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Ossconceitossemitidossnesteslivrossãosdesinteirasresponsabilidadesdo(s)sautorfes).
ISBN: 978-85-225-2117-3
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tendem a uniformizar racial e etnicamente as famílias representadas, como
se negros só constituíssem famílias com negros, asiáticos com asiáticos,
brancos com brancos. Nos livros para crianças, representações utilizadas
D IC IO N Á R IO DE E N S IN O DE H IS TÓ R IA
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tárias, de indivíduos ou grupos que objetivaram e objetivam constituir e
da história que, por contraste ou semelhança com o horário daquela escola,
fixar determinadas imagens de si e de outros. Por isso, é muito importante
permitem novas descobertas. Percebemos, pois, que uma fonte sempre é
nos perguntarmos como e por que um documento foi preservado e em que
analisada em sua relação com outras fontes e com outros conhecimentos que
circunstâncias ele foi recuperado e transformado em fonte de conhecimento
temos do passado e do presente. O mesmo vale, por exemplo, para um filme
sobre o passado.
de propaganda do Estado Novo - que certamente documenta dimensões que gitado; se contém anotações à mão, carimbo, cabeçalho, papel timbrado etc.
não tencionava documentar inicialmente - e para uma revista caracterizada Esses elementos também podem informar sobre a procedência e o processo
D IC IO N Á R IO DE E N S IN O DE H IS TÓ R IA como “feminina” do início do século XX - cuja especificidade vislumbramos de elaboração do documento. O ideal é trabalhar com versões fac-similares,
porque a colocamos em perspectiva e a relacionamos com outras revistas e que permitem esse tipo de observação, bem como o reconhecimento de dife
outros conhecimentos. renças e semelhanças ortográficas, quando se trata de documento escrito. No
É importante que os alunos e as alunas sejam estimulados a praticar esse caso de documentos sonoros e/ou audiovisuais, o exame pode ter como foco
tipo de questionamento. Perguntar “o que a fonte documenta?” preâsupõe, as tecnologias de gravação, a qualidade do som e da imagem, a iluminação,
como sugere Le Goff, desmontar seu significado aparente e deslocar o olhar o ritmo da fala, a existência de ruídos e de chiados, a música de fundo, as
para aquilo que a fonte não tencionava documentar originalmente. legendas, as locuções em off etc.
Outra forma bastante eficaz de nos aproximarmos de um documento é Não podemos esquecer de questionar as fotografias, que muito frequen
refletir a respeito de quatro níveis de inferência: o que o documento diz? O temente são tratadas como “retratos da realidade”, como se não tivessem,
que podemos inferir? O que ele não diz? O que e onde podemos saber mais? elas também, intencionalidade, contexto de produção, autoria etc. O que
Se a fonte for uma imagem ou o trecho de um documento escrito, ela pode dizer do enquadramento, da escolha da imagem a ser fotografada, ou ainda
ser fixada no centro de uma folha de cartolina e os quatro níveis podem da decisão acerca da fotografia a ser revelada e ampliada, no meio de tantas
ser demarcados com retângulos crescentes em volta da fonte. No primeiro outras? Perguntas interessantes a serem feitas seriam: “onde está a pessoa
retângulo estaria a própria fonte; o segundo retângulo seria destinado às que fez a fotografia? Quem era essa pessoa, a seu ver? Como as pessoas foto
anotações sobre “o que o documento diz”; o terceiro, para as anotações sobre grafadas (se for o caso) parecem se relacionar com ela?”. Além dessas, podem
“o que podemos inferir” e assim por diante. Assim organizada, a atividade se ser úteis as seguintes questões: “por que vocês acham que a fotografia foi
adequa bem a um trabalho de grupo, os alunos sentando em volta da folha feita?”. “Como vocês acham que era o equipamento no qual a fotografia foi
de cartolina e fazendo suas anotações nos retângulos correspondentes - tal feita?” “Quanto tempo vocês acham que levou para a fotografia ser feita?
vez, primeiro, individualmente e, depois, discutindo entre si as anotações, Por quê?” E quanto ao objeto fotografado: “descrevam o que vocês veem: as
para, em seguida, socializar as conclusões com o restante da turma. pessoas (o que estão fazendo, o que estão vestindo, onde estão), a paisagem,
Esse exercício é bem interessante porque permite interiorizar o fato de o local, se é de dia ou de noite, se é na cidade ou no campo etc.”. “Descrevam
que nenhum documento responde a todas as nossas questões. Isso implica a fotografia: “a imagem está centralizada? O que se vê no plano da frente e
aprender que o trabalho de pesquisa depende da conjugação de diferentes do fundo? A imagem está focada?”
fontes e da definição das questões que se almeja responder. O trabalho com fontes é especialmente proveitdso quando faz parte de
As perguntas dos quatro níveis de inferência podem ser combinadas um percurso de pesquisa, no qual se preconiza a autonomia dos estudantes.
com aquelas mais voltadas para a intenção da produção, da preservação O professor ou a professora pode disponibilizar para suas turmas uma va
e da divulgação do documento: quem, por que, quando, para quem, como riedade de documentos a serem trabalhados numa investigação, a partir de
produziu, preservou e difundiu o documento? O professor ou a professora uma ou mais perguntas de pesquisa. Por exemplo: “quem era a favor e quem
pode perguntar, por exemplo: “por que vocês acham que esse documento era contra a abolição da escravidão no Brasil e por quê?”. Entre as fontes,
foi escrito/produzido?”. “Quais evidências presentes no documento ajudam podem estar reportagens de jornal, textos e propagandas a favor e contra a
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vocês a saber quando e por que ele foi escrito/produzido?” “Para que público abolição, debates parlamentares, biografias de personagens que se destaca
o documento foi escrito/produzido?” ram nas campanhas, dados dos censos de 1872 e 1890 etc. Como resultado,
Cabe também observar a materialidade do documento. Por exemplo, poder-se-ia propor aos alunos que preparassem uma apresentação, seguindo
verificar se se trata de original ou cópia; se manuscrito, datilografado ou di ou não um modelo previamente elaborado. As apresentações poderíam ser
montadas a partir de perguntas do tipo: “quais eram os principais argumen
tos a favor da abolição?”. “Quem eram os abolicionistas e como agiam?”
“Quem era contra a abolição e por quê?”. Entre as fontes fornecidas, pode
D IC IO N Á R IO DE E N S IN O DE H IS TÓ R IA haver algumas que pouco ou nada têm a ver com a pergunta de pesquisa, e os
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alunos teriam então que decidir se elas seriam úteis ou não para desenvolver
a tarefa. Oferecer uma variedade de fontes favorece a autonomia dos alunos
Temístocles Cezar
e das alunas e legitima sua produção autoral. Ou seja, não se trata de uma
atividade que instrua “leia o documento tal e retire do texto tal informação”,
ou “ouça a música tal e faça isso e aquilo”.
Professores e professoras de história que têm a possibilidade de transfor
A HISTÓRIA TEM uma longa história. No Canto VIII da Odisséia, Homero
mar o trabalho com fontes numa rotina contagiam suas turmas e possibili
narra o episódio em que Ulisses desembarca, náufrago e solitário, na terra
tam o aprendizado efetivo do passado e das formas como o conhecimento
dos feácios. No banquete oferecido em sua homenagem, o herói grego escuta
histórico se constitui. Além disso, como os alunos e as alunas aprendem a
o poeta (aedo) Demódoco contar sua própria história: aquela do cavalo de
olhar os documentos de modo crítico, podem empregar as mesmas reflexões
madeira e da queda de Troia. Ulisses considerou a narrativa de Demódoco
sugeridas neste verbete na avaliação e na análise de produções contempo
tão precisa que, emocionado, lhe disse: “Demódoco, acima, sim, de todos os
râneas, como filmes, artigos de jornal, telejomais, anúncios, mensagens em
mortais te louvo; ou a Musa te ensinou, filha de Zeus, ou Apoio, pois muito
redes sociais etc. Os estudantes aprendem que é necessário identificar a
em ordem o fado dos aqueus cantas, quanto fizeram e sofreram e quanto
produção (o filme, o artigo, a mensagem); perguntar por que foi elaborada
suportaram, como se, em parte, estivesses presente ou o ouvisses de outro”.
e difundida e o que, afinal, ela documenta. Aprendem ainda que, do mes
Embora o poeta não tivesse participado do conflito, muito menos visto,
mo modo como os documentos estudados para compreender o passado, as
posto que era cego, sua narrativa parecia, paradoxalmente, a de uma teste
produções contemporâneas são incompletas e, por isso, precisamos buscar
munha ocular. Ulisses, além de personagem, é também aquele que atesta a
eventuais respostas em outras produções, do passado e do presente, e in
veracidade dos fatos. Ele é a prova de que aquilo realmente aconteceu. Nesta
centivar a formulação de mais perguntas.
cena primitiva, que não passa de uma metáfora da origem da história, per
cebemos quatro noções - tempo (Odisséia), escrita (Homero), memória (De
módoco), verdade (Ulisses) - que acompanham a história até nossos dias.
Mesmo que a autoria dos poemas homéricos e suq datação permaneçam
envoltas em mistérios, é certo que a palavra história, nestes primeiros tem
pos, designava antes um estado de espírito e um tipo de procedimento do
que um domínio particular de conhecimento. Atividades intelectuais como
o estudo médico ou a investigação do tipo judiciário serviam-se da palavra
história, formada a partir do verbo grego historiem, por sua vez derivado de
hístor- que remete etimologicamente a idein - “ver” - e a (w)oida - “saber”.
Até hoje, o verbo faz parte do universo semântico dos dois campos, sendo
normal o médico ou o juiz solicitar o histórico, respectivamente, do paciente,
da vítima e do réu. O que em determinado momento ocorreu foi uma trans
formação que converteu o verbo em substantivo identitário que passou a 113