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Abstract: The article discusses the role of Hermes in Ancient Greece, highlighting his
mythological development and iconographic representations. Originally a protector of
shepherds, Hermes evolved into a god of commerce, messenger, and psychopomp.
Amidst the Greco-Persian War, the significant death toll led to a shift in the perception
of death, mirrored in the iconography of Hermes and Charon. Through the analysis of
ceramic vases, we will demonstrate his significance in Athenian democracy.
Key-words: Hermes; Death; Athens.
1
Este trabalho foi resultado da pesquisa desenvolvido na disciplina de graduação História Antiga
ministrada pela Profa. Dra. Maria Regina Candido.
2
Para o historiador polonês Bronislaw Baczko (1985, p. 296-332), imaginário social pode ser
compreendido como um conjunto de representações coletivas ligadas ao poder.
3
Filho de Zeus e Maia (GRIMAL, 2005, p. 223).
4
Por ter sido considerado um deus agrário, dos rebanhos e pastores nômades indo-europeus, muitas vezes
teve sua imagem representada com a figura de um carneiro nos ombros (BRANDÃO, 1987, p. 192)
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p. 192). Ao longo do tempo, passou a ser representado também, nos Hinos Homéricos a
Hermes, como deus da prudência e habilidade, deus da trapaça, deus do comércio,
guardião das estradas e dos viajantes, além de patrono dos jogos olímpicos, entre outros.
A partir do mito de nascimento relatado nos Hinos Homéricos a Hermes,
compreendesse a justificativa para que as funções atribuídas ao deus fossem sendo cada
vez mais ampliadas pelos gregos que, a princípio, parecem desconexas, no entanto,
quando relacionadas, notamos que a comunicação é a função básica exercida pelo filho
de Zeus. O uso da palavra, mais especificamente da capacidade de convencimento a partir
das palavras ditas como visto, por exemplo, no mito ao roubar o rebanho de seu irmão
Apolo e negar veementemente até seu irmão acreditar que era inocente, de acordo com o
mito, justifica o porquê de ser considerado o deus protetor dos ladrões (FUENTE, 2009,
p. 3), ou seja, por conta da sua habilidade de dialogar e convencer. Suas funções
abarcaram as ordens específicas de Zeus, o que resultou em diversos episódios
mitológicos em que o se viu não só a proteção, mas o diálogo do deus com os homens.
A ideia de Hermes ser considerado o arauto e mensageiro dos deuses, de transitar
de um lugar ao outro e estabelecer acordos, nos leva a pensar nessa conexão necessária
com o homem, isto é, de amigo do homem, como ordena Zeus num trecho homérico
“Hermes, tua mais agradável tarefa é ser o companheiro do homem; ouves a quem te
estimas.” (HOMERO. Odisseia. VIII, 335), a partir da citação, entendemos o que
explicaria sua capacidade de guia. Outro ponto seria a incrível velocidade que alcançava
ao andar, por portar sandálias douradas com asas, além do seu conhecimento dos
caminhos entre o mundo superior e inferior. Seria por este motivo que se tornara
mensageiro preferido dos deuses, inclusive de Hades e Perséfone.
Sob essa perspectiva, analisaremos o deus Hermes a partir de vasos áticos do
Período Clássico, o qual, inclusive, cotejaremos com o documento “Libation Bearers”,
uma tragédia de Ésquilo, desse modo, construindo o debate de maneira a identificar não
só o contexto social de produção, sobretudo, as diversas representações de Hermes na
comunidade ateniense. Partiremos da principal função de Hermes, atribuída tardiamente,
sendo a divindade, psicopompo, ou seja, de guia das almas. A nossa pesquisa partirá do
vaso ático terracota bellkrater, produzido no Período Clássico, inserido no nosso recorte
temporal, de 480 a. C. 440 a. C. Após a leitura imagética, identificamos Hermes com um
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petasos5, na mão esquerda ele carrega o kerykeion6 e sandálias aladas, enquanto Deméter7,
em pé do lado direito, está aguardando o retorno de sua filha Perséfone8 que emerge do
mundo subterrâneo, sendo guiada por Hermes e Hécate. Bem como encontrado no
segundo documento imagético, um vaso estilo lekythos, também da região ática, datado
de 450 a. C. onde Hermes faz o caminho reverso e é o condutor de uma alma do morto
até Caronte8, que se encontra no barco que leva dos mortos.
Deste modo, no Período Clássico, entre 480 a. C. a 440 a. C., a figura de Hermes
surge como uma divindade que auxilia a passagem da alma do morto ao Hades, como é
possível identificar na corpora de vasos que trabalharemos. Outra relevante mudança está
na iconografia de Hermes, como já mencionado, nos documentos textuais já citados, é
possível identificar também em vasos produzidos nos períodos anteriores onde o deus é
representado como um homem maduro, barbado e de cabelos longos, enquanto a partir
do século V a. C., Hermes é representado como um jovem efebo já dotado dos atributos
5
Chapéu de abas largas.
6
Bastão de arauto, mais tardiamente chamado de caduceu.
7
Deusa da terra, filha de Crono e Reia (GRIMAL, 2005, p. 114).
8
Deusa do submundo, companheira de Hades, é filha de Zeus e Deméter (GRIMAL, 2005, p. 369)
8
Barqueiro de Hades. É o condutor da alma dos mortos através dos pântanos de Aqueronte com o seu
barco fúnebre (GRIMAL, 2005, p. 76)
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de arauto dos deuses. O que nos leva a nossa problemática: por que a sociedade ateniense
passa a utilizar a figura de Hermes como o deus de passagem, antes atribuído unicamente
aos deuses Hypnos e Thanatos? E por que essa mudança na iconografia do deus
psicopompo e sua importância nos ritos fúnebres no recorte temporal 480 a. C. a 440 a.
C.?
transformações constantes, nos leva a refletir sobre como essa memória pode ser utilizada
na construção de um imaginário social numa sociedade, sob quais demandas ou objetivos
essa memória pode ser instrumentalizada. Outro ponto é o que destaca o sociólogo ao
ressaltar que, dada a essa flutuação da memória, no coletivo, a maioria das memórias
possuem marcos ou pontos específicos e invariantes, logo, nos leva a pensar em um ponto
da história para construir a nossa análise (POLLAK, 1992, p. 200-201). A partir dessa
premissa, de memória como mediadora na História, traremos a reflexão de como o deus
que, na época arcaica, era representado como os demais deuses olímpicos e, após alguns
séculos, têm sua figura com poderes e significados ampliados principalmente no que se
refere a morte e ritos fúnebres.
Desde os séculos anteriores, os gregos possuíam a crença de que ao morrerem
seguiam em direção ao mundo de Hades, no entanto, consoante Maria Regina Cândido, a
análise sobre as mudanças nos mitos e ritos fúnebres, percebe-se as especificidades na
sociedade ateniense do Período Clássico, como, por exemplo, a figura do morto ser
representada nos vasos lekythos brancos (CANDIDO, 2020, p. 81-82). De acordo com
Bruno dos Santos Menegatti, a presença dos vasos cerâmicos desde os banquetes aos
rituais fúnebres, preservam a continuidade da importância do tema da morte. Além da
evolução estética, para Menegatti, o principal motivo da ascensão do lekythos de fundo
branco são as condições especiais pelas quais a democracia ateniense foi submetida desde
meados do século VI a. C. com as reformas promovidas por Clístenes 9 (MENEGATTI,
2020, p 20). Deste modo, já se pode observar o rumo que se dará às contradições do século
V a. C. entre a aristocracia e os cidadãos atenienses.
No contexto da Atenas Clássica, conforme Maria Regina Cândido, nota-se que
nos discursos da dramaturgia ateniense, diante de novas questões de coletividade, a
comunidade políade passou a valorizar o ideal da bela morte10, no caso da morte do
cidadão em defesa da polis, os deuses que os recepcionavam no pós-morte eram os irmãos
9
Considerado um dos pais da democracia, Clístenes foi um importante político da Grécia Antiga e que
levou adiante as reformas promovidas por Sólon, além de ter liderado uma revolta popular e promoveu a
reforma na constituição de Atenas em 508 a. C.
10
Conceito cunhado por Maria Regina Candido, definido como a valorização do guerreiro que morria em
defesa da pólis (CANDIDO, 2019 passim, apud (LIMA & BRAZ, 2022, p.17) 11O termo refere-se às
divindades e deuses do submundo.
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& BRAZ, 2022, p. 25). E o deus Hermes atua como psicopompo, guiando as almas dos
mortos. Como já citado, Hermes também é considerado o deus do comércio e mensageiro,
o que caracteriza sua proximidade com os povos emergentes e a ligação entre o mundo
superior e o submundo, por isso sua aparição nos lécitos brancos, que representam as
mudanças democráticas na Grécia.
Hermes simbolizava a política ateniense de expansão, símbolo da democracia. Foi
assim que se tornou a divindade protetora da democracia e da marinha ateniense, bem
como todos aqueles que estavam intimamente ligados à democracia ateniense, um deus
que era um elo entre homens e deuses. A sua presença no vaso atesta isto (RADULOVI
& SMIRNOVBRKI, 2015, p. 53-54). O culto a Hermes é atestado desde o Período do
Bronze, porém, durante o Período Clássico, Hermes tornou-se parente de viajantes e
marinheiros. O deus é provavelmente uma divindade pré-helênica e ctônico como Hécate,
Demeter e Perséfone, pois ele desempenha um papel mediador entre o mundo superior e
o mundo inferior.
11
Segundo Marc Augé (2017, p. 100), à noção de "lugar antropológico". O lugar oferece a todos um
espaço que eles incorporam à sua identidade, no qual podem conhecer outras pessoas com quem
compartilham referências sociais.
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divergência entre seus domínios, já que o deus está sempre entre os dois mundos,
podemos afirmar que como resultado de uma confluência entre o conceito e a
representação grega acerca do deus, podemos concluir que o Lugar antropológico de
Hermes é justamente a ligação, a ponte de passagem criada pelo próprio deus, chamados
caminhos de transição ou lugares de passagem.
12
Doutora em ciências da informação e comunicação, professora e pesquisadora da Bordeaux Montaigne
University.
13
Cerâmica grega utilizada para armazenar óleos.
14
Etnólogo e antropólogo francês, criador do conceito de “não-lugar”.
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estelas funerárias, e sobre estas camadas brancas eram pintadas figuras vermelhas que
retratavam cenas relacionadas ao mundo dos mortos.
No entanto, Francisco P. Diez de Velasco Abellán sugere que os vasos lécitos de
fundo brancos são uma “acomodação até a facilidade de realizar um trabalho em série
(acostumados a pintar cenas de visitas ao túmulo, esses mestres limitam a introduzir
Charon em um canto da imagem sem se preocupar em alguns casos em modificar a
configuração cênica apesar da incongruência formal)” (ABELLÁN, 2006, p. 51). Além
disso, o branco era uma cor conveniente de luto, mas de pouca durabilidade em sua
superfície e de menos esforço, por isso tinha um preço adequado. Ademais, através da
presença de Caronte, assume-se que a morte tem sua visão transformada, pois o barqueiro
está sempre representado através de vestimentas utilizadas pelos marinheiros com pose e
trabalho que lembram um remador ateniense, como aqueles que determinam a vitória
sobre os persas em Salamina e deus a Atenas seu poder naval, sua prosperidade, seu
império e sua democracia consolidada.
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Centro Mulher madura, utilizando Mulher madura utilizando Hécate participando de uma
uma capa com abertura Peplos, em posição de cerimônia de ritualização,
lateral e longo, plissado, em caminhar para a direita e ânodos de Persephone
Mulher com duas tochas
posição de caminhar para a olhar para a esquerda, guiada por archotes acesos.
direita e olhar para a portando duas varas
esquerda. semelhantes a tochas.
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Esquerda Homem com olhar frontal, Homem permanece ao lado Hermes utilizando um
utilizando um chapéu de três da figura feminina, petasos, portando em sua
pontas, clâmide sobre chilton portando um kerykeion, mão esquerda seu kerykeion
Homem de pé de olhar
frontal e mulher de perfil. curto, portando um sandálias aladas e seu e sandálias aladas. Atua
instrumento na mão chapéu de três pontas. como psicopompo ao trazer
esquerda. Perséfone do Hades.
Esquerda Mulher de perfil, com seu Mulher utilizando tiara, Perséfone emergindo do
cabelo preso, emergindo de vestindo himation plissado Hades, sendo guiada por
uma fenda. e chiton longo emergindo Hermes e Hécate.
Mulher de perfil,
ajoelhada. de uma fenda.
Referências:
Documental:
AESCHYLUS. The Libation-Bearers. Tradução: Herbert Weir Smyth. Cambridge:
Harvard University Press, 1926.
HOMERO. Odisséia. Tradução: Manoel Odorico Mendes. São Paulo: Editora Atenas,
2009.
HOMERO. Himnos Homéricos la “batracomiomaquia”. Tradução: Alberto Bernabé
Pajares. Spaña: Editorial Gredos, S. A., 1978.
Bibliográfica:
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