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CÓDIGO DISCIPLINAR 44
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV
Luis Fernando Cerri
Dicionário de ensino de história / Coordenação: Marieta de Moraes
Ferreira, Margarida Maria Dias de Oliveira. - Rio de Janeiro : FGV C O N H E C IM E N TO HISTÓRICO ACADÊM ICO 47
Editora, 2019. Paulo Knauss
248 p.
C O N H E C IM E N TO HISTÓRICO ESCOLAR 50
ISBN: 978-85-225-2117-3
Cristiani Bereta da Silva
1. História - Estudo e ensino - Dicionários. I. Ferreira, Marieta de
Moraes. II. Oliveira, Margarida Maria Dias de. III. Fundação Getulio CO N SC IÊN CIA HISTÓRICA 55
Vargas. Estevão de Rezende Martins
CÍR C U LO S C O N C Ê N T R IC O S
sustenta a ideia dos círculos concêntricos. o outro e, portanto, que o tempo desse outro seja sempre julgado pelo seu
Enfatizamos aqui ao menos dois efeitos desse modo de organizar o cur próprio tempo.
rículo para a aprendizagem histórica e para o pensar historicamente. O pri Esses dois efeitos estão relacionados também com o fato de que a organi
meiro efeito a se destacar diz respeito a uma lógica linear de pensar o tempo zação curricular dos estudos sociais por meio dos círculos concêntricos está
histórico, uma vez que cada elemento do círculo não se comunica com o diretamente ligada à teoria dos estágios de desenvolvimento dos estudantes.
seguinte. Desse modo, se desconhecem as possibilidades de incidência do A partir dessa concepção, toda aprendizagem deveria iniciar pelo concreto,
global no local. A linearidade da proposta dificulta, à criança, perceber a pois, nos primeiros anos de vida, a criança encontra-se na fase concreta de
sincronia de acontecimentos, bem como as relações entre diversas dimen desenvolvimento. Assim, chega-se novamente à ideia de que é preciso es
sões temporais. Além do mais, trilha-se uma temporalidade nitidamente tudar locais próximos e tempos familiares. É por essa razão que o primeiro
tema a ser estudado pelo aluno é ele mesmo e, depois, sua história local, A partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a história lo
até galgar escalas mais avançadas de abstração, que lhe permitirão estudar cal se torna eixo temático do primeiro ciclo, incorporando a necessidade
experiências e tempos distantes. de pensar o pertencimento e a comparação com outros espaços e lugares.
D IC IO N Á R IO DE E N S IN O DE H IS TÓ R IA
Tal concepção, em nosso entendimento, é demasiado classificatória e Gostaríamos de agregar, ainda, que os estudos da história local, atualmente,
supõe um modo estanque, linear e determinado do desenvolvimento da poderíam buscar uma problematização do lugar, das complexidades da vida
aprendizagem. Acreditamos que a aprendizagem histórica e o pensaj his cotidiana, consideradas como lugares de história e, sobretudo, de resistência
toricamente devem se propor a romper com a cronologia e a temporalidade aos poderes que impõem modos de ser e de viver às comunidades por meio
linear, que são precisamente o que a estratégia dos círculos concêntricos das mídias e das instituições. A comunidade é o lugar de luta e de produção
reforça, com sua divisão por períodos ou eras e seu modo eurocêntrico de de vidas singulares, de maneiras de viver que combatem o poder e exigem
conceber a temporalidade. dos poderes públicos respeito e atenção. Tal compreensão implica a supe
Os estudantes, assim, perdem a oportunidade de ter novas experiências ração da organização curricular dos anos iniciais por círculos concêntricos,
com outras temporalidades e deixam de fazer relações interculturais. São na direção de um currículo que inclua a aprendizagem histórica do eu e do
colocados no interior de uma maneira de organizar o tempo que parece uni outro, permitindo o pertencimento e o estranhamento, mas que reconheça
versal e natural, mas que é específica e que silencia e inviabiliza uma série o valor e a potência criativa do local, do lugar e da comunidade.
de outras formas de pensar o tempo e a experiência de povos que habitam, Trata-se, portanto, de considerar o local no diálogo e nas inter-relações
inclusive, o território brasileiro. com outras dimensões da vida social: o regional, o nacional e o estrutural.
A história local, pensada e ensinada com base nessa forma de organizar Isso deve permitir um movimento que leva o aluno a conhecer sua realidade
o currículo, estaria fadada a ser um objeto de aprendizagem apenas dos próxima e pensar seu pertencimento, por meio de uma criticidade que se dá
anos iniciais do ensino fundamental, o que tem efetivamente se apresen pela relação e pelo conhecimento do outro.
tado ainda hoje nos currículos de história. Desse modo, na organização do
currículo por círculos concêntricos, a história local acabou por ser reduzi
da a um conjunto de dados informativos possíveis de serem transmitidos
a estudantes ainda em fase concreta de desenvolvimento, sem nenhuma
pretensão de estudo dos elementos sociais e culturais de um lugar, de uma
comunidade, mas com o propósito de criar uma história linear, descritiva e
cronológica do local. Isso implica perder uma compreensão do local como
locus de contradições e de movimento histórico. A história das comunidades
ficou desligada da história das estruturas da nação ou dos grandes sistemas
econômicos - destituída, portanto, de história.
Trata-se, desse modo, de uma história não problematizadora, que mira
as comunidades e os lugares de inserção cotidiana dos estudantes como
espaços livres de conflitos ou lutas e de produção de vida e resistência. A
história local não passa, nessa perspectiva, de um conjunto de referências
informativas sobre a cidade (fundação, primeiros habitantes, emancipa
ção...), que não possui outra função senão a de adequar as novas gerações
aos espaços nos quais vivem.