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PERSPECTIVA CRÍTICA DO ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA NOS LIVROS

DIDÁTICOS: UM ESTUDO DE CASO DO CONTEÚDO SOBRE OS PERSAS1

André Luiz Melo T. Nogueira2

Resumo:
Buscando refletir sobre os mecanismos de ensino-aprendizagem, analisaremos o livro
didático no ensino de História Antiga e Medieval, destacando os estudos dos persas.
Abordaremos a análise de conteúdo sobre a História persa procurando evidenciar pontos
euforizados e disforizados sobre os fatos históricos divulgados pelo material oferecido
aos alunos.

Palavras-chaves:
Ensino de História Antiga – livro didático – análise crítica – conteúdo – Estudos orientais

Introdução

Partimos da afirmação que a abordagem da Antiguidade, tanto clássica, bem como


História Antiga no Brasil, se encontra ainda como um problema persistente na sua
aplicabilidade nos livros didáticos escolares, e na falta de experiência ou domínio do
assunto por parte da formação de professores especialistas. Notamos exemplos em
diversos livros, de muitos erros de conceituação, anacronismos, má organização do
conteúdo, desordem e confusão cronológica, além da falta de diálogo ou conexão com as
realidades socioculturais dos alunos.
Os livros acabam que por não cumprir o papel de incentivo ao aluno em sua
construção do saber histórico e inserção na construção de um imaginário social
representativo (SILVA, 2010, p. 150), devido a essa observada repetição de conteúdo,
falta inclusão em ambientes de sociabilização, e aulas críticas, que continuam a existir
como modelos e padrões em diversas escolas. Devemos buscar compreender o passado
por ele mesmo e o presente como resultado de transformações.
A professora Semíramis Corsi Silva (idem, 2010, p. 151), comenta que o que não
falta são possibilidades a serem exploradas com uma correta utilização e de uma matéria
bem estruturado de conteúdos escolares. Temáticas e conceitos como o caso do estudo da
escravidão, do imperialismo, da democracia, do mito, do direito, por exemplo.

1
O presente texto foi o resultado de trabalho final apresentado na disciplina Método – Estudos Pedagógicos,
ministrada pelo Prof. Dr. José Roberto de Paiva Gomes (CEHAM/NEA/UERJ), em 2022.
2
Doutorando em História Comparada (2018), ênfase em História Militar e Naval e aluno do
CEHAM/NEA/UERJ (2022-2023).
Nos processos de formações conceituais várias tendências historiográficas se
misturam para dar sentido ao conceito de História de maneira geral, na formação do
magistério. Os professores as vezes já concluem a graduação com a visão que
determinada linha da historiografia é que se deve ser adotada, é a mais atual e utilizada.
Essa postura, existente na academia e no ensino básico, através do livro didático ou em
outros materiais, traz consigo um problema de formação e entendimento dos processos
históricos (ARAGÃO, 2019, p. 19). Essa dificuldade perpassa pela ideia de encarar as
correntes historiográficas como divisões rígidas feito acontece com as divisões
fronteiriças da geopolítica. Os paradigmas historiográficos se intercruzam “compreender
esta fluidez é um primeiro passo para enfrentar o problema da coerência entre a concepção
historiográfica do professor e a sua prática cotidiana em sala de aula e nos livros didáticos
e no ensino básico (CERRI, 2011, p. 138; ARAGÃO, 2019, p. 1).
Será inevitável analisar o conteúdo de um livro didático pelas circunstâncias
políticas, econômicas e sociais que condicionaram a sua produção. Dois exemplos
fundamentais são as leis 10.639/03 e 11.645/08, resultado de esforços socioculturais que
se associaram aos interesses do governo brasileiro de então, cuja agenda política
perpassava por premissas sociais de combate ao preconceito e às desigualdades em geral
Má utilização de conteúdos didáticos: Ao abordar a Antiguidade e Medievo,
percebemos que os livros didáticos tendem a reproduzir questões, valores e perspectivas
elaborados na época da formação das ciências modernas, o século 19, negligenciando
muitas vezes o diálogo e contextualização de determinadas ações para fundamentar uma
melhor abordagem de temas específicos.
Assim, o Ensino de História se constrói como uma difícil tarefa, pois, requer
reflexão, e contextualização, visto que lidamos com interações políticas, culturais,
sociais, econômicas e simbólicas no tempo e no espaço. Deveríamos adotar ao lidar com
a diversidade de povos, ideias, representações de mundo e valores sociais, bem como as
suas transformações ao longo dos anos, o princípio básico da alteridade, para reiterar a
importância de sermos sensíveis para com os “muitos outros” imersos nessa dinâmica.,
uma vez que o estudo e ensino da História, passa por objetos longínquos e necessitamos
problematizá-los para construção de uma imagem clara e representativa de identidades
nacional, bem como cultural e social (ASSUMPÇÂO, 2020, p. 74).
Observamos que determinados livros didáticos, ao selecionar seus conteúdos, e
fontes, além da organização dos capítulos e assuntos, passam por um jogo de interesses
de um determinado produtor cultural, Estado e projetos pedagógicos/ideológicos em
vigência. Por isso, diante das pretensões do Estado e do mercado para com a educação,
os livros didáticos apresentam um conteúdo que corresponde aos currículos mínimos de
ensino. Muitas vezes essa ferramenta didática se converte no único recurso teórico-
metodológico e conteudista utilizados na construção do conhecimento histórico escolar.
Desse modo, os livros didáticos de História se encontram abaixo da expectativa quanto
ao fornecimento de um ensino de qualidade no que se refere a erros, anacronismos,
desatualizações e juízos de valor (CARVALHO, 2021). No ensino escolar de História, as
narrativas tradicionais do período clássico por vezes suprimem e simplificam
determinados processos históricos. Estando atrelada às tradições, as narrativas
exemplares figuram o ensino escolar da História reforçando a validade das regras
instituídas pela experiência tradicional do passado clássico à atualidade. O sistema
educacional brasileiro está estruturado, onde o livro didático é o único material
bibliográfico disponível em inúmeras escolas, sendo preciso que o livro didático
possibilite ao professor desempenhar um ensino de qualidade, haja vista sua capacidade
de dificultar o processo de ensino-aprendizagem, sobretudo no cabível ao
desenvolvimento da consciência histórica dos alunos (SILVA, 2001, p. 18).
Segundo Silva, se o professor possuísse preparo suficiente para dialogar com o
livro Didático sem se prender a esquemas explicativos cristalizados e conteúdos já
superados, então o livro, mesmo comportando imprecisões e equívocos, como de resto
qualquer outra obra literária, se transformaria em um poderoso instrumento pedagógico à
disposição dos nossos professores (idem, 2001, p. 19).
Mas, embora haja ainda muitos livros de História com conteúdo desfalcados no
tocante à História Antiga para o Ensino Fundamental e Médio. Livros são sempre
necessários, eles são realmente imprescindíveis. Contudo, o livro não pode se converter
no único recurso teórico-metodológico empregado pelos profissionais do conhecimento.
O professor de História, independentemente do nível do ensino, universitário ou escolar,
precisa utilizar-se de outros recursos que não apenas o livro didático.
Um recurso metodológico extremamente necessário no ensino de História Antiga
são os mapas. Cabe ainda ao professor mostrar a simultaneidade de certos
acontecimentos, pois os livros abrem capítulos para cada povo estudado como se não
existissem certos paralelos e interações nos acontecimentos.
Embora muitos educadores questionem a utilização dos livros didáticos e apostilas
em sala de aula, alegando que promovem a massificação das informações ao invés da
construção do conhecimento, algumas ressalvas devem ser feitas. os livros didáticos são
objetos complexos no/do processo de ensino-aprendizagem, visto que são produtos da
indústria cultural.
No entanto, esta destaca as demandas político-sociais inerentes ao contexto
histórico em que os livros são fabricados e publicados para as instituições de ensino
(ASSUMPÇÃO-CAMPOS, 2020, p. 66). Tratemos os livros didáticos por três vias, a
saber: 1) o contexto de produção dos livros; 2) a maneira como os livros chegam até à
população brasileira; 3) as formas de utilização deste material didático (SCHMIDT-
CAINELLI, 2020, p. 68). Ao destacar que o professor é mais importante do que os livros
didáticos, muito embora o controle exercido sobre estes seja mais efetivo se pensarmos a
tentativa de dominação que o Estado pretende exercer naqueles. Logo, o que torna uma
educação mais efetiva, coerente e eficiente é o professor valorizado, reconhecido e bem
remunerado (MUNAKATA, 2007.p. 139). A afirmação reitera a premissa de que o livro
didático é somente um instrumento do Ensino Escolar, em geral, e da História, em
particular. Por isso, o Ensino de História pode se beneficiar com os livros didáticos, desde
que este não seja o cerne do processo de ensino-aprendizagem.
Colocar o educando no centro da produção de conhecimento é fundamental, uma
vez que o desenvolvimento de um sujeito crítico perpassa pelos objetivos da História e
das Ciências Humanas (Idem., 2007, p. 142). O uso de imagens, tal como citamos,
evidencia a importância do profissional da educação quanto aos métodos empregados na
produção do conhecimento em sala com os educandos. Defendemos que as imagens
devem articular as informações de forma crítica, servindo como outro instrumento do
saber e não como um meio de corroborar as informações dos textos.
Com isso, a ausência de um método de análise iconográfica, somada à falta de
planejamento didático-pedagógico, reforça estereótipos que tornam o Ensino de História
entediante e as imagens elementos inúteis no aprimoramento dos educandos
(ASSUMPÇÃO-CAMPOS, 2020, p. 72). Afirmamos que as imagens devem ser utilizadas
de forma consciente, pensadas como mais um mecanismo de ensino, visto que a sua
linguagem aprimora capacidades analíticas e a percepção de mundo dos jovens.
Cada período da humanidade é percebido e contado sua história de modo singular.
Para essa singularidade ser percebida por outras épocas se fez necessário conceituar. O
processo de ressignificação conceitual que é muito comum na ciência histórica permite
ao pesquisador, ao professor e ao aluno entender as diferentes visões, os diferentes
contextos e os diferentes tempos de construção da ciência histórica (BITTENCOURT,
2017, p. 69-90). Faz mais sentido entender o processo de formação dos conceitos, do que
receber o conceito “pronto e acabado,” para se compreender a perspectiva de História
contemporânea.
Um estudo de caso sobre o povo Persa
Figura 1 - SOUZA, 2018.p.520

A escolha do trecho e livro selecionados, são pela forma fragilizada que um livro utilizado
atualmente3 aborda determinados momentos da História Antiga, ou suprindo pontos fundamentais
e relacionais que seriam de extrema importância para desenvolver outros conceitos e ligações,
bem como a exclusão total de determinado conteúdo. No caso acima, o livro ao compor o
conteúdo das civilizações antigas, passa bem rápido e de forma paranômica por Egito, Hebreus,
e ao chegar nos Persas, supri praticamente qualquer informação relevante e Histórica Relacional
com outros conteúdos posteriores, iniciando uma abordagem superficial e de caráter linear, sem
contextualização ou interdependência com outros conceitos prévios. Este capítulo inteiro,
abordado em um livro didático para o 3° ano do segmento final, Ensino Médio, é composto de
aproximadamente duas páginas e metade de uma terceira, com utilização massiva de imagens
como mapas e figuras, que pouco se absorve ou necessitam no conjunto do aprendizado da
temática, ficando muito aquém do necessário para construção de entendimento.

3
O livro é de 2018, mas é o atual material didático da escola que dou aula de História Leciono para ensino
médio, os 3 anos finais e percebo uma desatualização nos conteúdos, além de uma reprodução mais fraca,
em formatos de apostilas simplificadas, que tendem a condensar ou suprir inteiramente determinados
conteúdos
Figura 2 – SOUZA, 2018.p.522.

Na 2° imagem, ao falar por exemplo da religião, o volume didático não aborda


com significância, a importância desse elemento cultural para a civilização, nem
interações e desdobramentos históricos que tal vertente religiosa possa ter, se limitando a
um trecho curto e síntese incompleta. Assim, notamos que o material específico se limita
a uma explicação panorâmica de origem e cultura, sem se preocupar em de fato delimitar
categorias próprias do povo que ela pretende abordar (Persas), deixando muito fragilizado
a abordagem do assunto, utilizando apenas de imagens para compor o assunto, que pouco
contribuem para uma melhor visualização do objeto pretendido. Considerações Finais
Nossas críticas apresentadas de maneira breve neste texto, demonstram um panorama
crítico em relação ao extenso trabalho que ainda está por ser feito na construção dos
saberes da Antiguidade e Medievo. Os critérios de análises da obra selecionada, bem
como o olhar crítico as instituições de ensino (público e privada) é estruturado pelo
material didático específico utilizado nos referidos casos, com observações sobre suas
utilizações e levantamento de questionamentos que versam com as potencialidades de
melhoria no campo de atuação docente.
Mas o que constatamos é uma desatualização nos diálogos interdisciplinares, e
abordagem conceituais ao se tratar de temáticas da Antiguidade, como na ainda utilização
(sem senso crítico) da linha do tempo e simplória explicação de causa e consequência
histórica, ou ainda em perpetuar etnocentrismos e, supervalorizando e hierarquizando
sociedades, principalmente europeias, como superiores e mais civilizadas.
Entendemos também que para saber utilizar corretamente estes livros, e mesmo
outros recursos, o professor de História precisa de criatividade, boa vontade e uma boa
formação acadêmica, refletidas em práticas de ensino, estágios, atividades acadêmicas,
científicas e culturais e pesquisas de Iniciação Científica feitas ainda durante a primeira
formação na graduação. O elemento humano é o principal motor de difusão dos modelos
preestabelecidos, e por eles, deverá haver as mudanças necessárias para o
desenvolvimento de infraestruturas propicias a potencializar os conteúdos e transmissão
de conhecimento.

Bibliografia
ARAGÃO, Luiz Adriano Lucena. HISTÓRIA E PRÉ-HISTÓRIA: investigando os usos
desses conceitos nos Livros Didáticos de História. Dissertação, Universidade Federal
de Pernambuco, 2019.
ASSUMPÇÃO, Luiz Filipe Bantim de; CAMPOS, Carlos Eduardo da Costa. O livro didático e o
Ensino de História Antiga: Desafio no presente e problemas do passado. Revista de
História Social e Práticas de Ensino, v. 2, n. 6, p. 66-87, jul./dez. 2020.
BITTENCOURT, Circe. Livros didáticos entre textos e imagens. _____ (Org.). O saber
histórico na sala de aula. 12ª ed. São Paulo: Contexto, 2017, p. 69-90.
_____. Ensino de História: fundamentos e métodos. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2018.
CARVALHO, Veronica Lima de. A escrita da História Antiga nos livros didaticos de Historia:
Perspectivas Historiograficas em torno do seculo XX. Anpuh Brasil 31° Simposio
Nacional de História/RJ, 2021.
CERRI, Luis Fernando. Ensino de história e consciência histórica: implicações didáticas de
uma discussão contemporânea. Editora FGV, 2011.
MUNAKATA, K. O livro didático e o professor: entre a ortodoxia e a apropriação.
MONTEIRO, A. M.; GASPARELLO, A. M.; MAGALHÃES, M. de S. (Org.). Ensino
de História: Sujeitos, saberes e práticas. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007
SCHMIDT, M. A.; CAINELLI, M. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2004.
SILVA, Gilvan.Ventura da, Simplificações e Livro Didático: um estudo a partir dos conteúdos
de História Antiga. Revista Helade, v. 2, ed. Especial, 2001
SILVA, Semíramis Corsi. Aspectos do Ensino de História Antiga no Brasil: Algumas
observaçoes. Revista de estudos sobre Antigüidade e Medievo, Volume 1, Janeiro a
Julho de 2010.
SOUZA, Geraldo Luiz de. Sistema Maxi de Ensino: Ensino médio: História - 3° ano, Caderno 1
a 4. 1 ed. são paulo, Maxiprint editora, 2018.

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