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MOVIMENTO DO ENSINO DE HISTÓRIA NO


PÓS-1980: UMA ANÁLISE À LUZ DA TEORIA DA
TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA.
HISTORY TEACHING MOVEMENT IN THE POST
1980: AN ANALYSIS IN LIGHT OF DIDACTIC
TRANSPOSITION THEORY
André Victor Cavalcanti Seal da Cunha

Resumo Palavras-Chave: Ensino de História.


Transposição Didática. Narrativas
Este artigo trata do momento vivido no Históricas Escolares.
campo do ensino de História a partir da
década de 1980. Nas análises que
realizamos em diversas produções que Abstract
tomaram o ensino de História como
objeto de estudo, encontramos uma This article refers to the specific
construção discursiva peculiar, que se moment in the History teaching from
convencionou chamar de modelo the 1980s. In the analysis that we did in
tradicional do ensino de História. many production that took the History
Dentro de nosso exercício de education as object of study, we found
mapeamento, identificamos três a peculiar discursive construction,
âmbitos para os quais se direcionam as which was called by traditional model
propostas de renovação deste. Assim, of history teaching. In our mapping
estamos pensando estas propostas de exercises, we identified three areas for
renovação do ensino de História a which the renewal proposal were
partir desses três eixos: fluxo de directed. So, we are thinking these
saberes históricos, organização de three proposals for the renewal of the
conteúdos históricos escolares e history education from these three
proposições de ordem metodológica. areas: historical knowledge flow,
Desta forma, nosso texto será dedicado historical school content organization,
a fornecer uma visão panorâmica do methodological proposition. Thus, our
momento peculiar que a História, text will be dedicated to provide an
enquanto disciplina escolar, vem overview of the peculiar time that the
atravessando nas últimas décadas, History, as school discipline, has
possibilitando a formulação de um passed in recent decades, allowing the
quadro de referência, que esperamos formulation of many referencies, that
constituir-se em um instrumento útil we hope be an useful instrument for the
para futuras pesquisas na área. next searches.
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Key words: teaching of history. Brasil entre 1990 e 1995, “...estamos


didactical transposition. school vivendo um momento importante no
historical narrative. qual conteúdos e métodos estão sendo
re-elaborados conjuntamente” (1998, p.
12). Ou seja, estaria em curso não uma
Este artigo trata do momento revisão pontual de saberes específicos,
vivido no campo do ensino de História focada na atualização de determinado
a partir da década de 1980. Nossas conteúdo, nem apenas a indicação de
análises serão norteadas por noções novos procedimentos didáticos
presentes na teoria da transposição isoladamente, mas a busca de outra
didática. Desta forma, temos como configuração para a disciplina escolar
pressuposto que as narrativas históricas em questão. Acreditamos poder
apresentadas pelos professores de caracterizar o período vivido no campo
História em suas salas de aula seguem do ensino de História a partir do início
um percurso evolutivo de sucessivas dos anos 80, do século XX, como um
transformações para poderem tornar-se momento de crise disciplinar. Nele, os
objetos de ensino. Através da sua sujeitos envolvidos no campo –
prática pedagógica o docente realiza professores de História, historiadores,
uma seleção, uma (re)invenção das professores de Prática de Ensino de
narrativas produzidas pelo campo História, pesquisadores do ensino de
historiográfico, integrando-as à esfera História, autores de livros didáticos,
dos saberes históricos escolares, autores de propostas curriculares –
presentes também nos livros didáticos procuram construir um novo ensino de
e paradidáticos, nas propostas História, deflagrando-se um amplo
curriculares e nos materiais de apoio. processo de reflexão sobre a disciplina
Assim, nosso texto será dedicado a e os saberes escolares nela vigentes.
fornecer uma visão panorâmica do
momento peculiar que a História, Modelo tradicional do ensino de
enquanto disciplina escolar, vem história: uma construção discursiva
atravessando nas últimas décadas, peculiar
possibilitando a formulação de um
quadro de referência, que esperamos Seguindo o esforço de síntese,
constituir-se em um instrumento útil estamos nos propondo a apresentar um
para futuras pesquisas na área. certo mapeamento deste movimento de
Uma fala “clássica” de renovação. Como todo processo que
Bittencourt sintetiza a fase vivida no busca constituir o “novo”, às vezes
campo do ensino de História. Segunda nem tão “novo” assim, temos a crítica
a autora, a partir da análise de sistemática ao “velho”, temos a
propostas curriculares produzidas no negação do que se procura superar.
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Encontramos então uma construção pedagógica, a autoridade de seu


discursiva peculiar, presente em grande discurso vem da satisfação dos alunos
parte das produções sobre o ensino de com a participação nas atividades
História, representando um tipo de propostas, o que levaria à superação da
consenso, uma espécie de síntese de representação corrente sobre a
tudo o que não se quer para a disciplina História-ensinada, vista como “uma
escolar em questão. Temos o que se matéria enfadonha, desinteressante,
convencionou chamar de modelo inútil, que apenas exige a memorização
tradicional do ensino de História. de datas e fatos, com verificações da
Esse modelo pode ser aprendizagem restritas ao questionário”
sintetizado como um ensino baseado (ROSA, 1984, p. 130).
em História linear, causal, evolutiva, Em artigo que analisava as
política, dos vencedores, dos heróis, apropriações do construtivismo na
cuja marca primordial está na produção sobre o ensino de História
memorização de datas e fatos, (CUNHA, 2004), afirmávamos que a
fundamentados na construção de um ênfase dada nos primórdios da crise
tempo histórico homogêneo e disciplinar na participação nas
transmitidos via exposição oral, para atividades, bem como na dinamização
serem reproduzidos pelos alunos da disciplina, possivelmente
através dos “famosos” questionários, representava elementos de
com as respostas fixadas pelo manual permanência do modelo educacional
do professor. (BITTENCOURT, 1998, tecnicista. Mais adiante voltaremos a
p. 23; ROCHA, 1996, p. 56; ROSA, essa questão quando tratarmos do uso
1984, p. 130). Algumas expressões das chamadas novas linguagens. Por
poderiam resumir bem a rotina desse hora, gostaríamos de ressaltar o fato do
modelo de ensino: linearidade, relato de Rosa ser um exemplo
causalidade, exposição oral, ditado, interessante que ilustra bem o que foi o
cópia, questionário, memorização, início do processo em pauta.
monotonia, tédio. (ROCHA, 2002, p. Faricelli, apoiada em Cordeiro,
114). nos apresenta também uma síntese do
Em Rosa (1984), nós modelo tradicional do ensino de
encontramos uma das primeiras História, acrescentando alguns outros
formulações desse “evento discursivo”. elementos ainda não mencionados.
Em seu relato de experiência, Esse é representado como:
publicado no início dos anos 80, ...preso ao livro didático,
transmissor de uma história
encontramos uma forte preocupação puramente narrativa, sem nenhuma
com a dinamização da disciplina. Não preocupação crítica ou relação com
estando explicitamente ancorada em a vida vivida pelos envolvidos no
cotidiano escolar. Ao aluno caberia
nenhuma corrente historiográfica ou apenas reproduzir um conhecimento
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pronto e acabado, já que a relação


ensino-aprendizagem baseia-se
numa relação autoritária e numa Dessa forma, concluímos que a
hierarquia de saber ampla, onde à elaboração discursiva do modelo
Universidade cabe produzir
conhecimento, ao livro didático tradicional de História, produzida no
selecioná-lo e “pedagogizá-lo”, ao processo de crise disciplinar, tornou-se
professor transmiti-lo a ao aluno
reproduzir um conhecimento
uma referência hegemônica para se
memorizado e apegado à visão pensar o ensino da disciplina. Não
factual. (FARICELLI, 2005, p. 20) obstante, autoras como Anhorn (2003)
e Faricelli (2005) vêm criticando a
O estudo realizado por Cordeiro perspectiva dicotômica presente no uso
mostra que como alternativa de desta formulação, que se consubstancia
referência geralmente se vinha na oposição entre o “velho” e o
apresentando, nas publicações da área, “novo”, ensino “tradicional” e ensino
uma perspectiva renovada de se ensinar “renovado”.
História. Em contraposição ao modelo
tradicional teríamos um ensino de Âmbitos das propostas de renovação
História em que todos são sujeitos. Os
alunos e alunas são concebidos como Dentro desse exercício de
agentes do conhecimento, suas mapeamento, identificamos três
experiências, suas subjetividades, seus âmbitos para os quais se direcionam as
cotidianos, suas vivências constituem- propostas de renovação.
se em objeto de estudo e em ponto de Evidentemente, estes se encontram
partida obrigatório para a atrelados, integrando toda uma rede
aprendizagem do saber histórico discursiva que precisa ser pensada de
escolar. Faricelli argumenta que: forma concatenada. No entanto,
No lugar de práticas consideradas consideramos útil à inteligibilidade do
desmotivadoras, como uso de
questionários e aulas expositivas no processo em estudo, apresentá-las
ensino de História são propostas separadamente, salientando que essa
metodologias diferenciadas por forma de apresentação cumpre apenas
professores ligados aos três níveis
de ensino – experiências ligadas a uma finalidade “didática”. Assim,
práticas didáticas alternativas e estamos pensando as propostas de
sugestões de pesquisas históricas,
estudo e interpretação de textos,
renovação do ensino de História a
utilização de diversas linguagens de partir desses três eixos: fluxo de
comunicação além da verbal, saberes históricos, organização de
utilização de método retrospectivo,
uso de documentos históricos - conteúdos históricos escolares e
foram divulgadas pelas várias proposições de ordem metodológica.
publicações especializadas no Com relação ao
período e nos vários encontros de
profissionais da área (FARICELLI, estabelecimento de novos fluxos de
2005, p. 20 e 21).
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saberes em direção à história-ensinada, programa de 1986 de Minas Gerais,


observamos que as mudanças Lima e Fonseca (2004, p. 63) considera
paradigmáticas na produção que a matriz marxista é vista como
historiográfica ampliaram uma possibilidade de renovação dos
significativamente a distância dos saberes históricos escolares, que
saberes históricos escolares com deixando de “privilegiar os grandes
relação à sua versão especializada. Os fatos políticos e as grandes
agentes participantes do campo, diante personagens da história oficial,
dessa constatação, iniciam uma busca partiriam das lutas de classe e das
por essa reaproximação, o que transformações infra-estruturais para
engendrou uma crítica sistemática aos explicar a história, revelando, assim,
saberes pertencentes à matriz sua clara fundamentação no
historiográfica dita positivista. marxismo”. Vemos assim que a opção
Concebida como a matriz de referência inicial, presente no documento
do modelo tradicional do ensino de curricular, é tomar como referência a
História, seus saberes seriam não mais matriz marxista. O materialismo
que “uma sucessão linear de fatos histórico foi tomado como fundamento
considerados significativos, teórico, elegendo-se como conceitos
predominantemente de caráter político- basilares da organização dos conteúdos
institucional, e no qual sobressaíam os as relações sociais, os modos de
espíritos positivos que conduziriam a produção, a luta de classes, as classes
História” (LIMA e FONSECA, 2004, sociais, a exploração e o excedente de
p. 58). Foi assim que as diversas produção.
propostas de renovação – estando Essa proposta, diante do processo de
incluídos aqui os documentos redemocratização da sociedade
curriculares, os artigos científicos, os brasileira, encontra eco nos
relatos de experiência - procuraram profissionais do ensino de História,
introduzir saberes oriundos de outras alcançando repercussões que
matrizes, matrizes essas que transcenderam o Estado de Minas
alcançavam relevância e destaque no Gerais, influenciando a produção de
campo acadêmico, objetivando documentos curriculares em todo o
atualizar o saber histórico escolar. país, bem como a produção de livros
Casos ilustrativos do quais didáticos, que ganharam coleções com
estamos nos referindo podem ser circulação nacional, a exemplo da
encontrados nos documentos coleção “Os Caminhos do Homem”,
curriculares para o ensino de História assinada pelos professores Adhemar
dos Estados de São Paulo, Minas Marques, Flávio Berutti e Ricardo
Gerais e Rio de Janeiro, elaborados nas Faria, inspirada no documento.
décadas de 1980 e 1990. Analisando o Entretanto, nos finais da década de
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1980 e início da década de 90, essa da História social inglesa (para alguns
apropriação do marxismo, tendo como neomarxista) e principalmente na
eixo estruturador dos saberes históricos chamada “Nova História” francesa.
escolares a categoria “modo de Fonseca afirma:
produção”, começa apresentar sinais de A relação com a Nova História
Francesa manifesta-se na definição
desgaste. Críticas apontavam uma dos objetos como construções
sensível permanência do modelo históricas, criando possibilidades de
anterior, pois “...a evolução dos modos investigação de temas sobre as
diversas dimensões do social, temas
de produção acabou por não romper considerados marginais podem ser
substancialmente com o princípio investigados, buscando-se através
deles analisar os mecanismos de
etapista do programa tradicional,
funcionamento da sociedade
apenas abandonando um esquema (FONSECA, 1995, p. 93).
fechado em função de outro,
igualmente determinado” (LIMA e No que concerne aos livros
FONSECA, 2004, p. 64). Também a didáticos e para-didáticos, verifica-se o
renovação da produção historiográfica surgimento de coleções pautadas nas
se acentua, com a ampliação das abordagens do cotidiano e
temáticas de pesquisa e a revisão de mentalidades, temáticas vinculadas ao
antigos pressupostos. Ora, se as paradigma dos Annales. Foram
mudanças em curso já promoviam uma coleções como “O cotidiano da
significativa transformação no saber História” e “História - cotidiano e
especializado, o que para alguns mentalidades”, assinadas por Ricardo
representou inclusive uma ruptura Dreguer e Eliete Toledo.
paradigmática (REIS, 1996, p. 59-61) Representavam, desde o início dos
com relação ao campo escolar, vemos anos 90, a possibilidade de inserção, no
aumentar o “mal-estar”, com a ensino de História, de saberes
percepção do distanciamento ainda vinculados a outra tendência
maior entre saber histórico e sua versão historiográfica. Tratava-se de uma
para o ensino. alternativa tanto à História de viés
Dessa forma, agentes do campo político-administrativo, com sua ênfase
da disciplina, atuando ao nível da nos feitos dos grandes homens do
noosfera, começam a intensificar o estado nacional, quanto àquela que
“esforço para incorporar no ensino de privilegiava os aspectos econômicos
História o que Le Goff chamou de nas análises dos fenômenos e processos
novos objetos, novas abordagens e históricos. Observamos que a inserção
novos problemas” (NUNES, 2001, p. dessas temáticas, muitas vezes, é
19). A proposta produzida em São concebida como sinônimo de inovação
Paulo se propunha a uma revisão no e condição de superação do modelo
ensino de História ancorada na corrente tradicional de ensino de História.
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Anhorn (2003) observa que tal Novas propostas de organização dos


raciocínio pode contribuir para a conteúdos: o ensino temático e a
permanência de relações hierárquicas história integrada
entre os campos de saber acadêmico e
escolar, acarretando a consequente Não obstante, vemos que nesse
falta de percepção das especificidades processo de crise disciplinar se
que constituem o ensinar História: encontra instalada, no campo do ensino
Uma relação de simetria se de História, uma verdadeira Guerra de
estabelece de forma mecânica como
se novos objetos de pesquisa
Narrativas (LAVILLE, 1999), ou seja,
deveriam se desdobrar temos um leque de possibilidades para
automaticamente em novos objetos as apropriações do saber histórico,
de ensino de história; novos
métodos de pesquisa histórica em sendo estabelecidas disputas
novos métodos de pesquisa na sala discursivas, quase escolásticas,
de aula... Como uma boneca russa,
caracterizando um ponto de conflito,
os saberes escolares (tanto aquele “a
ser ensinado” como o “ensinado”) um debate ainda em aberto. Qual
devem se adaptar, se encaixar no matriz historiográfica servirá de
“saber maior” (o saber acadêmico)
(ANHORN, 2003, p. 245). referência para o ensino de História?
As análises de Anhorn (2003, p. 257)
com relação aos Parâmetros
Consideramos que a autora não
Curriculares Nacionais de História
vem em defesa da permanência dos
(PCNs) nos parecem elucidativas.
saberes relativos a apropriações da
Neles, os autores, integrantes da
corrente dita positivista. O que
noosfera, se situam no debate sob dois
entendemos ser uma contribuição
vieses. Primeiramente, ocorre uma
bastante válida é sua crítica à visão
adoção velada a uma espécie de
vertical entre os campos de saber, o
ecletismo, na qual se apontam
que, consequentemente, remete à
genericamente as várias possibilidades,
percepção da impossibilidade da
sem a tomada específica de uma
equação: novos saberes históricos
referência isoladamente. Por outro
conduzem necessariamente a uma nova
lado, temos uma saída metodológica
perspectiva de ensino da História, o
para uma questão epistemológica. O
que nos leva a questionar a perspectiva
foco da discussão da apropriação de
que entende a solução das
matrizes do saber histórico é deslocado
encruzilhadas, dos enfrentamentos por
para a proposta do ensino de História
que passa o ensino de História, apenas
por eixos temáticos. Aqui nos
através da sua atualização, como se
deparamos com o que estamos
bastasse transpor novos saberes e
considerando didaticamente o segundo
poderíamos “dormir em paz”.
âmbito das propostas de renovação do
ensino de História: a organização
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curricular dos conteúdos históricos esse tipo de organização curricular são


escolares. raras. Muito ventilada enquanto
Durante o processo em foco, proposta, foi pouco verticalizada
surgiram duas propostas que enquanto discussão acadêmica.
convergem como alternativas à Segundo Amorim, R. (2004, p. 131), “o
organização dos conteúdos presentes levantamento que fizemos junto à
no modelo tradicional de ensino da literatura especializada revelou que a
disciplina: a História temática e a produção sobre História temática é
História integrada. Ambas se originam esparsa e encontra-se em um estado,
da crítica à estrutura curricular então hoje, que carece de maior
vigente, apontada como uma seleção aprofundamento teórico, o que tem
rígida, sendo acusada de ser baseada gerado muitas controvérsias e
em uma lógica etapista, cronológica e discussões”.
linear. Etapista, por seguir o esquema Uma dessas controvérsias nos
quadripartite francês, com seus parece ser a própria adoção do termo
segmentos estanques, indo da Pré- História temática. A História temática,
História aos dias atuais, passando pelas vinculada à matriz dos Annales,
Idades Antiga, Media, Moderna e constituiu-se no campo da
Contemporânea, sem falar de sua historiografia como um corte
versão tupiniquim, a História do Brasil epistemológico em que a investigação
apresentada pela tríade Colônia, é realizada a partir de um determinado
Império e República. Cronológica tema ou problema. Adotando-se um
porque os critérios de organização dos corte cronológico mais abrangente,
saberes são marcos temporais, permitiria à análise perceber os
correspondentes a eventos movimentos de permanências e
excepcionais. Linear, justamente rupturas. A noção de tempo histórico
porque a ordenação desses marcos, adquire nova acepção, aderindo à
lançados no esquema etapista, segue formulação braudeliana de múltiplas
uma linearidade, concatenando os temporalidades. Essa perspectiva de
“primórdios” da História ao tempo trabalho historiográfico é apropriada
presente. pelos agentes do campo do ensino de
Como proposta de ruptura, no História para propor uma organização
que foi chamada de História Temática, dos conteúdos disciplinares a partir de
encontra eco primeiramente na temas e não mais de uma cronologia
formulação do documento curricular linear.
do Estado de São Paulo, na década de É importante percebermos a
80. Ainda hoje a vemos associada, História temática do campo do ensino
muitas vezes, à ideia de inovação. No não como uma influência da Nova
entanto, formulações sistematizando História, mas uma apropriação. As
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expressões remetem a movimentos diferenciando a perspectiva de trabalho


extremamente diferentes. Influência historiográfico denominada de História
indica uma concepção do campo Temática.
educacional enquanto espaço de Em Amorim, R. (2004, p. 132),
prescrição e depósito, de prática sem encontramos uma interessante síntese
teoria, sem saber, sem consistência. A desta criação didática. Para a autora, o
relação é vertical e indica que o campo ensino temático de História
de saber, a historiografia, transcendeu ...é um modo de tratar os
conhecimentos históricos na escola,
suas fronteiras até o campo da ação: o ligando-os às necessidades do
ensino. Na concepção da apropriação, presente e visando a compressão no
temos implicitamente o mundo local, atual e global ao
mesmo tempo. Parte-se de um tema
reconhecimento de uma relação que aflora na própria dinâmica da
horizontal entre campos de saberes sala de aula, isto é, das discussões
dos professores com seus educandos
articulados, porém distintos,
e que vai sendo planejado pelo
portadores, portanto, de docente de acordo com os anseios
especificidades. Aqui os sujeitos, do grupo. Em outras palavras, esta
nova forma de organizar o ensino
agentes do campo, não recebem o saber explora a história através de temas
produzido em outras esferas e apenas o específicos, agregando múltiplos
aplicam, mas se reconhece o tempos. Para recuperar o processo
histórico, compara períodos, hábitos
movimento criativo de reinvenção, de e costumes verificando as
re-elaboração, também de produção de mudanças, as permanências e as
transformações nas diversas
saberes. A proposta de ensino temático sociedades.
é uma invenção do campo do ensino de
História, não se constituindo em um
Nessa citação, percebemos um
equivalente bizarro da História
elemento da configuração inicial da
temática oriunda da historiografia, mas
proposta quando é referida a definição
uma re-elaboração para o campo do
dos temas a partir da sala de aula,
ensino, o que implica em uma criação
conferindo para alguns uma autonomia
peculiar. Vemos assim que chamar de
ao professor que dispensaria a
História temática a proposta relativa ao
necessidade de tópicos elencando os
campo do ensino de História pode não
conteúdos a serem ensinados,
deixar clara a originalidade que lhe
comumente presentes nos documentos
caracteriza. À luz da teoria formulada
curriculares oficiais. Dentro dessa
por Chevallard, poderíamos entendê-la
perspectiva, a rigor, não caberia
como um efeito de transposição.
coerência à existência de livros
Diante de sua peculiaridade, nesse
didáticos de ensino temático, já que “a
trabalho, trataremos a proposta
proposta em questão dá uma enorme
formulada no espaço educacional de
liberdade, sendo que o conteúdo deverá
Ensino temático de História,
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ser organizado conforme as Não obstante, críticas têm sido


necessidades de cada sala, podendo, direcionadas à proposta de ensino
inclusive, sofrer variações em duas temático. A principal delas nos parece
salas da mesma série, mesmo porque, apontar para uma ruptura com a
depende do desenvolvimento das concatenação lógica que compõe a
atividades” (JOANILHO, 1996, p. 08). estrutura narrativa do saber histórico, o
Ao que parece, essa perspectiva que Anhorn denominou de “risco da
inicial passa por re-elaborações. A quebra da noção de processo” (2003, p.
noção de eixo temático, presente nos 294). Joanilho (1996, p. 09) se
Parâmetros Curriculares Nacionais contrapõe a essa ideia argumentando
(PCN’s) de História, legitima a que:
existência de coleções didáticas de ...não que a combinação e o
encadeamento lógico para a
ensino temático, inclusive estando compreensão de acontecimentos
presente no documento uma listagem tenham sido desconsiderados, muito
de conteúdos a serem selecionados pelo contrário, eles estão presentes,
porém prescindem em grande parte
pelos docentes. Segundo Amorim, R. da divisão clássica, pois os
(2004, p. 134), “os eixos temáticos são acontecimentos formam as suas
próprias séries, isto é, podem ser
abordagens não cronológicas e, como o
tratados numa correlação temática.
próprio nome indica, são os eixos que
irão nortear, a partir das discussões da
Para além das questões de
sala de aula, os diversos conteúdos
ordem cognitiva, nossas preocupações
ligados direta ou indiretamente às
se voltam para o uso da proposta no
questões levantadas”. Vemos que essa
campo do ensino de História.
autora aposta na possibilidade dos
Primeiramente, observamos que muitas
professores selecionarem as temáticas,
vezes o ensino temático é apresentado
tendo como norte os eixos propostos
como sinônimo do novo ensino de
nos PCN’s. Tendemos a concordar com
História, bastando sua adoção para
a mesma, não vendo como
ocorrer a superação do modelo
inconciliáveis as formulações iniciais
tradicional. Dentro dessa perspectiva é
com a existência dos eixos temáticos
possível que acabe sendo concebido
ou mesmo a produção de coleções
como panaceia para os problemas
didáticas que se propõem a vincular-se
enfrentados. Também vemos a
à proposta. Algumas dessas coleções
associação mecânica entre ensino
têm sido relativamente bem sucedidas
temático de História e inovações para o
na avaliação do Programa Nacional do
ensino da disciplina, como se ao não
Livro Didático (PNLD), encontrando
aderir ao primeiro, estaríamos
convergência nas análises de
automaticamente contrários à segunda.
pesquisadores, como na recente
Como estamos vendo, a proposta do
dissertação de Faricelli (2005).
293

Ensino Temático de História é um dos por consolidar-se amplamente.


elementos integrantes das diversas Principalmente na última década
perspectivas de renovação da História- expandiu-se significativamente o
ensinada e, principalmente, caracteriza- número de coleções didáticas que são
se por ser uma forma diferenciada de estruturadas dentro de suas fronteiras.
organizar os saberes históricos Não obstante, ao que parece, a
escolares. Porém, ela não foi a única a proposta de História Integrada, pelo
surgir durante o processo de crise menos na forma como vem sendo
disciplinar. A chamada História apropriada, manteve muitas
Integrada veio compor o elenco das características da organização
novas alternativas. curricular que se propunha a superar.
Presente no documento Inclusive, talvez seja esta uma das
curricular do Estado de Minas Gerais razões de sua ampla aceitação.
formulado em 1986, a proposta de É interessante percebermos que
História Integrada pretendia ser críticas à ênfase dada à História Geral
também uma superação da organização em detrimento da História Pátria há
curricular tradicional, considerada muito estão presentes nas reflexões
europeizante e antipedagógica, já que sobre o ensino da disciplina. Por
fragmentava o processo histórico, exemplo, a reforma Francisco Campos
dificultando a percepção da totalidade de 1931, apesar do viés nacionalista
por parte dos alunos. Criticava-se a característico do período e de explicitar
História do Brasil como apenas um uma preocupação com a História da
apêndice da História Geral. Buscou-se América e do Brasil, suscitou muitas
desta forma integrar os conteúdos, queixas dos docentes. “Para eles, na
articulados a partir do conceito prática, a História do Brasil teve seu
marxista de modo de produção. Diga- espaço reduzido, pois estava diluída na
se de passagem, as formulações História da civilização e com sua carga
originais dessa proposta advogavam horária diminuída” (LIMA e
uma fundamentação no marxismo. A FONSECA, 2004, p. 53). Esse trecho
integração dos conteúdos era poderia perfeitamente ser recortado e
justificada na noção de totalidade inserido nas produções atuais, pois
presente nessa matriz historiográfica. passaria como uma análise recente
Acreditamos que hoje podemos sobre a proposta de História Integrada.
considerar a proposta de História Os PCN’s da disciplina engrossam o
Integrada como hegemônica no que coro contra a hegemonia, realizando a
tange à organização dos conteúdos opção pelo ensino por eixos temáticos
disciplinares, ao contrário da sua e acusando a História Integrada de
concorrente - a proposta de ensino reduzir a um único processo,
temático de História – que ainda luta articulando a partir de relações de
294

causalidade, toda a História da pesquisa histórica na sala de aula


humanidade, ignorando as
especificidades da História nacional, Sintetizadas as propostas de
mantendo desta forma “traços das renovação para o âmbito da
matrizes a serem superadas” organização dos conteúdos, falta-nos
(ANHORN, 2003, p. 274). Posição ainda o terceiro eixo: o das proposições
semelhante encontramos no Guia do metodológicas. Talvez seja neste
Livro didático - PNLD 2005. Na aspecto que as apropriações referentes
análise da coleção “Tempo e Espaço”, às discussões da Nova História sejam
assinada por Flávio Costa Berutti, mais recorrentes. Segundo Anhorn
agora em carreira solo, temos a (2003, p. 280), em sua análise dos
advertência de que “os temas PCN’s de História, com relação aos
relacionados à História do Brasil são procedimentos didáticos a serem
colocados em segundo plano, adotados “a indefinição a respeito da
privilegiando-se a História européia, concepção de História assumida
utilizada como eixo organizador dos pelos/as autores/as da proposta é
conteúdos” (BRASIL, 2004, p. 179). substituída pela assunção bastante
Observamos, assim, que na explícita das correntes historiográficas
década de 1990, a proposta de História francesas associadas à ‘Nova
Integrada torna-se dominante. História’”. Esta adesão explícita
Formulada inicialmente como poderia ser explicada se temos em
alternativa de organização dos mente que no momento de crise
conteúdos curriculares, ela perde disciplinar os agentes do campo do
vitalidade em virtude de sua ensino de História buscam uma
apropriação não representar uma aproximação com o saber de referência
ruptura com a proposta anterior. Desta para encontrar soluções que permitam
forma, concomitantemente à sua larga a manutenção da legitimidade e vida
utilização, nos parece que já vem dos saberes escolares. Na década de 80
apresentando sinais de desgaste na e principalmente na de 90, a “Nova
discussão acadêmica sobre o ensino de História” ocupava a centralidade da
História. Dito de outra forma, cena historiográfica. Natural que suas
acreditamos que vem representando concepções tenham servido de suporte
um consenso a compreensão de que a para as apropriações que proponham
História integrada, pelo menos como mudanças, recorrendo a esta para
está sendo utilizada, apresenta diversos fundamentar o discurso inovador.
elementos de permanência da Penetração ainda maior no âmbito
organização curricular tradicional. metodológico pode ter ocorrido pelo
anseio de aproximar a prática de ensino
Proposições metodológicas: a da prática de pesquisa do Historiador.
295

Ora, se neste momento no campo é apropriada no ensino de História,


historiográfico estava em curso toda ocorrendo um efeito de transposição:
uma reformulação de concepções da História-problema do campo
epistemológicas referentes à invenção historiográfico, temos a
do saber histórico, elas acabam por problematização da História no campo
integrar as propostas de renovação do ensino. Esta é uma noção que tem
metodológica para o ensino da sido chave nas propostas
disciplina. Schmidt argumenta: metodológicas. O saber histórico para
Em relação à transposição didática ser aprendido, e mais, para cumprir as
do procedimento histórico, o que se
procura é algo diferente, ou seja, a
finalidades da disciplina, precisa ser
realização na sala de aula da própria problematizado. Este parece ser um
atividade do Historiador, a procedimento didático pelo qual
articulação entre elementos
constitutivos do fazer histórico e do professores e alunos se acercam do
fazer pedagógico. Assim, o objetivo objeto de estudo por meio de questões-
é fazer com que o conhecimento
problema ou problematizadoras, o que
histórico seja ensinado de tal forma
que dê ao aluno condições de permitiria o desenvolvimento da
participar do processo do fazer, do análise crítica, competência tão
construir a História. Que o aluno
possa entender que a apropriação do almejada quando se trata de justificar a
conhecimento é uma atividade em existência da disciplina no currículo
que se retorna ao próprio processo escolar.
de elaboração do conhecimento
(SCHMIDT, 1998, p. 59). Como ilustração, poderíamos
citar a obra “História e Prática -
Trazer para a sala de aula o pesquisa em sala de aula”. Nela, o
fazer do Historiador no momento de autor se propõe a apresentar uma
crise disciplinar remeteu à ancoragem reflexão sobre o uso da pesquisa
em pressupostos teórico-metodológicos histórica no ensino da disciplina,
da “Nova História”, possibilitando o ancorado no documento curricular
surgimento de criações discursivas elaborado pela Coordenadoria de
bastante peculiares. Um dos eixos Estudos e Normas Pedagógicas
organizadores dessa matriz (CENP), órgão da Secretaria de
historiográfica é a noção de História- Educação do Estado de São Paulo. A
problema. A pesquisa histórica deveria pesquisa histórica é inserida como eixo
ser organizada, segundo o grupo de estruturador da prática pedagógica,
Annales, a partir de um corte inclusive de forma sistematizada,
epistemológico que buscasse responder sendo realizada a partir de um projeto
a uma pergunta, se contrapondo desta de investigação. “Ele é um meio para
forma à narrativa tradicional, com seu que o professor possa desenvolver o
encadeamento factual. Essa perspectiva seu trabalho...” (JOANILHO, 1996, p.
80).
296

No seu texto, Joanilho indica as academia. Isto seria o mesmo que


vantagens de se trabalhar a pesquisa negar as especificidades dos dois
histórica de forma semelhante ao que o campos, o que contribuiria para a
modismo educacional chamaria hoje de manutenção das suas relações
“pedagogia de projetos”: hierárquicas. É preciso reconhecer que
O projeto permitirá aos alunos os saberes são possuidores de níveis de
compreenderem todas as etapas do
processo de produção do
problematizações diferenciados, o que
conhecimento histórico, além de não remete ao estabelecimento de
planejarem as atividades a serem relações verticais.
desenvolvidas durante o ano. Desta
forma, um projeto de pesquisa pode Acreditamos que elementos na
ser dividido em quatro partes: proposta citada poderiam dar margem a
introdução, objetivos, metodologia e
distorções. Referindo-se ao uso da
cronograma. Podemos ainda
subdividir, para facilitar os itens bibliografia utilizada para realização da
apresentados, como por exemplo os investigação (já aqui vemos
objetivos – objetivos gerais e
específicos - mas isso pode ficar a explicitamente um uso arriscado de
critérios do professor. Assim, os instrumentais acadêmicos), Joanilho
alunos estariam participando de (1996, p. 84) orienta:
todas as etapas da produção do
Dessa forma, o professor, junto com
conhecimento histórico
os alunos, ao levantar os fatores que
(JOANILHO, 1996, p. 82).
permitiram a formação do Bairro
“X”, deve fazê-lo tendo por base os
Produzir conhecimento autores que trataram o assunto, por
exemplo:
histórico na sala de aula através da O processo de industrialização do
“transposição didática” dos métodos de referido período é entendido pelo
fulano de tal, como um processo que
trabalho do historiador: eis o mote da “blá´blá-blá, blá blá, blá-blá...”
proposta. Não obstante, vemos que (citação do texto original - não
apropriações neste sentido podem esquecer de fornecer ao final da
citação os dados do livro).
engendrar uma sensível
“academização”, sem levar em
consideração as especificidades Consideramos que uma
formativas do ensino da disciplina, preocupação com a citação de autores
como se ensinar História fosse fabricar pode representar um excesso, dando
historiadores mirins. Pesquisa como margem a apropriações do tipo
instrumento para que o aluno produza “academicista”. Ou seja, a um uso
conhecimento histórico é sempre mais abusivo do procedimento de pesquisa
interessante se temos a visibilidade que sem sua devida “didatização”, como já
esta se caracteriza por ser a produção dissemos, sem a sua devida
de saber histórico escolar. Produzir, ou “adequação” à especificidade do
melhor, inventar saber na escola não é espaço escolar.
equivalente a inventar saber na
297

Diferentes linguagens no ensino de décadas de 80 e 90 o uso de imagens,


história poemas, obras literárias, crônicas,
cordéis, teatro, filmes, músicas, mapas,
Mas no âmbito metodológico charges, histórias em quadrinhos e tudo
das propostas de renovação, mais que a imaginação criativa possa
acreditamos que a utilização das inventar. Indícios do que estamos
diferentes linguagens, e não os falando podem ser encontrados nas
procedimentos de pesquisa, tenha publicações especializadas, nas quais
ocupado a centralidade dos debates. os exemplos são abundantes, inclusive
Sua inserção foi ancorada na discussão contando com obras focadas
dos Annales que propõe uma noção especificamente nessa questão, muitas
ampliada de documento histórico. delas cujo objeto é a reflexão do uso de
Dentro dessa matriz historiográfica, o uma determinada linguagem
documento passa a ser concebido como exclusivamente (BITTENCOURT,
toda e qualquer fonte de informação e 1998; PAIVA, 2004; NAPOLITANO,
não apenas os escritos oficiais. Dessa 2004; BELO, 2004; BORGES, 2001 e
forma, no bojo da apropriação que os 2004).
agentes do campo do ensino da Hoje podemos observar uma
disciplina História realizaram, indo significativa expansão na produção
fundamentar-se nos debates ocorridos especializada que tem nos docentes de
no saber de referência, estão a leitura, a História seu público alvo privilegiado,
análise e a interpretação de fontes sendo colocado à disposição dos
históricas agora extremamente professores um leque de possibilidades,
diversificadas. que vai desde a mais truculenta
No decorrer dos últimos 20 anos “receita de bolo” até reflexões
uma das principais discussões, na
área da metodologia do ensino de
consistentes, que estão para além do
História, tem sido o uso de apenas “como fazer”. Em
diferentes linguagens e fontes de contrapartida, na produção acadêmica
estudo dessa disciplina. Esse debate
faz parte do processo de crítica ao relativa ao ensino de História enquanto
uso exclusivo de livros didáticos objeto de sua investigação, as
tradicionais, da difusão dos livros
“diferentes linguagens” vêm sofrendo
paradidáticos, do avanço
tecnológico da indústria cultural críticas, dando indícios de certo
brasileira e sobretudo, do desgaste no entendimento de sua
movimento historiográfico que se
caracterizou pela ampliação possível contribuição na instauração de
documental e temática das pesquisas um modelo “renovado”. Inicialmente, a
(FONSECA, 2003, p. 163). pluralização das linguagens a serem
utilizadas no ensino de História foi
Assim nós temos como a apresentada como as “novas
grande coqueluche metodológica das linguagens”.
298

Nas investigações realizadas, pelo Conselho Federal de Educação


identifiquei que, por meio das
novas/velhas linguagens, tem-se
(parecer 4833/75 e os Guias
pretendido conseguir um ensino de Curriculares propostos para as matérias
História, que permita o do núcleo comum do ensino do 1º grau
desenvolvimento de um pensamento
crítico, e que seja significativo para - 1973), observa a ênfase dada na
os alunos e professores. A “variedade de instrumentos” para a
concepção que está por trás dessa
atividade pedagógica, na qual estão
idéia é a de que, ao utilizar materiais
pedagógicos e linguagens presentes sugestões de inserção em sala
consideradas inovadoras, tornar-se-á de aula da música, da dramatização, de
possível construir procedimentos
metodológicos capazes de romper filmes, de imagens, de mapas.
com o tradicionalismo e com Qualquer semelhança é mera
conservadorismo ainda presentes coincidência? Provavelmente não.
nesse ensino. Esses novos/velhos
recursos seriam suficientes para Apesar de considerarmos o momento
libertá-lo de seus problemas de efervescência característico da crise
cotidianos, como, por exemplo o
disciplinar instaurada a partir da
suposto desinteresse dos alunos e
dos professores, assim como da década de 1980, é inegável que na
inexistência de abordagens capazes década anterior já encontramos
de permitir a reflexão crítica por
parte daqueles que são objeto e indícios do “mal-estar” que detonaria o
sujeitos desse ensino (NUNES, fluxo mais intensivo de transposições
2001, p. 20). didáticas. As discussões sobre a
disciplina “Estudos Sociais”, área do
Como vemos na fala de Nunes, ensino que aglutinava a História e a
está presente o questionamento do Geografia, constituem um exemplo
vocábulo “novas”, bem como da forma eloqüente do que estamos nos
que estas estariam sendo concebidas, referindo. Evidentemente os debates da
podendo acarretar uma compreensão década de 1970 permearam a busca
do uso das diferentes linguagens como pela renovação do ensino de História,
uma outra panacéia que daria conta de sendo provável a ocorrência de
todos os enfrentamentos por que passa apropriações de elementos que
o ensino da disciplina. Dentro desta integravam inclusive as prescrições
perspectiva crítica a ênfase excessiva oficiais deste período.
em aspectos metodológicos poderia No entanto, nos parece um
obnubilar problemas mais fulcrais. A equívoco apontar a proposta de
História das disciplinas escolares vem utilização das diversas linguagens no
corroborar nesse debate, afirmando que ensino de História como uma
as ditas “novas linguagens” na verdade permanência linear e literal do
não seriam tão novas assim. Martins tecnicismo. Se nos dois momentos seu
(2000, p. 172-173), analisando os uso está presente, as concepções de
documentos curriculares prescritos História e de aprendizagem que
299

embasam as mesmas são degringolar para um tecnicismo em


completamente diferentes, o que novas bases. Uma ditadura do
engendra propostas de utilização movimento em detrimento da
significativamente díspares. Na monotonia da narrativa pode trazer
perspectiva do tecnicismo, como certo esvaziamento da aprendizagem
vemos em Martins (2000) e Faricelli do saber sistematizado e socialmente
(2005), o convite à diversificação das construído, que representa o saber
atividades pedagógicas se dava no histórico escolar.
sentido de tornar o ensino agradável Como pode ser observado,
para mobilizar a atenção dos discentes, nesse texto foi desenvolvido o esforço
que precisavam ser mantidos nas salas por sistematizar a complexidade da
de aula. Já na década de 80, com um crise disciplinar, do momento de
outro referencial teórico, tanto efervescência porque passou e ainda
historiográfico quanto pedagógico, as passa o ensino de História. As
diferentes linguagens contribuiriam reflexões apresentadas visaram
para a formação crítica dos alunos, via fornecer uma síntese dos processos
problematização e construção do vivenciados no pós-1980 pela História
conhecimento. Ver aí uma continuidade escolar. Nas ideias que teceram sua
seria incorrer em um duplo movimento narrativa há de forma implícita um
de reducionismo e anacronismo. convite que agora gostaríamos de
Consideramos que para uma explicitar: o ensino de História
proposta ser considerada uma representa um campo fértil de
“inovação” não necessariamente tem investigações acadêmicas, precisamos
que ser “inédita”. Afinal de contas, a pois explorá-lo, porque ainda hoje
história das disciplinas escolares muitos fenômenos que envolvem as
também nos aponta a origem da nossas salas de aula permanecem
diversificação de linguagens no ensino dentro de caixas pretas.
aqui no Brasil com o movimento
escolanovista da década de 1930,
estando presente, já na reforma Referências bibliográficas
Francisco Campos, o estímulo à
utilização de recursos visuais para AMORIM, Roseane Maria de. As
mobilizar a atenção dos alunos Implicações dos Parâmetros
explorando a sua “curiosidade natural” Curriculares Nacionais para a Prática
(LIMA e FONSECA, 2004, p. 53). Não Pedagógica dos Professores de
obstante, pensamos que a ênfase História do Ensino Fundamental da
excessiva nas diversas linguagens, Rede Municipal do Jaboatão dos
Guararapes. Recife: UFPE, 2004.
como âncora exclusiva de um modelo
Dissertação (Mestrado em Educação),
pretensamente renovado, pode
300

Centro de Educação, UFPE, 2004. da. Apropriações do Construtivismo


em Artigos sobre o ensino de História.
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tramas da didatização. Rio de Janeiro: 2004, na Pontifícia Universidade
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autor André Victor Cavalcanti Seal


da Cunha
Doutorando em História/UFC
Professor do Departamento de
História/UERN

Recebido em 27/04/2009
Aceito para publicação em 30/06/2011

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