
sociedade. Em grande parte, a sobrevivência do Im- novo edificio e imprimindo-lhe um formato especial e
pério se fez por este gosto ao rigor tradicionalista, original. A língua grega será o cimento que lhe pro-
superando crises, sobrevivendo aos caprichos de al- moverá, junto à ortodoxia, a unidade. Por fim, o aca-
guns déspotas e observando com profunda descon- bamento será realizado pelos influxos do oriente
fiança os reformadores. persa e posteriormente do Islão.
Esta "pintura" realmente nos deixa tentados a ~ claro que, apesar de vitorioso, o cristianismo
simplificar sua civilização, rotulando-a como estática não provocou grandes alterações na formação edu-
e simples reprodutora de velhos modelos. Porém, cacional do homem bizantino. O ensino religioso
uma análise mais atenta facilmente a destrói. A pró- processava-se paralelamente ao laico e era efetuado
pria verificação de sua evolução histórica, de sua lon- por um clérigo. A Igreja não se opunha - com raras
gevidade, atesta a presença de elementos de transfor- exceções - ao ensino dos literatos pagãos. Os profes-
mação, de mudanças. Reformas como as de Heráclio, sores laicos poderiam ser "particulares", pertencen-
dos Isáurios - apenas para citar alguns - com- tes a uma Universidade ou Escola; uma única exi-
provam a maleabilidade e a capacidade de adaptação gência começou a tornar-se clara com Justiniano:
do império. A continua flutuação das fronteiras, os todos os professores universitários deveriam ser cris-
diversos contatos com outros povos e civilizações, cri- tãos. Tal exigência era possível não apenas pelo pró-
ses profundas,. implicaram amplas mudanças estru- prio caráter do bizantino, como pelo fato de o Estado
turais, buscas constantes de novas soluções para subvencioná-los.
novos problemas. Esta nova "tela" sobre a qual dei- O outono marcava o final das "férias escolares"
tamos nossos olhos explicita a idéia de que, na ver~ e estudava-se quase sem interrupções significativas
80 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade O Império Bizantino 81

até o verão seguinte. O estudo principiava-se logo ,os


cinco ou seis anos, quando o aluno era levado á.os \\
primeiros contatos com as letras. A seguir, dedicáva-
se à gramática, que incluia declinações, conjúgações, ·
sintaxe e o contato com os clássicos, destacan~o-se
Homero. A retórica sucedia à gramática, corrigindo-
se a pronúncia e dedicando-se a autores como De-
móstenes e Heródoto. O estudo caseiro era tradi-
cionalmente acompanhado por um pedagogo. Entre
os dezoito e vinte anos passava-se às universidades e
ao inicio do estudo da filosofia e conhecimentos ge-
rais de matemática, geometria, música e astronomia.
A filosofia sempre representou uma grande pai-
xão na vida do bizantino, mas era dificil livrar-se da
sujeição eclesiástica. No século XI a universidade de Ícone bilateral. Anunciação, séc. XVI. Museu Nacional,
Constantinopla retomou e reconstituiu Platão. O Skopje, Iugoslávia.
neoplatonismo revivido por Psellos prosseguiu de
forma continua, às vezes sob desconfiança da Igreja e
do Estado, até a última dinastia do império. Nestes
tempos, até o escolasticismo ocidental passou a inte- '
grar os estudos de filosofia. A teologia prosseguiu•
uma ciência à parte devido às suas grandes sutilezas,
não havendo grandes destaques entre os laicos. A
matemática pouco ultrapassou a Grécia antiga e, ir'
1.
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, .
apenas com as contribuições árabes, ganhou um
novo impulso. Também na geometria e na astrono-
mia permaneceram os "gregos da antiguidade". Da .....,
....................
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música, pouco permaneceu além dos magníficos hi- -·-·--»t-1;···-·11t···---ij
nos e algumas melodias populares.
Outras matérias também poderiam ser acres-
. .1 .

cidas. Em termos de lingua, o latim após Justiniano Planta da Igreja de Santa Sofia, Constantinopla.
82 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade O Império Bizantino 83

somente era empregado em cunhagens e em citaçõtr5. po, marca o aparecimento de um novo estilo, e marca
O grego merecia: todas as atenções, excetuando-se o igualmente o apogeu deste estilo". Na verdade, os
estudo da poesia clâssica, que exigia uma pronú-ttcia progressos da arquitetura bizantina não cessaram em
âtica antiga, distante da corrente no império. As Santa Sofia, como muito pode-se observar na pos-
demais "não eram dignas de erudição" (Runcinian). terior arquitetura religiosa, bastando para tanto citar
A medicina pouco progrediu após Hipócrates; a geo- os mosteiros de Hosios Lucas do século X e o de
grafia progredia em termos de cartografia, mas per- Dafni do século XI. A respeito da arquitetura pro-
maneciam discussões a respeito da planicidade do fana, infelizmente pouquissima coisa resta, além de
planeta. Na química, apesar do "fogo grego", não ruínas e descrições. Mas pode-se imaginâ-la pelas
existiram progressos. A mecânica, além dos animais maravilhas que se contam, por exemplo, do Palâcio
que rodeavam o trono para, movimentando-se .e ru- Imperial, que resumia influências arquitetônicas pela
gindo, impressionar os visitantes, realizou progressos somatória de dependências construidas cumulativa-
em função da engenharia. mente. Pelo Hipódromo, que junto com Santa Sofia e
A arquitetura traz grandes transformações. Sua o Palâcio, formavam a "trindade" arquitetônica de
maior glória espelha-se em Santa Sofia, a Igreja· da Constantinopla.
Sagrada Sabedoria. Construida entre 532 e 537 por Por sua vez, o Direito após Justiniano ressentiu-
Antêmio de Trales e Isidoro de Mileto, ostenta uma se do declinio do latim e do ensino entre os séculos
cúpula de 32 metros de diâmetro e 60 de altura, VII e IX. Em 1045 Constantino IX funda a escola de
criando a impressão de estar suspensa no ar. Reunia Direito obrigando todos os advogados com pretensões
a forma da basílica da arte primitiva cristã, a técnica a exercer a profissão de freqüentâ-la, demonstrando
retangular trazida do oriente e que possibilitava a claramente o quanto o autodidatismo havia feito
distribuição da pressão da cúpula e a forma crucifor- decair seu conhecimento. O Corpus Juris Civilis ha-
me que desenvolviam os arquitetos cristãos. Iustinias via permanecido em vigor até a publicação da Écloga
no, maravilhado com a obra, agradecia a Deus que de Leão Isaurio em 739, introduzindo princlpios
lhe achou "digno de completar tão grande obra e ul- cristãos no Direito. Mas os Isãurios, como sabemos,
trapassar o próprio Salomãotf. Diehl vai mais além levam o estigma da icQnoclastia. Portanto, com os
em seu deslumbramento: "Notre Dame de Paris, por Macedônios, publica-se aBas(/ica de Leão VI - que
muito notãvel que seja, tem monumentos que a igua- não destrói a obra dos Isáurios -, último código pro-
lam. São Pedro de Roma tem um pouco de falta de mulgado. O Direito Canônico bizantino tem sua
originalidade e só é cristã por aquilo a que se destina; compilação na Syntagma e uma obra publicada a
Santa Sofia, ao contrãrio, é única e, ao mesmo tem- respeito do assunto, a Exegesis Canonum, de 1175.
84 Hilário Franco Jr. e Ruj de Oliveira Andrade O Império Bizantino

Pela data e pelo último -título, percebe-se que neste O dogmatismo e o rel>uscamento retórico fi-
campo o latim prosseguia sendo estudado e utilizado. zeram malograr as hagiografias - vidas de santos
Os contatos mais intensos entre Ocidente e Oriente - , tão populares na tradição oral do Ocidente e, so-
também provocaram uma maior vulgarização do mente nos hinos sacros, manteve-se uma força cria-
latim. tiva. Neles, ironicamente, destacam-se o diádoco Ro-
A literatura, çomo já mencionamos, inaugurava mano üudeu convertido) e o próprio João Damas-
os estudos do bizantino e primava-se pelos autores ceno, sírio e místico. O objetivismo e a didática levam
clássicos. Esta admiração exagerada é, em grande ao fracasso as tentativas de poemas líricos; os gran-
parte, responsável pela ausência de uma espontanei- des amores e paixões são desterrados à épica po-
dade, da elaboração de um vernáculo próprio, de pular. A história, porém, salvará a literatura sendo
uma força criadora. Permanece grega e erudita, ar- uma de suas mais notáveis contribuições. Ela já era
caica, imitativa e artificial. A literatura teológica, detentora de grande tradição clássica e contava com-
uma das grandes paixões do império-cristão, é um nomes de peso, como Heródoto e Tucídides entre
dos poucos ramos que escapa a esta letargia. As cons- outros. Já no século VI encontramos Procópio e sua
tantes discussões, as ·heresias, fazem proliferar pá- História Secreta. Depois dele, diversos autores do gê-
ginas e mais páginas em defesa da ortodoxia. Tam- nero adquirem importância e destaque, como Nice-
bém a convivência com minorias judaicas, com o isla- tas, Constantino VII, Ana Comneno, Ducas, etc. Esta
mismo, a tomaram proffcua. O pensamento grego foi uma tradição que jamais morreu. Chega mesmo a
uniu-se ao cristão e diversas obras adaptaram os filó- ser surpreendente, em muitos autores que estudam a
sofos gregos em defesa da religião. Porém, a partir história do próprio império, de seus amigos e inimi-
do século IX, também a teologia encontrou-se prisio- gos, a imparcialidade, como no caso de Nicetas Aco-
neira do "passado cristão". As "verdades" já es- miniato que escreveu sobre a queda de Constantino-
tavam expostas pelos teólogos antigos e desconfiava- pla em 1204. Primavam-se pela correção nas observa-
se das idéias originais a ponto de João Damasceno ções, na documentação de que se muniam, na objeti-
proferir sua já citada frase: "nada direi que venha de vidade com que abordavam seus temas, o que per-
mim mesmo". O desconhecimento e mesmo "des- mite até perdoar certas parcialidades que podemos
prezo" pelo trabalho teológico do Ocidente protelou mesmo considerar "naturais".
a tradução e o conhecimento de um Santo Agostinho Grande parte do sucesso deste gênero da litera-
ou um São Tomás de Aquino, que lhes poderia re- tura bizantina deve-se à concessão que fizeram seus
novar e mesmo encetar um novo diálogo entre as autores à língua corrente; também o interesse que a
Igrejas cismáticas. história despertava na população, chegando a equi-
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Hilário ·Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filh ·· O Império Bizantino 87
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parar-se às discussões teológicas. A participação e o A coexistência da tradição com a mudança, elo


1

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interesse popular contribuem para o surgimento das dinâmico da Roma Oriental, encontra uma de suas
1 Crônicas, de temas amplos e variados e que abran- sinteses mais completas nas artes. Santa Sofia, a
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111: 1 gem desde a história da Grécia ou de Roma até as Igreja da Sagrada Sabedoria, é um de seus mais be-
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proezas de um Alexandre Magno e adaptações de los exemplos. A arte bizantina é sobretudo religiosa,
contos orientais com vestimentas cristãs. A litera- "mas nem por isso cristã" (Runciman). O império
tura, através das Crônicas, deixava a preocupação carrega uma multiplicidade de fontes e soube adap-
erudita e o refinamento retórico dos salões, ganhan- tar-se sem prejuizo de suas bases clássicas. O sopro
do as ruas e readquirindo força e originalidade. Ela inovador provém do Oriente com sua arte mais di-
nos brinda com obras como Barlaão e Josafá e a poe- reta, mais mistica, rompendo ou adaptando a fluidez
sia épica de Digenis Akritas que se iguala e, segundo e a naturalidade da arte helênica. A complicada e
a opinião de alguns, supera qualquer outra canção detalhista pompa romana cede seu lugar a uma pom-
de gesta. pa mais simples, porém mais íntima do persa. Este
Ligada ao gênero "história". as biografias se ati- ma~or misticismo e simplicidade - sem sacrifício da
veram mais àos temas hagiográficos e foram engo- pompa - vem diretamente aos interesses da Igreja,
lidas pela literatura teológica. As autobiografias fo- recentemente aceita pelo império e logo seu braço di-
ram muito raras. Manuais descritivos de Constanti- reito. O império terrestre deveria refletir os esplen-
nopla, manuais militares, administrativos e obras dores do "celeste", buscando uma grandeza transcen-
enciclopédicas - algumas de grande valor - com- dente e inacessível. Logo, a frontalidade procura
pletam este rápido quadro da literatura bizantina. assumir o papel de indutora da espiritualidade, com
Afora a história, a crônica e. o início da literatura imagens rigidas, rodeadas por anjos e com as digni-
teológica, Bizâncio reservou-se o papel de preserva- dades centrais geralmente inexpressivas e, portanto,
dora minuciosa da tradição e da filosofia clássica. intocáveis. Em geral, obedecem o ritual da corte e
Após a conquista de Constantinopla pela Quarta ganham a magnificência dos mosaicos que possibi-
Cruzada em 1204, pouco se conhece da posterior or- litam grandes efeitos sem perder a simplicidade e
ganização do ensino, ressaltando-se o fato de que, ao obviedade, mas também sem prejuizo da suntuosi-
menos, a retomada dos estudos clássicos e a inserção dade. A arte religiosa avança sobre temas como a
dos conhecimentos ocidentais são extremamente re- Paixão de Cristo; a iconografia sobre Cristo, a Vir-
vigoradas sob os Paleó[Qgos. 8 o contraste com o de- gem e os Profetas; a temática profana sobre os triun-
clinio material do :iµtpério que ruma, de fo:r'mairre- fos imperiais.
versivel, para sua conquista pelos Otomanos. A nova arte deste primeiro periodo áureo dota-
88 Hüário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filh · O Império Bizantino 89

se de um solene esplendor, profundo significado e de A vitória das imagens acarretou a consagração


uma simplicidade deliberada. A influência oriental, do tradicionalismo sacro e o surgimento de um neo-
-através da clareza de objetos e intenções, triunfara. helenismo. O colorido do mármore no exterior e in-
Mas a sobrevivência da delicadeza e sofisticação clás- terior dos edifícios confere a parte oriental deste pe-
sica é garantida através das miniaturas e ilustrações ríodo. Cores, movimento, ornamentação, refinamen-
ou iluminuras que, por vezes, inspiravam os mo• to. A arte profana ·triunfa e invade a arte religiosa
saicos; também nos retratos, que cobravam maior fi- através de seu classicismo e de seu realismo, dando o
delidade de traços. A estatuária tomou-se mais rara, tom em que se fixará definitivamente a iconografia.
pois não era apreciada pelos cristãos nem pelos orien- A ortodoxia vence na decoração das Igrejas.
tais, mas sobreviveu nos baixos relevos. No geral, a A conquista latina de Constantinopla provocou
escultura sobrevivera mais como arte decorativa. a dispersão, mas não a interrupção da evolução artfs-
O período que se segue ao governo de Justiniano tica. A pobreza do império restaurado impele ao de-
(527-565) é extremamente conturbado por perigos clínio os grandes mosaicos; retomam-se os afrescos,
externos. A necessidade de defesa do império inter- revigorando os clássicos. Os contatos com o Ocidente
rompe o incentivo material em grande escala às artes. latino 'incrementam as trocas de influências; na ver-
O Islã expande-se e, internamente, a querela icono- dade, Bizâncio mais cede que recebe. Tais contatos
clasta (726:.842) assola a Roma Oriental.Na verdade, foram constantes durante toda a Idade Média. Um
não houve repúdio à arte de forma generalizada, mas exemplo típico é a própria Itália em que Bizincio,
a um tipo especifico de arte: as de conteúdo religioso. pelo menos até o século XI, exerceu póderosos in-
De certa forma, o período pode até mesmo ser enten- fluxos. Seu prestigio no Ocidente sempre possibilitou
dido como uma retomada do "primitivismo" cristão, a contratação de artífices, técnicos, etc. para a exe-
avesso à idolatria. Não ocorre uma paralisação das cução de obras consideradas difíceis. As relações co-
artes; antes disto, significou uma retomada do pro- merciais, apesar dos períodos de declinio, nunca ces-
fano, do naturalismo e do realismo, o distanciamento saram. Muitos peregrinos que se dirigiam para Jeru-
do frontalismo. Cenas decorativas recuperam os mo- salém passavam por Constantinopla; também lã se
vimentos humanos; retomam-se os temas heróicos do estabeleciam comerciantes ocidentais; ·embaixadas
helenismo e floresce a arte ornamental. A iconografia visitavam Bizâncio. Tais dados comprovam a exis-
permaneceu viva dento dos mosteiros e obteve o res- tência de um fluxo, em contrapartida, que safa do
paldo popular. Desta época saem os elementos que Ocidente rumo ao Oriente.
elaboraram a segunda idade de ouro da arte bizan- Em diversos momentos, a influência bizantina
tina. esteve presente no Ocidente. A Igreja de São Vital de
90 Hüário Franco Ir. e Jiuy de Oliveira Andrade Fil O Império Bizantino 91

Ravena serve de inspiração para a construção da de dições de Constantinopla. Desnecessúio seria co-
Aix-la-Chapelle por Carlos Magno; a Igreja de São mentar a respeito das influências de Bidncic) sobre a
Marcos de Veneza tem seu modelo na Igreja dos Rússia; para tanto, bastaria lembrar a existenc:iitda
Santos Apóstolos em Constantinopla. Na Alemanha, igreja de Santa Sofia de Kiev.
ilustrações riquissimas atestam a influência bizan- Desta forma, o Império Bizantino sobreviveu;à
tina. No entanto, também é certo, como nos fala gradativa redução das fronteiras territoriais. corres-
Diehl, que a "arte do oriente contribuiu para des- ponderá uma expansão paralela das fronteiras·inte-
pertar nos artistas do Ocidente a consciência de suas lectuais, artísticas e culturais. Em ~ Yida,Bidncio
próprias qualidades; e mediante a influência de ou- soube conciliar elementos tão contradit6rios como a
tras correntes e tradições, muitos deles se emanci- tradição e a mudança. Pois foi essa mesma capaci-
param". dade sempre presente em sua civili:r.açlo que lhe
A escola de Bolonha revive o Direito de Justi- colheu uma última vitória diante de seu declfnin m-
niano e auxilia o crescimento do poder das monar- oente: a imortalidade.
quias frente ao da Igreja e dos senhores feudais.
Apesar do constante atrito entre as Igrejas do Ociden-
te e do Oriente, é em João Damasceno que Pedro Lom-
bardo e São Tomâs de Aquino se inspiram. Platão
retomarâ o Ocidente graças ao renascimento does-
tudo de suas obras pela Universidade de Constanti-
nopla. Também dos humanistas bizantinos se reto-
marâ no Ocidente o estudo dos clássicos.
Ocidente e Oriente lhe serão grandes tributârios. i

No Ocidente, a civilização da renascença; no Império


Turco-Gtomano, a adaptação de suas formas polí-
tico-administrativas às do antigo Império Bizantino, ·
enquanto a Igreja Orto4oxa conserva viva a civiliza-
ção da Roma Oriental. Entre búlgaros e eslavos, a
diplomacia conseguira preservar os rituais da corte;
era entre eles, motivo de orgulho lembrar de ances-

-------
trais familiares da nobreza bizantina. Também entre
eles, a Igreja Ortodoxa serâ a mantenedora das tra- Mosaico. Juízo p;, · , . séc. XII. Catedralde Tarallo.ltMitl.
O Império Bizantino 93

talmente diverso delas. Ou seja, a tradição cristã


tinha sua personalidade, não podendo ser conside-
rada como apenas um apêndice da cultuFa clássica.
Assim sendo uma entidade histórica própria mas
profu~damente ligada àquelas outras duas, o cristia-
nismo cumpriu o papel de intermediação, de ligação,
de articulação, entre elas. Noutros termos, modifi-
cando a proposição de Baynes, o Império Bizantino
foi a fusão da tradição helenistica com a tradição
O LEGADODE BIZÂNCIO romana realizada através do cristianismo.
Por isso mesmo, Bizâncio se diferenciava do
Ocidente onde a tradição helenistica era fraca e os
elementos latinos e germinicos é que foram fundidos
Pelo que acabamos de ver, o essencial do caráter
pelo cristianismo para formar o que se chama_de chi-
do Império Bizantino já estava delineado desde seu
nascimento. Isto é, quando o imperador romano lização ocidental cristã. Também por isso, dife~~m-
ciava-se do mundo muçulmano, no qual a tradição
Constantino deu liberdade de culto aos cristãos (313)
helenistica misturou-se à árabe-persa através da re-
e alguns anos depois (330) ~ndou uma.nova ~~p.ital ligião islâmica. Percebe-se assim que Bizâncio es-
em território há muito helenizado, reunm defm1t1va-
tava mais aparentado ao Ocidente e ao Islã do que
mente os três componentes históricos de Bizâncio: a
estes dois entre si. Mundo intermediário entre aque-
tradição helenistica, a tradição romana, a tradição
las duas sociedades, inclusive_geograficamente, Bi-
cristã. De fato, como mostrou Norman Baynes, o Im-
zâncio pôde exercer poderosa influência sobre elas.
pério Bizantino de maneir~ geral ~ra grego, e ba~- O Ocidente, já vimos, deve-lhe vários pontos de apoio
tante consciente disso, na língua, hteratura, teologia
de seu progresso cultural e material. Quanto ao Islã,
diplomacia, política fiscal, concepção de supremacia
.
e culto , mas romano no direito, organização militar,
já se disse que "sem Bizâncio, os árabes teriam fi-
cado o que eram na época de Maomé, semibárbaros"
do Estado. Dai aquele historiador afirmar que "a
(Diehl). . -
fusão das duas tradições é o Império Bizantino". No entanto, os grandes beneficiados pelo papel
Contudo é indispensável acrescentar a essa aná-
histórico civilizador do Império B~antino foram os
lise o cristianismo, que apesar de dever muito às civi- povos eslavos da Europa Oriental. Eles foram cristia-
lizações pagãs da Grécia e de Roma, era fundamen-
niza~os por missionários bizantinos e junto com a
M Biláio Fnau:o Jr. e Ruy de Oliveira Andrade Filha. O Im~ério Bizantino 95
\
\
teliailopuderam receber noções de governo, prin- culo ~VI ao XX voltar-se para os Balcãs e para
cipios de direito,. elementos de cultura intelectual a Constantinopla~ pretendendo restaurar o Império
artfstica.O próprio alfabeto eslavo, incorporado de- Bizantino. Pelo caminho da longa duração histórica,
finitivamente à vida daqueles povos desde o século essa visão e essa prática políticas enraizaram-se na
IX, foi um instrumento criado por monges bizantinos mentalidade, constituíndo uma psicologia coletiva
para-iniciá-losno cristianismo e na civilização. Assim que fundamentalmente não se alterou com as mu-
nasceramos reinos da Sérvia e da Croácia ( que uni- danças ideológicas ·implantadas com- a formação do
dos formariamno século XX a Iugoslávia), da Bul- Estado Soviético.
giria, da Rússia. A Hungria, apesar de cristianizada Também nos Balcãs o revivescimento naciona-
no catolicismo romano, e a Romênia, formada em lista do século XIX na sua luta contra o domínio
fins da Idade Média, não deixaram de sentir profun- turco fundamentou-se no passado bizantino. Para
dam.entea presença da cultura bizantina, que absor- gregos, sérvios, búlgaros, romenos, a identidade his-
veramem váriosaspectos. tórico-cultural apesar de quinhentos anos de ocupa-
Em ru.1o disso tudo, o desaparecimento do Im- ção estrangeira fora preservada através da Igreja Or-
pério Bizantino diante dos turcos não pôs fim à sua todoxa, ponto de apoio básico para a independência
civilizaçlo. A Rússia, que entrara em sua órbita de daquelas nações. Porém, reverso da medalha, as
influência no século X, proclamou-se sua herdeira e guerras em que os novos países então se envolveram
continuadora, adotando o mesmo símbolo imperial (e que contribuiriam para a eclosão da Primeira
da ãgua bicéfala, a mesma autocracia que fazia o Guerra Mundial) baseavam-se nas conflitantes pre-
czar (mo é, ..césar") ser visto como vice-rei de Deus, tensões que cada um deles tinha de se apossar da
a mesma religiosidade ardente e missionária que herança bizantina. Em suma, se para a Europa Oci-
reuniuririas nacionalidades sob o Império da Santa dental o Império Bizantino foi uma importante fonte
Rússia. Enfim, Moscou era, declaradamente, à su- de inspiração cultural até seu desaparecimento, a
cessora.de Constantinopla, como essa o fora de Ro- Europa Oriental na lingua, na cultura, na religião,·
ma, dai a célebre fórmula "Moscou, a terceira Ro- na política, continua a sentir de forma viva a pre-
ma''. Nesse papel de Nova Constantinopla, Moscou e sença de Bizâncio.
seus-~ <maK~IDJ)re revelaram a.mesma descon-
fiançaem relação ao Ocidente~que seus antepassados
bizantinos. Daí seu imperialismo justificado pelo fato
de seTer como defensora da ortodoxia e, como único
e leaftimoEstadoUniversal, ter feito a Rússia do sé-
I O Im~rio Bizantino
\
97
/ \
/ \
tor, cótno num jogo, ao exercido de encontrar as
inúmeras junções possiveis entre aquelas várias par-
tes. O resultado será, completado o quebra-cabeças,
uma visão global do Império Bizantino. Relembra-
mos apenas, para encaminhar a reflexão, que tendo
sido formado no contexto da crise do velho Império
Romano, Bizâncio desde seus primeiros momentos
agarrou-se a dois elementos que garantissem sua so-
brevivência psicológica e politica: o cristianismo e a
CONCLUSÃO autocracia. Por isso, havia uma visão religiosa da
politica (Império=Reino dos Céus na Terra; impe-
rador=vice-Deus, etc.) e uma visão politica da reli-
gião (hereges=traidores; submissão de outros po-
Onze séculos de História. Através deste longo vos=salvação de suas almas pela cristianização,
período, Bizâncio conheceu dezenas de imperadores; etc.). Dai, como vimos, as relações entre impt:rador e
de patriarcas, de santos, de heresias, de guerras, de patriarca serem muito próximas, por isso mesmo
momentos economicamente prósperos, de crises agrí- nem sempre fáceis.
colas e comerciais. Mas como a crônica detalhada Essa interpenetração do espiritual e do temporal
dessa rica história é de interesse apenas dos especia- naturalmente refletia-se em todos os setores. A eco-
listas, preferimos nesse pequeno livro privilegiar o nomia, como sabemos, era fortemente supervisio-
estrutural sobre o conjuntural, o essencial sobre o nada pelo Estado, e assim as flutuações de poder
circunstancial. Desta forma, importou-nos mais pas- deste ocasionavam constantes instabilidades na agri-
sar ao leitor o que foi o Império Bizantino, do que cultura (ora predominando o latifúndio, ora a pe-
como ele levou sua vida milenar. Contudo, como foi quena propriedade), no comércio (crescente fortale-
dito na Introdução, para isso não basta só conhecer cimento dos interesses estrangeiros), na moeda (des-
as diversas estruturas do império, é preciso também valorizações para o imperador obter recursos). Na so-
ver como elas se articulavam, como elas interagiam. ciedade, o papel de cada camada varíava de acordo
Isso, porém, requereria muitas páginas mais, e é com os interesses politico-econômicos do Estado num
chegado o momento de concluirmos. · certo momento e das condições de suas relações com
Assim, depois de termos apresentado as di~ersas a Igreja naquele mesmo momento: foi o que aconte-
peças que compuseram Bizâncio, convidamos o lei- ceu, como já examinamos, com os monges ou com
98 Hilário Franco Jr. e Ruy de Oliveira Andrade.
!

certos grupos nacionais. A produção cultur,áÍ, por


sua vez, sempre partindo de base helenístico-roma-
nas, estava condicionada no seu espírito pela Igreja
na sua utilização pela Igreja e pelo Estado, na su~
forma pelas condições econômicas da época.

INDICAÇÕES PARA LEITURA

A bibliografia sobre a civilização bizantina ê bastante farta,


obrigando-nos a fazer apenas umas poucas indicações, selecio-
nadas de acordo com os objetivos deste livro, isto ê, que possi-
bilitem um primeiro contato com o tema. Facilitando essa tarefa
felizmente existem algumas obras, introdµtõrias mas importan•
tes, já traduzidas para o português. Tambêm procurando tomar
essas indicações bibliográficas mais acessíveis, citamos sempre
que existentes traduções em língua espanhola.
Quanto às obras mais gerais, que desenvolvem todos os
assuntos abordados aqui, lembremos: N. Baynes, El imperio bi·
zantino. Mexico, Pondo de Cultura Economico, 1966; L. Brehier,
El mundo bizantino. 3v. Mexico, Uteha, 1955-1956; C. Diehl,
Grandeza y .servidumbre de Bizancio. Madrid, Espasa-Calpe,
1963; C. Diehl, Os grandes problemas dá história bizantina. S.
Paulo, Eoameris, 1961; A. Ducellier, Le.sbyzantin.s. Paris, Seuil,
1963; J. M. Hussey, The Byzantine Empire. 2v. Cambridge,
Cambridge University Press, 1966 (tomo 4 da The Cambridge
Caro leHor: Medieval History); J. M. Hussey, The Byzantine World. Nova
As opiniões expressas neste livro sõo as do autor, Iorque, Harper and Row, 1961 (resumo mais acessível do ante•
podemnõoserassuas.Casovocêachequevalea rior); P. Lemerle, Histoire de Byzance. Paris, PUF, 1969; F. G.
pena escrever um outro livro sobre o mesmo tema Maier et alii. Bizancio. Madrid, Siglo XXI, 1974; G. Ostro-
nós estamos dispostos a estudar sua publlcaçõÓ gorsky,Hi.storyof the Byzantine State. Oúord, Oxford Univer-
com o mesmo titulo como "segunda vlsõo". ~ity Press, 1956; S. Runciman, A civilização bizantina. Rio,
Zahar, 1961; D. Talbot Rice, Os bizantinos. Lisboa, Verbo,
---~
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1970; A. A. Vasiliev, Hist6ria dei /mperio Bizantino. 2v. Barce-


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Verbo, s/d.
Para as estruturas políticas, pode-se consultar H. Ahrwei•
ler, L 'ideologie politique de l'empire byzantin. Paris, PUF, 1975;
S. Runciman, A teocracia bizantina. Rio de Janeiro, Zahar, 1978.
Para as religiosas, O. Oement, L 'Eg/ise Orthodoxe. Paris, PUF,
1965; J. Meyendorff, Initiation a la théo/ogie byzantine. Paris,
Cerf, 1975; B. Sartorius, Igreja Ortodoxa. Lisboa, Verbo, 1982;
N. Zemov, O cristianismo oriental. Lisboa, Arcadia, 1972. Para
as econômicas, H. Franco Jr., uma interpretação da economia
bizantinaRevistadeHist6ria 111, 1977 p. 19-49; G. Ostrogorsky, Sobre os Autores
"Agrarian conditions in the Byzantine Empire in the Middle
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Cambridge, Cambridge University Press, 1971 p. 205-234; C.
Verlinden, L'esclavage dans l'Europe médiévale. Vol. 2. Gent,
RijksuniversiteitteGent, 1977. Hilário Franco Junior: Sou doutor em História Medieval pela
Para as estruturas sociais, C. Diehl, Figures byzantines. USP, professor da UNESP, autor de As Cruzadas e de O Feuda·
Paris, Armand Colin, i920; G. Walter, A vida quotidiana erli /ismo ambos nesta mesma coleção, eco-autor (com Paulo Cba-
Bizâncio no século dos Comnenos, 1081-1180. Lisboa, Livros dó con) de Hist6ria Econôm(ca Geral e de Bra&il(Atlas; 1980)._Es-
Brasil, s/ d; P. A. Y annopoulos, La société profane dans l'Empire pecialista em História Medieval, e me~bro da The Medieval
Byzantin des VII, VIII et IX siecles. Louvain, Université de Lou- Academy of America. Atualmente pesqwso temas sobre a men-
vain, 1975. Para as culturais, E. Kitzinger, The art o/ Byzantium talidade ocidental dos séculos XI-XIII.
and the Medieval West. Bloomington, Indiana University Press,
1976; S. Runciman, The/ast Byzantine Renaissance. Cam:bridge,
Cambridge University Press, 1970; H. Stern, L 'art byzantin. Ruy de Oliveira Andrade Filho: Sou graduado em História, pela
Paris, PUF, 1966; B. Tatakis, Filosofia bizantina. Buenos Aires, Universidade de São Paulo, encaminhando atualmente meus es-
Sudamerica, 1952; J. Théodorides, A ciência bizantina. ln R. tudos pôs-graduados em Península Ibérica visig6tica. Também
Taton, (dir.) Hist6ria geral das ciências. 12v. S. Paulo, Difel, sou professor do Curso Universitário.
1959, vol. 3, p. 77-88.
Por fim, para uma aproximação com trabalhos mais re•
centes e mais específicos - como aliâs em outras âreas da histo- Ao primeiro autor coube a elaboraç~ da Introdução, dos dois
riografia -, o melhor é a consulta às revistas especializadas. No capitulos iniciais (As estruturas religiosas; As estru~ poff-
nosso caso destacam-se trêsByzanti'nische ZeitscJÍrift. Munique, ticas), de O legado de Bidncio, da Conclusão e da Bib~a.
1892 ss.; Byzantion. Revue internationa/e des études byzantines. Ao segundo, os demais capitulas: As es~turas econ&micas, As
Bruxelas, 1924 ss.: Revue des Êtudes Byzantines. Bucareste, estruturas sociais, As estruturas culturais. A concepção final
1943-1948 e Paris, 1949 ss. deste pequeno livro é de ambos.

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