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O MITO E O ROLEPLAYING

Reflexões acerca dos mitos em mago: a ascensão

Arthur Barbosa de Oliveira1


Ana Cláudia Duarte Mendes2

RESUMO

O presente texto tem por objetivo analisar as mitologias das sociedades tradicionais presentes
nas literaturas de RPG (Roleplaying Game) Livro de Tradição: Ordem de Hermes (2003) e
Mago: A Ascensão (3ª edição, 2000). Tomando por teoria base os livros Mito e Realidade
(1972) e O sagrado e o profano (2008) de Mircea Eliade, assim como conceitos pertinentes
ao estudo do mito, dialogaremos com a base de crença dos magos da Ordem de Hermes,
apresentados no cenário de jogo. Através da reflexão teórica pretendemos verificar a relação
da Ordem de Hermes com sua base mitológica, assim como o funcionamento e participação
das facções da Ordem.

PALAVRAS-CHAVE: Mitologia. Político-Estrutural. Herméticos.

ABSTRACT

This paper aims to examine the mythologies of traditional societies present in the RPG
(Roleplaying Game) literature, Tradition Book: Order of Hermes (2003) and Mage: The
Ascension (3rd edition, 2000). Taking as a theory based on the Myth and Reality (1972) and
Sacred and Profane (2008) of Mircea Eliade, as well as relevant concepts to the study of
myth, we will discuss with the belief base of Hermetics in the RPG scenario. Through
theoretical reflection we intend to verify the Order of Hermes's relationship with its
mythological basis, as well as the operation and participation of the Order's factions.

1
Graduando do curso de Letras, Português e Inglês, na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul.
arthurthales@hotmail.com
2
Professora doutora do curso de Letras, Português e Inglês, na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul.
KEYWORDS: Mythology. Political and structural. Hermetics.

INTRODUÇÃO

Quando se pensa em mito, comumente corre-se o risco de apenas considerar o


conceito moderno do termo e, ao assimilá-lo apenas através dessa assertiva, elimina-se
qualquer outra possibilidade de enxergar o mito com olhos históricos e analíticos. Segundo
Eliade3, apenas quando encaramos os mitos “por uma perspectiva histórico-religiosa é que
formas similares de conduta poderão revelar-se como fenômenos de cultura, perdendo seu
caráter aberrante ou monstruoso de jogo infantil ou de puramente instintivo”.
Esse caráter repercute até a pós-modernidade, e pode tornar difícil o acesso a
mitologias devido a interpretações terminológicas. Longe de dizer que não houve
modificações ou direcionamentos na antiguidade, acredita-se, assim como Eliade4 que as
“Grandes Mitologias não perderam sua 'substancia mítica'” ao passar da tradição oral para a
escrita, mas poetas como Hesíodo, por exemplo, conseguiram manter sua "magia". Cabe aqui
a tentativa de descrição do termo mito, que segundo Eliade5 é sempre “a narrativa de uma
‘criação’: ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser”.
Nesse aspecto podemos dizer que, segundo Eliade, o mito Cosmogônico6 é
“verdadeiro” porque a existência do mundo aí está para prová-lo. Ainda sobre o mito, mesmo
sendo de difícil definição, podemos aceitá-lo como “realidade cultural extremamente
complexa, que pode ser abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas e
complementares”.7
Na tentativa de nos aproximar do conceito de mito apresentado pelas Grandes
Mitologias, e do conceito Hermético8, em M.A9 considera-se o mito uma “'história verdadeira'
e, ademais, extremamente preciosa por seu caráter sagrado, exemplar e significativo”10. O
mundo do mito, então, é o mundo real, e também é visto assim dentro do contexto literário de
M.A, mas de fato, ambos acontecem em um espaço-tempo mítico-literário, muitas vezes oral,
possuindo características que causam estranheza na contemporaneidade do século XXI. Essa

3
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.7.
4
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.8.
5
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.9.
6
ETIM: criação do mundo.
7
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.9.
8
A partir do presente momento nos referiremos aos sujeitos inseridos na Ordem de Hermes como Herméticos.
9
A partir do presente momento abreviaremos o nome do livro Mago: A Ascensão (2000) para M.A.
10
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.6.
estranheza é sagrada para as sociedades tradicionais e é extremamente importante para nossos
estudos, pois geralmente carregam diversos significados imagéticos que nos auxiliam na
compreensão do todo mitológico.
Ao tratar da função do mito, corroboramos com Eliade quando diz que

Consiste em revelar os modelos exemplares de todos os ritos e atividades humanas


significativas: tanto a alimentação ou o casamento, quanto o trabalho, a educação, a
arte ou a sabedoria. Essa concepção não é destituída de importância para a
11
compreensão do homem das sociedades arcaicas e tradicionais.

Os mitos que remetem a estruturas mundanas podem ser elencados na categoria de


mitos Cosmogônicos; tais mitos remetem sempre ao início das ações criativas do Mundo,
sendo geralmente seguidos de um Mito de Origem que remeterá ao surgimento de uma
prática. Eliade12 relata que “Todo mito de origem conta e justifica uma “situação nova” no
sentido de que não existia desde o início do Mundo. Os mitos de origem prolongam e
completam o mito cosmogônico: eles contam como o Mundo foi modificado, enriquecido ou
empobrecido”.

ASPECTOS TEÓRICOS

Ao descrever os mitos presentes na literatura analisada podemos observar diversos


conceitos que embasaram a criação literária. Associando esses conceitos presentes na Ordem
de Hermes, percebe-se um fator crucial logo no início da reflexão: A literatura abordada é
construída a partir de mitos de origem, e não de mitos cosmogônicos. Pode-se dizer que a
cosmogonia Hermética em M.A, surge de mitos de origem provindos do Egito e Grécia,
especificamente, remetendo-se a entidade conhecida como Hermes, Trismegisto ou Três-
Vezes-Grande, que está presente nas culturas Egípcias, Gregas e Romanas.
A mitologia Hermética, tanto no mito real quanto em M.A, é pautada historicamente
no surgimento descrito no Corpus Hermeticum13. Esses escritos contam do contato de Hermes

11
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, 10-11.
12
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.20.
13
O Corpus Hermeticum é uma coleção composta de 18 libretos escritos em grego. Por causa de seu conteúdo
característico de uma filosofia religiosa ou de uma religião filosófica. (DE LIRA, David Pessoa. A Sacralidade
do Corpus Hermeticum: Comunicação Divina e Humana nos Textos Herméticos, 2011).
com um Ente Sobrenatural14 chamado Poimandres15, que também participa da cosmogonia da
Ordem. Podemos ver o início do trajeto de Ascensão de Hermes nos princípios do escrito da
Ordem. De acordo com a narrativa do Livro de Tradição vemos que

Uma vez, houve um mago - um indivíduo bom e aprumado, com asas em seus pés, e
palavras em sua mente, e o fogo de Deus queimando em seu coração [...] esculpiu
uma imagem de si mesmo no folclore de seu povo. Andava pelas ruas e cantava
canções de sabedoria e boa vontade. Transformava palha em ouro, e ouro em luz do
Sol. Aprendeu os nomes de cada coisa sagrada, e reinou supremo ao longo da
16
terra.

A passagem acima remete nossas mentes a personalidades de caráter messiânico como


Buda, Jesus, Salomão e Pitágoras. Essas personalidades compartilham diversas características
com Hermes, nas diferentes narrativas mitológicas. Pode-se assemelhar Hermes, por
aproximação, ao Messias cristão, por exemplo, devido sua nomenclatura de Trismegisto.
Cabe aqui relacionar a crença dos Herméticos e os denominados Alquimistas17, pois
um dos "dons" de Hermes era o mais desejado pelos Alquimistas, a Pedra Filosofal. Segundo
estudiosos da mitologia grega, como Viktor D. Salis em sua obra Os Doze Trabalhos de
Hércules – Paideia: A construção do homem obra de arte, ético e criador (2012), o feito de
transformar metais em ouro e tornar imortal, atribuídos à Pedra são características que
remetem a Hermes, pois, sendo o deus grego dos caminhos, ele poderia guiar o sujeito à
imortalidade retornando-o a Era de Ouro18 anterior a Prometeu19, assim como ocorre no mito
de Héracles.

14
Antevo, em Mago: A Ascensão (2000) é uma criatura sobrenatural, geralmente caracterizado como divindade
antiga ou algo do gênero.
15
Poimandres (Grego: Ποιμάνδρης; também conhecido como Poemandres, Poemander or Pimander) é um
capitulo no Corpus Hermeticum. Originalmente escrito em Grego, o titulo foi, antigamente, compreendido como
"Pastor de Homens" das palavras ποιμήν (pastor) e ἀνήρ (homem), mas estudos recentes na etimologia
mostraram que o nome é derivado da frase egípcia Peime-nte-rê significando "conhecimento de Re" ou
"Entendimento de Re". É também conhecido como deidade o atribuído como um deus, nous.
(https://en.wikipedia.org/wiki/Poimandres) (tradução própria) acessado em 26 de junho de 2015.
16
DIPESA, Stephen Michael. BRUCATO, Phil. Livro de Tradição: Ordem de Hermes, 2003, p.13.
17
Alquimia é uma prática que combina elementos da Química, Antropologia, Astrologia, Magia, Filosofia, Metalurgia e
Matemática. Existem quatro objetivos principais na sua prática. Um deles seria a transmutação dos metais inferiores ao ouro; o
outro a obtenção do Elixir da Longa Vida, um remédio que curaria todas as coisas e daria vida longa àqueles que o ingerissem.
Ambos os objetivos poderiam ser notas ao obter a Pedra Filosofal, uma substância mística. O terceiro objetivo era
criar vida humana artificial, os homunculi. O quarto objetivo era fazer com que a realeza conseguisse enriquecer mais
rapidamente (este último talvez unicamente para assegurar a sua existência, não sendo um objetivo filosófico).
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Alquimia) acessado dia 15 de Junho de 2015.
18
O termo era dourada (ou suas variantes: Idade de ouro, Era de ouro, etc.) deriva da mitologia grega e
de lendas. Refere-se ao mais antigo período do espectro grego das idades de Ferro, Bronze, Prata e Ouro, ou ao
Nas passagens do livro da Ordem de Hermes (2003), observa-se a descrição do deus
grego com uma “roupagem” contextualizada à temática de M.A, sendo identificado como um
mago. A visão do mito Hermético é semelhante à expressada por Eliade20 quando diz que
“conhecer os mitos é aprender o segredo da origem das coisas”. Juntamente com esse
pensamento podemos associar o conceito Hermético de Enoquiano21. Para a Ordem, a
Linguagem Enoquiana possui um valor Mágiko22 e cada nome retorna a ideia primordial,
essencial e cosmogônica, do objeto evocado. Assim é o conceito, retomando as sociedades
tradicionais, acerca do conhecimento do mito descrito por Eliade quando defende que “[...] a
história narrada pelo mito constitui um “conhecimento” de origem esotérica, não apenas por
ser secreto e transmitido no curso de uma iniciação, mas também por que esse
“conhecimento” é acompanhado de um poder mágico-religioso.”23
A visão Hermética se assemelha com esse ideário, entretanto, vale ressaltar que a
tradição está inserida no cenário de RPG (Roleplaying Game) Mago: A Ascensão que,
segundo Brucato24, se passa “em um mundo onde magos disputam por suas visões singulares
da realidade, esta luta se estende a todas as crenças da humanidade, sendo que o próprio
direito de acreditar é o foco da guerra”. Os Herméticos, como veremos in posteriori, são parte
elementar dessa guerra.
Retornando aos conceitos acerca dos mitos dialogaremos, principalmente, com o de
Origem, que segundo Eliade25 “conta e justifica uma 'situação nova' – nova no sentido de que
não existia desde o início do mundo. Os mitos de origem prolongam e completam o mito
cosmogônico". Pode-se perceber essa característica no texto do Corpus Hermeticum, 15ª
passagem, que descreve:

tempo no início da humanidade, que foi percebido como um estado ideal, ou utopia, quando o gênero humano
era puro e imortal. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Era_dourada) acessado dia 15 de Junho de 2015.
19
Na mitologia grega, Prometeu é um titã, filho de Jápeto (filho de Urano e Gaia) e irmão de Atlas, Epimeteu e
Menoécio. Foi um defensor da humanidade, conhecido por sua astuta inteligência, responsável por roubar
o fogo de Héstia e o dar aos mortais.( http://pt.wikipedia.org/wiki/Prometeu) acessado dia 15 de Junho de 2015.
20
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.14.
21
Enoquiano é um nome relacionado com ocultismo ou língua angélica, tendo sido criado por John Dee e seu
assistente Edward Kelley no final do século XVI. Segundo Dee, essa língua teria sido revelada por anjos. Alguns
praticantes contemporâneos de magia, como Aleister Crowley consideram o enoquiano uma língua útil para ser
usado em rituais mágicos, enquanto outros afirmam ser ela apenas mais uma língua artificial, pobre imitação de
línguas antigas com semelhanças com a gramática inglesa. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Linguagem_enoquiana)
acessado dia 15 de Junho de 2015.
22
Forma de descrever a magia que é apresentada no universo de Mago: A Ascensão (2001).
23
ELIADE, Mircea. Mito e realidade (1972, p.15).
24
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.21.
25
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.20.
E essa é a razão porque, de todos os seres que vivem sobre a terra, o ser humano é o
único que é duplo, mortal pelo seu corpo, imortal pelo ser humano essencial. Ainda
que seja imortal com efeito, e que tenha poder sobre todas as coisas, sofre a
condição dos mortais, submetido como é ao Destino. 26

Ao analisar essa passagem, pode-se observar claramente que se trata de um mito de


origem ao observar a reflexão acerca da concepção da mortalidade e imortalidade do ser
humano, configurando uma existência cosmogônica anterior ao descrito no texto. Durante
todo o texto do Corpus Hermeticum observa-se passagens que complementarão a visão de
homem e cosmo, assim como os caminhos de Hermes Trismegisto.
Considerando a crença Hermética, em Mago: A Ascensão (2000), identifica-se a
presença de outros mitos. Vale ressaltar que o conceito da Ordem acerca de Hermes se
assemelha ao das Sociedades Tradicionais, sem fazer distinção de poder entre os deuses
menores27, pois todos cumpriam uma função especifica na organização do cosmos. Observa-
se a visão mística da Ordem sobre Hermes na seguinte passagem do Livro de Tradição:

Embora “selado hermeticamente” signifique algo que não pode ser aberto, Hermes é
o abridor universal. Seus seguidores podem ocultar conhecimento em símbolos e
obscuridade, mas aqueles que conhecem Hermes podem liberar estes mistérios, e
mais. Como relâmpago, ele ilumina a escuridão, estilhaça preconceitos, e força
transformações. Seu cajado se tornou o emblema da medicina moderna; seu corpo
adorna propagandas, sua risada crepita através da internet, atravessando o tempo e
distância com meros pensamentos. Três-Vezes-Grande, este Hermes alcança a
antiguidade em modernidade e possibilidade. Agora, mais do que nunca, este
Hermes esta vivo.28

Longe de crer em um deus morto, os Herméticos veem em Hermes uma entidade


atemporal e atribuem a ele diversas faces, assim como as sociedades tradicionais se referem à
divindade. De acordo com a Teogonia29 Hermética, podemos afirmar que, por mais que
existam outras divindades historicamente mais relevantes em seus próprios momentos,
Hermes ocupa o topo da hierarquia divinatória, podendo adquirir características

26
CORPUS HERMETICUM. Atribuído ao Grande Hermes Trismegisto. (2015, p.4).
27
Na mitologia grega clássica o panteão é liderado por Zeus e Hera. Deuses menores se encontram abaixo na
hierarquia. Contudo, cada divindade tem uma importante missão no cosmos, não competido com os demais.
28
DIPESA, Stephen Michael. BRUCATO, Phil. Livro de Tradição: Ordem de Hermes (2003, p.19).
29
s.f. Genealogia e filiação dos deuses.( http://www.dicio.com.br/teogonia/) acessado 26 de junho de 2015.
soteriológicas30 em momentos de contato com crenças escatológicas31 da Ordem, que variam
entre as Facções32 presentes no cenário de M.A.
Entretanto, podemos caracterizar Hermes em M.A como um “Deus Otiosus” que
segundo Eliade33 “acredita-se que esse Ente Supremo criou o Mundo e o Homem, mas que
abandonou rapidamente as suas criações e se retirou para o céu”. Ao propor essa
caracterização a Hermes vemos que ele não possui a característica de Ente Supremo criador,
entretanto, em sua caracterização messiânica, participa da fundação do pensamento Hermético
e depois de desvendar o mundo e tornar-se deus ele se afasta dos mortais, assim como os
Arquimagos, em M.A.
Existe uma característica sine qua non para que os magos acessem a realidade oculta,
o Despertar. Podemos identificar a característica do Despertar nas passagens que tratam de
Hermes no Corpus Hermeticum.

Um dia, em que comecei a refletir acerca dos seres, e meu pensamento deixou-se
planar nas alturas enquanto meus sentidos corporais estavam como que atados, como
acontece àqueles atingidos por um sono pesado pelo excesso de alimentação ou de
uma grande fatiga corporal, pareceu que se me delineava um ser de um talhe imenso,
além de toda medida definível, que me chamou pelo meu nome e disse: “Que
desejas ouvir e ver, e pelo pensamento aprender a conhecer?” E eu lhe disse “Mas
tu, quem és?”. – “Eu”, disse ele, “eu sou Poimandres, o Noús da Soberania absoluta.
Eu sei o que queres e estou contigo em todo lugar”. E eu disse: “Quero ser instruído
sobre os seres, compreender sua natureza, conhecer Deus. Oh! Como desejo
entender!” Respondeu-me ele por sua vez: “Mantém em teu intelecto tudo o que
desejas aprender e eu te instruirei.”34

Analisando esse trecho podemos ver que Hermes, inicialmente, não surge como uma
entidade de caráter profético e soteriológico, e sim como um Ser que deseja aprender.
Entretanto, observando o trecho que diz "meu pensamento deixou-se planar nas alturas"
podemos identificar o pensamento elevado, em seu caráter imagético, pode ser interpretado
como pensamento vinculado a espiritualidades ou filosofias. Essa característica, ou melhor,

30
Parte da teologia que trata da salvação do Homem. (https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chrome-
instant&ion=1&espv=2&ie=UTF-8#q=soteriologia%20significado) acessado dia 26 de junho de 2015.
31
Doutrina das coisas que devem acontecer no fim do mundo.
(https://www.google.com.br/webhp?sourceid=chrome-instant&ion=1&espv=2&ie=UTF-
8#q=escatologia+significado) acessado em 26 de Junho de 2015.
32
Divisões internas de cada tradição, possuindo nome próprio em cada uma delas. No caso da tradição
Hermética as facções são chamadas de Casas.
33
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1 ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.69.
34
CORPUS HERMETICUM. Atribuído ao Grande Hermes Trismegisto. (2015, p.2)
“desejo” de Hermes revela-se, dialogando com Eliade35, com o ato de "Despertar", que
também esta presente em M.A.
Eliade relata que “Sócrates Desperta os interlocutores, algumas vezes contra a vontade
deles. […] Mas Sócrates está perfeitamente consciente do carater divino de sua missão de
despertar as pessoas." A característica do Despertar, tanto para Eliade quanto em M.A possui
caráter soteriológico, mas enquanto para Eliade o despertar remete a característica de
adormecido para com a vida, expressada, por exemplo, na alegoria da caverna36 escrita por
Sócrates, em Mago (2000) o Despertar surge como uma característica mística significa
despertar para a realidade mágica, e possibilidade de desenvolver sua capacidade de Arete.
A tradução literal do termo Arete (do grego ἀρετή37) seria virtude. Em M.A essa
característica é mensurável38 e quanto maior numericamente39, maior é a capacidade de
compreensão do mundo em sua forma "real", levando-nos a compreender que, no cenário, os
sujeitos que não possuem Arete são Adormecidos40 para "a realidade total" do mundo. Essa
característica foi agravada com o advento da Guerra da Ascensão, que será abordada
posteriormente, pois a organização chamada Tecnocracia tem por objetivo reorganizar a
concepção de realidade.
Ainda acerca da temática terminológica do cerne de M.A vale descrever uma
característica inerente à existência das diversas Tradições e suas devidas Facções, a
característica de ciclo dos Avatares. Avatar é o termo de M.A que remete ao conceito
contemporâneo de Alma. Todavia, é curioso que todos os magos tenham um consenso quanto
a isso, existe, claramente, um ciclo metempsicótico de Avatares.
A Metempsicose (do grego μετεμψύχωσις41) é justamente a crença, herdada das
sociedades tradicionais, que remetia ao curso reencarnacionista da Alma. Podemos, então,
dialogar com Eliade (1972, p.93) quando ele diz que "O 'Despertar' implica a anamnesis, o

35
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.91.
36
A alegoria da caverna, também conhecido como parábola da caverna, mito da caverna ou prisioneiros da
caverna, foi escrita pelo filósofo grego Platão e encontra-se na obra intitulada A República (Livro VII). Trata-se
da exemplificação de como podemos nos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz
da verdade, onde Platão discute sobre teoria do conhecimento, linguagem e educação na formação do Estado
ideal. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Alegoria_da_Caverna) acessado em 26 de Junho de 2015.
37
É uma palavra de origem grega que expressa o conceito grego de excelência, ligado à noção de cumprimento
do propósito ou da função a que o indivíduo se destina. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Aret%C3%AA) acessado
em 25 de junho de 2015.
38
Em escala de 1 a 10.
39
Em uma escala linear crescente de 1 a 10.
40
Termo do jogo para a população não-sobrenatural. Ex: Trouxas, em Harry Potter e a Pedra Filosofal (1997).
41
É o termo genérico para transmigração ou teoria da transmigração da alma, de um corpo para outro, seja este
do mesmo tipo de ser vivo ou não. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Metempsicose) acessado dia 25 de junho de
2015.
reconhecimento da verdadeira identidade da alma, ou seja, o reconhecimento de sua origem
celestial. Somente depois de havê-lo despertado é que o 'mensageiro' revela ao homem a
promessa da redenção e finalmente lhe ensina como deve comportar-se no mundo".
No mesmo paradigma de mitos dá-se a construção do discurso literário da Ordem de
Hermes (2003) que foi produzido de forma a interligar eventos históricos que podem ou não
ter uma real ligação. Entretanto, em alguns momentos, são descritas datas de eventos
históricos correspondentes às datas originais, o que faz com que nosso pensamento vincule o
real e o literário, criando o aspecto da verossimilhança. O livro da tradição Ordem de Hermes
(2003) apresenta, de maneira homogênea, o teor da presente análise: aspectos do mito
Hermético e sua relação com a organização politico-estrutural da Ordem. Segundo DiPesa e
Brucato,

Desde o início, os magos discutem sobre suas doutrinas místicas. Onde a fé, a
ciência e a mágica colidem, batalhas estouram. Todos os magos acreditam que seus
caminhos místicos levam a um estado de iluminação alem da mera consciência
humana, mas nenhum deles consegue concordar em uma única trilha para tal
Ascensão. Durante eras, os Despertos têm aderido a suas versões da "verdade" e
batalhando uns contra os outros pelo direito de colocar toda a humanidade sob seus
dogmas. O conflito que visava trazer uma maior consciência ao mundo foi chamado
de Guerra da Ascensão.42

A partir dessa passagem podemos elencar algumas considerações sobre o cenário


global em M.A : 1- Fica claro que existem diversas formas de expressão de crença no cenário;
2- A Guerra da Ascensão é englobada por dois direcionadores ideológicos principais, o direito
de acreditar e a posse da "verdade" soberana; 3- Em uma breve observação da história da
Ordem de Hermes, pode-se levantar trechos conclusivos que demonstram a responsabilidade
da mesma com a construção de rótulos para todas as outras organizações, assim como nota-se
a presença da mesma em diversos trechos da história geral do cenário.
Ao observar os últimos fatores principais da mitologia da Ordem de Hermes, em M.A,
falaremos de Poimandres. A luz da análise mitológica de Eliade este pode ser caracterizado
como Ente Sobrenatural criador, sendo que a existência de Poimandres antecede Hermes, pois
o Ente busca ensinar os segredos do mundo para Ele. Nesse ponto, destacada a parte principal
a ser discutida no presente artigo, apresentaremos o conteúdo político-estrutural e seu vínculo
com a mitologia analisada.

42
DIPESA, Stephen Michael. BRUCATO, Phil. Mago: A Ascensão, 2000, p.23.
No que se refere à organização da Ordem de Hermes, em M.A (2000), observamos
diversos períodos históricos, contemplando diversas épocas da humanidade. Podemos, então,
observar a Ordem através de observação dicotômica. Verificamos as características de pontos
de vista Sincrônicos43 e Diacrônicos44.
No Livro de Tradição: Ordem de Hermes45 podemos observar a construção dos dois
pontos dicotômicos da Ordem. Segundo DiPesa e Brucato,

Quando os 11 magi fizeram juras a Bonisagus, eles não tinham ideia de que estariam
iniciando um grupo mágico que duraria mais de mil anos com poucas mudanças.
Embora as coisas tenham se alterado um pouco dentro da Ordem, sua estabilidade
tem sido notável. Considere isto: a Pax Hermética ocorreu cerca de 50 anos antes de
Carlos Magno, 300 anos antes da Conquista normanda da Inglaterra, 700 anos antes
de Colombo, 1000 anos antes dos Estados Unidos e 1200 anos antes do computador
pessoal. No total, as coisas não mudaram muito.46

De acordo com os autores 47, a Ordem surgiu "devido ao diligente trabalho do Magus
Bonisagus e sua contemporânea, Maga Trianoma”. Entretanto, a Ordem possui diversas
Casas, como são nomeadas suas facções. A título de conhecimento, a Ordem de Hermes, no
referido universo, pertence a uma organização de nove tradições, tendo organizado a mesma.
Não trataremos de cada uma no presente texto, mas os nomes são: Irmandade de Akasha48,
Adeptos da Virtualidade49, Coro Celestial50, Verbena51, Eutanatos52, Cultistas do Êxtase53,
Filhos do Éter54, Oradores dos Sonhos55. Ainda temos os magos que se encontram sem

43
Sincronia: do grego ‘syn’ (″juntamente″) + chrónos (“tempo”): ao mesmo tempo.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Dicotomias_saussureanas Acessado em 30 de Julho de 2015.
44
Diacronia: do grego ‘dia’ (″através″) + chrónos (“tempo”): através do tempo.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Dicotomias_saussureanas Acessado em 30 de Julho de 2015.
45
DIPESA, Stephen Michael. BRUCATO, Phil. Livro de Tradição: Ordem de Hermes. São Paulo: Devir, 2003,
p.34-35.
46
DIPESA, Stephen Michael. BRUCATO, Phil. Livro de Tradição: Ordem de Hermes (2003, p.34).
47
DIPESA, Stephen Michael. BRUCATO, Phil. Livro de Tradição: Ordem de Hermes. São Paulo: Devir, 2003,
p.48.
48
Tradição magica antiga que acredita que o poder inicial encontra-se na mente de cada um. São portadores da
arte marcial primordial, fornecida pelo Dragão e Fénix, nomeada Dô.
49
Tradição magica saída da União Tecnocrática, Formados por tecnomantes que possuem a própria rede Web
chamada Teia. Nesse ambiente virtual ocorrem batalhas diárias defendendo interesses diversos.
50
Tradição magica antiga, próxima da Ordem de Hermes, que se dedica ao culto da divindade Uno. Reúne a
maior parcela dos magos religiosos no globo.
51
Tradição magica antiga que se dedica a magias ligadas ao corpo e a vida.
52
Tradição magica ligada à magia da Entropia. Essa esfera paradigmática divide-se entre dicotomias, e os
Eutanatos dizem-se portadores da ordem por dominarem a esfera.
53
Tradição magica respectivamente nova que se dedica a buscar a Ascensão através da transcendência
utilizando-se de catalisadores entorpecentes de qualquer origem.
54
Tradição respectivamente nova que reúne magos cientistas que se organizam para discutir novas tecnologias.
tradição, chamados de Vazios, e os magos que despertam por conta própria são denominados
Órfãos.
É uma característica do sistema Storyteller, de RPG, manter a organização social em
subgrupos, pois segundo nos relatou56 um dos criadores do sistema, Mark Rein·Hagen, "we
57
human organize ourselves into such groups” . Sabendo disso, apresentaremos rapidamente
cada Casa da Ordem, descrevendo, brevemente, sua função na complexa hierarquia
hermética. Organizaremos as Casas58 em lista a fim de facilitar a compreensão de cada trecho,
sendo que, da numeração 1-12 se encontram as Casas mais antigas e a partir do numero 13,
que são Casas com datação, são Casas denominadas "Novas".

CASAS TRADICIONAIS

1. Casa Bonisagus: "Uma ordem de teóricos, fundada pelos Grandes Unificadores Bonisagus e
Trianoma. Ainda ativa, mas escassamente.”.
2. Casa Criamon: "Esotéricos bizarros dedicados a perseguições loucas; fundada pelo reservado
mestre ilusionista Criamon, que falava em charadas (quando falava). Incorporada à Casa Ex
Miscellanea durante os anos de 1700, e quase varrida durante os anos 1990."
3. Casa Diedne: "Magos celtas descendentes das tradições Druídicas. Fundada pela jovem
sacerdotisa Diedne, que renunciou a seu mentor para se juntar a Bonisagus. Varrida durante a
Guerra do Cisma, mas com a reputação de estar ‘lá fora em algum lugar... ’".
4. Casa Flambeau: "Uma tempestuosa ordem de magos ígneos, dedicada à chama purificadora.
Fundada pelo nobre ibérico Flambeau, esta Casa permanece viva e bem no século XXI.”.
5. Casa Jerbiton: "Diplomatas socias, versados em artes tanto quanto Artes. Fundada por um
nobre romano sem grande gosto para magia, esta casa declinou durante a Idade Média, se
juntou à Ex Miscellanea próximo a 1300, floresceu durante a renascença, e atualmente
desfruta de nova vitalidade.”.
6. Casa Mercere: “Mestres da política, comunicação e conspiração, fracos em magia, mas fortes
em vontade. Fundada por Mercere, que perdeu seus poderes logo depois da fundação da Casa.
Incorporada à Casa Fortunae durante 1930 após 300 anos em Ex Miscellanea."

55
Tradição variada que tenta reunir qualquer mago espiritualista, que geralmente são nativos de qualquer etnia
antiga.
56
Diálogos via Facebook em 28 de Março de 2015.
57
Nós humanos nos organizamos nesses grupos. (tradução própria)
58
DIPESA, Stephen Michael. BRUCATO, Phil. Livro de Tradição: Ordem de Hermes. São Paulo: Devir, 2003,
p. 34-35.
7. Casa Merinita: "Místicos feéricos com afinidades com a natureza. Fundada pela sangue de
fada Lady Merinita da Floresta, a Casa declinou após muitos de seus membros ilustres
desaparecerem nos Outros Mundos. Incluída em Ex Miscellanea desde 1300, outrora por
cima, agora por baixo."
8. Casa Quaesitor: "Juízes e legisladores, delegados empossados por Mestre Guarnicus e
Trianoma para fazer cumprir a ordem dentro da Ordem. Ainda ativa, mas desgastada por anos
de vigilância e equívocos”.
9. Casa Tremere: "Mestres carismáticos do domínio e intriga, reunidos em culto de
personalidade ao redor de Lorde Tremere. Após dominar a Ordem em seus primeiros anos, a
Casa Tremere voltou a Ordem contra a Casa Diedne, talvez para ocultar seus próprios
envolvimentos com o vampirismo. Julgada exterminada na Idade Média, mas muito viva... ou
morta-viva, como estava... hoje.”.
10. Casa Tytalus: "Devotos da Suprema Vontade, reunidos pelo bélico Mestre Tytalus para
desafiar outros magos. Sempre poderosa, a Casa agora jaz em ruínas após a Segunda Guerra
Massassa.”.
11. Casa Verditus: "Artesãos mestres que fizeram dispositivos maravilhosos. Fundada por
Verditius, que nunca dominou um único feitiço, a Casa prosperou durante a Renascença, caiu
em desgraça durante a Revolução Industrial, e se tornou bastante poderosa hoje.”.
12. Casa Ex Miscellanea (fundada em 817): "Uma coleção de várias tradiçoes "exóticas", fundada
por Pralix bani Tytalus décadas após a Pax Hermetica. Frequentemente um terreno de despejo
para Casas velhas, e poço de procriação para Casas novas.”.

CASAS NOVAS

13. Casa Fortunae (fundada em 1910): "Videntes e necromantes, fundada dentro de Ex


Miscellanea por Hassam al Jadidi ibnu Faridi no início do século XX e promovida ao status
de Casa completa em 1936."
14. Casa Golo (1171 – 1188): "Precursores dos Filhos do Éter, fundada dentro de Ex Miscellanea
por Lorenzo Golo para promover a ciência mágica. Quando Golo deixou a Ordem em 1188,
os membros da Casa se mudaram para a primitiva Ordem da Razão, ou se juntaram a
Bonisagus e Verditius.”.
15. Casa Hong Lei (2000): "Ritualistas chineses descendentes dos Wu Lung. Fundada por Hsiao
Kuei, e atualmente sob estágio probatório."
16. Casa Janissary (1700-2001): "Temíveis magos de guerra árabes/turcos. Fundada por Dincer
Albayrak, e outrora muito influente, Janissary foi aleijada pela Conflagração de Doissetep e
Varrida durante a Segunda Guerra Massassa59.”.
17. Casa Luxor (1872-1936): "A primeira casa americana, fundada para explorar o território
comum entre ciência, espiritualidade e religião. Fundada por Max Theon e Paschal Beverly
Randolf (o primeiro Mestre Hermético negro); mais tarde aleijada pela Grande Depressão e
incorporada aos Filhos do Éter.”.
18. Casa Ngoma (2001): "Altos ritualistas descendentes da aspirante a Tradição africana. Fundada
dentro da Ordem por Alyissha Abadeet, mas enraizada em 1300.”.
19. Casa Shaea (1412/1982): Mestres da linguagem e da comunicação, baseada no antigo Egito.
Aceita em Ex Miscellanea em 1412, formalmente admitida com Maraksha Kashaf em 1982."
20. Casa Skopos (2000): "Pequena seita dedicada à realidade do quantum; fundada por Spiro
Hatzis, Skopos tem um punhado de membros e muito potencial.”.
21. Casa Solificati (1315/1999): "Alquimistas supremos, originalmente fundada em 1315 por Luis
Tristan de Varre como um grupo independente. Após uma longa e diversificada história, eles
se juntaram à Ordem em 1999.".
22. Casa Tharsis (1522-1897): "Magos da tempestade com base em torno da água, clima e
viagens marítimas. Fundada por Samuel Nash (também conhecido como Mestre Tharsis), a
Casa prosperou durante as eras Exploradora e Colonial. Varrida pela Ordem devido à
corrupção diabólica.”.
23. Casa Thig (1846-1999): “Futuristas descontentes, reunidos por Joseph Ryelander. Aleijada
após a Conflagração de Doissetep e a Guerra de Concórdia. Dados a meditação, fundaram a
Casa Xaos em 2001.".
24. Casa Validas (1557-1700): "Fundada por "Edward, o Brilhante" Validas, a Casa desfrutou de
sucesso durante o reino de Elizabete, mas foi dizimada pela Catástrofe de Nasby. Repudiada
por diabolismo, Validas se tornou uma seita Infernal que pode ainda estar ativa na Inglaterra
rural."
25. Casa Xaos (2001): "Magos do caos Neodiscordianos60, fundada por Kallisti a partir das ruínas
da Casa Thig, considerada uma piada pela maioria dos Herméticos.”.
26. Casa Ziracah (1327-1780): "Mestres da Ars Cupiditae, fundada por Lady Alimont Ziracah,
mais tarde associada a Edward Kelly. Enfraquecida durante a Catástrofe de Nasby, foi
destruída quando os sobreviventes entraram em conflito com o Rei George III.”.
59
Guerra entre Magos e Vampiros.
60
Novos “adeptos” da discórdia.
Compreendendo cada Casa em uma visão sincrônica, podemos verificar apenas
características individuais, identificando, mesmo em um recorte pontual do tempo, o jogo de
poder frequente dentro da própria Ordem. Todavia, identificamos com mais eficiência esse
jogo de poder ao observar a linha do tempo Hermética a luz diacrônica, em que se observa,
não somente individualidades, mas pontos de aproximação e afastamento durante a
construção da crença da Ordem, que caminha juntamente a conspeção politico-estrutural.
Vale ressaltar que a Ordem se interessa em padronizar todos os elementos que a
cercam, semelhantes a "antiga Ordem da Razão" ou atual União Tecnocrática. Contudo, o
ponto chave para poder diferenciar a Ordem da União é simples: A Ordem acredita e defende
que cada ser pode acreditar no que quiser, sendo a premissa máxima da união de todas as
tradições mágicas, mesmo que haja discordância interna. Já para a União essa premissa é
inaceitável e ilógica, sendo que tomaram para si a obrigação de definir o que é saudável para
os seres humanos seguirem ou acreditarem, sendo direcionados apenas por fatos controláveis.
É interessante observar que a Ordem se organiza por etapas, ou melhor, níveis
hierárquicos, tornando-a vasta e singular a cada corredor. A relação de cada membro para
com o mito originário é diferente. Entretanto, na organização em que se encontram no século
XXI, os próprios magos passaram a se preocupar com assuntos ligados a Ordem em si,
deixando a desejar no que se refere à Tradição propedêutica.
Ao dialogar com Eliade61 (2008, p.164) nos deparamos com o conceito de Homo
Religiosus que tenta englobar o comportamento dos sujeitos que possuem contato com
religiões, quaisquer que sejam. Também, o mesmo autor, denomina que os que não
compartilham o pensamento de fé, o religioso, enquadram-se na categoria de Homem a-
religioso e assumem “uma nova situação existencial: reconhece-se como o único sujeito e
agente da História e rejeita todo apelo à transcendência”.
Retornando a Ordem, claramente, podemos identificar o pensamento Hermético como
religioso, enquadrando todos os componentes da Ordem como Homens Religiosos. De acordo
com Eliade

o homem religioso assume um modo de existência específica no mundo, e, apesar do


grande número de formas histórico-religiosas, este modo específico é sempre
reconhecível. Seja qual for o contexto histórico em que se encontra, o homo

61
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. 2ª Ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2008, p.164.
religiosus acredita sempre que existe uma realidade absoluta, o sagrado, que
transcende esse mundo, que aqui se manifesta, santificando-o e tornando-o real. Crê,
além disso, que a vida tem uma origem sagrada e que a existência humana atualiza
todas as suas potencialidades na medida em que é religiosa, ou seja, participa da
realidade.62

Verificamos, no cenário de M.A, um claro vínculo com essa contraposição de


posicionamentos de crença. Enquanto o Homem Religioso busca se afirmar através de sua
crença e do direito de acreditar em sua própria vontade, de acordo com Eliade (2008, p.166)
"o homem a-religioso se constitui por oposição a seu predecessor, esforçando-se por se
“esvaziar” de toda religiosidade e de todo significado trans-humano. Ele reconhece a si
próprio na medida em que se 'liberta' e se “purifica” das “superstições” de seus antepassados."
Esse comportamento ocorre em diversos momentos no cenário, e compreendemos que
o este expõe o comportamento do ser humano em perspectiva diacrónica. Ao analisar a linha
do tempo do ser humano, vemos que sempre houve crenças e a discordância das crenças.
Entretanto, nem sempre existiu o comportamento a-religioso demonstrado por Eliade. Esse
comportamento compõe uma transformação de comportamento na sociedade moderna.
Concluindo, o comportamento religioso apresentado na Ordem de Hermes demonstra,
claramente, uma gama da sociedade que, independente de classe social ou qualquer outro
fator, revela sua vontade, ou melhor, necessidade de viver o mágico a sua maneira. Já o
comportamento a-religioso demonstra o homem moderno e dicotômico que tenta se formar
enquanto sujeito negando as origens míticas e libertando-se de todo significado trans-humano.

REFERÊNCIAS

BRUCATO, Phil et al. Mago: A Ascensão. 3 ª Ed. São Paulo: Devir, 2000.
DIPESA, Stephen Michael. BRUCATO, Phil. Livro de Tradição: Ordem de Hermes. São
Paulo: Devir, 2003.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Trad. Rogério
Fernandes. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 1 ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1972.
LIRA, David. A Sacralidade do Corpus Hermeticum: Comunicação Divina e Humana nos
Textos Herméticos. In: CONGRESSO INTERNACIONAL EM CIÊNCIAS DA

62
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. (2008, p.164)
RELIGIÃO, 5; SEMANA DE ESTUDOS DA RELIGIÃO, 12, 2011, Goiânia - GO.
RELIGIÃO, TRANSFORMAÇÕES CULTURAIS E GLOBALIZAÇÃO. Goiânia: PUC
Goiás, 2011.
CORPUS HERMETICUM. Atribuído ao Grande Hermes Trismegisto. In:
http://www.luzdegaia.org/downloads/livros/diversos/Corpus_Hermeticum_Hermes_Trimegist
o.pdf , acesso em 10 de Agosto de 2015.

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