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A Europa das Nações

Do ponto de vista pratico, talvez tenhamos de


lamentar o facto de a população da Europa não ter a
mesma raça, a mesma língua e as mesmas aspirações,
mas não tem; e os diferentes grupos que nela subsis-
tem não parecem, nem uns nem outros, dispostos a
assimilar-se reciprocamente, nem capazes de diluir-se
para todo o sempre no seio de um deles.
Arnold Van Gennep, Traité comparatif des nationali-
tés, Paris, Payot, 1922, p. 24

Não há nada de mais internacional que a formação das identidades


nacionais. O paradoxo é de tal ordem que a irredutível singularidade
de cada identidade nacional foi já pretexto de confrontos sangrentos.
No entanto, todas elas provêm do mesmo modelo, cujo aperfeiçoa-
mento se efectuou no âmbito de intensas permutas internacionais.

As nações modernas foram construídas de um modo bem diferente


daquele que é relatado pelas histórias oficiais. As suas origens não se
perdem na noite dos tempos, nos períodos obscuros e heróicos des-
critos nos primeiros capítulos das histórias nacionais. Também não foi
a lenta constituição de territórios ao sabor de conquistas e de alianças
que esteve na génese das nações: isso aplica-se apenas à história tumul-
tuosa de principados e reinos. O verdadeiro nascimento de uma nação
é o momento em que um punhado de indivíduos declara a sua exis-
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tência e pretende prová-lo. Os primeiros exemplos datam do século


da operação não foi fácil: os antepassados, não tinham deixado um
XVIII: antes ~esta data não existia nenhuma nação na acepção moderna
testamento indicando aquilo que gostariam dê transmitir aos seus
da palavra, isto é, política. A ideia, com efeito, inscreve-se numa
descendentes e, além disso, era preciso decidir que ant~,eassados
r~volução !deológica. A nação é concebida como uma grande comu-
escolher para doadores, ou, mesmo, descobrir hipotéticos ascendentes
rudade, uruda por laços que não se resumem à submissão a um único
comuns aos Auvernheses e aos Normandos (aos Suábios e aos Saxões,
soberano, nem à pertença a uma única religião ou a um mesmo estrato
aos Sicilianos e aos Piemonteses). Para fazer surgir o novo mundo das
social. Não é O monarca que a determina, sendo a sua existência
nações, não bastava fazer um inventário das suas heranças, era neces-
ind~pendente dos acasos da história dinástica ou militar. A nação é
sário inventá-lo. Mas como? O que poderia tornar-se um testemunho
mmto semelh~~te ao Povo da filosofia política, Povo esse que,
vivo de um passado prestigioso e a representação eminente da coesão
s_e~do os teoncos do contrato social, pode por si só conferir legi-
nacional? A tarefa era árdua, foi demorada e colectiva. Um vasto
tlmid~de ,ªº _poder. Mas é mais do que isso. O Povo é uma abstracção,
a naçao e viva. campo de experimentação, sem mestre-de-obras e, contudo, com uma
intensa animação, abriu-se na Europa no século XVIII e conheceu no
Mas de q~e" é ~eita a naçã?? Todos conhecemos a definição de
século seguinte um período de grande produtividade. Uma das suas
~enan: <~ exis~encia de uma nação é um plebiscito quotidiano 1.» Esta
características foi ser transnacional. Não é que tenha havido um
formula e mmtas vezes invocada para corroborar a tese de uma
•acordo prévio e uma divisão do trabalho: mas todas as equipas n~cio-
co~cepção e~pecificamente francesa, não orgânica, da nação. Em geral,
nais estavam muito atentas ao que os seus pares e concorrentes faziam,
omite~-se a cita~ão dos antecedentes, que respondem implicitamente à
apressando-se a tomar como sua uma nova descoberta ~dentitária,
questao essencial: por que razão participam os Auvernheses ou os
sendo esta imitada, por sua vez, assim que revelava aperfeiçoamento
Normandos no plebiscito da nação francesa e não os Letões ou os
e inovação. Quando os letrados alemães exortaram, com sucesso, os
Andaluz~s? O que faz a nação, segundo Renan, «é um legado rico de
seus compatriotas a se~r o exemplo inglês na exumação do seu
recordaçoes», «tal como o indivíduo é o resultado de um longo pas-
património cultural nacio~l, foram logo seguido~ pe~os seus homó-
sado de esforços, sacrifícios e devoções». E Renan precisa: «O culto
logos escandinavos ou russos que começaram a mspirar-se. nos Ale-
dos antepassados é, de entre todos, o mais legítimo; foram os antepas-
mães. Algumas décadas mais tarde, os eruditos franceses fustigaram os
sa~os que nos fizeram como somos.» O objecto do plebiscito é, com
seus cidadãos por demorarem a iniciar um empreendimento ond_e
efeito, uma herança simbólica e material. Pertencer à nação é ser um
Russos, Espanhóis e Dinamarqueses se haviam destacado. As exposi-
dos herdeiros desse património comum e indivisível conhecê-lo e
ções internacionais, lugares por excelência de exibição identitária,
venerá-lo. Por toda a Europa, os construtores da naçã~ não cessaram
de o repetir. foram, a partir de meados do século XIX, ocasiões privilegiadas para
esse comércio simbólico. As rivalidades foram intensas, mas na gene-
Todo o processo de formação identitária consistiu em determinar ralidade pacíficas, os acordos frequentes, bem como as trocas de con-
o património de cada nação e difundir o seu culto. A primeira etapa selhos ou, mesmo, os encorajamentos aos principiantes.

1 st O resultado da construção colectiva das identidades nacionais não


Erne Renan, «Qu'est-ce qu'une nation?», conferência proferida na Sorbonne
11 apresenta um molde único, mas sim, segundo a expres~ão provocadora
ª _ _de Março de 1882, primeira publicação: Bulletin hebdomadaire,Association
sci~nt1fique de ~rance, 26 de Março de 1882; in Oeuvrescompletes,Paris Calmann- do sociólogo Orvar Lõfgren 2, uma espécie de kit«do-it-yourselfo: uma
1947
-Le?, (edição crítica de Henriette Psichari), tomo I, secção «~iscours et
conferences». 2
Orvar Lofgren, «The Nationalization of Culture», em National Culture as Pro-
cess,reedição de EthnologicaEuropea,XIX, 1, 1989, PP· 5-25.
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caram frequentemente as realizações estrangeiras naquela área para
série de variantes da «alma naci·onab>e um conJunt • 0 d d" sublinharem a necessidade e,o valor do empreendimento.
necessários à sua elabor ~ H . e proce imentos
açao. OJe podem t b 1
elementos simb , li . . os eS a e ecer a lista dos
o cos e materiais que uma na ão di Os múltiplos intercâmbios cruzados revelam que a construção
deve apresentar uma hi t , . ç gna desse nome
. · s ona que estabelece u • ·d identitária nacional não esteve associada a um tipo de governação
ilustres antepassados uma , . d h , . ma contmw ade com os
nais uma Jín , sene e er01s mod e1os d as virtudes • nacio- específico. A Revolução Francesa deu à nação uma soberania absoluta
, gua, monumentos culturais um fi0 1 1 • • e fez da República a sua expressão política. Mas, na maioria dos casos,
uma paisagem típica d . . ' core, locais eleitos e
' uma etermmada m lid d a nação emergente alcançou a existência estatal num contexto monár-
oficiais - hino e band . . . enta a e, representações
eira - e identifica ~ • quico: quando as relações entre as forças internas e internacionais
especialidades culi , . . çoes pitorescas - trajes
nanas ou um arumal emble , • ~ , excluíam uma organização do tipo republicano, conseguia estabelecer-
acederam recentemente ao r h . matlco. As naçoes que
econ ecimento p líti b -se uma espécie de compromisso histórico que mantinha ou escolhia
las que ainda estão a . . di , . o co, e so retudo aque-
remvm ca-lo exemplifi b um rei ou um imperador. O monarca aparecia àssim não como o
sinais que produzem par , . , icam em, através de
. a atestar a sua existen i , descendente de uma dinastia que estaria a impor o seu poder a
tlvo dessa check-listident1ºt' . O . c a, o caracter prescri-
aria. «sistema IKEA> d indivíduos, mas como o representante por excelência da nação. Cabia-
identidades nacionais , que Perrmte . montagen > e construção das
• dic -lhe cumprir essa função e fazer o possível por mostrar que pertencia
tir das mesmas cate orias 1 s mwto ierentes a par-
público mundial· a E: • e ementares, pertence agora ao domínio à comunidade nacional. A «nacionalização»dos monarcas a partir do
· opa exportou-o qua d • " , • século XIX é flagrante nas iconografais oficiais e na organização das
nias o seu modo de org . ~ , . n o impos as antigas coló-
aruzaçao político O , li • cerimónias que inscrevem a figura do soberano no seio da simbologia
é o meio mais banal de • recurso a sta identitária
representar uma na ~ • identitária. Devido ao exacerbamento nacionalista provocado pela
que mais rapidamente é . il d . çao, visto tratar-se daquele
assim a o· seJa nas • , • Primeira Guerra Mundial, os descendentes da germânica casa de
Olímpicos, nas festividades • cenmoruas dos Jogos
Estado estrangeiro na ic que ~companham a visita de um chefe de Hanôver chegaram mesmo a ter de mudar o seu nome dinástico para
dade turística. , onogra ia postal e monetária ou na publici- Windsor, de consonância indubitavelmente britânica.Os regimes mais
internacionalistas, pela sua ideologia oficial, também souberam expor
A nação nasce de um postulado e d • ~ a simbologia nacional: as repúblicas socialistas da Europa Central e
mantém viva com a adesão cole . e ~a mvençao. Mas só se
são inúmeras Os ~ ctiva a essa ficçao. As tentativas falhadas Oriental foram lugares de destaque do «folclorismo do Estado».
. sucessos sao fruto de u •• A Roménia de Ceausescu levou ao limite o culto dos grandes ante-
ensina aos indivíd _ . m proselinsmo tenaz que
-os a difundir uos o que sao' obnga-o s ª conr0rmarem-se
e
e incita- passados dácios e a celebração da alma nacional.
, , ' por sua vez, esse saber colectivo O • • A formação das nações está ligada à modernidade económica e
so e espontâneo quand . , , • sentimento nacional
0 Jª esta totalmente • • • d social. Acompanha a transformação dos modos de produção, a expan-
ensinado previamente Est d . , mtenonza o; tem de ser
· ª pe agogta
dos baseados nas experie" . d
e posta em ' •
pratica graças a estu-
são dos mercados, a intensificação das trocas comerciais, sendo con-
ncias 1eva as a cabo P ~ temporânea do aparecimento de novos grupos sociais. O voluntarismo
tadas quando se revelam fi . or outras naçoes e impor-
e cientes Quand , • consciente e militante presente nas ehtborações identitárias revela,
ção Pública francesa ºd • o os responsaveis da Instru-
consi eraram que foi f; ~ contudo, que elas não decorrem espontaneamente de desordens de que
tanto o chefe do Estado-M . . o pro essor alemao, e não
aior, quem trmnfou em S d , são o corolário indispensável. Um espaço económico não engendra
que era urgente uma análi·se d o ensmo . ge " • a owa,•conclwram
adaptarem à França E . rmaruco com o 111tuitode o ipsofacto um sentimento de identidade comum entre indivíduos que
. os orgaruzadores das festas •, •
dadores das associações d di d , patnoticas nele participam.
fun e ca as a celebração do patnm· oruo , • ou• os
mvo-
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De resto, a própria ideia de nação parece a pn:ori ir contra a ideia formas mais banais do debate ideológico. A França dos anos 90
de modernidade, visto que o seu princípio se baseia no primado de converteu alguns dos seus conflitos da actualidade em confrontos
uma comunidade atemporal cuja legitimidade reside na preservação de sobre O significado de diversas personagens da sua galeria de heróis.
uma herança. Mas é, sem dúvida, por depender do conservadorismo
mais absoluto, e menos contingente, que a nação se assume como uma Contudo, poderíamos ser levados a acreditar que a refer~ncia ~o
categoria política eminentemente apta a suportar a evolução das rela- património identitário nas nações hoje solidamente esta~eleci~as cam
ções e~onómicas e sociais. Tudo pode mudar, excepto a nação: ela é em desuso tornando-se propícia sobretudo a jogos de distanciamento
a referência tranquilizadora que permite a afirmação de uma continui- e de escárnio. Com efeito, a França dos anos de De Gaulle revelou-
dade, não obstante todas as mutações. O culto da tradição e a cele- -se um enorme sucesso em Astérix, que brincava com anacronismos,
bração do património ancestral constituíram um contrapeso eficaz que projectando nos «nossos antepassados, os Gauleses» a check-lz~tiden~-
permitiu às sociedades ocidentais efectuar mutações radicais sem cair tária nacional. Tal como os turistas franceses da época, os d01s herois
na anomia. A nação, ao instalar uma fraternidade laica e, consequen- da banda desenhada atravessaram as fronteiras, tendo os criadores da
temente, uma solidariedade de princípio entre herdeiros do mesmo série aplicado O mesmo processo aos Iberos, aos Germanos e aos
legado indiviso, afirma a existência de um interesse colectivo. Cons- Anglo-Saxões. A caricatura, branda ou severa, não indica contudo o
titui um ideal e uma instância protectora, considerada superior às abandono da referência identitária. Sempre subjacente, pode revelar-
solidariedades resultantes de outras identidades: de geração, sexo, reli- -se dura ou mesmo ofensiva quando a nação é confrontada com um
gião, condição social. O nacionalismo integral, que define o indivíduo futuro incerto. O filme Os Fazedoresde Suíço!' mostrou-nos com bas-
pela mera pertença nacional, declara ilegítimos os agrupamentos, par- tante humor as provas a que os candidatos à cidadania helvética era~
tidos, sindicatos baseados noutras referências. Considera-os antinacio:.. submetidos: um exame onde tinham de mostrar conhecer com preci-
nais e acusa os seus responsáveis de indivíduos exteriores à comuni- são os símbolos da Confederação, desde a série de cumes alpinos e a
dade nacional que estariam, afinal, a fomentar a sua perdição. Mas, à sua altitude ao metro até às piadas históricas; além disso, tinham de
parte este nacionalismo de exclusão, as formações políticas ou ideo- provar que se haviam tornado verdadeiros Suíços, ª11:antes ~de ~õs~,
lógicas estabelecem geralmente relações complexas entre a identidade adeptos da limpeza e da ordem e desligados das marufestaçoes smdi-
nacional e as outras determinações identitárias. A existência de uma cais de rua. O tom era claramente satírico, acusando o atraso mental
herança comum, mito necessário, raramente é posta em causa: o que da Confederação, visto ser claro que os Estados-nações modern~s
varia é a sua composição, consoante as opções políticas e a época. Os alcançaram uma maturidade política que define o direito~ cid~~arua
conflitos podem, deste modo, traduzir-se em controvérsias sobre a com outros critérios que não as práticas culinárias, os tra1es ttpicos,
composição do património, acrescentos ou cortes neste conjunto a decoração das lojas com cartazes da paisagem nacional o~ ~ ªPº!º
eminentemente plástico. Ossadas esquecidas há décadas ou séculos a uma equipa desportiva. Um país com uma alta taxa de imigraçao
entram no Panteão devido à mudança da maioria parlamentar que as como a França concedeu durante muito tempo a naturalização sem
promove bruscamente a relíquias simbólicas do génio da pátria. Mas fazer do reconhecimento do património nacional uma condição pré-
os grandes homens que ascenderam à eternidade nacional também via: mas supunha-se que esta despontasse «naturalmente» nos novos
podem morrer uma segunda vez, de esquecimento, e eventualmente naturalizados_ ou pelo menos nos filhos. Os debates actuais sobre
renascer com uma nova conjuntura política. A exegese sobre este ou a noção da integraçãolevantam a questão essencial, sem a aprofun-
aquele elemento da lista identitária, sobre a sua autenticidade, sobre
as suas conotações expressas em termos contemporâneos é uma das 3 Die Schweizermacher
(Os fazedores de Suíços),comédia de Rolf Lissy, Suíça, l 978.
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dar: em que é que ~e devem afinal integrar-se os estrangeiros que


habitam o solo nacional, e quais as provas tangíveis que têm de
fornecer da sua vontade e capacidade para o fazer? É evidente que o
que está em jogo não é apenas a adesão dos imigrantes às leis funda-
mentais do Estado ...

A exacerbação actual das interrogações sobre as identidades nacio-


nais e a sua preservação na Europa contemporânea está, sem dúvida,
menos relacionada com a presença de uma mão-de-obra de origem
estrangeira do que com esta constatação: as novas formas de vida
económica exigem a constituição de conjuntos mais vastos que os
Estados-nações. Ora, a entidade supranacional da União Europeia
tornou-se um espaço jurídico, económico, financeiro, policial, mone-
tário, e não um espaço identitário. Falta-lhe todo o património sim-
bólico através do qual as nações souberam propor aos indivíduos um
PARTE I
interesse colectivo, uma fraternidade, uma protecção. O refúgio nas
identidades. nacionais é amplamente compreensível. O euro não é um Identificação dos Antepassados
ideal. E se os Pais da Europa a tivessem instituído tendo-se esquecido
de a construir? O camponês é, se assim se pode dizer, o único
historiador que nos resta dos tempos ante:-históricos.

George Sand, nota prévia às Lendas 'Rústicas


CAPÍTULO 1
A nação como horizonte

A coincidência entre Estado e nação é a priori impossível 1. E no


entanto concretizou-se muitas vezes, embora não seja nunca incontes-
tável. É que o dilema não deixa de ter uma solução, de maior ou
menor eficácia no tempo. A fixação das fronteiras dum Estado não
pode traduzir de forma satisfatória a existência de uma nação e o seu
direito à autonomia; além disso, qualquer «princípio das nacionalida-
des» é uma fórmula de ética política sedutora que mascara os conflitos
económicos e militares em curso na formação dos Estados. Mas é
possível reinterpretar em termos nacionais tudo o que é incluído nas
fronteiras do Estada2. À custa, é certo, dum gigantesco trabalho,
teórico e prático. A obra de construção identitária iniciada no fim do
século XVIII e que permitiu o advento das nações não só não se conclui
1
O recurso, brutal, ao deslocamento maciço de populações para fazer coinci-
dir nação e Estado foi várias vezes utilizado na história europeia do século XX.
O último trágico exemplo, à data, é a «limpeza étnica>>que se seguiu à pulverização
da Jugoslávia.
2
Aplicação burlesca desta devolução ao património nacional de tudo o que se
encontra nas fronteiras do Estado: as desventuras do homem pré-histórico des-
coberto no fim do século xx num glaciar alpino. O infeliz caíra numa fenda antes
de ser empurrado pelo gelo, lentamente. Alguns milénios mais tarde, importava
saber se se fixava como última morada o lugar onde tinha caído, caso em que seria
austríaco, ou aquele onde fora encontrado, o que o tornava um caçador italiano.
Depois de muita polémica, chegou-se a um compromisso, prevendo algumas uti-
lizações transfronteiriças do antepassado congelado.
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nem sempre tinham sido anteriormente objecto de transcrições e ~ue


com a generalização dos Estados-nações, como se intensifica e se
são reconhecidos como línguas de cultura e educação. As populaçoes
sistematiza.
dos limites da União vêem ser-lhes atribuídas,_pela ~scolha do alfabeto
trabalho de reflexão lexical e gramatical, lmguas proclamadas
e d eu m f •
como perfeitamente distintas das falada_sdo o~tr~ lado da ronteira:
Nacionalizar o Estado o é assim construído por diferenciaçao com o romeno.
o mo ldav d. L •
O czar Alexandre III foi o primeiro dos Romanov a descobrir que Diversidade cultural na unidade ideológica (como 12 ~nine:
«O ensino deve ser nacional pela forma e sociafüta pelo contendo»')
era russo: mais precisamente, foi o último soberano europeu a com-
e sob controlo de um poder centralizado apoiado ~o apa:elho ~~
preender, na década de 80 de oitocentos, que a monarquia devia levar O
partido. Todo aquele que provém da União tem uma c1dadama, sov1e-
em conta o facto nacional. Não através de certas concessões em
tica e uma. nacionalidade que pode servir para ostracismos em massa
matéria de soberania política - o autocrata não queria ceder mini-
(na,Segunda Guerra Mundial, os Alemães do Volga são ~eporta~os
mamente em relação ao absolutismo-, mas admitindo que era neces- 0
para Leste). «A cada nacionalidade o seu espaço auto~om~».
sária a divergência Estado/nação. Ora, tratava-se de um Império
Birodijban é criado em 1928 para tentar territori~izar a nact~nalidade
multinacional e multilingue. Era preciso então homogeneizá-lo. Ctgus
· d · Está situado no seio da República Soviet1ca da Russia, mas
regio)(!juslingua.O dogma era novo. Os antepassados de Alexandre III )U aica. h' , 1
longe, muito longe da capital e dos espaços onde vivem, a s~cu os,
tinham-se dedicado a brutais campanhas de russificação linguística e
as populações judaicas. A organização da URSS reconhece as línguas
mesmo religiosa, como na Polónia. Mas tratava-se de reprimir as
e as culturas nacionais, favorecendo-as em certa medida, mas o r~s~o
insurreições e fazer desaparecer o terriço. Alexandre III, aconselhado
é, em última instância, a língua dos dirigentes da União e a cond1çao
pelo partido nacional eslavo, procedeu a uma russificação intensa
de acesso às posições de poder. Quando o sistema se desmorona, as
precisamente onde a ameaça secessionista ou insurreccional era fraca.
antigas Repúblicas Socialistas Soviéticas proclamam-se Estados-
O anti-semitismo tornou-se oficial, as exacções de toda a espécie
-nações, muitas vezes multinacionais. Daí decorrem confrontos s,an-
contra os Judeus eram encorajadas pelo poder. Os outros «alógenos»
o-rentos. Vingança da russificação: os Russos instalados nos ~a~ses
viram a interdição do uso da sua língua, na escola e na vida pública,
~álticos vêem-se sujeitos a exames linguísticos para obter os direitos
acendendo as reivindicações nacionalistas de autonomia e atiçando a
hostilidade ao regime. A introdução do capitalismo, a clivagem entre de cidadania no Estado em que vivem.
o arcaísmo do poder e as transformações económicas e sociais
A história europeia do século :xx conheceu outros episódios de
amordaçadas, os desaires militares, tudo isto conduziu às revoluções
«nacionalização a chicote» do Estado além da conduzida por Alexan-
de 1905 e 1917: os «alógenos» autocraticamente russificados não foram •d ' pelo
dre III. Estas empresas foram geralmente associa as ~ ~ecusa
nelas os menos activos.
poder em operar concessões de~oc~áticas, ai~da que mmi~as, que ~
princípio de soberania nacional implicava. A d1tadur~ fran~u1sta repn
Quando herda o antigo império multinacional, tornado pátria da
miu ferozmente as reivindicações políticas e os part1cular1s:11~s,_asso-
revolução internacional mas também espaço da «construção do socia-
ciando em consequência as aspirações democráticas e as ex~g~nc1asde
lismo num único país», o poder bolchevique retém a lição: uma União
regionalização. O poder comunista agonizante da Bulgana, numa
é construída com base em mosaicos complexos de entidades nacionais
com estatutos diversos. A aplicação do princípio nacional no quadro
da Federação leva a criar dezenas de línguas a partir de dialectos que 3 Cit. por Daniel Baggioni, op. cit., p. 309•
234

última recusa de lib 1· ~ 235


. era izaçao, conduziu u b
«bulganzação» forçada d . . ma rutal campanha de através da Suécia, nas asas dum ganso selvagem, que o pequeno Nils
, . a sua m1nona turc h d
patronimos. Mas mais fi a, c egan o mesmo aos Holgersson, criança má e cruel para com o próximo, se torna um ser
. ' requentemente . .
fo1 conduzida pelos P 1' . . ' a «nac1onahzação» do Estado
01ncos que ah d' civilizado, consciente dos seus deveres para com os outros, e fraternal 5.
relações de poder e os per1' d :m iversamente, segundo as E é através de uma grande Volta pela França, pelos seus heróis e
d e pertença. A unificação não os, coerçao e • 1 ~
. 1· . meu caçao do sentimento camponeses emblemáticos, pelos seus monumentos, que os jovens
d d o imp ica assim um ~ .
a e, ou uma tentativa de errad· ~ a negaçao da d1versi- Julien e André se desembaraçam da sua ingenuidade inicial e dos seus
• icaçao mas b .
Integração hierarquizante· t d O ' . o esta e1ecimento duma medos, abandonam a infância, para se tornarem futuros homens, dig-
E stado é parte da naç~ • u 1o que se 1n e1UI• d entro do território do
ao e qua quer particular. 1 , nos da sua pátria 6. Como anuncia explicitamente no prefácio o autor
ponente do con1·unto El ~ . ismo ocal e um com- das suas aventuras, a aprendizagem da nação - que na sua versão
• a nao tem senndo ne 1 . . .
contexto. A diversidade ~ , m egitimidade fora deste
nao e portanto d. ~ encarnada e sensível se chama pátria - constitui uma educação total:
faz a sua riqueza4. As g d " _contra içao da unidade, mas
flanqueadas com uma , ran . d
es referencias •d . , .
.
.
i ent1tanas nacionais são
sene e declina ~ 1 . Os jovens heróis [...] têm deveres sérios a cumprir e riscos
coroam. Tradução, por exem 1 b çoes ocais, secundárias, que as
• ~ p o, so a forma d , a correr. Seguindo-os ao longo do seu caminho, os estudantes
mzaçao de desfiles ond " e espectaculo: a orga- são iniciados pouco a pouco na vida prática e na instrução cívica
h armoniosa os diversos e se ve sucederem -se d e iorma i:
ordenada e
• componentes do · e, simultaneamente, moral; adquirem noções usuais sobre econo-
t1ficados, nomeadament 1 . conJunto nacional - iden-
• e, pe os traJes r • · mia industrial e comercial, agricultura, principais ciências e suas
representantes do Estado d 1. egionais - sob a égide de
1•, e e e eitos da n ~ O aplicações. A propósito das diversas províncias, aprendem tam-
a ias, que se faça figurar açao. que não impede
na representação d ~ ' bém as vidas mais interessantes dos grandes homens que nelas
pertencentes a outro Est d . a naçao subconjuntos nasceram: cada invenção feita por homens ilustres, cada pro-
a o. partes arrancad
que d evem ser recuperadas P h . as ao corpo nacional e gresso por eles alcançado torna-se para a criança um exemplo,
~ ara que ªJª h r •
çao do Estado passa para P . . a mania. Esta nacionaliza-
b 1h nmeiro plano t , d . uma espécie de moral em acção de um novo género, que se torna
a o de educação de ma . . a raves um Intensivo tra-
~
1açao o sentimento de p t ssas, visando Incul . mais interessante ao misturar-se com a descrição dos lugares
car no conJunto da popu-
er ença comum. exactos onde os grandes homens nasceram.
Agrupando assim todos os conhecimentos morais e cívicos em
torno da ideia da França, quisemos mostrar às crianças a pátria
A educação para o nacional nos seus traços mais nobres e mostrá-la grande pela honra, pelo
trabalho, pelo respeito profundo do dever e da justiça.
A escola constitui obvi
A 1, se aprende não só 'a 1í amente,. uma peça-eh
, . .
.
ave neste dispositivo.
, ngua, a historia ou fi E é precisamente através da nação que é ensinada a expressão
tam b em como ser e pensar . 1 a geogra ia da nação, mas
naciona mente A ed ~ legítima do sentimento amoroso, pois a criança é constantemente
-se na aprendizagem da n ~ E' • ucaçao moral insere-
açao. no final da sua maravilh . confrontada durante a escolaridade com declarações inflamadas à
osa viagem
5
A MaravilhosaViagem de Nils Ho!gerssonatravésda S uécia 1 de Selma Lagerlõf, foi
- 4Para a representação da diversidade n .
publicada em 1907.
çao na educação de massas no na . lf a unidade no caso francês e sua utiliza
e_ • c1ona c A M • . - 6
Le Tour de la Francepar deux eefants.Devoir etpatrie, de G. Bruno (Mme Foillée),
l rance}op. czt. ' • nne- ane Thiesse J/JsflÍ)t, . ,
, -rrrenazent ,a vendeu, durante a sua longa carreira escolar, milhões de exemplares. Primeira edi-
ção em 1878.
237

236
dupla finalidade: formar corpos robustos e aguerridos para a defesa
pátria, sempre infinitamente bela · El a aprende ,l da pátria, mas também, através do exercício físico, constituir uma
mente, através de hinos , , . ( a canta- a, quer literal-
extrema semelhança d
ª -patna geralm ente d.1t1rambicos • ,.,
e duma
educação total para o nacional. Aos seus ginastas, Jahn impõe um
um pais para outro) d. • uniforme igualitário e o conhecimento dos monumentos culturais
tos que lhe são pedid . ' quer re igmdo textos escri-
O . . os e que expnmem o s fi • alemães, Os Turnvereine liberais inquietam o poder o bastante para
corpo glonoso da pátri , fi d eu a ecto e admiração.
a e a ixa o nas P d d serem interditados e a sua estrutura ser desmantelada em 1819-
a forma de um mapa c l .d A . are es. a sala de aula, sob
o on o. pedagogia d • 0 assassinato de August von Kotzebue, escritor-espião a soldo do
passa pelo emprego repetiti d . o sentimento de pertença
vo os possessivos • • czar, por um estudante membro do movimento serve de pretexto para
P ural - «o nosso P , na pnmeira pessoa do
l ais», «a nossa pátria» - essa decisão, O próprio Jahn é encarcerado até 1825 e, depois, proibido
mente que a identidad , l . ' que lembra constante-
e eco ectiva. Os man • de dar aulas de ginástica, Quando o rigor antiliberal abranda, por volta
um poderoso factor de int ~ . uais escolares constituem
· egraçao pois são d.f d.d , de 1840, os Turnvereine renascem, alargando a integração no nacional
milhar, chegando ao longo d , . i un 1 os as centenas de
' e vanas geraçõ ·1 ~ a outras categorias da população: encontram-se aí agora operários e
P ares: os seus textos as ·1 ~ es, aos mi hoes de exem-
l ' suas i ustraçoes Judeus, Os treinos de ginástica chegam a ser propostos às crianças e
referências comuns para t d . , . e o seu aspecto gráfico são
0 o o terntono d • às mulheres, Grandes festas têm lugar em todo o país, onde as de-
Mas só os Estados-nações . . urante mmto tempo.
M . mais ncos podem d S monstrações de ginástica são rematadas com discursos apelando à
undial, escolarizar de form - ' antes ª egunda Guerra
E a mais ou menos ex • unidade nacional. Os Turnvereine,muitas vezes associados a organiza-
' mesmo aí, a escola não é , . 1 austtva a população.
o uruco ugar de d ~ ções de trabalhadores e clubes democráticos, têm uma intensa activi-
que se pratica também d . . e ucaçao para o nacional'
em to as as acttvidades de lazer da pop u1açao. ~ ' dade cultural: criação de livrarias, salas de leitura, organização de
conferências, E os membros do movimento vestem o símbolo do
liberalismo patriótico: chapéu preto enfeitado com uma pena, Em
O corpo patriótico Abril de 1848, as associações locais federam-se numa União Ginasta
Alemã que pretende apoiar a Assembleia de Frankfurt para elaborar
No século. XIX, a actividad e f'isica• d e lazer e, b d uma Constituição liberal8 , O desejo proclamado da União é construir
antes e liceais mas 1· so retu o para estu-
d ' cu mos. O desport d a unidade do povo alemão desenvolvendo o espírito de fraternidade
correntes: o moviment . . o mo erno nasceu de duas
. o ginasta, ormndo d , ,., e a força física e espiritual da nação, Os ginastas participam nos
escandinavos no início d , 1 os paises germanicos e
, . o secu o XIX, e o des • • combates dos anos 1848-1849- A repressão que se segue atinge seve-
nos colegtos ingleses O - - porto de eqwpa, cnado
. , . pnme1ro está nitidam 1• ramente os Turnvereine, cujos dirigentes são presos ou exilados,
ongens,
, a emergência da ideia 1 .
naciona Lmg O • d igado,
. ente • , nas suas O movimento volta-se inteiramente para o treino físico, Recupera a
e membro do grupo do , . • ' pai a gmastica sueca
. s «gottcos» patri t d • • ' função de educação para o nacional no fim dos anos 60: mas a
Oitocentos. Quanto rr . o as a pnme1ra década de
aos .1 urnvereine ( • ~ unificação alemã efectua-se num contexto ideológico muito diferente.
por Ludwig Jahn na seque,., . d associaçoes de ginastas), criados
neta as guer ras napo 1eomcas , • , te,.,m uma O movimento checo Sokol parte da mesma vontade de educação
para o nacional através do exercício físico, É fundado em 1862 por
7 O recrutamento militar ' t al como o pratica• • •
marca claramente para o indivíd a ma1ona dos Estados-nações Para a história dos Turnvereine e do seu papel em 1848, cf. Claire E. Noite,
1 , . uo uma pertenç , I 1 - • '
pe a patna decorre da livre escolh . d' 'd a a qua e e nao pode fugir. Morrer 8
«The German Turnvereine», in Encyclopedia of 1848 Revofutions,publicação universi-
a m 1v1 ual quand -
o seu reconhecimento como E t d , . o a naçao está no princípio e tária colecriva na ln ternet, http / / www.cats.ohiou,edu/ ~ chastain/ rz/ turnvere.h tm,
E d s a o e uma a -
sta o-nação, um dever ao qual o 1· d' 'd sp1raçao; expor-se à morte é no
d n 1v1 uo - d • '
esertor ou traidor · nao po e virar costas sem se t omH Maio de 1998.
239

238
. N M ndo O DeutschesTurnvereinede
. ~ d • , stica do ovo u • ~
Miroslav Tyrs, doutor em filosofia, com o apoio de Jindrich Fügner, ras associaçoes e gina , 1 1865 para a qual sao
. f ta no Pre-Cate an em ' ~
banqueiro triestino natural de Praga. O Sokol («falcão» em checo) Paris organiza uma es . ~ • tas alsacianas - a educaçao
1 d das associaçoes ginas
pretende ser a encarnação da alma nacional, fraternidade laica e demo- convidados d e ega os 1 1 ~ chegara a França através da
., . do o mode o a emao, . d
crática. O traje usado pelos seus membros ostenta essa intenção: a físico-patr10tica, segun ~ ·~ d Sociedades de Ginástica e
. . t d çao a U n1ao as
camisa vermelha é uma referência às tropas garibaldianas (Fügner era Alsácia. A primeira e era ' 3 ntre os seus dirigentes, nume-
fu d d em 187 conta, e d
amigo do revolucionário italiano), o chapéu é eslavo, adornado pri- França (USG F) ' n a a . ' b ,da à pátria. A derrota e
. . , . d província agora su trai ~
meiro com o cocar republicano francês e depois com a pluma liberal. rosos originanos a . ~ ntribuir para a expansao
, C na de Paris, vao co
As insígnias e as bandeiras dos 5 okols são concebidas pelo pintor 1870, mas tambem a omu . ~ d e cultiva o vigor físico como
. d sociaçoes on e s .
Joseph Manes, cuja obra é inteiramente consagrada à ilustração da na França republicana e as , . moralidade» é a divisa
. ~ ção «Patna, coragem, "
nação (foi ele quem decorou com cenas rurais o grande relógio da forma de integraçao na na • h d 0 Clube Alpino Frances
, · 1 montan a», a
Câmara Municipal da cidade de Praga). Os grupos de Sokols desem- da USGF; «Pela patria, pe a d a's classes populares, quer seja
• t Quer se esten a
penham um papel importante no desenvolvimento e alargamento da fundado no ano se~in ~- . h . d o exercício físico é um dever e
Um a minoria endin eira a,
consciência nacional. As festas, numerosas, apresentam gigantescos reserva d o a
uma aprendizagem patrióticos. . 1 ~ os desportos ingleses
«exercícios de conjunto»: tão harmoniosos quanto espectaculares, são delo ginasta a emao, .
feitos para convencer os espectadores autóctones e estrangeiros - Paralelamente ao mo de uma perspectiva
Também eles nasceram .
delegações de toda a Europa são habitualmente convidadas - da espalham-se pela Europa. . 1 . 1·beral· mas a elite social a que
, . d da ideo ogia i • .•
existência duma nação. A qual não é estritamente checa: uma federação edagog1ca no qua r O Alemanha de se mobilizar
P . ~o tem como na ' .
checo-eslovaca, esboço do futuro Estado, é formada em 1896, ano em inicialmente se d estinam na ' b. . , antes redefirur as rela-
. E d nação O o 1ectivo e, '
que se realiza em Praga uma grande exposição etnográfica, também ela ara construir o sta o- • . e's da aprendizagem da
P . d. .d colectivo atrav
checo-eslovaca. No ano anterior, o 5 okol era aberto às mulheres. Pre- ções entre o in iv1 ua 1 e 0 muns e do espírito de
" . 1 1 d respeito das regras co . " .
tendendo servir de modelo de educação nacional democrática, o S okol concorrencia ea ' o f 1 agem a inteligencia e
. ão e não o con ronto se v ' . . .
estende-se ao espaço eslavo. Mas acompanha também os emigrados, equipa - a compet1ç , d desportos ind1v1dua1s,
fi bruta· e atraves os
em Londres ou em Paris e, sobretudo, nos Estados Unidos. As pode- a energia em vez d a orça ' ' . mesmo da performance.
d d se ultrapassar a si ' . .
rosas associações americanas de 5 okols influenciaram de forma não a descoberta do po er e PublicS choolde Rugby, é um dos pr1me1-
Thomas Arnold, headmasterda_ . ma escola moral e cívica,
negligenciável a criação, pelos vencedores da Primeira Guerra Mun- d , tica desportiva u
dial, da Checoslováquia, que tem como primeiro presidente Masaryk, ros pedagogos a fazer a pra . mo no quadro de compe-
. 1 overnar-se a s1 roes .
o intelectual e homem político no qual o movimento se reconhece. que ensina o a uno a •g ·d de e, contro 1ad a. Os desportos colect1vos
tições onde a agress1v1 a . . s praticados nas festas
Masaryk, aliás grande desportista, é um adepto dos S okols, que se to inspiram-se nos 1ogo
tornam a grande organização de massas do novo Estado. O liberal inventados neste contex . ~ f d 1 uma educação tanto
normahzaçao az e es
modelo S okol será retomado pelas organizações de esquerda, com um opulares, mas a sua . , . conta aí mais do que o
P f · ois a estrateg1a
adjectivo que precisa a redefinição política: «Falcões Vermelhos», ou intelectual quanto is1ca, P . 1 seguem os emigrantes:
" . · O desportos ing eses ,
Route Falken, serão movimentos educativos e recriativos das Juventu- dispendio de energia. s h . E' muitas vezes atraves do
. . T engen e1ros.
des Socialistas. Encontraremos Falcõesaté na Catalunha republicana agentes comerciais, mi itares, . , lt. mo quarto do século. Mas
continente, no u 1 . 1
dos anos 30. desporto que ch egam ao ~ , prática da elite socia :
d t nao e apenas uma
•á em Inglaterra, o espor o d , 1 conta com dezenas de
Como os Sokols, os Turnvereineseguem os emigrantes: a partir de 1' F b 1 no final o secu o,
A Associação de ute o '
1860, chegam às cidades industriais americanas e constituem as primei-
241

240
vas º enquanto se multiplica o número de nações em competição.
1
.
milhar de associados E é tamb,em um espectáculo E 189 Porque, mais que os indivíduos, são as nações que se confrontam:
da up atrai mais de 100 000 pessoas. O desp rt • m
e O, a final
qualquer vencedor torna-se um herói, ilustrando com o seu exemplo
roso factor de integração . 1 o o torna-se um pode-
. naciona fornecend 0 d as virtudes da sua pátria. Efeito espantoso quando uma nação, como
identificação comum a c t . ' . . um uplo suporte de
a egorias sociais distintas. aconteceu antes da Primeira Guerra Mundial, não foi ainda oficial-
mente reconhecida: os Jogos de Estocolmo, em 1912, acolhem uma
A À ~ducação desportiva inglesa é de ressa
• • , delegação da Boémia e outra da Finlândia, ao mesmo tempo que os
eXJto mdustrial econó · . p atnbuJdo o excepcional 11
' mico e colo mal da Gr ~ B h Estados de que dependem estão também representados • Ora, o fin-
consequência: a multipli ~ d . . . . a- retan a. Com uma
caçao as miciativas pa • • landês Hannes Kolehmainen vence os 5000 metros, os 10 000 metros
que forma eficazmente os h ra imitar esta pedagogia
.b omens para o novo m d d d e o cross-country,
dando um novo elã de orgulho à sua nação, apesar de
eral e da competição , . un ° a emocracia
l1 econom1ca e tecnológic U • o jovem campeão, nascido numa família pobre, ter de partir depois da
crata francês, monárquic . a. m Jovem aristo-
0 por sentimento ma • vitória para os Estados Unidos para ganhar a vida.
seu país não tem outr f ~ , s convencido de que o
o uturo senao o republi d • Os Jogos Olimpicos, como todas as grandes competições interna-
uma viagem a Inglaterra , . cano, ec1de, depois de
, consagrar-se a mtrod ~ • cionais, tornam-se um lugar privilegiado de demonstração identitária •
esparto inglês na form ~ d . uçao sistemática do
d . açao a Juventude M Por parte das nações organizadoras, primeiro, que entram em cena
proJecto: fazer da competi ~ d . • as traz outro grande
.d çao esportiva a rep ~ para os visitantes autóctones ou estrangeiros. Estes são cada vez mais
i eal onde a competiçã , 1 ~ resentaçao dum mundo
o e emu açao pacífica e d • , • numerosos, pelo menos virtualmente, através do jornal, depois pela
me hor. Pierre de Coub t" on e a vitoria coroa o
l er ln consegue formar u e • , rádio e pela televisão. O acontecimento desportivo desdobra-se em
nal Olímpico em 1894 . . m onute lnternacio-
em 1896 no dia da f, ' e os. pnme1ros Jo gos sao
~
ab ertos em Atenas cerimónias espectaculares que, à medida que avançamos no século,
' esta nacional grega Tri fi d • bebem cada vez mais intensamente no património identitário. A ponto
desportivo ou da naçã ;i C • . un o o mternacionalismo
Ogrega. oubertm qui • de se acusar os Jogos de Atlanta de não terem alma e de anunciarem
ogos se realizassem em p . sera que os primeiros
.
Jpatrimónio antigo con . . ans, mas a Gréci h d • • • muito cruamente uma identidade fundada nos produtos de consumo
a, er eira pnvtlegiada do
, segum impor a sua capit l , de difusão mundial. Os Jogos de Albertville, de Lillehammer ou de
espesas assumidas pelo E d . a ' a custa de pesadas
d sta o, um nco me d dº' N agano, em contraste com estes «jogos Coca-Cola», apoiaram-se na
subscrição pública E . cenas a 1aspora e uma
~ e um pobre pastor grego
. , multo oportunamente , declinação tradicional, moderna ou pós-moderna do património iden-
que vence a maratona pro d .
' va esportiva cnad
e renovar a cadeia das . a para a ocasião a fim
d~ eras e mscrever a mod .d d
10 A criação dos Jogos de Inverno será adiada até 1924, devido à existência de
çao» antiga•. Com a s . , . ern1 a e numa «tradi-
. ua vi tona o camponê S •• d Jogos Nórdicos criados em 1901 na Suécia. Encontrava-se aí um rico conjunto de
assrm às mil maravilh , s pm on Louys reforça
as a representação da •~ desportos de neve e de gelo, bem como demonstrações de músicas, danças e
como comunhão universal P l' d . compet1çao desportiva
ara a as diferen ••
a gumas dificuldades or , ças soc1a1s.Depois de cantosEm
nacionais.
certos casos, as competições internacionais dissociam ainda Estado e
l , as 1mp1adas verão diversificarem-se as pro- 11
nação, sendo o exemplo mais conhecido o Torneio das Cinco Nações. Os atletas
da RDA e da RFA serão agrupados numa equipa comum alemã até aos Jogos
Olímpicos do México em 1968 (não havia reconhecimento do Comité da RDA
. ~ ~sgotamento depois de ter corrido
9 A referência ao guerreiro grego morto d
desde Maratona até Atenas p , .
d ara anunciar a vitoria d G pelo CIO antes dessa data); à falta de hino nacional comum aos dois Estados, é
a equada para sustentar o orgulh d - os regos sobre os Persas era o Hino da Alegria de Beethoven que é tocado quando da atribuição de medalhas aos
0 uma naçao q , '
recuperara a independência P d"d , ue, so passadas algumas décadas
e Oriente. er 1 a apos a
conqmSta por outros invasores vindos,

atletas alemães.
d
242
243
titário ainda q • _
' ue as mot1vaçoes comerciais fo ,
Nas competições-aconteciment d., . sse°: tambem poderosas. duma gesta todos os anos recomeçada em que os jornalistas
.b os me 1at1cos eqmp .
ex1 em a sua pertença . 1 , ' as e patrocmadores desportivos são os aedos. Ou cenários duma grande ópera cujas popu-
naciona atraves das b d .
detalhes do vestuário E , . an e1ras, dos hinos e dos lações, apinhadas à beira das estradas para aplaudir os corredores,
• e nas compet1ç ~ d .
raliza o uso de um d 1 . o_es esport1vas que se gene- formam coros, variações dum hino de unidade nacional cujo final
os e ementos ma1s p t
tária: o animal nacion 1 D d 1 orescos da check-list identi- explode na capital. Ou então, mais simplesmente, episódios do
a • es e 1907 as • d .
rugf?yda equipa da África d S 1 .b' cam1s~1as os Jogadores de romance-folhetim de «suspense» de Julho, cujo protagonista não é o
O o u exi em o spnn bok
desporto torna-se prática de massas a . ~ •. , . camisola-amarela 12, mas a própria França que não pára de submeter
sempre numa perspect1·v d d ~ partir do 1n1c10do século os concorrentes ao seu ordálio. A recompensa irá para aquele que
a e e ucaçao e d • ~ '
mas tendo como fundo . ~ e integraçao no colectivo melhor conseguiu conhecê-la, compreendê-la, penetrá-la. Campeão
oposiçoes política C f◄ • • '

conservadores liberais . 1· s. on essionais ou laicos graças ao qual todo um povo descobre e possui o corpo da Pátria.
. ' ou soem istas e entre as d '
mstas ou fascistas os clube 1 . li ' uas guerras, comu- A Volta à França é um acontecimento desportivo, mas também um
~ ' s mu tip cam-se O d ,
vaçao política e de afirm ~ d .• . esporto e uma moti- discurso amoroso que não pára de descrever e desejar a nação encar-
açao e uma opinião
mesma para todos A . _ , mas a estrutura é a nada nas suas belezas, bem como nas suas imperfeições. Através de
. • s associaçoes locai ~ •
Nacionais e mais fre s sao mtegradas em Uniões reportagens onde flamejam adjectivos e ilustrações fotográficas, outra
' quentemente em Fed ~ .
O que contribui para des 1 ' . eraçoes Internacionais. pintura da paisagem é criada: lugares, pitorescos certamente, mas que
envo ver maciçament ~
como quadro natural da sociedade. e a percepçao da nação o homem conquistou com o seu esforço.

Percorrer o território, de forma directa ou por procuração, é incan-


savelmente inscrever-se nele e descrevê-lo. São profissionais, jornalis-
Percorrer a nação
tas, escritores e fotógrafos que, por ocasião das grandes competições
Atletismo e d
.
.
esportos colect1vos decorre ciclistas 13 ou automobilísticas, efectuam o trabalho de passagem à
especialmente concebidos b d m em espaços fechados escrita e à representação. Mas o modelo de dupla conquista, física e
d es1ocamento desenvolve e so retu b,
o urbanos M d
• as os esportos de
'
escritura!, do território estende-se também aos amadores: a montante
, m-se tam em consider 1 . , .
seculo, sendo investidos d fi ~ , ava mente no imcio do e a jusante duma expedição, encontra-se um texto e imagens que
, . e unçoes especificas· d
patria, comungar nele e 1 • apreen er o espaço da indicam o que é preciso ver e sentir 14. As associações burguesas de
por e e.
Nascimento de uma epopeia o ul . cicloturistas, alpinistas ou caminhantes prescrevem-no aos seus asso-
do jornal L~uto decide P P P ar nacional: em 1903, o director ciados; os organizadores de viagens escolares e os movimentos da
' ara aumentar as tira .
prova de ciclismo do m d . "l r , gens, orgamzar a maior
un o. a volta a França M
combate grandioso cont d • aratona sobre rodas 12
É a partir de 1919 que o primeiro classificado é vestido com a camisola
ra to as as forças d '
canícula, mas também t , . d . a natureza: chuva, frio amarela, cor do papel utilizado para a tiragem de L'Auto.
. ernveis echves p b , ' 13
preciso saber sofrer O d • ara se su meter a prova é À imagem da Volta à França, o «Giro» italiano é lançado em 1905, a Volta
. • s corre ores são oriu d d ' à Bélgica em 1907, e a Volta a Espanha em 1935. [N da T.: A Volta a Portugal teve
resistência ao mal é . d . n os e meios onde a
virtu e capital Mas é P l início em 1927.]
que se ef ee tua um per e 1 .• e as suas pernas e penas
, .
A s plamcies urso co ectivo no esp . . , . 14
Cf. Catherine Bertho Lavenir, «Le voyage: une expenence d'écriture. La
intermi , . . aço nacional mais intimo.
1. naveis com miragens d 1 revue du Touring Club de France», in Par écrit.Ethnologiedes écrituresquotidiennes,ed.
a pinos e os seus precip, . e ca or, os desfiladeiros Daniel Fabre, Paris, Éd. de la Maison des sciences de l'homme, «Ethnologie de la
icios, as costas escarpadas tornam-se cantos
France», 1997, pp. 273-299.
244

245
juventude tentarão, com maior ou menor sucesso, difundi-lo mais
amplamente. As associações excursionistas que eclodem na Catalunha , • 1h das Nacões de Leipzig, em 1913, o movimento
aniversario da Bata a , . de é feito um juramento
no último quarto do século XIX publicam regularmente revistas onde • nde encontro federativo, on
orgamza um gra fi . , . d a ab su·nência e salienta os valores de
O principio .
os associados estabelecem todo um novo saber, bagagem e fito espi- solene queIhrea irma ·b.lid d As raparigas são aceites no seio
ritual das suas expedições: história dos monumentos, conhecimentos de responsa 1 a e.
livre esco a..e l 1911 • tres A anos mais. tarde , certas secções canse-
científicos sobre as terras percorridas, foldore 15•
dos Wandervogeem ' . Judeus da juventude
gu direito de exc 1u1r os
No seu programa educativo, o fundador dos Turnvereine tinha em~ reconhecer o seu . to mantém-se oficialmente
• , 1 Mas O movimen
incluído as excursões patrióticas (patriotischeWanderungen),mas só no alema livre e responsave. 'd s17 espalhando-se pelos
• 1 • d ndente dos parti o ,
fim do século é que a marcha a pé se torna um desporto colectivo que não confess1ona e m epe d as associações de juven-
alia educação física e moral. Em 1896, liceais berlinenses lançam o •e • d Alemanha Como to as
países pen,er1cos a .• . entanto em parte nele
movimento dos Wanderviigel («aves migratórias») que tem por princípio , • d' d lo regime nazi, que, no ,,
tude sera mter tta o pe . . - E também na
uma regeneração da juventude através do contacto com a natureza, , • suas próprias orgamzaçoes.
se inspira para criar as uma nova estrutura de
longe da ociosidade e dos vícios urbanos. A rejeição do utilitarismo • , • d século que nasce
Alemanha do principio o d . t de- o modelo é copiado
ligado à sociedade industrial, do amolecimento e do conformismo ~ 1 albergues e 1uven u ·
educaçao para-escoar, os , do movimento de
conduz a proclamar um ideal de afirmação do indivíduo pela ascese d , como e o caso
em várias dezenas e paises,l . lA Baden-Powel em 1908.
e pela solidariedade, que pode afigurar-se apto, em definitivo, para • l d pelo genera mg es
escuteiros, ança o • , • e de re 1açoes ~
au teAnticascom os outros
formar uma elite adaptada ao novo mundo social. Os Wandervój;el, cujo Descoberta de si propno , b' . proclamado. Mas o que
através da natureza se vag ~
número cresce rapidamente, praticam a abstinência de álcool e de l em e o o 1ect1vo
d za recivilizada pelo seu
tabaco, e as suas caminhadas pretendem ser a aprendizagem, fora dos , • , uma conquista a nature ' .
•esta em Jogo e
• • O terntono e ap. , . , ropri·ado ' cartografado, equipado:
liceus-casernas, da liberdade, da camaradagem, da resistência e do consumo recnat1vo. , . . hos são balizados, as
sentimento patriótico. Entoam cantos populares acompanhados à viola h de refugios os camm
as montanhas enc em-se ' . hantes A aventura é pla-
(o movimento edita as suas próprias colectâneas), representam peças d 16 ues para camm .
florestas semeadas e a erg d ão· as contingências climá-
de teatro popular e celebram festas «tradicionais» como o solstício. nificada, pode mesmo prever-se a sua uraç '
A revista mensal ilustrada dos Wandervój;el, fundada em 1904, fornece •
t1cas sa~o o u'nico factor de surpresa.
todo um repertório de «tradições» alemãs a fazer renascer pela juven-
tude e exemplos de organização de festas 16. Por ocasião do centésimo
A natureza nacional
15
Cf. Joan Prat Carlos, «Du folklore à J'ethnologie dans les revues catalanes
• , • i·dentitário na modalidade. del
tra no patnmomo
(1862-1984),H ésiode,n.º 1 - de l'Europedu Sud, 1991
Au miroir des revues, ethnologie A natureza en . inente . A natureza nac1ona
. - im
pp. 117-13 7. tradição frágil e ameaçada de extmçao
16

Os periódicos de certos subgrupos de Wandervóge/ como o Der Freie Wanderer,


far volkstümlichesWandem, editado pelos Abstinente Wanderscharen,
Monatschrift utili- • o res eito à juventude burguesa, escolarizada
17 Os Wandervôgel dizem sobretud P lh d Alemães (Verband junger
zam o «calendário germânico» (Sbeemond,Sonnenwende) para datar os seus números. , • A U •-o dos Jovens Traba a ores ,
no ensino secundano. ma d. t mensário A Jovem Guarda, e
Ao lado de anúncios a sapatos de marcha e preparações alimentares sãs à base de h/, d l f dada em 1906 e que e i a o ., .
Arbeiter Deutsc. an '/, un . . 1 L" bk ht colabora no penodico): a orga-
cereais e frutos secos, indica-se como adquirir colectâneas de cantos e danças • - ialista (Kar ie nec ·
também de inspiraçao soe 1 1· e na actividade desportiva.
populares. Os leitores aprendem pelo texto e pelas imagens como celebrar festas bate contra o a coo ismo
nização põe a tónica no com alcoolismo no movimento
autenticamente germânicas ou praticar jogos tradicionais alemães. Encontraremos a mes ma vontade de lutar . contra o
,
contemporaneo daJ ·uventude católica Qmckborn.
247

246
,. i·ntores, folcloristas, historiadores,
é eterna, mas vai sucumbir à violação dos vândalos: indústrias, homens po liuco s, escritores, P b d a necessidade d e
. t Acentua-se so retu o
construtores de barragens, arquitectos modernistas ou hoteleiros sociólogos e arquitec os. ~ d d' f ndir o mais alargadamente
d s populaçoes e e iu d
ávidos. formar o o lh ar ª ,. d s paisagens. A difusão e
~ estetica correcta a ..
Paris, 1901: criação da Sociedade para a Protecção das Paisagens possível uma percepçao . A união das sensibihda-
• tilizada com eSt e 6im.
de França; Berlim, 1904: fundação do Bund Heimatschultz (União para fotografias é muito u d'f ças sociais aparece como
l ndo as i eren ,
a Protecção da Pequena Pátria); Berna, 1905: lançamento solene do des e dos gostos, u trapassa . fj ~ acional que se joga na era
, l , , ltima fase da uni icaçao n d
Heimatschultz ou Liga para a Conservação da Suíça Pitoresca; Paris, indispensave a u . ~ • aliás como um os
A associaçoes enunciam, , .
1909: primeiro Congresso Internacional para a Protecção das Paisa- da cultura de massas. s tenta rede de vigilância
. . • ção duma vasta e a
gens; Estugarda, 1912: segundo Congresso Internacional, com dele- seus obJect1vos a organiza ºd 'fj ar qualquer degradação e a
. , • apta a 1 entl ic
gações belga, francesa, holandesa, norueguesa, austríaca, alemã e em todo o terntono, . A' l local ou nacional, as
, , . " • superiores. esca a
suíça. No ano seguinte é constituída a Associazione nazionale per i assinala-la as mstanc1as 'bl. s para que preparem
· s poderes pu ico
paesaggi e i monumenti pittoreschi d'Italia. A nova grande operação associações pressionam º. d d a espécie. Com efeito, o
. vandalismos e to a
patrimonial é conduzida, como é devido, com trocas internacionais medidas contra os , . d . r dos enriquece-se progres-
. l • dos paises m ustna iza d d
de ideias e de experiências e tem como pano de fundo um modelo arsenal legis ativo . . direitos da proprie a e
. crições que hm1tam os ..
de acção previamente delineado: o da constituição dos monumentos s1vamente com pres d . ficientes pelos mihtan-
~ mpre declara os msu
históricos. Aos direitos ligados à propriedade do solo, os militantes privada, mas que sao se , l XX o combate continua aceso.
N O fim do secu o , , . d
da protecção dos lugares opõem uma concepção da paisagem como tes da natureza. d uma nova espec1e e
. ~ e recomeça a, nasceu
bem colectivo da nação. O valor estético e patriótico, no quadro Desta negociaçao, sempr in vivo flora, fauna e
. . ~ , fj onde se conservam
patrimonial, deve prevalecer sobre o valor utilitário. Isso supõe instituiçao museogra ica . . . ar ues nacionais. O modelo,
. ºd d s agrícolas tradicionais: os P q
operações análogas às que são efectuadas para elevar uma construção act1v1 a e d 1s
antiga a monumento histórico. Representações literárias e pictóricas, desta vez, vem do Novo Mun o •
bem como discursos eruditos, constroem um olhar estético sobre o . a o natural tudo o que parece amea-
objecto, dizem a importância que ele tem para a nação e sublinham Em suma, é considerado esp ç 1 té então impróprios
.d d . ~ apenas os ugares a ,
a necessidade de cada um lhe estar ligado. As primeiras decisões Çado pela moderni a e. nao . s que foram imbuidos
l ~ humana mas aque 1e
oficiais de protecção de zonas naturais, tomadas em França em 1861, Para qualquer exp ,oraçao . . '1 Q d' er os cumes montanhe-
• t adiciona uer iz '
foram, aliás, consecutivas à invenção pictórica da paisagem: delimi- de um valor economico r • b, os campos e as aldeias e,
~ d florestas mas tam em
taram-se na floresta de Fontainebleau zonas a conservar no estado ses e o coraçao as ~d d T l como a salvaguarda dos mo-
. f s das ci a es. a ~ •
natural, ou seja, à semelhança dos quadros pintados alguns anos até, os bairros an igo ~ d a e da paisagem nao vai
. , . reservaçao a naturez
antes. Quatro décadas mais tarde, a tarefa assumida pelos militantes numentos h1stoncos, ª P . d . -tude. o Heimatschutz
bJectos a sua so 1ic1
da natureza é de grande amplitude: trata-se de seleccionar no con- cessar de fazer aumentar os o d da «protecção das belezas
• • sões encarrega as
junto do território espaços a colocar sob alta protecção; determinar helvético organiza com1s ~ d isagens pelos painéis-recla-
d l ontra a agressao as pa d d
as modalidades da sua conservação; instaurar as disposições gerais naturais», a « uta c , . . , ico» da «salvaguar a os
mes», da «defesa do patrimoruo arqU1tecton ,
contra os atentados à estética; e levar a cabo uma educação colectiva,
ensinando à população que o respeito e o amor pelas paisagens são . . 'd m 1872 para
. , de Yellowstone, mst1tu1 o e
um dever patriótico. A preservação da natureza nacional é, portanto, tsO primeiro parque nacional e o t do sonho americano.
d da conquista do Oeste, uma par e
uma questão gue mobiliza amplamente a burguesia culta e reúne preservar, quan °
248

249
usos e costumes» e d 0 .
~ . «apoio ao artesanato lo 1 19
çoes regionais federad B . ca » • Entre as associa- formas de turismo: a boa, que se supõe uma busca pura do autêntico,
as no und Hezmatsch t 1 ~
ocupam-se essencialmente de f<1 1 d u z a emao, algumas disposta a pagar o preço com o desconforto e o esforço; a má, incapaz
F o c ore e e arte pop 1 E
rancesa de Protecção d p · u ar. a Sociedade de distinguir o adulterado do verdadeiro, o kitsch do belo, exigindo a
d d as a1sagens está estreita li
a es gue se consagram , mente gada às socie- facilidade. Este topos estrutura ainda hoje a maioria dos discursos
. . a arte popular à t fi ,
tra d1c1onal.Com efeito a ~ d , e nogra la, a arquitectura proferidos sobre o turismo e permite propor usos sociais diferencia-
, ' noçao e natureza a p fi .
uma sintese do patrim, . .d . , . roteger unc1ona como dos. Mas o turismo «bom» ou «mau» parte duma actividade económica
omo 1 ent1tano pr •
mente encarnado num eviamente construído total- que se funda principalmente no património nacional e o transforma
. ~ espaço. Como procl 1 ,
pet1çao suíça contra o proje t d ama o ançamento duma para consumo lúdico.
c o e construção dum funicular:

Não lutamos apenas pelo Cervin 1


cumes. Eles são os cum 1 . , utamos por todos os altos O consumo identitário
d a nossa vida nacional2ºes g onosos da noss a h.istona,
, .
os faróis
Nem tudo é visitável: só os países de regime comunista impuseram
A instituição na Care'li O . aos grupos veraneantes o calcorrear ritual de fábricas siderúrgicas ou de
. .
d ec1d1da a nental do p .
em 1996 ap ., arque nacional do Kalevala estaleiros navais. A modernidade industrial só é exibível, excepcional-
, resenta alias a P . 1 . ,
tratado entre dois Estad . ' ' art1cu andade de resultar dum mente, se se tratar de desempenho tecnológico. O repertório das videnda
, os. a zona perten , Rd
e considerada pelos Finla d ce a e eração Russa mas nacionais, das coisas a ver, segue de muito perto a check-listidentitária:
n eses como o ber d ~ '
que assumem o financiamento N~ b ço a sua naçao e são eles monumentos históricos, paisagens emblemáticas ou pitorescas, aldeias
• ao o stant ,
se1vagem da floresta da C 'li e, e contra a exploração preservadas, museus, bairros antigos, lojas de artesanato local. A deter-
1 are a russa pelas
utam os ecologistas da Finlândia. empresas finlandesas que minação das etapas de uma viagem turística é muito pouco variada.
O seu carácter mais ou menos elitista mede-se sobretudo pelo tempo
O turismo é' alt erna d amente pers .d concedido a cada etapa e pelo requinte do discurso de informação.
brado como aliado privil . d , egui o como adversário e cele- Mesmo o primeiro turismo popular da Europa católica, o das peregri-
egia O pelas asso • ~ d
reza. Aliado porque se s ~ ciaçoes e defesa da natu- nações, conforma-se a partir do fim do século XIX ao quadro geral.
. upoe gue desenvolv
nacional e contribua P a o amor pela natureza Lourdes, La Salette, Fátima: as aparições da Virgem têm doravante lugar
• E ara a sua conserva ~ . d , .
ln ta-estrutura gue aco h çao, a versar10 porgue a em soberbas paisagens de montanha. A enorme expansão do turismo,
mpan a o seu desenvol •
gem. Esta contradição resolve-se ob . v1mento altera a paisa- ao longo do século x,x, não cria novas categorias no inventário do
v1amente pela oposição de duas património identitário, à excepção talvez da gastronomia, que acompa-
19
Cf. Diana Le D"111h Le Lr . nha agora sistematicamente a lista dos castelos, festividades e miradou-
, nezmatschutz, k
Han~-Ulrich Jost, Lausanne, Université d/~e zguepour I~ beauté, sob a direcção de ros dos guias de viagem 21 . Mas há adaptação da oferta a uma crescente
porame», 1992. Para o u . h ausanne, «H1stoire et société cont
p . nezmatsc utz alemão e S . em-
a1sagens de França, cf. Dany Trom N a oc1edade para a Protecção das 21
Cf. Julia Csergo, «La spécialité gastronomique comme objet patrimonial», in
François H • ' « atur und nation 1 Id · •· ,
, annes S1egrist e Jakob Vo e1 a e ent1tat», in Etienne Daniel J. Grange e Dominique Poulot, eds., L 'Esprit des lieux, Grenoble, Presses
denhoeck und R h g ' eds., Natur und Emotion G .. .
20 uprec t, 1995, pp. 147-167 , otttngen, Van- universitaires de Grenoble, 1997, pp. 183-195. A expansão turística multiplica os
Ernest Bovet «L e . •
L . ' e ervm», Heimatschut J h «pratos locais típicos» e, simultaneamente, faz aparecer «pratos nacionais», como
e Dmh, of>.·.r cit ., p. 60 . z, un o de 1907' p • 42 ' c1·t. por n·tana
a paella dita valenciana, tornada símbolo gastronómico da Espanha, ou a pizza
napolitana que acaba por conquistar toda a Itália.
251

250
multicolor das vestes. No dia em que as belas camponesas da
proc~ra, quer pela multiplicação das vivencl, Zelândia deixarem de usar toucas com grandes abas brancas e
espacial e temporal. Ao , . d . . a, quer pela concentração
contrano o via1ant b d , follias de ouro nas orelhas, quem então pensará ainda em apanhar
cedente, o turista dispô d e a asta o do seculo pre-
e e pouco tempo· o barco para Flesínga? [---lProtegem-se as paisagens. Deveriam
saltando de um eleme t . . • percorrer um território
• n ° patnmorual notável proteger-se também as camponesas contra a desafeição dos seus
e dias vazios não cond· para outro, com o risco
d , iz com a sua ,• D modos regionais.Exijo que os trajes sejam classificadosmonumen-
reunião, num espaço limit d d pratica. e facto, o ideal é a
a o, o monumento h. , • tos históricos. Exijo que as toucas sejam declaradas de utilidade
resco, da aldeia preservada d istonco, do lugar pito-
, ' o artesanato e da fi d' • pública. Exijo que encerrem em campos de concentração as rapa-
e perfeitamente concretizá 1 . . s estas tra ic10nais.O que
· ve, pois o prove1t , • rigas que, tão encantadoras nos hábitos das suas avós, preferem
investimento. Os cartazes publi .t, . d o econom1co compensa o
Cl anos as com hi r vestir-se como as figuras de cera dos grandes armazéns, esquecendo
as estações turísticas põ , . pan as ierroviárias ou
d li , em a tomca durante • que são uma riqueza nacional tão importante como os castelos de
ra dade. E intenso o trabalho li 'd muito tempo, nesta plu- 22
rea za o pelos d , Loire ou a cidadela de Carcassone •
pamentos de comerciantes . - po eres publicos, agru-
. . . . ou associaçoes d t' d •
1n1c1at1va para aumentare t o ipo os sindicatos de
Os modos de vida mudam, mas as tradições nascem mais depressa
. ~ m a o erta em matéria d ~ •
cnaçao de panoramas . . d e atracçao identitária·
. ' v1s1ta e construções anti li •• do que morrem. E proliferam quando se esboça um desenvolvimento
e de velhos bairros insalub . gas, mpeza de aldeias
res e malcheirosos P ,1 turístico. As festas populares, muitas vezes religiosas, são preparadas
e encantadores· sem e ara torna- os pitorescos
. . · squecer a redacçã d b para se tornarem espectáculo público. São disciplinadas e embelezadas.
indicações úteis para um o e rochuras com todas as
consumo adequad O • Se necessário, são deslocadas no tempo: os turistas vêm principalmente
encontra o que sabia est , . o. turista não descobre
ar a vista e torna-se 1 ' em Julho e Agosto. As celebrações da Paixão na povoação bávara de
dum saber normalizado O 1. e e mesmo agente de difusão
· posta ilustrado • Oberammergau não ocorrem na Semana Santa, mas de Maio a Setembro
que aparece com o século . ~ - iconografia de massas
e se impoe como i d' , têm lugar centenas de representações. O Carnaval, reorganizado como
consumo turístico - . . n ispensavel acessório do
vai ser o mais poderoso espectáculo para os que passam o Inverno nas costas do Sul, mantém-
olhar, perfeitamente normali d . vector duma educação do
r . za a, transnac1on 1 •• -se a principal festa da época baixa. Há sobretudo inúmeras criações. No
iotos tiradas pelos turistas d .~ a e prescntlva: a prazo, as
repro uzirao as m • início do século, o cançonetista Théodore Botrel introduz em Pont-
mesmos ângulos. esmas vistas, a partir dos
-Aven uma Festa das Flores de Aliaga, no primeiro domingo de Agosto,
claro: graças aos pintores, a aldeia bretã era já conhecida como um lugar
O turismo é grande consumidor de tradição. Isto pode ser dito
cruamente: privilegiado de arcaísmo pitoresco, mas, deploravelmente, faltavam-lhe
as festividades. A maioria das estações balneares depressa se encontram
em condições de propor à suá clientela uma festa tradicional nas pro-
Em toda a terra, a cor local morre. Em b ~ , • ximidades. A vilegiatura suíça de Interlaken oferece aos veraneantes, a
uma recordação [ ] O . reve nao sera mais que
. ... traJe estandardi partir de 1910, uma transumância bovina, com vaqueiros especialistas na
também. O mundo d d za-se e, com ele, as almas 23
esapren eu o gosto d • arte de jodlere de fazer ressoar a trompa alpina , A invenção de mani-
povos que extraem d . o pitoresco. Para os
o turismo uma part •
recursos, há um grave peri N~ e importante dos seus Georges-Armand Masson, La Femme de France,cit. in L'Action régiona/iste,
. . go. ao se deve acredit • 22
os viaJantes atravessam f . . ar, com efeito, que AgostoCf.deRegina
1936.Bendix, «Tourism and Cultural Display: lnventing Traditions for
as ronteiras urucam
as catedrais e os museus A . . ente para poderem ver 23
· ma1ona pelo , • • Whom?», Journaluf Ame1icanFolklore,Abril-Junho de 1989, pp. 131-147.
sobretudo pela vida 1 ' contrano, mteressa-se
' pe o tumulto das ruas, pelo desabrochar
252

festações públicas em traje t1p1co torna-se uma actividade vulgar das


organizações de promoção turística. A pintura do século XIX fornece CAPÍTULO 2
temas em abundância: trabalhos agrícolas (ceifa, vindima, apanha de
frutos e eventualmente, à beira-mar, regrdso da pesca), cerimónias A nação pela alegria
religiosas ou familiares (procissões, casamentos), acontecimentos histó-
ricos. Se necessário, solicita-se aos eruditos locais a pesquisa nos arqui-
vos de qualquer traço de antigas festas, para inscrever a nova tradição
no passado. Os êxitos são desde logo imitados, eventualmente numa
escala mais modesta: os turistas mais endinheirados poderão disfrutar
do espectáculo principal, os outros contentam-se com as variantes.
Todos os turistas regressam a casa munidos de recordações. A arte
nacional apresentada numa versão de luxo, por ocasião das grandes
Esposições, fornece as bases duma produção de massas a preços ~ torna-se o horizonte «natural»
, 1 xx a naçao
módicos e de execução simples, com criação regular de objectos «mais No decurso d o secu o , 1 . do à ideia nacional não
.d' M a adesão do pro etaria
autênticos» - e um pouco mais caros -, eventualmente providos da vida quotl iana. as . , 1 lhos das camadas sociais que
.d t nem melutave aos o .
duma etiqueta que garanta o seu carácter tradicional. Com o turismo parece nem ev1 en e, , . t tações internacionalistas
., temem as poss1ve1s en .
nasce de facto uma versão decorativa e portátil do património iden- 1ª a adoptaram e que , . D í os esforços diversificados e
· , • da classe operaria. ª ,
titário, feita de miniaturas de monumentos históricos, reproduções de e revolucionarias . s na nação e leva-las a
.d d ara integrar as massa • .
lugares, «artigos locais» inúteis para os autóctones ou bonecas com intensamente env1 a os~ 'd d de pertença. A pedagogia de
rdade1ra comum ª e . •
trajes típicos. reconhecer a sua ve . ·1 iado o património iden-
massas do nacional tem como suporte priv1 eg
titário.

A educação proletária pelo folclore


. . ari as não fazem mais que
Exibindo o traje trad1c1onal, as rap g 1 . l Elas
m a balança orçamenta nac1ona.
cumprir o seu dever para co 1 torna imunes aos vícios
revestem-se de uma armadura mora que as
da modernidade:
. . mulheres a linha de
O traje nacional constitui para as todas as
. , . , ual podem agarrar-se em
conduta s1mbohca a q . e veste o traje
[ 1 Uma rapariga qu
suas acções e gestos. .. • d d 1 de gosto duvidoso, não
~ lA mances e cor e
nacional nao e ro be que se espera
cola cromos nas paredes do quarto; mas sa

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