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Inúmeras pesquisas já

demonstraram que o processo de


ensino-aprendizagem de História
não atende às exigências do atual
estágio de desenvolvimento da
sociedade brasileira e a escola não
dá conta de suprir as necessidades o ensino de História e
criadas pela sociedade seu currículo
contemporânea, pela crescente
cientificização da vida social e
produtiva, que constitui um sério
desafio a ser enfrentado na teoria
e na prática educativas.
Nesse contexto, o presente
livro destina-se a subsidiar a
reflexão dos professores de
História, para quem
é importante ter claros os
princípios que norteiam a
discussão curricular,
a seleção de documentos, textos e
atividades, e o trabalho a ser
realizado com seus alunos.
O primeiro capítulo apresenta
um panorama das teorias críticas
e a questão do currículo na
renovação do saber histórico
escolar no contexto da década de
1980. O segundo discute as
metodologias do ensino de
História, tais como a construção
do tempo histórico, a pesquisa no
ensino e o uso escolar do
documento histórico. Enfim, o
último capítulo discute a
possibilidade da utilização, na
metodologia do ensino de
História, do contexto vital e da
história da comunidade local em
que o aluno está inserido.
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Geraldo Balduíno Horn
Geyso Dongley Germinari

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o ensino de História e
seu currículo
Teoria e método

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

I-10m, Geraldo Balduíno


O ensino de História e seu currículo: teoria e
método / Geraldo Balduíno Horn, Geyso Dongley
Germinari. - 3. ed. Petrópolís, RJ : Vozes, 2010.
ISBN 978-85-326-3289-0
1. Currículos - História 2. História - Estudo e
ensino r. Germinari, Geyso Dongley. lI. Título.

06-0254 CDD-907.1

Índices para catálogo sistemático:


IbY EDITORA
VOZES
1. História: Estudo e ensino: Currículos
907.1 Petrópolis
--.......,.-

ir
3
História local, -,arquivos
familiares e o ensino

Bittencourt (1998, p. 153), ao analisar propostas curri-


culares de História para o Ensino Fundarnental, de vários
Estados brasileiros, elaboradas entre 1985 e 1995, perce-
beu ser praticamente consensual organizar os estudos da
sociedade a partir da vivêncía dos alunos, para então intro-
duzi-los em outras realidades. Apesar de não estarem apro-
fundadas estas discussões, busca-se valorizar o aluno como
sujeito do conhecimento. A metodologia sugerida para en-
caminhar essa proposta
parte desses princípios enunciados e indica ser ne-
cessário que o aluno desenvolva a capacidade de
observação do meio próximo, introduzindo a im-
portância de elementos de sua vivência, tais como
a própria moradia, fotografias, artigos de jornais e
revistas, considerando-os como objetos de estudo,
portadores de informações históricas possíveis ele
serem resgatadas.
Porém, ainda, não se discute, nestas propostas, como uti-
lizar esses registros encontrados no âmbito familiar, para
aproximar o ensino de História ao conhecimento experi-
mentado pelo aluno. "Parece, dessa forma, ser suficiente nas
séries iniciais trazer para a sala de aula elementos da vida
do aluno, para que a relação e articulação entre as duas for-

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-,

mas de conhecimento se estabeleça" (BITTENCOURT, ciedade como um todo, e não somente daqueles
1998, p. 153). poucos que, felizes, a governavam, oprimiam e dou-
trinavam - pela história de glllpos humanos algu-
Partindo do pressuposto que as discussões metodológi- mas vezes denominados ordens, classes, estados.
cas a respeito do uso de documentos históricos que podem ., A partir destas novas perspectivas historiográficas en-
ser encontrados no âmbito familiar do aluno, no ensino de
contram-se também as preocupações da utilização da His-
História, ainda são pouco desenvolvidas, a presente pes-
tória local no ensino de História. Para Proença (1990, p.
quisa buscou, ao longo dos seus capítulos, propor alternati-
139): "Assiste-se presentemente ao desenvolvimento de
vas para esta discussão.
uma História local que visa tirar partido das novas metodo-
logias, utilizando novas fontes quantitativas ou qualitativas
3.1 História local e a finalidade do ensino e cujos temas poderão ter um aproveitamento didático mo-
tivador e estimulante."
Talvez mostrando as pessoas eu possa
ser mais fiel ao lugar e à época (Aldir A valorização da História local na produção historio-
Blanc, 1996). gráfica levou à supervalorização, desta perspectiva, nas
novas propostas curriculares. Os Parâmetros Curriculares
A História local é entendida aqui como aquela que de-
Nacionais para o Ensino Fundamental, na área de História,
senvolve análises de pequenos e médios municípios, ou
recentemente divulgados (1997 e 1998), foram construí-
de áreas geográficas não limitadas e não muito extensas.
dos a partir de uma ótica na qual a História local e do coti-
Esta definição segue a perspectiva de Coubert (1988, p.
diano são os eixos teóricos que elevem ser tomados como
70), segundo a qual a história diz "respeito a uma ou pou-
referência para trabalhar a experiência dos alunos e os
cas aldeias, a uma cidade pequena ou média (um grande
contextos mais amplos.
porto ou uma capital estão além do âmbito local), ou a uma
área geográfica que não seja maior do que a unidade pro- No Brasil, a História local já vem sendo proposta nos
vincial comum [...]". currículos do Ensino Fundamental há pelo menos duas dé-
cadas, assumindo diferentes formas de abordagem. Nas dé-
A pesquisa de História local não é novidade. Estudos so-
cadas de 1970 e 1980, as propostas curriculares do Ensino
bre o tema já enfatizaram o processo político-administrativo
Fundamental eram organizadas nos chamados "Círculos
de formação dos municípios brasileiros. Estas pesquisas, mui-
Concêntricos", onde o conteúdo de Estudos Sociais (que
tas vezes, não dispõem de um quadro mínimo de referências
contemplava elementos do conhecimento histórico e geo-
teóricas e muito menos problemáticas de investigação.
gráfico) deveriam ser trabalhados a partir da realidade mais
O novo interesse da História local volta-se para uma próxima do aluno. Primeiro buscava-se trabalhar elemen-
abordagem social que procura reconstruir as condições de tos ligados à família do aluno, para depois estudar a comu-
vida dos diversos grupos sociais de uma determinada loca- nidade e o bairro, para posteriormente incluir o aluno em
lidade. Como afirma Coubert (1988, p. 73): contextos mais amplos como a cidade, o país e o mundo
A volta à História local origina-se de um novo inte- (CAHCIA & SCHMIDT, 2000).
resse pela História social- ou seja, a história da so-

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.......,.

Entre as décadas de 1980 e 1990 o conhecimento histó- dad de captar Ia existencia no de una historia sino de varias
rico e o ensino de História, juntamente com outras temáti- historias, leídas desde distintos actos o sujetos históricos,
cas educacionais, foram objeto de discussões de professo- así como de historia silenciadas, historias que no han tenido
res universitários, do Ensino Fundamental e Médio. Nesta acceso a Ia história", como, por exemplo, as histórias dos
(I

conjuntura, as pesquisas destacavam a importância do su- trabalhadores, crianças e mulheres.


jeito que aprende e as novas formas de ensino da História. O professor, ao optar pelo recurso da. História local
As discussões sobre a organização dos conteúdos cami- como método de ensino, deve estar atento a alguns aspec-
nham para uma História temática, tendo a História local tos que antecedem o trabalho em sala de aula. Em primeiro
como estratégia pedagógica principal. lugar definir o significado do termo local no seu aspecto es-
A História local no ensino não deve ser tratada apenas pacial. Depois, realizar um minucioso levantamento de fon-
como um conteúdo a ser ensinado, mas constituir-se em tes documentais em arquivos, museus, bibliotecas e no pró-
uma estratégia pedagógica, que trate metodologicamente prio meio (patrimônio, estatuária, placas, monumentos, ca-
os conteúdos a partir da realidade local. Segundo Ossanna sas antigas) da localidade. As fontes encontradas podem ser
(1994), cm aproveitadas didaticamente no ensino de História (MANI-
UIl planteo más amplio, abarcativo y menos "estruc- QUE & PROENÇA, 1994).
turado" es el de considerar este enfoque como una
Primeiramente é necessário recuperar elementos da
"estratégia pedagógica". En este caso, es una forma
de abordar cl aprendizaje y Ia construcción y com-
"História do ensino de História" para iniciar uma discussão
prención deI conocimiento a partir de formas espe- acerca da Finalidade desta disciplina frente a uma escola
cificas que tengan que ver con Ios intcreses de Ios contemporânea frequentada por alunos dos mais diversos
alumnos, sus acercamientos cognoscitivos, el traha- segmentos sociais .
jo de 10 vivenciaI, Ias posíbilidades de actividades
vinculadas directarnente con Ia vida cotidiana como
A História como disciplina curricular surgiu no sistema
expresiones concretas de problemas más amplies. público eleensino francês, no século XIX, no contexto das lu-
A História local, enquanto estratégia de aprendizagem, tas burguesas, do nacionalismo, da formação dos Estados-
pode garantir o domínio do conhecimento histórico "[...] a Nação e do enfrentamento pelos segmentos dominantes às
partir de recortes seleccionados, pero integrados y conec- reivindicações proletárias feitas na Comuna de Paris (FRAN-
tados con el conjunto del conociniiento. Es Ia conjunción ÇA, 1870). Neste contexto, o conteúdo da disciplina buscava
de Ia garantía del conocimiento científico com Ias objetivos justificar a formação do cidadão para a pátria e importância
educativos" (OSSANNA, 1994). da classe social burguesa emergente. É o momento em que a
educação passou a ser um direito para todos numa perspecti-
Ademais, o trabalho com a História local no ensino pos-
va laica, universal, gratuita e obrigatória. No século XIX, o
sibilita a construção de uma História mais plural, que não si-
conhecimento histórico escolar, junto ao objetivo de afirmar
lencie a mutiplicidade das realidades. Para Ossanna (1994), a
a importância da classe burguesa, serviu também para justi-
História local como estratégia pedagógica, traz "Ia posibíli-
ficar e consolidar os ideais nacionalistas.

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--,

No Brasil, o conteúdo de História foi inserido no currí- trouxe algumas consequências à disciplina, que pretendia
culo do Colégio Pedro II14 em 1838. Tratava-se da "[...] ne- basear-se em suas leis. Cardoso (1998) destaca alguns pon-
cessidade de retomar-se ao passado, com objetivo de iden- tos desta influência: a) afirmação dos fatos e seu estabeleci-
tificar 'a base comum' formadora da nacionalidade. Daí os mento por meio da crítica das fontes; b) pessimismo quanto
conceitos tão caros às histórias nacionais: Nação, Pátria, <' à possibilidade de explicar os fatos por meio de leis; c) acú-
Nacionalismo, Cidadania" (NADAI, 1986, p. 106). mulo de fatos segundo critérios rigorosos de erudição críti-
O objetivo do ensino de História era criar uma identi- ca; d) existência real do fato histórico, externo ao observa-
dade nacional homogênea em torno de um Estado politica- dor; e) problemática da causalidade ligando causa e conse-
mente organizado. Assim, segundo Nadai (1993, p. 146), quência a uma ordem cronológica linear.
[...] a História inicialmente estudada no país foi a Este pensamento pretendia uma investigação científica
História da Europa Ocidental, apresentada como objetiva que buscava no passado a verdade histórica, afas-
verdadeira História da Civilização. A História pá- tando qualquer especulação filosófica nas suas análises. Os
tria surgia como seu apêndice, sem um corpo autô- historiadores positivistas acumularam determinados fatos
nomo e ocupando papel extremamente secundá- políticos que podiam ser verificados e comprovados por meio
rio. Relegado aos anos finais dos ginásios, com nú-
dos documentos escritos (oficiais) produzidos pelo Estado.
mero ínfimo de aulas, sem uma estrutura própria,
consistia em um repositório de biografias ele ho- Pensavam atingir este objetivo por meio de técnicas rigoro-
mens ilustres, de datas e batalhas. sas de seleção das fontes, crítica ao documento e organiza-
Os conteúdos selecionados para História do Brasil tinham ção das tarefas na profissão. Com o positivismo há o triunfo
como referência a produção historiográfica do IHGBl:3 e co- do documento, segundo Le Goff (1992, p. 539): "A partir de
mo a historiográfía européia enfatizava a história da nação. então, todo historiador que trate de historiografia ou do mis-
N o final do século XIX a influência da historiografia eu- ter de historiador recordará que é indispensável o recurso
ropeia sobre a produção historiográfica brasileira acentu- do documento".
ou-se. O ideal nacionalista republicano brasileiro encontra- Desta forma, produziu-se uma história voltada aos estu-
va no processo de formação dos Estados-Nação europeus dos dos acontecimentos políticos, da genealogia das nações,
as suas justificativas. Tais concepções eram influenciadas evidenciando as "datas importantes", "os grandes persona-
pelo pensamento intelectual positivista". O positivismo
gens", os "heróis" da nação. "A maior parte da história no
passado era escrita para a glorificação e talvez para o uso prá-
14. Instituição de ensino superior do Rio de Janeiro fundada em 1739. Foi tico dos govemantes" (HOBSBAWN, 1998, p. 216).
convertida em instituição eleensino secundário, sob a denominaçâo de Co- Durante a maior parte da história escrita, as massas po-
légio Pedro Ir, em 18:37.
pulares apenas foram incluídas "[...] em circunstâncias mui-
15. Instituto Histórico e Geográfico do Brasil.
to excepcionais - como as grandes revoluções ou insurrei-
16. Filosofia sistematizada por Augusto Comte (1798-1857). O positívismo
consistia na aplicação dos métodos utilizados na matemática e nas ciências ções sociais" (1998, p. 217).
experimentais aos fenômenos sociais e políticos, a fim ele apreender as leis O ensino de História ligado a estas concepções é cornu-
que regem a estrutura e () desenvolvimento das sociedades. No Brasil, o
mente denominado tradicional. "A preocupação fundamen-
positivismo alcançou grande expressão, sua influência verificou-se princi-
palmente em iniciativas da legislação brasileira. tal era ensinar a História para explicar a genealogia da na-

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"l

ção, transmitindo os fatos do passado como 'realmente' acon- A escola pode acentuar essa exclusão se não adotar mo-
teceram" (SCHMIDT, 1997, p. 8). delos didático-pedagógicos que valorizem as experiências
Neste panorama não havia lugar para a história das cri- vividas pelos sujeitos, modelos aonde os alunos se reconhe-
anças, mulheres, trabalhadores e pobres. "Estas memórias çam enquanto indivíduos participantes do processo de en-
ti
estão fora da 'história' no sentido da elite, destino coletivo sino/aprendizagem. Para isso é preciso
concebido à escala do Estado ou da nação, quadro exterior [...] entender como as experiências produzidas nos
vários domínios da vida cotidiana produzem, por
à vida quotidiana [...l" (CITRON, 1990, p. 94).
sua vez, as diferentes 'vozes que os alunos empre-
Uma nova perspectiva para o ensino de História não gam para dar sentido aos seus mundos e, conse-
pode ficar limitada a uma concepção de história que apenas quentemente, à sua existência na sociedade em ge-
destaque os segmentos dominantes da sociedade. O conhe- ral [... 1 (McLAREN, 1997, p. 249).
cimento histórico escolar tem o desafio de superar tal obs- Para ensinar História a partir da experiência de vida do
táculo, objetivando uma noção mais ampla, onde as classes aluno é necessário uma perspectiva teórico-metodológica
populares sejam também inseridas em suas análises. Um que fale da vida das pessoas, que destaque, por exemplo, as
ensino de História mais próximo da realidade da grande festas familiares, as festas coletivas, as memórias e lem-
maioria dos alunos brasileiros, oriundos de famílias pobres,
branças dos sujeitos de todos os segmentos sociais. É preci-
cujos pais, geralmente, estão desempregados ou trabalham
so dar voz às histórias das mulheres, das crianças pobres,
em subempregos, levando muitas vezes esses alunos ao tra-
trabalhadores, enfim, fazer falar sujeitos que sempre esti-
balho para complementar o orçamento familiar.
veram excluídos dos conteúdos ensinados.
De forma geral as sociedades industriais e pós-industri-
Citron aponta a necessidade ele a escola reencontrar as
ais estão enfrentando problemas sociais parecidos. "Mi-
memórias perdidas da história, resgatar o cotidiano, "me-
lhões de seres vivem ou sobrevivem à margem da 'história'
mória enfim elos 'abandonados' da história, camponeses,
[...]" (CITRON, 1990, p. 105). Os modelos de "desenvolvi-
mento" de nossas cidades estão gerando problemas de falta pescadores, artesãos, operários, culturas desprezadas, eu-
de moradia, desemprego e urbanização desorientada. jos gestos e trabalho são estranhos à memória da escola"
(1990, p. 114). .
As pessoas atingidas pela desestruturação socioeconô-
mica dos espaços urbanos mais pobres estão perdendo suas A História, comprometida em remem orar a experiência
identidades individuais e coletivas. Segundo Citron (1990, da gente comum, procura compreender uma dimensão des-
p. 108): . conhecida do passado e isto leva a alguns problemas meto-
Sob diferentes formas, ligados a fatores geográfi-
dológicos que precisam ser discutidos.
cos, econômicos, sociais, étnicos e culturais imbri- Segundo Hobsbawn (1988), o efetivo avanço da história
cados em cada caso de forma original, manifesta-se do povo ocorreu a partir da década de 1950 quando foi pos-
o mesmo fenômeno de uma juventude com proble- sível, ao marxismo, dar sua contribuição. O interesse dos
mas de reconhecimento social, porque privada de
marxistas pela história feita pelo povo desenvolveu-se com
recursos, de um modelo interiorizável, de futuro
visível, de espaço possível de socialização.
o crescimento dos movimentos trabalhistas. Isto proporcio-

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-,

nou um incentivo grande pelo estudo do homem, especial- co coerente para analisar as fontes encontradas. "Isto por-
mente da classe operária. Esses historiadores buscavam que nosso problema não é tanto o de descobrir uma boa
não apenas estudar o homem comum, mas o homem co- fonte. Até mesmo as melhores destas fontes - digamos as
mum que podia ser considerado o ancestral do movimento demográficas sobre nascimentos, casamentos e falecimen-
(.'
socialista, não como trabalhadores apenas, mas como car- tos - esclarecem apenas certas áreas do que as pessoas fazi-
tistas e sindicalistas. Sentiram a tentação de supor que a am, sentiam e pensavam" (HOBSBAWN, 1988, p. 26).
história dos movimentos pela luta dos trabalhadores era a O investigaclor da história do povo deve, de certa ma-
própria história das pessoas comuns. Porém, para Hobs- neira, saber o que está procurando, pois assim poderá reco-
bawn (1988, p. 21): nhecer o que procura e ajustar a suas hipóteses. Caso não
Quaisquer que tenham sido suas origens e dificul- consiga realizar este ajuste, é preciso pensar em outros mo-
dades iniciais, a história feita pelo povo decolou
delos. Para construir tais modelos, Hobsbawn (1988) apon-
agora. E recuando a vista para a história do povo
ta a necessidade de ter conhecimento amplo e concreto do
comum, não estamos tentando apenas dar-lhe uma
importância política retrospectiva que nem sem- assunto, isso num primeiro momento permite eliminar hi-
pre teve, mas tentando, de {arma mais geral, explo- póteses inúteis. Além disso é preciso também imaginação-
rar uma dimensão desconhecida do passado. junto com informação - para evitar o anacronismo. "Co-
Este objetivo gerou problemas técnicos como a falta de nhecimento e imaginação, porém, não são suficientes. O
fontes sistematicamente organizadas. De acordo com Hobs- que precisamos construir, ou reconstruir, é, em termos ide-
bawn (1988, p. 21): ais, um 'sistema' coerente preferivelmente consistente, de
Todos os tipos de história enfrentam problemas comportamento e pensamento" (p. 27).
técnicos próprios, mas a maioria supõe que há um A possibilidade de o conhecimento histórico introduzir
conjunto de material informativo pronto e à dispo-
no espaço escolar as experiências vividas pelas pessoas co-
sição e cuja interpretação é que os cria [...]. Ora, a
muns e trabalhar metodologicamente essas experiências
história vinda do povo difere desses assuntos, e na
verdade da maior parte da história tradicional, na por meio de documentos acumulados ao longo da vida tor-
medida em que simplesmente não há um conjunto nou-se possível graças às novas abordagens do pensamento
pronto e acabado de material sobre a mesma. historiográfíco contemporâneo.
A maioria das fontes da história do povo foram reconhe-
cidas como tal, porque um historiador elaborou uma per- 3.2 História e historiografia
gunta e saiu "garimpando" maneiras de respondê-Ia. Se-
gundo Hobsbawn (1988, p. 22): "Não podemos ser positi- A partir da primeira metade do século XX, a historio-
vistas, acreditando que as perguntas erespostas surgem na- grafia conheceu uma ampla renovação das suas concep-
turalmente do estudo do material". ções. O avanço da história rumo ao social deve-se em gran-
Seguindo as argumentações do autor, ainda que as per- de parte a dois paradigmas de explicação dos fenômenos
guntas revelem novas fontes para o estudo da história das sociais: o marxismo e a escola dos Annales. A inspiração nas
pessoas comuns, é preciso um quadro teórico-metodológi- idéias dos pensadores dessas duas vertentes levou ao aban-

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dono gradativo da prática historíográfica positivista inte- rentes que fomentavam o interesse dos historiadores pela
ressada exclusivamente na história política (HUNT, 1992). história social".
A escola dos Annales, desde as primeiras gerações de A história das pessoas comuns como campo específico
historiadores - década de 1930 - direcionou suas análises de estudo começou realmente a florescer na Inglaterra e
'" em outros países apenas após a Segunda Guerra Mundial
para o campo social e econômico, erguendo-se contra a do-
minação da escola positivista, trazendo novas ídeías sobre a (HOBSBA \iVN, 1998).
concepção de documentos e sua utilização como fonte his- Na Inglaterra, ao contrário de outros países, não houve
tórica. Criticaram o documento escrito e oficial como única uma ruptura com o marxismo e com a política de esquerda.
fonte capaz de viabilizar o conhecimento sobre o passado e Buscou-se, dentro do próprio pensamento marxista, novas
passaram a considerar como documento histórico todo ves- perspectivas teórico-metodológicas para explicar os fenô-
tígio escrito, iconográfico, oral, sonoro e material deixado menos sociais. No final da década de 1950 e durante os pri-
pela ação humana (BURKE, 1997). meiros anos da década de 1960, um grupo de historiadores
A noção ampliada de documento ajudou superar a es- marxistas ingleses, formado por Eric Hobsbawn, Haymond
cassez de fontes a respeito das classes subalternas. Isso pos- Willíams, Edward Palmer Thompson c Christopher IIill,
sibilitou a construção de outras histórias, de sujeitos que entre outros, situou-se no campo do marxismo, desenvol-
até então estavam excluídos da história escrita. O docu- vendo pesquisas em oposição frontal a um tipo de interpre-
mento histórico, em vez de servir unicamente como com- tação em que as estruturas teóricas idealizadas mantinham
provante de acontecimentos de determinada época, passou distância de qualquer diálogo com o processo histórico e
a ser fonte das mais variadas interpretações sobre a política, com os sujeitos históricos reais.
economia, religião e mentalidades das sociedades. Esses intelectuais lançaram-se ao estudo de uma "histó-
Por outro lado, no final da década de 19.50 e início da ria vinda de baixo" preocupada com objetos pouco explora-
década de 1960, um grupo de historiadores marxistas co- dos como a história operária e a cultura popular. Revelaram
meçou a se interessar e a produzir uma história do povo, e fizeram falar a história de homens e mulheres trabalhado-
preocupada em resgatar a vida das classes operárias e seu res, sujeitos que por muito tempo estiveram excluídos da
mundo socíal'". Como afirma Hunt (1992, p. 2), "embora di- produção historiográfica, seja ela marxista ou positivista. As
ficilmente se pudesse considerar o marxismo como novida- reflexões de Hobsbawn, Thompson e Willians contribuíram
de nas décadas de 1950 e 1960, estavam vindo a primeiro para valorização dos estudos voltados ao resgate da história,
plano, dentro daquela modalidade explicativa, novas COf- da memória e dos documentos das pessoas comuns.
As contribuições mais manifestas de Thompson para
esse debate foram seus escritos, ensaios e livros clássicos,
17. Em 19.56,as revelações sobre os crimes de Stalin, contidas no Relatório cujas ideias foram frequentemente discutidas, avaliadas e
Secreto divulgado por Nikíta Kruschov, no XX Congresso do Partido Co- apreciadas. Suas obras tiveram boa repercussão no Brasil.
munista da União Soviética, e a invasão da Hungría pelos exércitos soviéti- Livros como A miséria da teoria (1981) e A [ormação da
cos geraram uma crise do pensamento marxista levando muitos intelectu-
ais a romperem com o Partido Comunista.
classe operária inglesa (1987) trouxeram inovações, revi-

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sões de metodologia e de conceitos que acompanharam a desenvolvimento intelectual, ou disposição do espírito em
sua vida intelectual. Tendo a formação da classe operária busca da perfeição, mas sim como todo um sistema de vida,
como o principal objeto de estudo, o autor concebe novas no seu aspecto material, intelectual e espiritual. Williams
concepções teóricas, envolvendo revisões e contribuições.
Thompson conseguiu revigorar o pensamento marxista ao
•. (1969) formulou seu conceito de cultura a partir das trans-
formações que a sociedade e o homem sofreram desde o fi-
formular um novo conceito para as classes sociais baseado nal do século XVIII até a primeira metade do XIX. A mu-
na "experiência" dos trabalhadores. dança ocorrida na indústria, nesseperíodo, gerou novos
A "experiência" foi uma categoria que possibilitou con- métodos de produção e também novas relações sociais. Para
ceber as classes sociais diferentemente de algo apenas com serem compreendidas exigiram novas categorias para apre-
existência teórica. Para Thompson, a classe não pode ser ender a complexidade das novas relações, onde as classes
entendida como uma estrutura, muito menos como uma ca- operárias despontavam como elemento importante da so-
tegoria, mas como algo que resulta de um processo históri- ciedade. "A ideia de 'cultura' seria mais simples se fosse
co, efetivamente marcado pelas relações humanas. Segundo resposta ao industrialismo apenas; foi, porém, resposta a
Thompson, a experiência é uma categoria imperfeita mas in- novos desenvolvimentos políticos e sociais, isto é, à 'demo-
dispensável para analisarmos a história das pessoas comuns, cracia'" ('V1LLIAMS, 1969, p. 20).
porque esta categoria "[...] compreende a resposta mental e Thompson escreveu sobre as experiências das classes
emocional, seja de um indivíduo ou de um grupo social, a populares, por meio da análise dos seus gestos, rituais, socia-
muitos acontecimentos inter-relacionados ou a muitas repe- bilidades, crenças, resistência e formas de ocultar o poder.
tições do mesmo tipo de acontecimento" (1981, p. 15). Ela A partir destes elementos pôde compreender a ação políti-
leva a refletir acerca das particularidades, contingências, va- ca e a organização social. A obra de Thompson constrói efe-
riações de experiências e conduz a recusa dos grandes mo- tivamente a ideia de que a história é feita pelos homens, por
delos explicativos que ocultam os sujeitos da história. suas ações translormadoras e pelas suas experiências, e não
apenas por modelos teóricos e conceitos fechados.
Sua reflexão acerca da formação da classe operária se
origina na vivência concreta de homens e mulheres traba- Para concretizar um ensino de História a partir destas
lhadores, privilegiando nessa análise as ações simbólicas e concepções é preciso metodologias adequadas a esta finali-
ritualizadas dos operários. Para Thompson (1981, p. 16): "A dade. Nesse sentido, aponta-se como alternativa a constru-
experiência surge espontaneamente no ser social, mas não ção de uma nova metodologia de ensino por meio do uso de
surge sem pensamento. Surge porque homens e mulheres documentos, que podem ser encontrados em estado de ar-
(e não apenas filósofos) são racionais, e refletem sobre o que quivo familiar.
acontece a eles e ao seu mundo".
É no quadro da dimensão cultural que o autor investiga 3.3 Arquivos familiares e documentos históricos:
os modos específicos de viver e entender o mundo. O con- possibilidade para o ensino de História
ceito de cultura é utilizado por ele na perspectiva de Willi-
A utilização de fontes documentais no ensino de Histó-
ams (1969), para quem a cultura não era entendida como
ria não é recente, elas já foram utilizadas nos mais antigos

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manuais e livros didáticos. Estes compêndios reproduziam o contato direto com as fontes facilita e familiariza
o aluno com o real passado ou presente, habituan-
a concepção de documento histórico dos historiadores po-
do-o a associar o conceito à análise que o origina e
sitivistas, pois priorizavam o documento escrito como única fortalecendo sua capacidade de raciocinar a partir
fonte possível para se conhecer o passado. de uma situação dada (SCHMIDT, 1997, p. 11-12).
((

N essa perspectiva, o uso didático do documento era to- No entanto, seja na produção historiográfica, seja na
talmente centrado na figura do professor. "Era ele quem perspectiva do ensino, o trabalho com novos documentos,
propunha encaminhar e explicar como o aluno deveria se particularmente com fontes de arquivos familiares, é re-
relacionar com o documento" (SCHMIDT, 1997, p. 10). cente e está em estágio inicial.
O rompimento com essa forma didática de utilizar os O encontro dos historiadores com as fontes de arquivos
documentos históricos ocorre num primeiro momento pela pessoais ocorreu na Europa em geral e na França em parti-
crítica pedagógica. Isto ocorreu a partir da introdução, na
cular a partir da década de 1970. O despertar para esse tipo
escola, dos princípios da Escola Nova. "Essa pedagogia
de fonte traduz as mudanças ocorridas nas concepções
deslocou para o aluno o centro do processo ensino-aprendi-
historiográficas desde a primeira metade do século XX. Se-
zagem. Assim, foi recomendado ao professor que se tornas-
gundo Prochasson (1998, p. 109): "O interesse crescente
se apenas um orientador ou introdutor do aluno no conhe-
pelos arquivos privados corresponde a uma mudança de
cimento" (SCHMIDT, 1997, p. 10). Isto significou mudan-
ças de tratamento didático. Ao professor cabia introduzir os rumo fundamental na história das práticas historiográficas".
alunos no uso dos documentos para estimular suas lem- A renovação fez surgir novos objetos, fontes e meto do-
branças e suas observações. Porém, apesar de mudar o sig- logias para a abordagem dos fenômenos sociais, o que, por
nificado do documento na relação ensino-aprendizagem, a sua vez, não se fez também sem uma refonnulação teórica.
idéia de considerá-lo como prova do real permaneceu. "A descoberta dos arquivos privados pelos historiadores
Um segundo momento, na mudança do uso escolar do em geral está, por conseguinte, associada a uma significati-
documento histórico, ocorre a partir da reformulação na con- va transformação do campo historiográfico [...]" (GOMES,
cepção de fonte histórica operada pelas escolas históricas 1998, p. 122).
con tem porâneas. Primeiramente os documentos privados das elites servi-
O novo pensamento historicgráfico criticou a forma de ram para os mais variados estudos sobre cotidiano, costumes
tratamento do documento enquanto prova do real e passou e rituais das classes dominantes. A valorização desses arqui-
a entendê-Ia como vestígio do passado. Também contestou - vos para se resgatar aspectos históricos se dá pela revaloriza-
a valorização do documento escrito (oficial) como a única ção do sujeito na história, "[...] as novas tendências historio-
fonte para investigar o passado (LE GOFF, 1992). gráficas têm buscado crescentemente dar vida à história, dar
É fundamental utilizar as fontes históricas na sala de aula, cor e sangue aos acontecimentos que não 'acontecem' natu-
a partir destas novas concepções, pois assim o documento ralmente, mas são produzidos por homens reais, quer das
[...] permite o diálogo do aluno com as realidades elites quer do povo" (GOMES, 1998, p. 126).
passadas e desenvolve o sentido da análise histórica.

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I _
A opção pelo trabalho com documentos que podem ser vem de uma longa tradição jurídica, baseada na
encontrados em estado familiar exige que se caracterize al- presunção de autenticidade dos atos praticados pe-
gumas especificidades deste tipo de arquivo. los que detêm cargos e oficias públicos. É na esfera
pública - mediante registros autênticos e seguros -
Genericamente falando, poder-se-ia afirmar que atual- que evidenciam a veracidade e a validade dos fatos
ti'

mente os documentos são guardados em centros de docu- (CAMARGO, 1988, p. 59).


mentação, bibliotecas, museus, bancos de dados e arquivos Durante o século XIX, a doutrina arquivística enfatizou
especializados na conservação e classificação das fontes do-o o aspecto público dos arquivos em função da ídeia de au-
cumentais do passado e do presente. tenticidade dos documentos. Considerando a prática arqui-
Os arquivos, na perspectiva de Paes (1997), podem ser vista como uma construção social, os arquivos oitocentistas
classificados, entre outras íormas, segundo as entidades man- refletiam em seus trabalhos as correntes intelectuais deste
tenedoras, Nesta perspectiva os arquivos podem ser: públi- período, sobretudo as ideias historiográficas positivistas.
cos (federal, estadual, municipal), institucionais (educacio- Os documentos encontrados em estado de arquivo fa-
nais, igrejas, corporações não lucrativas, sociedades, asso- miliar, que se constituem em material empírico para a pre-
ciações), comerciais (firmas, corporações) e familiares ou sente investigação, não fazem parte da vida de pessoas que
pessoais. tiveram algum destaque público no cenário político, ou rea-
Os arquivos públicos fornecem uma série de serviços lizaram algo considerado "importante" para a sociedade. É
que facilitam o levantamento, a leitura e a reprodução da importante destacar que o termo arquivo está sendo utiliza-
documentação. Estas instituições possuem condições físi- do para designar um conjunto de documentos.
cas e materiais para conservarem grande quantidade de do- N este trabalho a preocupação é com documentos que
cumentos, fatores que agilizam as pesquisas dos usuários. podem ser encontrados no interior das mais diversas resi-
Paes (1997) define arquivo público corno um "conjunto de dências, arquivados em gavetas em caixas de papelão, es-
documentos produzidos ou recebidos por instituições go- quecidas temporariamente em cima de armários. Encon-
vernamentais de âmbito federal, estadual ou municipal, em tram-se aí velhas fotos amareladas, certidões de nascimen-
decorrência de suas funções administrativas, judiciárias ou to, escrituras de terreno, agendas, cartas, bilhetes confiden-
legislativas" (p. 24). ciais, carteiras de trabalho, entre outros. A vida privada
Há também o crescente interesse dos arquivos públicos atinge, atualmente, todos os segmentos da sociedade e dei-
em guardar e divulgar documentos de procedência priva- xa atrás de si urna massa importante de documentos.
da, de indivíduos que exerceram atividades ligadas ao po- O processo histórico de privatização da vida iniciou, na
der público. "No âmbito do público como equivalente de Europa, por volta do século XVI, e alcançou seu auge no sé-
estatal e de oficial, os arquivos são, antes de mais nada, de- culo XIX. Segundo Ariês (1991), o processo se caracteriza
positários da fé pública" (CAMARGO, 1988, p. 58). Ainda, pelas seguintes mudanças na vida cotidiana: a) pudor com o
segundo esta autora: corpo; b) a vontade de se isolar; c) o gosto pela solidão; d) a
A valorização do arquivo como órgão que conserva valorização da casa como espaço de intimidade; e) a identi-
os documentos emanados de autoridades públicas ficação da vida privada com a família. Tais aspectos são evi-

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L."._ ... _ ..
denciados na literatura de civilidade, diários íntimos, car- des; a segunda está conservada em arquivos de forma siste-
tas, confissões, hábitos e costumes. Essa perspectiva para a mática, por meio da preservação organizada dos documen-
vida privada é referente ao processo ocorrido na vida das tos, do passado e do presente. Por outro lado, grande parte
elites francesas. da memória coletiva e individual é esquecida, perdida pela
{!

É importante ressaltar que a noção de vida privada foi falta de valorização e pela escassez de registros.
sendo construída com sentidos diferentes em cada meio so- A partir de uma concepção histórica que considera to-
cial e cultural. As classes populares urbanas desenvolveram dos os vestígios deixados pela ação humana, consciente ou
formas específicas de intimidade. inconscientemente, como documento histórico, pode-se
entender esse material pessoal, acumulado ao longo da
A história da vida privada tem destacado, principalmen-
vida, como sendo documento histórico e, portanto, possíveis
te, a história de segmentos privilegiados da sociedade. No
de serem utilizados no ensino de História.
entanto, acumular e guardar documentos não é privilégio
apenas de "pessoas ilustres". Segundo Artieres (1998, p. O acervo documental existente nos arquivos institucio-
31), "[...] arquivar a própria vida não é privilégio de homens nais dificultam o desenvolvimento de alguma atividade de
ilustres (de escritores ou de governantes). Todo indivíduo, ensino organizada a partir da vivência histórica das pessoas
em algum momento da sua existência, por uma razão qual- comuns, pois a memória destes grupos sociais não está pre-
quer, se entrega a esse exercício". servada nestas instituições.
Ao longo da vida, em diferentes situações do cotidiano, O uso de documentos no ensino da História tem sido
as pessoas guardam cartões postais, cartas recebidas, foto- um tema amplamente debatido, nestes últimos anos. Para
grafias, certidões de nascimento, casamento e óbito, espon- Ferraz (1999, p. (82), "l...] é relativamente grande o volume
taneamente ou por obrigação social. As classificações dos de artigos, ensaios e livros relacionados, de uma maneira ou
documentos ocorrem diariamente, como se pode depreen- de outra, ao exercício do conhecimento histórico através do
der das palavras de Artieres (1998, p. 10): "passamos assim trabalho documental". A maioria destes estudos falam do
o tempo a arquivar nossas vidas: arrumamos, desarruma- uso escolar de documentos localizados em acervos já cons-
mos, reclassificamos", tituídos e organizados em instituições especializadas na co-
leta, organização e conservação das fontes documentais.
Artiêres (1998) analisa a relação complexa entre o indi-
víduo e seus documentos, detendo-se na natureza das exi- Os documentos de arquivos familiares são qualitativa-
gências sociais, que levam as pessoas, cotidiana e silencio- mente diferentes daqueles encontrados nos arquivos públi-
samente, a manter arquivos de suas vidas. cos. A falta de dados mínimos como data e local são carac-
terísticas destas fontes. O uso escolar deste tipo de docu-
N esse sentido, os documentos em estado de arquivo fa-
mento requer um trabalho específico de coleta, seleção e
miliar são registros que podem revelar parte da memória
organização que leve em consideração suas específicida-
do indivíduo e da coletividade. Na perspectiva de Williams
des. Isto juntamente com uma metodologia que articule
(1969) a memória permanece basicamente de duas manei-
concepção de história, concepção de documento histórico e
ras: a primeira insere-se numa "tradição comum da huma-
uma seleção de conteúdo adequada a esse trabalho.
nidade", constituída ao longo de toda a história das socieda-

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