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"Os operários atribuem mais valor à moradia do que à cidade", escreve Michel Verret
em seu livro sobre o Espace Ouvrier (Espaço operário).1 "Das moradias, eles se servem,
e muito; da cidade pouco, pouquíssimo tempo, longe demais, não é para eles. Mas
quando vão até ela. São para se reunir." Eles a utilizam como espaços abertos, para
aquelas "festas de momento e quantidade" que não deixam traços senão nas lembranças
e nas imagens — fotos e até filmes — que as fixam. ” (101)
“Pagar o mínimo possível pelo alojamento, tal é, portanto, a ambição de operários que
muitas vezes vêm de regiões rurais onde ele não custa nada. A data fatídica do prazo de
pagamento — o "Deus Prazo" —, dia 8 do primeiro mês de cada trimestre' —, a "Festa
Nacional do Capital e da Santa Grana". Segundo Le Père Peinard,9 é crucial. ” (104)
“Essa questão do aluguel é uma das origens da Comuna de Paris. Jeanne Gaillard
mostrou como a alta dos aluguéis, principalmente a partir de 1867, era uma das grandes
causas de descontentamento." Tanto que um dos primeiros atos do governo republicano
de Defesa Nacional, proclamado em 4 de setembro de 1870, foi instaurar uma moratória
dos aluguéis. ” (106)
As coisas mudam por volta dos anos 1880. De temporárias. As migrações passam a ser
permanentes. A "grande depressão" dos anos 1882-1890 contribuiu para romper os
laços com a terra e povoar as grandes cidades. (108)
“Nessas circunstâncias, não admire que todo movimento revolucionário seja uma
reconquista do centro. Lá estão os imóveis e os símbolos do poder. As Tulherias, a
Prefeitura, a Câmara dos Deputados... atraem as multidões em protestos. Ë o caso em
1830 e em 1848, e ainda mais em 1871. Os cornmunards — Jacques Rougerie o
mostrou — reivindicam o direito à cidade." Eles reocupam o centro de onde pretendia-
se expulsá-los. Entrincheirados por trás dos muros e fortificações da cidade, onde
outrora por vezes refugiaram-se os camponeses da planície, eles encarnam, frente aos
alemães e aos exilados de Versalhes, esse alto posto da monarquia. Os verdadeiros
defensores das Comunas livres. Com eles culminam todas as lutas urbanas da história. ”
(121)
“Nas ruas, as mulheres sabem se manifestar. Elas conduzem os motins por alimentos,
ligados à carestia do pão, tão frequentes pelo menos até 1848, os charivaris contra os
proprietários responsáveis pelo aumento dos aluguéis, elas que são as administradoras
do lar, as guardiãs do orçamento. Elas se associam aos homens durante as jornadas
revolucionárias que pontilham o século, presentes sobretudo em 1830, como aliás os
filhos, esses "moleques" de Paris que geraram Gavroche. Em 1848, elas são mais
tímidas: zomba-se das Vesuvianas, ou milícia feminina. Em 1871, elas ajudam como
cantineiras ou atendentes de ambulância. As que querem lutar vestem-se de homem,
como Louise Michel: "Essa questão idiota de sexo estava acabada", suspira ela,
nostálgica, em suas Memórias. ” (217)
“Esse fenômeno de exclusão progressiva foi bem descrito para a Inglaterra por Dorothy
Thompson.9 Ela mostra como, nos pubs e inns (tavernas) ingleses do final do século
XVIII e início do século XIX, os homens e mulheres estavam juntos, cantando,
reivindicando, preparando as manifestações, e como aos poucos a presença das
mulheres se torna marginal, inabitual, e depois francamente excepcional. Para elas, fica
cada vez mais difícil tomar a palavra: elas têm de passar pelo intermédio de um homem,
e depois, a partir de 1840 e do cartismo, desaparecem totalmente, e o pub inglês vira um
lugar exclusivamente masculino. ” (218)
“Nos meios populares, a mulher é o "ministro das finanças" da família. Ela gere o
pagamento que seu marido lhe entrega, não sem conflito: o pagamento é momento de
tensão nos bairros, as donas-de-casa temem que ele seja desfalcado pela taverna. Se se
trata de uma conquista feminina, é também uma carga pesada: com a soma que lhe é
confiada, a mulher tem de alimentar a família, ela é responsável pela sua subsistência.
Daí um sentimento de culpa se não o consegue e o fato, muitas vezes assinalado, de se
privar em tempos de penúria. ” (222)
“Ao que parece, é a partir de 19C2 que a nome de Apaches passa a ser empregado para
designar um bando de jovens cujos delitos faziam Belleville tremer — o de Boné de
Ouro. Cuja lenda foi registrada por lacques Becker —, e depois, por extensão, os jovens
vadios urbanos. ” (315)
“A questão das moças está no centro da violência apache. Escassas. as moças são muito
solicitadas, mas não só por questão de dinheiro. Proxenetas, os Apaches certamente
eram, mas nunca como profissionais. A mulher entre os Apaches tem um estatuto
complicado, comparável ao que ela tem na sociedade. ” (321)
“Essa geração opõe-se vivamente aos velhos usos da família patriarca], negando-se, por
exemplo, a entregar seu salário para os fundos comuns. Quando, aos dezoito anos, cessa
a obrigação da carteira de trabalho controlada pelo pai, carteira que em 1890 só
continuou a existir para o adolescente, o jovem operário abandona o lar paterno e corre
as estradas, passando de uma fábrica para outra, de um canteiro para outro, alimentando
uma grande rotatividade, esse turn over que alguns consideram um substituto da
aprendizagem. ” (327)
“No entanto, a juventude escapa a esses cuidados. Para ela, não se prevé realmente
nada, afora o serviço militar e, para os recalcitrantes, os batalhões disciplinares." Lei de
defesa nacional, a lei de três anos não teria também vantagens sociais? Muitos vêem no
exército a forma de captar ''qualidades guerreiras mal-empregadas"" e de domar os
rebeldes impenitentes, enviados para as primeiras linhas quando vier a guerra. A
Guerra: Viúva suprema. Assim acabaram os Apaches. ” (332)