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Sobre o autor
Sérgio Buarque de Holanda nasceu no município de São Paulo, em 1902, e faleceu na mesma
localidade em 1982. Estudou na Escola Caetano de Campos e no Ginásio São Bento, onde foi
aluno do Afonso de Taunay, mudando-se em 1921 para o Rio de Janeiro, de onde participou
do movimento Modernista de 1922. Recebeu o título de bacharel em ciências jurídicas e
sociais em 1925 pela Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro (hoje, Universidade
Federal do Rio de Janeiro), iniciou os trabalhos como jornalista e foi enviado como
correspondente do Jornal do Brasil em Berlim pelo período de 1929 até 1931.
Em seu retorno para o Brasil manteve a ocupação de jornalista, contudo, em 1936 assumiu o
cargo de professor assistente na Universidade do Distrito Federal, e no mesmo ano publicou
Raízes do Brasil. Com a extinção da referida universidade em 1939, passou a trabalhar no
serviço público federal e em 1941 passou uma temporada como professor visitante em
universidades dos Estados Unidos.
Reuniu uma série de textos publicados na imprensa no livro Cobra de vidro, publicado em
1944, e em seguida, em 1945, publicou Monções. Em 1957 publicou Caminhos e Fronteiras,
também uma compilação de artigos publicados ao longo de anos sobre a expansão da
colonização para o oeste da América Portuguesa. Entre 1946 e 1956, atua como diretor do
Museu Paulista, onde sucedeu o seu antigo professor (por quem nutria grande admiração)
Afonso Taunay, e em 1948 passa a lecionar na cátedra de história econômica do Brasil da
Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Atuou também na Itália, como professor da
disciplina de estudos brasileiros na Universidade de Roma, no período entre 1953 e 1955.
Com a tese, que se tornaria livro, Visões do Paraíso, vence o concurso para professor da
cadeira de História da Civilização Brasileira na Universidade de São Paulo em 1958, de onde
só sairia em 1969 como forma de protesto pelas aposentadorias compulsórias impostas pelo
regime militar a diversos professores.
Para Fernando Novais, a eleição do recorte espacial, São Paulo, nada teria a ver com o fato de
o historiador ser paulista ou por estar residindo no Estado, nem mesmo com toda a ebulição
identitária entorno do IV Centenário da cidade. Sua escolha tem relação com o fato de a
região ser o polo modernizador no país, e, portanto precisaria ser compreendido em sua
especificidade, discussão que já teria sido iniciada em Monções. A colonização (séculos XVI
e XVII) seria um recorte temporal privilegiado para entender as raízes dessa particularidade.
A obra está dividida em três partes: Índios e mamelucos (com nove capítulos), Técnicas rurais
(com cinco capítulos) e O fio e a terra (com três capítulos) que de maneira geral, tratam da
chegada de uma nova cultura e do encontro desta com os indígenas. O indígena recebe um
papel de protagonismo durante a colonização, afinal, sem que os adventícios assimilassem
suas técnicas e conhecimentos sobre a natureza nativa a sobrevivência seria extremamente
difícil. Nesse movimento, o português impõe de maneira lenta, com avanços e retrocessos, sua
cultura entre os povos nativos sem jamais anular os importantes conhecimentos nativos.
Evidentemente, Sérgio Buarque não deseja transmitira ideia de uma colonização pacífica, um
mero encontro sem violência; mesmo não dedicando muitas páginas a essa dimensão das
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HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e Fronteiras. Cia das Letras: São Paulo, 1994, p.7.
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relações, seu foco está em olhar para essa entrada ao sertão como uma empresa que só foi
possível porque o então chamado “selvagem” detinha profundo conhecimento. Uma visão de
uma colonização como meio de tirar o indígena da “selvageria” para o contato com técnicas
“civilizadas”, portanto, simplesmente não sustenta-se após a profunda elucubração de
Caminhos e Fronteiras.
O autor discorre que estas veredas indígenas utilizadas pelos adventícios foram de
fundamental importância para a empresa. Mas não apenas essa dimensão material; os
conhecimentos, a capacidade de orientação do nativo no espaço. “Essa capacidade com que
sabiam conduzir-se os naturais da terra, mesmo em sítios ínvios, herdaram-na os velhos
sertanistas e guardam-na até hoje nossos roceiros” (HOLANDA, 1994, p. 20). Nessa
perspectiva, Sérgio Buarque passa a descrever técnicas, habilidades que foram assimiladas e
portanto, “viriam a animar, senão tornar possíveis, as grandes empresas bandeirantes”
(HOLANDA, 1994, p. 21), nesse movimento o indígena torna-se praticamente parte do meio,
seus sentidos já estariam adaptados às contingências do espaço como o modo de andar longas
distâncias, a visão em espaços com muitos obstáculos e na escuridão.
O autor também se debruça sobre questões alimentares e de saúde. Ao tratar das práticas de
curandeirismo assimiladas pelos portugueses, o autor informa que “essa estranha farmacopeia
explica-se, em muitos casos, pelo gosto do maravilhoso, que perseguia os doutores
quinhentistas: herança da ciência medieval, a que o descobridor de novas terras viera dar
maior relevo” (HOLANDA, 1994, p. 81). Dentre essas práticas comuns, vemos o forte apelo a
se benzer e se recorrer ao mundo natural; o uso de excrementos não se restringiria a uma
influencia indígena, mas muito provavelmente o contrário. A busca por bons ares, chegando
ao ponto de benze-lo como maneira de aplacar enfermidades e a crença no poder da palavra,
materializada no uso de patuás e outros amuletos que continham em seu interior frases de
cunho espiritual, presentes entre ainda entre os sertanejos do período em que o livro foi
redigido, seria outro importante traço de interação dos povos adventícios e nativos.
Uma discussão importante nessa primeira parte do livro gira entorno das diferenças entre as
armas indígenas e as armas de fogo utilizadas pelos portugueses. De maneira profunda e
detalhada, o autor argumenta que as flechas poderiam foram muito mais úteis naquele
contexto geográfico e climático do que o arcabuz e a escopeta europeias, diferente do que
facilmente se poderia supor. Nas caçadas, as armas de fogo poderiam espantar os animais,
bem como eram de baixo alcance de demandavam tempo para serem recarregadas. Os
indígenas possuíam grande habilidade na pontaria com as flechas, uma profunda capacidade
de cálculo e previsão, a ponto de conseguirem acertar uma ave durante o voo. Certos
mosquetes exigiam duas pessoas para funcionar, além de exigir que se andasse com a pesada
munição; o clima úmido também poderia de desvantagem para as armas de fogo. Temos,
portanto, mais um exemplo de como o colonizador aprendeu técnicas e conhecimentos com o
suporto “selvagem”, essências para o avanço terras a dentro.
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A segunda seção do livro tem o título de Técnicas rurais, com enfoque no cultivo de
determinadas culturas como o trigo e o milho, bem como seu tratamento. Sobre o impacto das
ferramentas trazidas pelos portugueses no cultivo, o autor afirma que:
A farinha de mandioca foi o produto nativo que mais rapidamente conquistou os povoadores,
tendo sido disseminado rapidamente por toda a colônia, e chegando a substituir o pão de trigo;
na sua produção houve uma contribuição dos adventícios: a prensa de lagar. Contudo, os
moinhos de vento que já existiam em Portugal, segundo o autor, não foram introduzidos na
colônia, como o foram os moinhos d’água, azenha e pequenos moinhos braçais. As
introduções de técnicas portuguesas não foram meramente transportar tudo o que já se fazia
na metrópole, alguns conhecimentos foram alterados, metamorfoseados, e outros, não vieram.
Outra adaptação no cultivo do solo por parte dos colonos foi a produção de milho, conforme
discutido num capítulo especialmente dedicado a isso. Mas nesse consumo houve alterações
dos hábitos alimentares, que forçaram um tratamento diferente do alimento: enquanto os
índios consumiam o milho verde, a dieta dos paulistas o incluía como grãos já amadurecidos.
Dele também foram produzidos inúmeros derivados, alguns deles pelos africanos já presentes
no território, um exemplo sendo a aguardente.
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A terceira e última parte possui o título de O fio e a teia, abordando as questões sobre
produção têxtil. Entre os adventícios, a técnica da tecelagem era vista como um oficio sem
primor e sujo, sendo, portanto, uma pratica doméstica associada mesmo a vida do lar,
diferente de outras praticas manufatureiras. Contudo, o autor afirma que a grande produção de
tecidos na região de São Paulo declina-se no século VXIII. Sobre as técnicas de produção dos
nativos, faz a seguinte afirmação:
Mais uma vez Sérgio Buarque de Holanda conduz seu olhar sob a perspectiva de uma
assimilação de costumes e objetos por parte do europeu, ressaltando assim a cultura indígena.
Os portugueses adotaram de maneira generalizada o tear indígena: a cultura opressora
mantém uma atitude de “aquiescência formal e passiva” diante da cultura oprimida, a ser
subjugada. Como uma espécie de arremate dessa perspectiva, o autor nos informa que “é
significativo que, entre muitas tribos indígenas, ele [tipo de liço herdado pelas antigas redeiras
dos naturais da terra] alcançava uma perfeição que estão longe de conhecer nossas redeiras
civilizadas” (HOLANDA, 1994, p. 257).
Comendadores da obra
Nesse interesse, estaria também introduzindo numa obra de cunho historiográfico importantes
interrogações das ciências sociais (e aqui veremos a importância de cientistas sociais alemãs
para seu arcabouço teórico) dentro dessa sua análise da adaptação dos costumes indígenas
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pelos portugueses, bem como suas permanências no sertanismo: como o encontro, o contato,
entre culturas distintas as transforma? O que resulta quais as consequências de um encontro
desse tipo? Ao utilizarmos o termo encontro, como feito pela autora, não se deseja de maneira
alguma amenizar as violências resultantes da chegada dos povoadores portugueses, mas, focar
numa perspectiva que dá relevo também à questões sociológicas.
Algumas das técnicas de análise dos cientistas alemães do fim do século XIX aparecem em
seu trabalho, sem que Sérgio Buarque necessariamente tivesse se identificado de maneira
fechada com uma das correntes teóricas que disputavam espaço na Alemanha daquele
período. O etnólogo alemão Adolf Bastian, por exemplo, havia formulado a teoria das ideias
elementares, que consistia em defender que “existe uma unidade psíquica da humanidade que
produz nos homens em todos os lugares ideias semelhantes, isto é, todos os povos do mundo
tem essas ideias elementares graças a uma lei psíquica geral” (FRANÇOZO, 2007, p. 142). A
autora afirma que esse teórico alemão, por exemplo, não foi citado diretamente na obra,
contudo, suas ideias bem como a de outros ajudaram a formar a perspectiva pessoal de Sérgio
Buarque. A tendência a buscar a origem cultural dos costumes, muito recorrente em
Caminhos e Fronteiras (como citamos anteriormente, o uso de amuletos com palavras, o uso
de excrementos para fins medicinais, crenças religiosas presentes no sertanejo a altura da
escrita do livro), seria originária da teoria difusionista alemã. Forçozo nos informa que:
Com efeito, Sérgio Buarque não foi o único intelectual de sua geração a tratar
do tema da cultura material. Contudo, a maneira específica com que o
historiador usa este conceito o aproxima dos etnólogos alemães que ele
mesmo cita em seus trabalhos, uma vez que a cultura material era o ponto
central de atenção da etnologia alemã no século XIX, em suas duas principais
vertentes. Os etnólogos alemães citados por Sérgio Buarque tinham como
arcabouço teórico justamente as ideias destas duas correntes. Acreditava-se,
então, que o conjunto de objetos e técnicas da vida material servia para
caracterizar uma cultura e o modo de vida de um povo. Os aspectos da vida
social como o parentesco, a religião e os mitos eram também estudados, mas
a cultura material servia de instrumento privilegiado para se averiguar o
estágio de desenvolvimento de um povo e as influencias que este
possivelmente recebera do contato com o outro (FORÇOZO, 2007, p. 143)
Outro elemento importante que encontramos no livro, e que segundo a autora, tem origens
nessa perspectiva teórica gestada do contato com os etnólogos alemães é o relevo conferido a
uma acentuação das qualidades sensoriais dos nativos: eles detinham o conhecimento da
sobrevivência em meio à natureza, graças a uma capacidade de observação extremamente
aguçada e de tirar do meio os subsídios necessários para a sobrevivência. O corpo do indígena
parece moldado, elaborado, pela natureza para aquele tipo de meio: quando colocado em
outros espaços, campos abertos, sua visão não é a mesmo, por exemplo. Como conclusão de
sua reflexão, Mariana Forçozo defende que:
A inovação de Sérgio Buarque está em que ele deu aos índios um lugar
decisivo na história das bandeiras. Isso só foi possível, do ponto de vista da
construção dos argumentos, porque ele buscou precisamente em uma
literatura voltada para as questões indígenas, isto é, na etnologia, os dados
que lhe permitiram descrever como o modo de vida indígena foi fundamental
para o sucesso do empreendimento português. O uso da etnologia, portanto,
foi o que permitiu ao autor olhar para os grupos indígenas como partícipes da
história. (FORÇOZO, 1994, p. 148)
Já o artigo “Vozes na Fronteira: uma outra leitura para Caminhos e Fronteiras de Sérgio
Buarque de Holanda”, de Silvana Seabra, faz a leitura do texto a partir do ponto de vista das
relações dos gêneros literários com a escrita da História. Para essa autora, Caminhos e
Fronteiras difere muito de Raízes do Brasil por deslocar a história nacional para a esfera
interna, “na qual a mobilidade e o tipo da ocupação do espaço dinamizam o legado ibérico,
tornando-se passível de alterações” (SEABRA, 2010, p. 42). Sérgio Buarque, que não
participara, mas tivera contato e auxiliado o movimento modernista, estaria inserido nas
reflexões sobre o processo identitário nacional marcantes nos anos 1930, e para tanto, a
fronteira, que fora muito representada na literatura romântica do século XIX como espaço de
engendramento do nacional ganharia relevo: enquanto para Alfredo Ellis Junior, Afonso
d’Escragnolle Taunay e Alcântara Machado o “encontro” nesse espaço seria entre àquele que
leva a civilização (bandeirante) e os que necessitam desse conjunto de caracteres que os
induziram ao progresso (índios), o autor traz um novo olhar, uma nova compreensão de como
teria se desenvolvido a sociedade de seu tempo.
Assim, deixando de lado os etnólogos e antropólogos alemães do século XIX, Silvana Seabra
busca em Frederick Turner uma outra chave teórica utilizada por Sérgio Buarque na
elaboração de seu trabalho. Turner também apresentou suas ideias em fins do século XIX
(1893) para explicar a formação da cultura e valores dos Estados Unidos; em sua perspectiva,
“o homem aculturado, quando enfrenta um território desconhecido, perde a conexão com a
civilização, adapta-se às condições primitivas, para depois, num processo contínuo, voltar a
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evoluir” (SEABRA, 2010, p. 45), essa visão também pretendia explicar a história americana a
partir do desenvolvimento interno e não mais como um legado inglês.
Elegemos o capítulo seis da primeira parte da obra afim de melhor nos determos em algumas
características e argumentos do autor, que estão em harmonia com sua tese central já discutida
ao longo desse texto. Segundo o autor, a farmacopeia que se originou do encontro entre o
adventício e o indígena tornou-se uma característica tão marcante das relações no Piratininga
que, por toda a colônia, as receitas tiradas da flora eram nomeadas de “remédios de paulista”.
Contudo, tais medicamentos eram fruto exatamente do conhecimento antiquíssimo que os
indígenas possuíam sobre o meio com o qual se relacionavam, e que, como já afirmamos, na
escrita de Sérgio Buarque quase que ambos se fundem.
aceitas pelo europeu devido a predisposições mentais trazidas de sua cultura, que o
permitiram fazer associações, leituras comparativas.
Portanto, tal capítulo é exemplar em corroborar os objetivos centrais dessa obra do autor, bem
como evidenciam ao longo da construção de seus argumentos alguns dos traços teóricos
discutidos por Mariana Françozo. Sérgio Buarque utiliza, neste capítulo, diversas referencias
a von Martius que fora um dos mais importantes pesquisadores alemães que vieram estudar o
Brasil e dedicara muito tempo na região da Amazônia, o que também explica o constante
movimento entre passado e presente para evidenciar as permanências culturais, não apenas na
sincronia do período colonial entre europeu e índio, mas também na diacronia entre os séculos
sobre o qual dedica seu estudo (XVI, XVII) e o presente de elaboração da obra (século XX).
BIBLIOGRAFIA
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Sergio Buarque de Holanda na USP. Estudos Avançados,
São Paulo , v. 8, n. 22, p. 269-274, Dec. 1994.
FRANÇOZO, Mariana. Os outros alemães de Sérgio Etnografia e povos indígenas em
Caminhos e Fronteiras. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 22, n. 63, p.
137-152, fev. 2007.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e Fronteiras. Cia das Letras: São Paulo, 1994.
SEABRA, Silvana. Vozes na Fronteira: uma outra leitura para Caminhos e Fronteiras de
Sérgio Buarque de Holanda. Revista Iberoamericana, v. 76, n. 230, p. 41-61, jan/março. 2010.