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FACULDADE ÚNICA

DE IPATINGA

HISTÓRIA DA FILOSOFIA
ANTIGA, MEDIEVAL E DO
BRASIL
JORGE BENEDITO DE FREITAS TEODORO
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conteúdo aplicado ao longo do livro, você irá encontrar ícones ao lado dos
textos. Eles são para chamar a sua atenção para determinado trecho do
conteúdo, cada um com uma função específica, mostradas a seguir:

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UNIDADE

MITO E CULTURA GREGA

1.1 MITOLOGIA GREGA: TEOGONIA E NARRATIVAS DE ORIGEM


01
UNIDADE
A mitologia grega surge do imperativo de entendimento da natureza. Diante

01
do tamanho avassalador do natural, o sujeito compreende a necessidade da
diminuição da distância entre o homem e o natural e, consequentemente, inicia um
processo de superação do medo inicial da natureza. Portanto, as narrativas
mitológicas possuem a função inicial de superação do medo do desconhecido, isto
é, de superação do medo originário proveniente da natureza. Tal superação ocorre,
sobretudo, com a antropomorfização dos poderes naturais, em outros termos, são
conferidas à natureza características físicas e psíquicas típicas do ser humano, por
exemplo, os deuses se enfurecem, sentem-se enciumados, sofrem e desejam como
os seres humanos.
A mitologia configura-se como uma atividade inventiva de caráter
narrativo/literário que procura fornecer os primeiros princípios organizacionais do
mundo, da realidade e, sobretudo, da natureza para os seres humanos constituírem-
se enquanto seres sociais e, deste modo, iniciarem o processo de significação do
mundo e das coisas.
Karl Kerényi (2015, p. 12) aponta que a “mitologia precisa transcender o
indivíduo, e precisa exercer sobre os seres humanos um poder que tenha influência
sobre a alma e enche-a de imagens”, isto é, como atividade inventiva, a mitologia
supera o caráter individual da narração e dirige-se à vida social dos seres humanos
em aspectos práticos e espirituais, preenchendo os recônditos da vida humana com
histórias (mythoi) plenas de significações.
Em sua plenitude de significações e de relações diretas com as organizações
sociais dos seres humanos em contato com a natureza, a mitologia institui-se como
uma religião politeísta, em outros termos, como uma organização religiosa dotada
de um panteão de deuses e deusas, ou conforme compreendida por Yuval N. Harari,
em “Sapiens”, como a ideia de que:

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[...] o mundo era controlado por um grupo de deuses poderosos,
como a deusa da fertilidade, o deus da chuva e o deus da guerra. Os
humanos podiam rogar a esses deuses, e os deuses podiam, se
recebessem devoções e sacrifícios, dignar-se a trazer chuva, vitória e
saúde (HARARI, 2017, p. 221).

Nesse sentido, não havia nenhum aspecto da vida grega que não fosse
regido pela relação ritualística com os deuses, ao passo que, a figura do poeta (o
rapsodo) institui-se como o narrador, o intérprete e o tradutor da mensagem divina
para os demais seres humanos.
É justamente o poeta inspirado pelas musas que narra o mito e,
consequentemente, aquele que possui uma relação de proximidade com os deuses
algo que, por sua vez, lhe confere uma aura de autoridade. Tal autoridade se dá na
atividade da narração pública do mito, fazendo deste um discurso compartilhado
entre o narrador e os ouvintes. Diante disso, é de suma importância frisar que a
narrativa mitológica se constitui enquanto uma narrativa oral, ou seja, no espaço
comunitário preenchido pela oralidade.

Figura 1: O Rapsodo (490 a.C. – 480 a.C.) – British Museum

Fonte: Gonçalves e Batista (2017)

Trata-se, portanto, de uma troca de escuta entre o poeta e o ouvinte, partindo


do pressuposto que o poeta, inspirado, possui acesso à verdade dos deuses. Frente a
tal destinação, a palavra de autoridade do poeta organiza a vida e a sociedade
grega em torno dos deuses e das atividades ritualísticas que conferem, ao fim e ao
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cabo, a segurança necessária para a consolidação da organização comunitária
grega.

Ademais, em um período anterior à escrita, o poeta (o sábio) repassa, através


das narrativas mitológicas, o segredo do religioso, isto é, torna pública a “descoberta
de uma realidade superior que ultrapassa em muito o comum dos homens”
(VERNANT, 2002, p. 58), que, consequentemente, atua diretamente na consolidação
do imaginário político-social do sujeito grego.
Com efeito, devido às suas atribuições organizadoras e funções de
conhecimento da natureza, a mitologia figura como a principal narrativa do
nascente mundo grego. Ademais, a mitologia compreende que os “homens, a
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divindade e o mundo formam um universo unificado, homogêneo, todo ele no
mesmo plano” (VERNANT, 2002, p. 110) e, para tanto, são tecidas narrativas que
buscam configurar o surgimento e a ordenação inicial do cosmo, as cosmogonias.
A Teogonia, do poeta Hesíodo (750 a.C. – 650 a.C.), destaca-se como uma das
mais importantes cosmogonias, justamente por fornecer a imagem do surgimento do
mundo e a organização dos poderes naturais sob a tutela de Zeus, o maior dos deuses
olímpicos.
Trata-se da narrativa mitológica que apresenta a superação inicial do caos
com o surgimento dos elementos primordiais Uranos (o céu) e de Gaia (a terra) e, a
consequente superação de Uranos e Gaia pelos seus filhos: os Titãs, compreendidos
como forças naturais essenciais, tendo Cronos (o tempo) à frente dos poderes da
natureza e, finalmente, a instituição de Zeus como o regente de uma nova ordem
cósmica.
Como ordenador autoritário, Cronos devora seus filhos (os futuros deuses
olímpicos) com a finalidade de impedir que algum deles lhe tome o seu trono.
Contudo, Reia, esposa de Cronos, descontente com a situação, entrega a Cronos
uma pedra envolta em trapos no lugar de seu filho Zeus, escondendo o mesmo em
uma caverna. Após passar anos escondido em uma caverna, Zeus, já adulto, retorna
e desafia Cronos, libertando seus irmãos, Hades e Poseidon e, consequentemente,
dando início à Titanomaquia, ou seja, a guerra entre os deuses e os titãs.

Figura 2: Zeus fulmina os titãs (1533) – Perin del Varga

Fonte: Wikimedia Commons

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A vitória dos deuses olímpicos, sob o comando de Zeus, não instaura tão
somente uma nova ordem cósmica, mas, sobretudo, ela destaca o
surgimento de um mundo novo no qual as forças primordiais da natureza
encontram-se dominadas e, para tanto, segundo Vernant (2002), torna-se
possível avistar os processos de racionalização que, posteriormente, atuarão
sobre a natureza dominando-a e instrumentalizando-a segundo os desígnios
do logos.

1.2 AS EPOPEIAS1 HOMÉRICAS

Homero (850 a.C.) é o autor de duas das grandes narrativas fundadoras


do pensamento e da cultura ocidental, a “Ilíada” e a “Odisseia”. As narrativas
homéricas possuem um valor pedagógico, isto é, fornecem ao cidadão grego
modelos educacionais para a vida social, principalmente, ao ressaltar
exemplos heroicos de coragem e de astúcia, virtudes determinantes para o
sujeito da Grécia Clássica.

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Para Jaeger (1994), as poesias de Homero destacam a vasta e complexa
formação educacional do grego e, consequentemente, contribuem para a
fundamentação da sociedade arcaica enquanto categorias fundamentais “da vida
e do pensamento”. Deste modo, a Ilíada e a Odisseia conferem referências
fundamentais para a formação do sujeito, revelando configurações das relações
sociais na Grécia Clássica.

A estrutura da poesia homérica apresenta uma caraterística determinante das


narrativas míticas gregas, a saber: a ausência de separação entre o mundo dos
deuses e o mundo dos homens. Assim, deuses, deusas, homens e mulheres dividem a
mesma realidade, isto é, caminham entre si, relacionam-se entre si e, de modo
magistral, dividem o mesmo campo de batalha, conforme tematizado na epopeia
Ilíada.
Na Ilíada, Homero narra os últimos anos da Guerra de Troia, representando os
feitos do herói e semideus Aquiles. A ocasião da guerra possui profundas raízes
mitológicas, pois é motivada por uma disputa entre as deusas Atena, Hera e Afrodite
para determinar qual delas era a deusa mais bela. Tal disputa é solucionada por um
mortal, Páris, um pastor de ovelhas que, mais tarde, irá se revelar como um príncipe
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troiano marcado por uma funesta profecia.
Afrodite, a vencedora da disputa, confere a Páris, como prêmio por tê-la
escolhido, o amor da mulher mais bela, Helena de Troia. Contudo, Helena é esposa
de Menelau, irmão de Agamenon, o maior dos reis da Grécia. Diante da fuga de
Helena e de sua chegada à Troia como amante de Páris, Agamenon e Menelau
convocam os heróis e reis da Grécia, entre eles estão Aquiles e Ulisses (ou Odisseu),
que partem rumo à Guerra em Troia. Por anos a fio, a guerra se desenrola
demonstrando os embates entre gregos e troianos e, por vezes, entre os próprios
deuses que possuem os seus protegidos nos campos de batalha. Aquiles, por sua vez,
situa-se como o indomável guerreiro armado com armadura e armas divinas, que
atinge o seu clímax ao vingar o seu amante Pátraclo derrotando Heitor, o príncipe e
o principal guerreiro de Tróia.

Figura 5: Aquiles derrota Heitor (1630) – Peter Paul Rubens

Fonte: Wikimedia1

A narrativa homérica deposita em Aquiles o modelo da excelência (aretê) na


atividade da guerra, dando a margem para compreendermos o semideus grego
como um dos modelos de virtude apresentados na “Ilíada”. Ademais, a narrativa
encerra-se com os jogos funerais de Heitor após ter o seu corpo recuperado pelo seu
pai e rei de Troia, Príamo.
Na “Odisseia”, por sua vez, Homero narra a tentativa de Ulisses (Odisseu) de
retornar à Ítaca e rever sua esposa Penélope e seu filho Telêmaco. O herói da

1Disponívelem:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Peter_Paul_Rubens_-_Achilles_slays_Hector.jpg, acessado
em 06/02/20.
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“Odisseia” difere de Aquiles, herói da Ilíada, uma vez que Ulisses é um simples mortal
sem relação imediata com os deuses. Entretanto, o mundo de Ulisses também se
entrelaça ao mundo dos deuses, pois, sua sina se dá, justamente, pelo seu desdenho
com relação aos deuses olímpicos.
Na areia das praias de Troia encontra-se um cavalo de madeira, plano bolado
pelo astuto Ulisses para, finalmente, derrotarem a cidade, uma vez que as suas
muralhas se fazem impenetráveis. Dentro do cavalo há uma série dos melhores
guerreiros gregos. Interpretado como uma oferenda logo após Poseidon, o deus dos
mares, enviar um monstro marinho para dar cabo do sacerdote que aconselhava o
soberano de Troia a incendiar o cavalo, o “presente de grego” é levado para dentro
da cidade troiana. No cair da noite, os guerreiros saem do cavalo, abrem os portões
de Troia e, finalmente, a cidade é destruída.
Ulisses, motivado pela genialidade de seu plano, renega os deuses e coloca-
se como, de fato, o vencedor de Troia. Nesse ínterim, Poseidon amaldiçoa Ulisses e
sentencia-o a vagar no mar sem ser capaz de retornar à Ítaca, seu reino. Após vagar
anos a fio e enfrentar as intempéries do mar, os ciclopes, as feiticeiras, enganar as
sereias e todos os perigos que os deuses colocaram em seu caminho, Ulisses, com a
ajuda de Atena, consegue retornar à sua cidade, libertar Penélope e, retomar o seu
reinado.
Para o pensador Theodor W. Adorno, o personagem de Ulisses tem um
significado muito importante para a filosofia, pois, ele exemplifica a chegada da
racionalidade como superação dos saberes mitológicos na resolução dos
problemas. Adorno afirma que a astúcia de Ulisses antecipa a busca do humano
pela tentativa de colocar-se acima da natureza e, consequentemente, dominá-la,
conforme ocorre, por exemplo, no episódio das sereias, narrado na Odisseia. Ali, com
a sua racionalidade, Ulisses domina o mito (o natural) ao ser capaz de escutar o
canto das sereias sem ser arrastado para o fundo do mar.

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Figura 6: Odisseu fugindo da caverna de Polifemo (1593–1678) - Jacob Jordaens

Fonte: Arquivo do autor

1.3 AS TRAGÉDIAS GREGAS

Compreendidos como produtores de cultura, os gregos destacam-se, além


da proeminência de suas narrativas mitológicas, pela invenção da tragédia, isto é,
com a invenção de uma arte imitativa (mimética) composta da representação
teatral verossímil de acontecimentos, de mitos, da vida régia, de intrigas e de
desenvolvimentos comunais da vida grega.
Com efeito, a composição da tragédia grega, costumeiramente, relaciona-
se com a mitologia como “fonte de criação artística” (OLIVEIRA). Contudo, o
dramaturgo possuía a liberdade da invenção e da modificação, conferindo,
portanto, uma nova roupagem ao mito e, consequentemente, inovando a leitura
mítica ao transmutá-la em diferentes versões.
A tragédia relaciona-se, diretamente, com o modo de ser do grego, pois se
trata da imitação da sua relação direta com a natureza e do modelo
ritualístico/divino que propõe a afinidade com os deuses. Ademais, a tragédia
acentua o seu caráter de orientação da vida do sujeito, uma vez que,
primitivamente, ela institui modelos de organização, liturgia e justiça para o ser
humano grego. Inclusive, para Aristóteles, na Poética, a tragédia, ao fornecer
possibilidades ordenatórias, é capaz de, através da representação teatral,

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proporcionar que o sujeito se reconheça na peça e, consequente, realize a catarse,
isto é, purifique/purgue os sentimentos tortuosos que não são saudáveis para a vida
social.
Como o mais famoso gênero da literatura grega, a tragédia revela as
peripécias do herói para a fuga impossível das determinações pré-estabelecidas
pelas profecias do destino (as Moiras). Nesse sentido, os dramaturgos Sófocles, autor
de “Édipo Rei”, e Eurípedes, autor de “Medeia”, destacam-se como os grandes
autores trágicos da Grécia Clássica.

Figura 7: Jasão e Medeia (1907) - John William Waterhouse

Fonte: Arquivo do autor

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FIXANDO O CONTEÚDO

1. Leia os textos e responda o que se segue (Fonte: Filosofia na Escola – Adaptado).


Para a mitologia grega […] “Zeus ocupa o trono do universo. Agora o mundo está
ordenado. Alguns deuses disputaram entre si, alguns triunfaram. Tudo que havia
de ruim no céu etéreo foi expulso, ou para a prisão do tártaro ou para a terra,
entre os mortais. E os homens, o que aconteceu com eles? Quem são eles?”
VERNANT, J. O universo, os deuses, os homens. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

A ordem, em todas as suas acepções, é o grande objeto do espanto filosófico.


Causam maravilhamento a ordem das leis naturais que a ciência descobre, a ordem
manifesta nas proporções e harmonias da obra de arte e a ordem das ações justas
na vida moral e política da sociedade. Antes da filosofia, os mitos já expressavam
esse maravilhamento, porém, com diferenças importantes.

Sobre esse assunto, é correto afirmar que o mito:


a) enuncia de modo argumentativo a escala de valores de uma sociedade pré-
crítica.
b) estabelece parâmetros de abordagem dos fenômenos naturais sobre bases
estritamente lógicas, como o princípio de não contradição.
c) busca explicações suficientes sobre o lugar do homem no mundo, apelando ao
sagrado.
d) possui uma grande densidade teológico-moral, dando a cada membro do grupo
autonomia para decidir e atuar sem limites objetivos.
e) representam o conhecimento verdadeiro, logocêntrico e afastado do natural.

2. (UNIFOR CE) A religião na Grécia Antiga apresentou como características o:


a) Zoomorfismo, o monoteísmo e o totemismo.
b) Salvacionismo, o antropomorfismo e o messianismo.
c) Asceticismo, a mitologia e o animismo.
d) Antropomorfismo, o politeísmo e a mitologia.
e) Animismo, o salvacionismo e o misticismo.

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3. Leia o texto abaixo e responda o que se segue (Fonte: Filosofia na Escola –
Adaptado).
“ (…) Assim, a magia e a mitologia ocupam a imensa região exterior do
desconhecido, englobando o pequeno campo do conhecimento concreto
comum. O sobrenatural está em todas as partes, dentro ou além do natural; e o
conhecimento do sobrenatural que o homem acredita possuir, não sendo da
experiência direta comum, parece ser um conhecimento de ordem diferente e
superior. É uma revelação acessível apenas ao homem inspirado ou (como diziam
os gregos) ‘divino’ — o mágico e o sacerdote, o poeta e o vidente”.
CORNFORD, F.M. Antes e Depois de Sócrates. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

A partir do texto acima, é correto afirmar que:


a) o campo do conhecimento mítico limita-se ao que se manifesta no campo
concreto comum.
b) a magia e a mitologia não se confundem com o conhecimento concreto comum.
c) o conhecimento no mito, por ser uma revelação, é acessível igualmente a todos
os homens.
d) o mito não distingue o plano natural do sobrenatural, sendo o conhecimento do
sobrenatural superior narrado pelo poeta.
e) o mito é narrado pelo filósofo e, portanto, tem compromisso direto com a
verdade.

4. Para Adorno, Ulisses, da “Odisseia”, exemplifica:


a) o fortalecimento do mito diante do humano.
b) a reverência aos deuses e deusas do politeísmo grego.
c) a elevação da racionalidade como superação do mitológico.
d) o mitológico como superior à racionalidade.
e) o homem irracional como sujeito central das narrativas mitológicas.

5. Na “Ilíada”, de Homero, o mundo dos deuses e dos seres humanos se mistura.


Diante disso, o herói Aquiles destaca-se, sobretudo:
a) como modelo da excelência na atividade da guerra e de virtude.
b) como modelo de covardia e, portanto, afastado dos deuses.
c) como modelo de excelência na atividade da argumentação.
d) como modelo de narrador virtuoso.

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e) como modelo de racionalidade orientada em direção à superação do mito.
6. UNICENTRO (Adaptado).
“Os poemas homéricos têm por fundamento uma visão de mundo clara e
coerente. Manifestam-na quase a cada verso, pois colocam em relação com ela
tudo quanto cantam de importante – é, antes de mais nada, a partir dessa relação
que se define seu caráter particular. Nós chamamos de religiosa essa cosmovisão,
embora ela se distancie muito da religião de outros povos e tempos. Essa
cosmovisão da poesia homérica é clara e coerente. Em parte alguma ela enuncia
fórmulas conceituais à maneira de um dogma; antes se exprime vivamente em tudo
que sucede, em tudo que é dito e pensado. E embora no pormenor muitas coisas
resultem ambíguas, em termos amplos e no essencial, os testemunhos não se
contradizem. É possível, com rigoroso método, reuni-los, ordená-los, fazer-lhes o
cômputo, e assim eles nos dão respostas explícitas às questões sobre a vida e a
morte, o homem e Deus, a liberdade e o destino (…). ”
OTTO. Os deuses da Grécia: a imagem do divino na visão do espírito grego. São Paulo: Odysseus
Editora, 2005.

Com base no texto, e em seus conhecimentos sobre a função dos mitos na Grécia
arcaica, assinale a alternativa correta.
a) De acordo com os poemas homéricos, os deuses em nada poderiam interferir no
destino dos humanos e, assim, a determinação divina (ananque) se colocava em
segundo plano, uma vez que era o acaso (tykhe) quem governava, isto é, possuía
a função de ensinar ao homem o que este deveria escolher no momento de sua
livre ação.
b) As poesias de Homero sempre mantiveram a função de educar o homem grego
para o pleno exercício da atividade racional que surgiria no século VI a.C., uma
vez que, de acordo com historiadores e helenistas, não houve uma ruptura na
passagem do mito para o logos; mas, sim, um processo gradual e contínuo de
enraizamento histórico que culminou no advento da filosofia.
c) Os mitos homéricos serviram de base para a educação, formação e visão de
mundo que o homem grego arcaico possuía. Em seus cânticos, Homero justapõe
conceitos importantes como harmonia, proporção e questionamentos a respeito
dos princípios, das causas e do porquê das coisas. Embora todas essas instâncias
apresentavam-se como tal, os mitos não deixaram de lado o caráter mágico,
fictício e fabular em que eram narrados.
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d) O mito já era pensamento. Ao formalizar os versos de sua poesia, Homero inaugura
uma modalidade literária bem singular no Ocidente. As ações dos deuses e dos
homens, por exemplo, sempre obedeceram a uma ordem pré-estabelecida, a
qual sempre revelou uma lógica racional em funcionamento.
e) Os mitos tiveram função meramente ilustrativa na educação do homem grego,
pois o caráter teórico e abstrato da cultura grega apagou em grande parte os
aspectos que se revelariam relevantes na poesia grega.

7. As tragédias gregas se caracterizam como:


a) um modo artístico que não apresenta relação com a vida do grego.
b) uma arte mimética que faz parte do modo como o grego organizava o seu
mundo.
c) uma arte racional e, consequentemente, distante do mitológico.
d) uma arte mimética de caráter desvinculado da Cidade-Estado.
e) uma arte mimética não semelhante à realidade, em outros termos, inverossímil.

8. UNIMONTES (Adaptado) Leia o texto e responda ao que se segue:


“Cada indivíduo deve encontrar um aspecto do mito que se relacione com sua
própria vida. Os mitos têm basicamente quatro funções. A primeira é a função
mística – e é disso que venho falando, dando conta da maravilha que é o
universo, da maravilha que é você, e vivenciando o espanto diante do mistério.
Os mitos abrem o mundo para a dimensão do mistério, para a consciência do
mistério que subjaz a todas as formas. Se isso lhe escapar, você não terá uma
mitologia. Se o mistério se manifestar através de todas as coisas, o universo se
tornará, por assim dizer, uma pintura sagrada. Você está sempre se dirigindo ao
mistério transcendente, através das circunstâncias da sua vida verdadeira. A
segunda é a dimensão cosmológica, a dimensão da qual a ciência se ocupa,
mostrando qual é a forma do universo, mas fazendo-o de uma tal maneira que o
mistério, outra vez, se manifeste. Hoje, tendemos a pensar que os cientistas detêm
todas as respostas. Mas os maiores entre eles dizem-nos: “Não, não temos todas
as respostas. Podemos dizer-lhe como a coisa funciona, mas não o que é”. Você
risca um fósforo. O que é o fogo? Você pode falar de oxidação, mas isso não me
dirá nada. A terceira função é sociológica – suporte e validação de determinada
ordem social. E aqui os mitos variam tremendamente, de lugar para lugar. Você

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tem toda uma mitologia da poligamia, toda mitologia da monogamia. Ambas
satisfatórias. Depende de onde você estiver. Foi essa função sociológica do mito
que assumiu a direção do nosso mundo – e está desatualizada. A quarta função
do mito, aquela, segundo penso, com que todas as pessoas deviam tentar se
relacionar – a função pedagógica, como viver uma vida humana sob qualquer
circunstância. Os mitos podem ensinar-nos isso. ”
CAMPBELL, J. O Poder do Mito. São Paulo: Palas Athenas, 1990.

Podemos afirmar que:


a) o mito é uma experiência singular que continua dando sentido à existência
humana.
b) os mitos pertencem somente a comunidades pouco evoluídas.
c) o mito morreu e não diz mais nada para a sociedade.
d) não necessitamos dos mitos e eles são ultrapassados.
e) o mito não foi capaz de se firmar como um universo simbólico.

17
O SURGIMENTO DO LOGOS UNIDADE

2.1 DO MITO AO LOGOS


02
UNIDADE
A passagem do mito ao logos caracteriza a chegada da razão como modelo

02
lógico, crítico, reflexivo e sistemático de compreensão/organização do mundo e da
natureza. Trata-se, portanto, da eleição do logos (da racionalidade) como motor
explicativo da realidade e, consequentemente, da superação da narrativa
mitológica em seu papel de organização/conhecimento do mundo.
Tem-se, deste modo, a consideração por um outro modo de conhecimento
que, diferentemente da narrativa oral mitológica, adota como fundamento a busca
pela verdade das coisas. Assim, o descompromisso mítico com a verdade, isto é, a
consolidação de um saber desvinculado dos processos lógicos de compreensão da
realidade, é superado pela construção de uma teoria (de um logos / de uma lógica)
cujo principal direcionamento é o de fornecer aspectos racionalmente construídos
para obtenção do conhecimento do mundo, da natureza e das coisas.
Segundo Chauí (2016, p. 33),

A filosofia se constitui quando alguns gregos, insatisfeitos com as


explicações sobre a realidade dadas pela tradição por meio dos
mitos, começam a fazer perguntas e buscar respostas para elas.
Admirados e espantados com a realidade, demonstram que os seres
humanos e as coisas da natureza podem ser conhecidos pela razão
humana, e que a própria razão é capaz de conhecer a si mesma.

Diante da insuficiência das explicações fornecidas pela tradição mitológica,


o logos (a razão) se instaura como a capacidade racional de explicar aquilo que a
mitologia não é capaz; ou melhor, para o grego, as explicações míticas,
descompromissadas com a verdade, tornam-se incapazes de fornecer a ele os
critérios determinantes para a sua organização política, social e cultural. Soma-se a
isso a rápida expansão territorial grega (como, por exemplo, o surgimento das
cidades de Mileto e de Éfeso, na Ásia menor) motivada, principalmente, por novas
determinações e laços econômicos. Ademais, o fortalecimento do comércio aliado

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ao conhecimento de novas culturas exige da sociedade grega a formulação de
novos modos de compreensão do mundo e da realidade.
Faz-se necessária, portanto, a eclosão de um novo modo de organização do
mundo e, finalmente, tal modelo é fornecido pela razão filosófica enquanto um
conjunto de conhecimentos e procedimentos reflexivos racionalmente orientados,
em outros termos, saberes e regras sistematizadas através da razão e do sujeito.

Ademais, diferentemente do saber mítico que não se preocupava com o teor


de verdade presente nos elementos mágicos, fabulosos ou, até mesmo, com as
contradições de seu discurso, o logos filosófico assenta-se, sobretudo, na
sistematicidade universal dos procedimentos racionais de busca pela verdade que,
ao fim e ao cabo, irá promover uma desconstrução do imaginário mítico e,
principalmente, da autoridade divina da palavra do poeta (do sábio) para propor-
se, como veremos adiante, como um discurso da pólis, ou seja, como uma palavra
de organização política.

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2.2 COSMOLOGIAS: FILOSOFIAS NATURALISTAS

Os primeiros modelos filosóficos de organização do real são fornecidos pelos


pensadores pré-socráticos em relação direta com a natureza, por isso, os pré-
socráticos são denominados como filósofos naturalistas e as suas filosofias são
conhecidas como cosmologias.
As cosmologias são tentativas racionais de organização do cosmos, isto é, o
pensamento racional passa a investigar a origem/natureza do mundo. Nesse
sentido, as filosofias pré-socráticas são as primeiras tentativas racionais de dizer a
origem do mundo a partir da investigação racional/empírica da natureza.
A origem do mundo, segundo a filosofia pré-socrática dá-se, sobretudo,
através da physis, isto é, por meio da compreensão/determinação do princípio
(arché) natural, que confere origem ao mundo e a todas as coisas. Deste modo, a
physis, como propõe Reale (1990), é a natureza em seu sentido originário a partir da
qual toda a realidade provém. Nesse ínterim, todos os filósofos pré-socráticos se
perguntaram sobre a physis procurando, racionalmente, explicá-la.
É interessante ressaltarmos que o surgimento da filosofia, como disciplina que
busca a origem racional do cosmos, não se dá como disciplina isolada do mundo e
dos demais conteúdos do saber humano, mas, pelo contrário, a filosofia alia-se,
principalmente, à matemática e à astronomia no ensejo de dizer as coisas primeiras
e, consequentemente, fundamentar-se como um método de conhecimento de
busca racional da verdade.
Por conseguinte, a originalidade da filosofia, e principalmente do

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pensamento pré-socrático, é a investigação de “princípios únicos a partir dos quais
a natureza como um todo poderia ser constituída e/ou gerada, bem como seus
diversos fenômenos explicados” (POLITO; FILHO, 2013, p. 334). Tais princípios, como
dito anteriormente, encontram-se no conceito de physis, a determinação originária
das coisas.

Figura 10: Alguns filósofos pré-socráticos

Fonte: Arquivo do autor

Diversos são os pensadores denominados de pré-socráticos, cada qual, a seu


modo, buscando conhecer a physis como “elemento imperecível, gerador de todos
os outros elementos naturais, perecíveis” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2003, p. 07). Deste
modo, podemos dar sequência evidenciando os filósofos e seus pensamentos a
seguir.
Tales de Mileto (623 a.C. – 546 a.C.), da Escola de Mileto, foi matemático,
astrônomo, sendo considerado o primeiro filósofo. O pensamento de Tales considera
a água como o princípio natural (ou causa material) do qual tudo surge, em outros
termos, a physis pra Tales é a água. Assim, de acordo com o monismo pensado pelo
filósofo de Mileto, a água se configurava como a substância fundamental (ou
princípio imperecível) da qual todas as outras derivavam. Deste modo, a totalidade
do mundo seria a água, pois, indiscutivelmente, ela estaria presente em todos os
demais compostos.

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Falando ainda dos filósofos pré-socráticos detentores de um pensamento
monista, isto é, da ideia de que através da observação de um elemento da natureza
seria possível determiná-lo como o princípio natural imperecível e originário de todas
as coisas, temos Anaxímenes (588 a.C. – 524 a.C.) que, por sua vez, determinou que
a physis seria o ar.
Pitágoras de Samos (570 a.C. – 490 a.C.), filósofo, astrônomo e matemático,
pensa a physis como uma complexa organização numérica, atribuindo ao número
1 (um) a ideia de origem, isto é, de ponto de partida para a fundação do Universo.
Ademais, o pensamento pitagórico oferece contribuições determinantes não
apenas para a consolidação da geometria (o teorema de Pitágoras) e da filosofia,
mas também acrescenta ao entendimento da música ao descobrir uma nova
escala de tons (a escala pitagórica). Ademais, a influência de Pitágoras pode ser
observada em grandes pensadores futuros, tais como Galileu Galilei e Isaac Newton.

É preciso salientar que, como traço essencial e comum, de acordo com


Ghiraldelli Júnior (2003), “em suas cosmologias”, esses pensadores “tentam encontrar
uma substância única, ou força exclusiva, ou princípio básico capaz de ser
apresentado como elemento efetivamente real e primordial do cosmos”
(GHIRALDELLI JÚNIOR, 2003, p. 08). Diante disso, na tentativa de compreensão da
physis e, consequentemente, da ampliação da filosofia, os pré-socráticos Heráclito
e Parmênides demandam uma atenção especial, como veremos a seguir.

22
Quadro 1: Alguns pensadores pré-socráticos e a physis

Pré-socráticos Physis
Anaximandro (610 a.C.-546 a.C.) O infinito / o ilimitado (apeíron)
Empédocles (490 a.C. - 430 a.C.) Terra, fogo, água e ar
Anaxágoras (500 a.C. - 428 a.C.) Sementes, amor e ódio
Demócrito (460 a.C. - 370 a.C.) Átomos
Zenão (490 a.C. - 430 a.C.) Imobilidade
Fonte: Elaborada pelo autor

2.3 HERÁCLITO E PARMÊNIDES

Heráclito de Éfeso (540 a.C. - 470 a.C.) e Parmênides de Eleia (530 a.C. - 460
a.C.) são dois dos mais importantes pensadores pré-socráticos, cujas reflexões vieram
a influenciar toda a filosofia subsequente. Opositores no que diz respeito ao
entendimento da physis, ambos os filósofos determinaram aspectos fundamentais
para o desdobramento da razão como modo de reflexão humana.
Heráclito, o Obscuro, determina o fogo como elemento originário, não em
uma perspectiva monista, conforme pensado por Tales, mas, pelo contrário, o fogo
encontra-se em um movimento perpétuo de purificação e transformação dos outros
elementos. Diante disso, a noção de movimento (devir) assume a primazia do
pensamento heraclitiano.
23
Figura 14: Heráclito (1630) - Johannes Moreelse

Fonte: (MOREELSE, 1602 –1634)

O movimento, segundo Heráclito, é o agente da transformação promovendo,


portanto, uma estrutura natural de eterno devir. Nesse sentido, a seguinte máxima
atribuída à Heráclito funciona como pedra basilar de seu entendimento, revelando
que, para o pré-socrático, “Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois
quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser
já se modificou”. (HERÁCLITO – grifo nosso). Assim, de acordo com Chauí (2002), na
máxima heraclitiana, dividida em fragmentos:
24
[...] expressa-se a ideia mestra de Heráclito, a saber, que o mundo é
mudança contínua e incessante de todas as coisas e que a
permanência é ilusão. Referindo-se a Heráclito, Platão escreveu que
para esse filósofo “tudo flui”, tudo passa, tudo se move sem cessar. O
úmido seca, o seco umedece, o quente esfria, o fio esquenta, a vida
morre, a morte renasce, o dia anoitece, a noite amanhece, a vigília
adormece, o sono desperta, a criança envelhece, o velho se
infantiliza. O mundo é um perpétuo nascer, morrer, envelhecer e
rejuvenescer. Tudo muda, nada permanece idêntico a si mesmo. O
movimento é, portanto, a realidade verdadeira (CHAUI, 2002, p. 81 –
grifo nosso).

Com efeito, para Heráclito, o movimento instaura-se como o verdadeiro


princípio originador da realidade, uma vez que, nada se encontra parado nem
imutável, pelo contrário, a estrutura mesma da realidade, da natureza e do ser
humano é, deste modo, mutável. Tudo, portanto, pode vir-a-ser, pois, compreende-
se em um espaço/tempo dotado de movimentações e mudanças permanentes.
Ressalta-se ainda que o fluxo de movimento e transformação próprio à
realidade do mundo revela a “luta dos contrários” (CHAUÍ, 2002, p. 82), isto é, um
movimento dialético de oposição entre elementos contrários que, ao fim e ao cabo,
irão se harmonizar em um jogo de tensões que revela a realidade como “inquieta e
móvel, tensa, concordante e discordante, e da guerra nasce a ordem ou o cosmos,
equilíbrio dinâmico de forças contrárias que coexistem e se sucedem se cessar”
(CHAUÍ, 2002, p. 82). Em outros termos, Heráclito fala de uma realidade marcada por
um constante movimento de harmonização dos contrários. Dando a entrever,
portanto, que o todo da realidade é composto pela multiplicidade característica de
seu devir constante.
Parmênides, da escola Eleata, em franca oposição ao pensamento de
Heráclito, determina que a physis, o elemento originário, é o ser pensado como
instância essencial, imutável e estática. Deste modo, o “ser é o que permanece
idêntico a si mesmo” (CHAUÍ, 2002, p. 92), ou seja, aquilo que não muda, que não se
transforma, o elemento essencial, a unidade, finalmente: aquilo que é.

25
Quadro 2: O ser segundo Parmênides

O ser é imóvel/imutável.
O ser é eterno/indestrutível.
O ser é uno/unitário.
O ser é indivisível.
O ser é pleno.

Fonte: Adaptado de Chauí. (2002. p. 93-94).

Segundo Parmênides, o pensamento só pode alcançar aquilo que


permanece, isto é, aquilo que se oferece à identidade, em suma, segundo o
pensamento do filósofo Eleata: “o ser é e o não ser não é”. Diante disso, pensar o ser
(dizer a origem) é, portanto, pensar o imutável.

Figura 15: Busto de Parmênides

Fonte: (TOTALLY HISTORY, s.d.)

É com Parmênides que se tem a fundação da disciplina Ontológica como


campo reflexivo sobre a essencialidade do ser enquanto modelo originário imutável.
Assim, compreendida como essencial, a ontologia de Parmênides lança as bases,
como destaca Chauí (2002), para uma condenação/separação entre essência e
aparência. Condenação/separação que, como se sabe, será fundamental ao
pensamento de Platão, pois, de acordo com o pensamento parmenidiano, “o
pensamento puro se afasta da percepção sensorial e o opera por argumentos
lógicos” (CHAUÍ, 2002, p. 93), ou seja, a verdade (alétheia) do ser só pode ser
conhecida por meio do pensamento / da razão.
26
De fato, o pensamento do filósofo de Eleia já aponta para destinações
fundamentais à filosofia vindoura, principalmente, ao salientar a distinção entre a
alétheia, a verdade obtida racionalmente, e a dóxa, a opinião é fundamentada
pelas circunstâncias, para tanto, é mutável/efêmera e perecível ou, como veremos
adiante, diz respeito a um tipo falso de conhecimento provido do senso comum.
Enfim, os pensamentos de Heráclito e de Parmênides influenciaram a toda
uma teoria filosófica que virá a seguir, sobretudo, no que diz respeito às oposições
iniciais entre uma realidade constituída tendo o movimento e a mudança como
bases fundamentais e, em divergência a isso, uma realidade essencialmente
centrada na ideia de um ser imutável/imóvel, do qual todas as coisas provêm.

2.4 FIXA
27
O CONTEÚDO

1. Assinale a questão CORRETA sobre as condições que favoreceram a passagem


do mito ao logos.
a) A suficiência do mito na ordenação da realidade; o surgimento da racionalidade
sistemática; o fortalecimento do comércio; os novos laços econômicos.
b) O surgimento da racionalidade sistemática; a superação do modelo mítico de
ordenação da realidade; os novos laços econômicos; o fortalecimento do
comércio.
c) O surgimento da racionalidade sistemática; o fechamento da Grécia a novos
laços econômicos; a superação do modelo mítico de ordenação da realidade.
d) O fortalecimento do comércio. O surgimento de novos laços mitológicos; o
fechamento a um novo modelo de pensamento. A suficiência do mito na
ordenação da realidade.
e) A superação do modelo mítico de ordenação da realidade; o fechamento do
comércio. O surgimento da racionalidade sistemática; os novos laços
econômicos.

2. A passagem do mito ao logos demarca uma complexa modificação do modo


como os gregos compreendiam o mundo. Assim, com o desencantamento do
mundo, como dirá mais tarde o sociólogo Max Weber, o pensamento
mítico/mágico perde o espaço de organização simbólica para a rigorosidade
do pensamento racional/científico. Diante disso, podemos pensar a palavra da
filosofia do seguinte modo:
a) como uma palavra mágico/mítica de autoridade do sábio perante a realidade.
b) como uma palavra de revelação divina na determinação da realidade.
c) como uma palavra de ordenação racional/política da realidade.
d) como uma palavra composta de fabulações e encantamentos.
e) como uma palavra distanciada da realidade por tratar apenas de temas
metafísicos.

3. Os primeiros modelos filosóficos são denominados de cosmologias. Diante disso,


uma cosmologia é definida como:
a) tentativas de organização do mundo por meio de narrativas orais mitológicas.

28
b) tentativas de organização do cosmos através da palavra poética.
c) tentativas de organização do cosmos por meio da racionalidade separada do
natural.
d) tentativas de organização do cosmos por meio da intervenção dos deuses na
realidade dos seres humanos.
e) tentativas de organização do cosmos por meio da racionalidade a partir da
investigação empírica/racional da natureza.

4. (UEG) – Adaptada
A influência de Sócrates na filosofia grega foi tão marcante que dividiu a sua
história em períodos: período pré-socrático, período socrático e período pós-
socrático. O período pré-socrático é visto como uma época de formação da
filosofia grega, na qual predominavam os problemas cosmológicos. Ele se
desenvolveu em cidades da Jônia e da Magna Grécia. Grandes escolas filosóficas
surgem nesse período e muitos pensadores se destacam.

Entre eles, um jônico, que ficou conhecido como pai da filosofia. Seu nome é:
a) Sócrates de Atenas.
b) Parmênides de Eleia.
c) Heráclito de Éfeso.
d) Tales de Mileto.
e) Demócrito de Abdera.

5. (UEL 2015) – Adaptada


De onde vem o mundo? De onde vem o universo? Tudo o que existe tem que ter
um começo. Portanto, em algum momento, o universo também tinha de ter
surgido a partir de uma outra coisa. Mas, se o universo de repente tivesse surgido
de alguma outra coisa, então essa outra coisa também devia ter surgido de
alguma outra coisa algum dia. Sofia entendeu que só tinha transferido o problema
de lugar. Afinal de contas, algum dia, alguma coisa tinha de ter surgido do nada.
Existe uma substância básica a partir da qual tudo é feito? A grande questão para
os primeiros filósofos não era saber como tudo surgiu do nada. O que os instigava
era saber como a água podia se transformar em peixes vivos, ou como a terra sem
vida podia se transformar em árvores frondosas ou flores multicoloridas.

29
Adaptado de: GAARDER, J. O Mundo de Sofia. Trad. de João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995. p.43-44.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o surgimento da filosofia, assinale a


alternativa correta.
a) Os primeiros filósofos da natureza tinham a convicção de que havia alguma
substância básica, uma causa oculta, que estava por trás de todas as
transformações na natureza e, a partir da observação, buscavam descobrir leis
naturais que fossem eternas.
b) Os pensadores pré-socráticos explicavam os fenômenos e as transformações da
natureza e porque a vida é como é, tendo como limitador e princípio de verdade
irrefutável as histórias contadas acerca do mundo dos deuses.
c) Os teóricos da natureza que desenvolveram seus sistemas de pensamento por
volta do século VI a.C. partiram da ideia unânime de que a água era o princípio
original do mundo por sua enorme capacidade de transformação.
d) A filosofia da natureza nascente adotou a imagem homérica do mundo e
reforçou o antropomorfismo do mundo dos deuses em detrimento de uma
explicação natural e regular acerca dos primeiros princípios que originam todas
as coisas.
e) Para os pensadores jônicos da natureza, Tales, Anaxímenes e Heráclito, há um
princípio originário único denominado o ilimitado, que é a reprodução da
aparência sensível que os olhos humanos podem observar no nascimento e na
degeneração das coisas.

6. (UNCISAL 2012) – Adaptada


O período pré-socrático é o ponto inicial das reflexões filosóficas. Suas discussões
se prendem à Cosmologia, sendo a determinação da physis (princípio eterno e
imutável que se encontra na origem da natureza e de suas transformações) ponto
crucial de toda formulação filosófica. Em tal contexto, Leucipo e Demócrito
afirmam ser a realidade percebida pelos sentidos ilusória. Eles defendem que os
sentidos apenas capturam uma realidade superficial, mutável e transitória que
acreditamos ser verdadeira. Mesmo que os sentidos apreendam “as mutações das
coisas, no fundo, os elementos primordiais que constituem essa realidade jamais se
alteram.” Assim, a realidade é uma coisa e o real outra.

30
Para Demócrito, a physis é composta:
a) pelo fogo.
b) pela água.
c) pelas quatro raízes: o úmido, o seco, o quente e o frio.
d) pelo ilimitado
e) pelos átomos.

7. (UNIOESTE 2012) – Adaptada


O que há em comum entre Tales, Anaximandro e Anaxímenes de Mileto, entre e
Pitágoras de Samos? “Todos esses pensadores propõem uma explicação racional
do mundo, e isso é uma reviravolta decisiva na história do pensamento” (Pierre
Hadot).

Com base no texto e nos conhecimentos sobre as relações entre mito e filosofia,
seguem as seguintes proposições:
I. Os filósofos pré-socráticos são conhecidos como filósofos da physis porque as
explicações racionais do mundo por eles produzidas apresentam não apenas o
início, o princípio, mas também o desenvolvimento e o resultado do processo
pelo qual uma coisa se constitui.
II. Os filósofos pré-socráticos não foram os primeiros a tratarem da origem e do
desenvolvimento do universo, antes deles já existiam cosmogonias, mas estas
eram de tipo mítico, descreviam a história do mundo como uma luta entre
entidades personificadas.
III. Tales de Mileto, um dos Sete Sábios, além de matemático e físico, é considerado
filósofo – o fundador da filosofia, segundo Aristóteles – porque em sua proposição
“A água é a origem e a matriz de todas as coisas” está contida a proposição
“Tudo é um”, ou seja, a representação de unidade.
IV. As explicações racionais do mundo elaboradas pelos pré-socráticos seguem o
mesmo esquema de orientação das narrativas mitológicas, pois, ao fim e ao
cabo, os pré-socráticos constroem cosmogonias.

Assinale a alternativa correta.


a) Apenas as proposições I e II estão corretas.

31
b) Apenas as proposições III e IV estão corretas.
c) Apenas as proposições II e III estão corretas.
d) Apenas as proposições I, II e III estão corretas.
e) Todas estão corretas.

8. UECE (2018) - Adaptada.


Relacione corretamente as frases apresentadas a seguir com os respectivos
autores, numerando a Coluna II de acordo com a Coluna I.

COLUNA 1
1. A physis é o átomo.
2. A realidade encontra-se em constante devir.
3. Tudo é uno/imutável.
4. A physis corresponde a uma organização numérica.
5. Aquiles e a tartaruga.
COLUNA 2
( ) Heráclito de Éfeso.
( ) Zenão de Eleia.
( ) Pitágoras de Samos.
( ) Demócrito de Abdera.
( ) Parmênides de Eleia.

Assinale a sequência correta:


a) 5,4,3,2,1.
b) 4,5,2,3,1.
c) 3,2,1,4,5.
d) 1,2,3,4,5.
e) 3,5,4,1,2.

32
O SOFISTA E A PALAVRA

3.1 OS SOFISTAS: PALAVRA E PERSUASÃO

Com a afirmação da racionalidade como modelo de orientação da


realidade, têm-se a eclosão de profundas modificações no cenário grego,
sobretudo, no que diz respeito à utilização da palavra. Com efeito, a palavra que
anteriormente era de uso restrito dos sábios, enquanto inspirados pelos deuses, agora
é de posse do cidadão em seu caráter coletivo e desvinculado da postura
ritualística/divina. De fato, a palavra torna-se, efetivamente, um exercício de política
e, assim, de poder.
Como dito por Jean-Pierre Vernant (1981), a filosofia é a filha da cidade, por
isso, o advento do pensamento racional ancora-se e no modo de vida social
proposto pela polis (Cidade-Estado), sobretudo, em Atenas, e, consequentemente,
contribui, efetivamente, para a determinação do modelo político grego que se
organizara em torno da coletividade dando ensejo, portanto, ao ideal de
democracia.

33
Diante disso, as decisões políticas e legislativas tomadas no âmbito da pólis são
realizadas na Ágora, isto é, nas Assembleias coletivas realizadas nas praças públicas,
nas quais os “bem-nascidos” (Eupátridas) exerciam o papel de cidadão ao discutirem
os direcionamentos políticos e legais da pólis.

Figura 17: Ruínas da Ágora antiga – Atenas

Fonte: Lugares inesquecíveis

34
Superando as imposições da narrativa mítico/religiosa e transformada em
sinônimo de poder, a palavra racional passa a ser disputada no âmbito da pólis
grega. Frente a isso, o campo discursivo da pólis torna-se múltiplo e,
consequentemente, dotado dos seguintes discursos: a) o mítico/religiosos que,
mesmo desprovido de sua antiga tarefa de organização do real, ainda existe na pólis
com papel de manutenção do aspecto ritualístico do mundo; b) o filosófico,
ancorado na busca racional pela verdade das coisas; e c) o discurso do sofista, cujo
aspecto central é o manejo da palavra racional em prol do efeito de persuasão e
convencimento.

O sofista é compreendido, inicialmente, como um “especialista do saber”, isto


é, como um mestre/professor de retórica (técnicas voltadas para o bem falar, a
eloquência, o bem argumentar e o bom emprego da palavra) que irá se relacionar,
diretamente, com o modo de vida da pólis, delimitado pelo uso da palavra como
instrumento de decisão política. Ademais, como estabelecido por Braga Júnior e
Lopes (2015), os sofistas apresentam-se como:

[...] o primeiro grupo de pessoas a realizar uma verdadeira revolução


nas preocupações filosóficas da filosofia antiga, deslocando suas
análises da physis e da busca por uma arché para se preocupar
essencialmente com a problemática sobre quem é o homem,
concentrando suas análises nos temas da ética, da política, da
retórica e da educação. (BRAGA JÚNIOR; LOPES, 2015, p. 126)

Nota-se, com a citação acima, uma primeira concepção positiva acerca do


sofista, pois, centrado nas modificações proporcionadas pelo surgimento da pólis,
dos debates públicos e, sobretudo, do fazer político, os sofistas direcionam o logos
rumo à compreensão de atividades humanas que, aparentemente, distanciam-se
da natureza e fundamentam aspectos socioculturais. Contudo, posteriormente, com
as críticas empreendidas por Sócrates e por Platão, a palavra e o posicionamento do

35
sofista irão se caracterizar, sobretudo, pela defesa do relativismo ao afirmar que não existem
verdades absolutas, diferentemente do filósofo, cuja preocupação principal é, justamente, a
busca pela verdade. Frente a isso, destacam-se três posicionamentos centrais da atividade
sofística:
a) O relativismo: a verdade é relativa.
b) O ceticismo: não existe verdade absoluta, mas, caso ela exista, o homem
não pode conhecê-la.
c) O convencionalismo: as normas, as leis e os costumes não são instâncias
fixas e imutáveis, pelo contrário, as normas, as leis e os costumes são
acordos/convenções travadas frente às necessidades.
Peritos na arte retórica, isto é, na arte do bem falar e, consequentemente, no
manejo do discurso em prol de obtenção de ganhos políticos, sociais e econômicos,
os sofistas destacam-se como professores remunerados pelos ensinamentos da arte
do convencimento destinada aos aristocratas atenienses. Deste modo, segundo
Chauí (2002), a expertise dos sofistas se dava, principalmente, pela:

[...] arte de argumentar e persuadir, decisiva para quem exerce a


cidadania numa democracia direta, em que as discussões e decisões
são feitas em público e nas quais vence quem melhor souber persuadir
os demais, sendo hábil, jeitoso, astuto na argumentação em favor de
sua opinião e contra o adversário. (CHAUÍ, 2002, p. 162).

Destaca-se, assim, a atividade sofística como a utilização das técnicas de


retórica e da oratória (a arte do bem falar) discurso enquanto meio/modo de
convencimento (persuasão) carregado de páthos (emoção) que visa capturar o
ouvinte em busca de poder político, operando, para tanto, por meio do argumento
sedutor provido pelo manejo certeiro do discurso breve e claro, pois, conforme dito
pelo sofista Górgias de Leontinos (484 a.C. – 376 a.C.): “Um discurso é um grande
senhor que, por meio do menor e mais inaparente corpo, leva à cabo as obras mais
divinas” (GÓRGIAS, 2009, p. 03).

36
Ademais, destaca-se, ainda, que o discurso sofista se funda por meio da
defesa de opiniões (dóxa) divergentes, direcionando a tarefa da persuasão rumo
àquele que mais o pagar, ou, como dito por Chauí (2002), os sofistas “não se
interessam pela verdade (alétheia), que é sempre igual a si mesma e a mesma para
todos. Sendo professores de opiniões, são mentirosos e charlatães” (CHAUÍ, 2002, p.
163 – grifos nossos), são considerados os falsos-filósofos e, diferem-se, sobretudo, no
que diz respeito aos direcionamentos conferidos à palavra racional por Sócrates e
Platão, como veremos adiante.

Figura 19: Anfiteatro grego

Fonte: Arquivo do autor

37
GÓRGIAS DE LEONTINOS

O sofista Górgias de Leontinos, considerado o “pai” da retórica, foi responsável


pelo aprimoramento das técnicas do falar bem e, consequentemente, pelo
desenvolvimento da palavra enquanto instrumento efetivo da persuasão. Fluente nas
artes do falar com brevidade e com clareza, o discurso de Górgias foi capaz de
persuadir os legisladores de Atenas e de figurá-lo como um dos mais importantes
sofistas de seu tempo.
O pensamento de Górgias, em sua potência retórica, é capaz de fazer frente
à tradição filosófica pré-socrática, sobretudo, às determinações essencialistas do ser,
conforme pensado por Parmênides de Eleia. Com efeito, segundo Chauí (2002), no
desenvolvimento reflexivo-discursivo de Górgias:

[...] pela primeira vez, com clareza, é quebrada a identidade entre ser-
pensar-dizer, contida na palavra logos, e é estabelecida a diferença,
a separação e autonomia entre realidade, pensamento e linguagem.
(...) ao afirmar a diferença e a separação entre realidade,
pensamento e linguagem, Górgias simplesmente quebrou o antigo
conceito da verdade como alétheia e forçará a filosofia a redefinir o
conceito de verdade, a reformular as relações entre ser, pensar e dizer
e, portanto, a própria ideia de conhecimento. (CHAUÍ, 2002, p. 175)

Ou seja, para além da utilização da palavra como meio/modo de


convencimento e persuasão, o discurso de Górgias retira a primazia do logos como
condutor reflexivo das determinações do conhecimento e da verdade ao questionar
a identidade entre ser e pensamento e, finalmente, derrubar a ideia proposta por
Parmênides de uma verdade/essência absoluta residente no ser. Deste modo, em
seu ímpeto discursivo/reflexivo, Górgias afirma a impossibilidade de conhecimento
do ser ao afirmar, contrariamente a Parmênides, que mesmo que algo fosse, não
poderia ser conhecido pelo pensamento e que, em consequência disso, toda a
verdade é ilusória.
Assim, ao afirmar o conceito de verdade (alétheia) como ilusório, o sofista
supera a antiga distinção entre discurso verdadeiro e opinião (dóxa) e, finalmente,
amplia as possibilidades de alcance das técnicas da retórica e, principalmente,
assenta a palavra no reino da relatividade, isto é, como não há nenhuma verdade
absoluta, a palavra tem de se preocupar, tão somente, com as suas capacidades
argumentativas de persuasão e de defesa da opinião. Frente a isso, os filósofos

38
Sócrates e Platão irão se declarar como inimigos dos sofistas na tentativa de restaurar
a primazia do logos racional e na tentativa de fornecer as bases para a condução
de uma reflexão em busca da verdade ideal das coisas, distanciando-se, portanto,
das simples opiniões provindas do senso comum.

Pensando ainda com Górgias, é necessário ressaltar a proeminência do


caráter persuasivo de sua palavra com o exemplo do discurso O elogio de Helena,
proferido por Górgias sobre Helena de Troia e as ocorrências que conduziram os
gregos à guerra em Troia.

39
Figura 20: Helena e Páris (1788) – Jacques-Louis David

Fonte: (DAVID, 1788)

No discurso O elogio de Helena, Górgias argumenta em favor de Helena com


vistas a não a culpar pelo ocorrido em Troia – como costumeiramente era feito –, pois,
segundo o sofista, o seu rapto não se deu devido a um ardil planejado por ela em
traição ao seu marido (Menelau – o rei de Esparta) em conluio com Páris (o príncipe
troiano que era seu amante), mas sim, por causas incontornáveis. Diante disso, logo
de início, o sofista deixa claro o propósito de seu discurso, a saber:

[...] Refutar os que repreendem Helena, mulher acerca da qual veio a


ser uníssono e unânime tanto a crença dos que deram ouvidos aos
poetas, quanto a fama do nome que, de desgraças, tornou-se
memória. Eu, porém, pretendo – dando ao discurso alguma lógica –
por um lado, fazer cessar a acusação sobre a que foi mal falada; por
outro lado, demonstrar que os que a repreendem estão mentindo e
expor a verdade [ou] fazer cessar a ignorância. (GÓRGIAS, 2009, p. 01)

Assim, dissipando a injustiça e retirando de Helena a culpa pela guerra,


Górgias define quatro causas que ocasionaram a sua fuga (ou o seu rapto) de
Esparta, posteriormente, chegada à Troia: 1) o amor por Páris; 2) a persuasão

40
discursiva que a convence a fugir; 3) uma força maior que a leva, contra sua
vontade, a Troia; e, 4) a influência dos deuses que são mais fortes que os humanos.
Com efeito, o sofista apresenta causas incontornáveis às quais o puro espírito de
Helena não era suficientemente forte para oferecer resistência, procurando,
portanto, convencer os ouvintes da inocência de Helena.

41
FIXANDO O CONTEÚDO

1. A palavra racional instaura na Grécia Clássica um novo direcionamento político.


Frente a tal modificação, como podemos definir o novo modo de ordenação
político grego:

a) como demarcado pela herança mitológica e, consequentemente, determinado


pela palavra do sábio.
b) como demarcado pela palavra da coletividade, isto é, as decisões tomadas na
pólis são frutos da palavra democrática.
c) como demarcado pela postura ritualística/divina advinda do poeta.
d) como demarcado pela palavra da coletividade centrada no poder atemporal do
mito.
e) como demarcado pela palavra racional de uso exclusivo do sofista na busca pela
verdade absoluta.

2. A Ágora grega é definida como:


a) um espaço privado de tomada de decisões individuais.
b) um espaço determinado pela presença do sábio.
c) um espaço ritualístico de culto aos mitos.
d) um espaço delimitado pela investigação da physis.
e) um espaço público da tomada de decisões coletivas.

3. (UEG- GO) – Adaptada


No século V a.C., Atenas vivia o auge de sua democracia. Nesse mesmo período,
os teatros estavam lotados, afinal, as tragédias chamavam cada vez mais a
atenção. Outro aspecto importante da civilização grega da época eram os
discursos proferidos na Ágora. Para obter a aprovação da maioria, esses
pronunciamentos deveriam conter argumentos sólidos e persuasivos. Nesse caso,
alguns cidadãos procuravam aperfeiçoar sua habilidade de discursar. Isso
favoreceu o surgimento de um grupo de filósofos que dominavam a arte da
oratória. Esses filósofos vinham de diferentes cidades e ensinavam sua arte em
troca de pagamento. Eles foram duramente criticados por Sócrates e são
conhecidos como:
42
a) Epicuristas.
b) Maniqueístas.
c) Sofistas.
d) Hedonistas.
e) Comunistas.

4. (UESPI) – Adaptada
A construção da história requereu lutas contra as dificuldades naturais e grande
capacidade de invenção. Muitas reflexões filosóficas foram importantes para
pensar a condição da cultura. Os sofistas contribuíram com essas reflexões,
quando:

a) defenderam a relatividade, mostrando as impossibilidades para se chegar à


verdade universal.
b) criticaram as ideias de Aristóteles, embora aceitassem suas reflexões sobre os
fundamentos da verdade.
c) ressaltaram o valor da república democrática através do debate coletivo.
d) ampliaram as dimensões da filosofia platônica, afirmando a força do idealismo
estético para a arte.
e) seguiram os ensinamentos do cristianismo, fundando uma religião sem rituais e
hierarquias.

5. (SEE/MG) 2018 - Adaptada. Leia o texto a seguir:


Os Sofistas surgem na Grécia antiga, século V a. C., na passagem da oligarquia
para a democracia. São os mestres de retórica e oratória, muitas vezes mestres
itinerantes, que percorrem as cidades-estados fornecendo seus ensinamentos, sua
técnica, suas habilidades aos cidadãos em geral. Eram relativistas. Sócrates
também ensinava nas praças públicas através de perguntas e respostas que
despertavam a verdade que está no interior de cada um. Sócrates afirmava que
a opinião (doxa) é uma expressão individual, já o conhecimento (episteme) é
universal. Desta forma, os sofistas ensinavam a retórica para convencer aos outros

43
que sua opinião é a melhor e Sócrates ensinava a dialética, que através de
questionamentos (só sei que nada sei) levava ao conhecimento verdadeiro.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2004, p. 42-48. Adaptado.

De acordo com o texto acima, Sócrates não era um sofista, pois ele:
a) era cético, seu lema era “só sei que nada sei”, enquanto os sofistas defendiam
uma verdade.
b) ensinava nas praças públicas apenas de Atenas, enquanto os sofistas eram
itinerantes.
c) buscava a verdade da episteme, enquanto os sofistas despertavam a verdade
dentro de cada um.
d) defendia a existência de uma verdade universal, enquanto os sofistas eram
relativistas.
e) persuadia através da retórica de que estava certo, enquanto os sofistas eram
dialéticos.

6. SEDUC-PA (2018) – Adaptada


“Na Grécia Antiga, havia ‘professores’ itinerantes, os sofistas, que percorriam as
cidades ensinando a arte da retórica às pessoas interessadas. A principal
finalidade de seus ensinamentos era introduzir o cidadão na vida política. Tudo o
que temos desses professores são fragmentos e citações e, por isso, não podemos
saber profundamente sobre o que eles pensavam. Aquilo que temos de mais
importante a respeito deles foi aquilo que disseram Platão e Aristóteles. ”
(Disponível em: mundoeducacao.bol.uol.com.br.)

Considerando o trecho anterior, analise as afirmativas a seguir.


I. Seu saber era aparente e não efetivo, pois não possuía compromisso com a
verdade, e sim com o lucro.
II. Ensinavam a arte de argumentar e persuadir, indispensável para exercer a
cidadania numa democracia direta.
III. Contribuíram para o ensino, pois formaram um currículo de estudos que foi
resgatado no período medieval.

44
IV. Há periculosidade do pensamento no ponto de vista moral, bem como
inconsistência teórica.
V. Os sofistas representam um fenômeno imprescindível. É impensável a filosofia sem
eles.
A respeito do pensamento direto dos principais socráticos sobre os sofistas, estão
corretas apenas as afirmativas:
a) I e IV.
b) I e V.
c) II e III.
d) III e IV.
e) IV e V.

7. De acordo com o sofista Górgias de Leontinos, o ser


a) é produto conhecível pelo pensamento.
b) é uma ilusão dos sentidos.
c) pode ser amplamente conhecido pelo logos.
d) não pode ser conhecido pelo pensamento.
e) é um produto do discurso e do pensar.

8. A máxima “o homem é a medida de todas as coisas”, proferida pelo sofista


Protágoras de Abdera, afirma:
a) o caráter relativista do homem.
b) o caráter essencialista do homem.
c) o caráter idealista do homem.
d) o caráter dialético do homem.
e) o caráter racionalista do homem.

45
UNIDADE

A FILOSOFIA DE PLATÃO

4.1 SÓCRATES
04
UNIDADE
Com a entrada de Sócrates (469 a.C. – 399 a.C.) no cenário da pólis grega, a
palavra racional desloca-se, sobretudo, para o entendimento do homem, do

04
conhecimento e da ética visando – diferentemente do sofista que compreende a
palavra do logos como um instrumento de persuasão e de relativismo – encontrar o
conhecimento verdadeiro (a episteme) das coisas.
A perspectiva socrática é a da constante busca pela sabedoria a partir da
emblemática certeza inicial de que a única coisa certa é a ignorância, formalizada
pela seguinte expressão: “Só sei que nada sei”. Deste modo, Sócrates salienta a
necessidade de superação das certezas pré-concebidas para, finalmente, adentrar
na busca pelo conhecimento verdadeiro. Ademais, conforme ressaltado por Chauí
(2002), a missão do filósofo Sócrates consiste em:

[...] Busca incessante da sabedoria e da verdade e o reconhecimento


incessante de que, a cada conhecimento obtido, uma nova
ignorância se abre diante de nós. Isso não significa que a verdade não
exista, e sim que deve ser sempre procurada e que sempre será maior
do que nós. (CHAUÍ, 2002, p. 187)

Ao buscar incessantemente a verdade, a filosofia socrática coloca-se como


oposta à postura dos sofistas; pois, para Sócrates, há uma verdade absoluta a ser
encontrada e seu desvelamento se dá, sobretudo, pela superação racional do
caráter relativista e opinativo do saber, conforme proposto pelos sofistas. Diante disso,
instaura-se uma oposição fundamental entre a opinião (dóxa) e o conhecimento
verdadeiro (episteme) capaz, finalmente, de propor um caminho para o
conhecimento de si mesmo.
Com efeito, tal oposição dá-se na distinção entre os produtos de um falso
saber advindo do senso comum e o conhecimento introduzido por meio de uma
racionalidade metódica e, principalmente, em constante estado de reflexão. O
método proposto por Sócrates é a maiêutica, pensada como um procedimento de
questionamento através do diálogo que dirige questões ao outro como meio de
retirar dele as respostas corretas ou, como ressalta Ghiraldelli Jr. (2003), trata-se de um

46
método de parir a verdade através do jogo de pergunta e resposta, assim, “Sócrates
é aquele que faz vir à luz a verdade dos conceitos” (GHIRALDELLI JÚNIOR, 2003, p.
15), colocando em contradição as falsas verdades de seu interlocutor, uma vez que
elas são advindas da opinião e do senso comum.

A maiêutica socrática depara-se com indagações de cunho filosófico, tais


como, discussões sobre o bom e o belo, a ética e a justiça, a política e o sujeito, a
filosofia e os deuses, entre outras que, de fato, interferem no dia a dia da pólis.
Justamente, por colocar em questão as antigas certezas e, principalmente, por
demonstrar as contradições existentes nos discursos dos legisladores atenienses
educados pelos sofistas, Sócrates é acusado de corromper a juventude de Atenas,
de defender falas doutrinárias e, consequentemente, de ofender os deuses. Assim,
no diálogo platônico, Apologia de Sócrates, tem-se a condenação de Sócrates.
Julgado em um tribunal formado pelos seus próprios acusadores, Sócrates é
47
condenado e recusa-se a apelar para argumentos emocionais desprovidos de
estrutura lógica e, muito menos, a pedir por misericórdia, pelo contrário, o filósofo
continua a apontar as contradições inerentes aos discursos acusadores e a
demonstrar a falta de veracidade das acusações. Contudo, seus argumentos não
são aceitos pelos seus acusadores, nem Sócrates aceita o cumprimento de penas
alternativas caso renegue todos os ensinamentos que havia transmitido
anteriormente, portanto, o pensador é condenado à morte. Enfim, o filósofo, com as
próprias mãos, bebe o cálice de cicuta e morre, sem, contudo, abdicar-se de sua
busca pelo conhecimento verdadeiro.

Figura 22: A morte de Sócrates (1787) - Jacques-Louis David

Fonte: Wikipédia

4.2 PLATÃO

Platão (428 a.C.-347 a.C.), discípulo de Sócrates, coloca-se como um dos mais
importantes pensadores da história da humanidade. Aprofundando os ensinamentos
de seu mestre, o pensamento platônico busca conhecer a verdade através da razão.
Dando início ao período antropológico da filosofia, o pensamento de Platão
debruça-se sobre o humano procurando conhecê-lo, sobretudo, segundo suas
atuações morais (éticas; justas; livres), políticas e metafísicas. Desse modo, tal como
Sócrates, o platonismo, ao adotar a palavra racional como meio/modo de alcance

48
do conhecimento verdadeiro, tem os sofistas como principais inimigos.
Ademais, é com Platão que as Academias de filosofia têm o seu início,
demarcando o modelo de formação educacional (Paideia) direcionado ao corpo e
à mente, conforme desenvolvido por Platão. Não obstante, é com o pensamento de
Platão que a filosofia, de fato, torna-se uma investigação sistemática acerca de
todos os âmbitos de atuação dos seres humanos, investigando desde concepções
ontológicas/metafísicas até determinações práticas da pólis, tal como o caminho
político/formativos dos cidadãos.

Figura 23: Estátua de Platão (Universidade de Atenas/Grécia)

Fonte: Arquivo do autor

É importante ressaltarmos que o pensamento de Platão se constitui por meio


dos diálogos socráticos, isto é, adotando uma forma literária e destinando Sócrates
como seu protagonista, o platonismo empreende uma busca pelo conhecimento
verdadeiro, fundamentando o idealismo como vertente filosófica central. Assim, os
“diálogos, com seu caráter auto referencial, constituem a inauguração de métodos
ou processos de investigação. Os interlocutores movimentam-se dentro de
pressupostos teóricos” (PAVIANI, 2008, p. 31). Com efeito, determina-se que, em seu
percurso filosófico, Platão foi o responsável por documentar as palavras, os métodos
investigativos e pressupostos teóricos de Sócrates, transformando-os nos conhecidos
diálogos existentes e estudados até os dias de hoje.

49
Quadro 3: Os principais Diálogos de Platão
DIÁLOGO TEMÁTICA
República Idealismo/Dualismo/Polis/ Paideia/
Conhecimento
Apologia de Sócrates Acusação/morte de Sócrates
Láques Coragem
Hípias menor Verdade/Mentira/Justiça
Górgias Retórica
Fédon Alma/Metafísica
O banquete Bem/Amor
Crátilo Linguagem/Conhecimento
Fonte: Adaptado de “Platão”

O idealismo de Platão

A centralidade do pensamento de Platão repousa na teoria do idealismo


como mote central para a teoria do conhecimento (epistemologia) na filosofia
platônica. Assim, tendo como base a busca pelo conhecimento verdadeiro, o
pensador elaborou uma teoria fundamentada no dualismo, isto é, na divisão do
mundo em duas categorias: o mundo sensível e o mundo das ideias.
No idealismo, portanto, Platão privilegia o mundo das ideias como o local no
qual o conhecimento das essências e, da verdade das coisas pode ser alcançado.
Desse modo, no mundo das ideias estariam contidas as ideias (eidos), as essências
imutáveis, os conceitos fixos e o conhecimento verdadeiro (episteme), ao passo que
no mundo sensível encontrar-se-iam, tão somente, as coisas vivas e visíveis, a
mudança e o conhecimento não verdadeiro.
Ao privilegiar o mundo das ideias como local da verdade, acessível apenas
pela racionalidade, Platão dá início à tradição do racionalismo, que irá determinar
a condenação do mundo sensível e, consequentemente, dos sentidos, das paixões
e dos desejos por considerá-los como produtores de um falso conhecimento. Nesse
sentido, enquanto a racionalidade, motor do mundo das ideias, tem como objetos
do conhecimento as formas e as essências verdadeiras das coisas, o mundo sensível,
determinado, sobretudo, pelos sentidos, tem a materialidade, as sombras, os
simulacros e as imagens como objetos de um falso conhecimento.
Com efeito, o idealismo platônico fomenta a concepção de uma outra

50
realidade, ou seja, de uma realidade metafísica (transcendental / idealista) para
além da materialidade física da realidade compreendida pelos sentidos e que,
consequentemente, só pode ser alcançada pela ação do pensamento racional. E,
deste modo, enquanto vinculada a razão, o mundo das ideias de Platão afirma os
processos de racionalidade como procedimentos referentes às disciplinas
intrinsecamente racionais (de puro pensamento), tais como a matemática e,
principalmente, a filosofia, como demonstrados na alegoria da linha:

Mundo sensível Mundo das Ideias


(sombras) (episteme)

←---------------------------→ ←----------------------------------→

Arte Opinião Matemática Filosofia

A República de Platão

A República é o mais famoso diálogo de Platão. Dividida em dez capítulos,


51
chamados de livros, ela discute os principais aspectos do idealismo platônico na
tentativa de formulação de uma cidade ideal e, consequentemente, de um modelo
ideal de política e governança.
Ressalta-se, logo de início, que o pensamento platônico se coloca como
contrário à democracia, pois, considera a democracia como um modelo imperfeito
e corrompido de governo por guiar-se pelos desejos e pelas paixões dos governantes
e, principalmente, devido à liberdade desmedida dada ao povo como participante
das decisões políticas. Nesse sentido, Platão pensa a democracia como um modelo
degradado, tomado pelas paixões, pelos desejos e pela pluralidade de opiniões
(dóxa) e, para tanto, distanciado da racionalidade.

Figura 24: Platão apontando para o mundo ideal (Trecho da pintura “A escola de
Atenas” (1509 – 1511) – Rafael Sanzio)

Fonte: Arquivo do autor

52
O diálogo platônico procura fundamentar o que seria a essência da bondade,
da ética, da legalidade, da justiça e da formação tendo em vista o direcionamento
de cidadãos racionalmente conduzidos. Em outros termos, a cidade ideal, para
Platão, fundamentar-se-ia na afirmação da racionalidade em detrimento dos
aspectos advindos da sensibilidade e, consequentemente, na busca pela verdade
essencial das coisas.
Ademais, tendo Sócrates como personagem principal, Platão empreende
uma crítica aos posicionamentos políticos existentes na pólis, procurando, para tanto,
demonstrar as contradições existentes nos discursos relativistas proferidos pelos
Sofistas que, ao fim e ao cabo, determinavam os rumos políticos da cidade-estado.
É justamente na República que Platão fornece as principais alegorias
(ilustrações) que fundamentam a sua filosofia procurando, sobretudo, exemplificar a
soberania das ideias sobre a sensibilidade. Desse modo, podemos ressaltar,
principalmente, a alegoria da Caverna, apresentada no Livro VII, como ponto central
da fundamentação da filosofia idealista, no qual, a superação do conhecimento
falso proveniente dos sentidos se dá por meio da elevação racional do sujeito em
busca da verdade, ou, em outros termos, em busca do conhecimento verdadeiro
(episteme).
Com efeito, no diálogo platônico, a busca pela verdade se desdobra por meio

53
do método dialético, isto é, na oposição entre discursos contrários visando à
contemplação do conhecimento verdadeiro alcançado racionalmente. Tal
dialética consiste na superação do caráter relativo/opinativo do discurso por meio
da reflexão racional e sistemática que, não obstante, conduz o sujeito à
contemplação das ideias.
Podemos ressaltar ainda que o interesse fundamental de Platão, conforme dito
na República, reside na construção de um direcionamento educativo centrado na
soberania da racionalidade. Assim, a educação platônica possuiu um caráter
formativo geral, configurando-se, portanto, uma Paideia, isto é, um processo
educativo que procura formar o sujeito integralmente no que diz respeito a uma
educação voltada para o corpo e para a alma (mente).
A Paideia de Platão – apresentada, sobretudo, no Livro III, da República –
relaciona-se diretamente com a suas teorias sobre a política e sobre as almas. De
acordo com o filósofo, a alma seria dividida em três partes: a alma racional; a alma
irascível (emotiva/afetiva) e a alma apetitiva (desejosa/objetal), sendo que cada
uma dessas almas corresponderia a uma classe social habitante da polis e,
consequentemente, a cada uma delas corresponderia um modelo
educacional/formativo ideal. Nesse sentido, a alma racional corresponderia à
educação filosófica direcionada aos governantes, que Platão denominará como
Reis Filósofos. Já a alma irascível seria de posse dos guerreiros e, portanto, a
educação/formação seria destinada ao controle das emoções e à elevação da
coragem para a defesa militar da pólis; por sua vez, a alma apetitiva corresponderia
aos trabalhadores (comerciantes; lavradores; artesões e camponeses) e o seu
modelo educacional seria fundamentado, prioritariamente, no controle racional dos
desejos e na consequente manutenção da pólis.

Quadro 4: As classes sociais e as almas

CLASSE ALMA FUNÇÃO VIRTUDE


Governante (Rei Filósofo) Racional Governar Sabedoria
Guerreiros Irascível Defesa Coragem
Trabalhadores Apetitiva Manutenção Equilíbrio
Fonte: Elaborado pelo autor

Com efeito, ilumina-se no pensamento platônico a organização política ideal

54
centrada na liderança do Rei Filósofo, cuja educação é estritamente voltada à
elevação racional e, consequentemente, ao conhecimento do mundo das ideias.
Diante disso, no Livro III, a Paideia de Platão é finalizada com uma alegoria que ilustra
a densidade do controle político idealista preconizado na cidade ideal de Platão, a
saber, a alegoria (ou fábula) na nobre mentira.
Em termos gerais, Sócrates revela a Glauco, o seu interlocutor, que visando à
manutenção da ordem e à organização em classes sociais distintas, na cidade ideal,
é permitida aos governantes a utilização de uma nobre mentira, composta do
seguinte conteúdo: em cada uma das almas descritas acima estaria contido um
elemento mineral imutável que conferiria às classes o seu local social estratificado,
por exemplo, na alma racional dos governantes estaria contido o ouro; na alma
irascível dos guardiões estaria contida a prata e, na alma apetitiva dos trabalhadores
estaria contido o bronze.

Figura 25: O banquete de Platão (1873) - Anselm Feuerbach

Fonte: (FEUERBACH, 1829–1880)

Finalmente, na República e, consequentemente, no pensamento platônico, a


busca pela verdade compreende a determinação de uma esfera idealista
alcançada pela racionalidade, compreendida como vetor de busca do
conhecimento verdadeiro (episteme), em oposição à realidade sensível que,
durante grande parte da história da filosofia, será condenada como vetor de um
falso conhecimento.

55
FIXANDO O CONTEÚDO

1. ENEM 2017 – (Adaptado)


Uma conversação de tal natureza transforma o ouvinte; o contato de Sócrates
paralisa e embaraça; leva a refletir sobre si mesmo, a imprimir à atenção uma
direção incomum: os temperamentais, como Alcibíades, sabem que encontrarão
junto dele todo o bem de que são capazes, mas fogem porque receiam essa
influência poderosa, que os leva a se censurarem. É sobretudo a esses jovens,
muitos quase crianças, que ele tenta imprimir sua orientação.
BRÉHIER, E. História da filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1977.

O texto evidencia características do modo de vida socrático, que se baseava na:


a) Contemplação da tradição mítica.
b) Relativização do saber verdadeiro.
c) Sustentação dos métodos dialético e maiêutica.
d) Investigação dos fundamentos da natureza.
e) Valorização da argumentação retórica.

2. UNCISAL – (Adaptada)
Na Grécia Antiga, o filósofo Sócrates ficou famoso por interpelar os transeuntes e
fazer perguntas aos que se achavam conhecedores de determinado assunto.
Mas, durante o diálogo, Sócrates colocava o interlocutor em situação delicada,
levando-o a reconhecer sua própria ignorância. Em virtude de sua atuação,
Sócrates acabou sendo condenado à morte sob a acusação de corromper a
juventude, desobedecer às leis da cidade e desrespeitar certos valores religiosos.

Considerando essas informações sobre a vida de Sócrates, assim como a forma pela
qual seu pensamento foi transmitido, pode-se afirmar que sua filosofia:
a) procurava transmitir às pessoas conhecimentos de natureza mitológica.
b) ficou consagrada sob a forma de diálogos, posteriormente redigidos pelo filósofo
Platão.
c) baseava-se em uma contemplação passiva da realidade.
d) transmitia conhecimentos de natureza científica.
e) transmitia conhecimentos exclusivamente sob a forma escrita entre a população
ateniense.

56
3. UNICAMP - Adaptada
A sabedoria de Sócrates, filósofo ateniense que viveu no século V a.C., encontra
o seu ponto de partida na afirmação “sei que nada sei”, registrada na obra
Apologia de Sócrates. A frase foi uma resposta aos que afirmavam que ele era o
mais sábio dos homens. Após interrogar artesãos, políticos e poetas, Sócrates
chegou à conclusão de que ele se diferenciava dos demais por reconhecer a sua
própria ignorância.

O “sei que nada sei” é um ponto de partida para a Filosofia, pois:


a) a dúvida é uma condição para o aprendizado e a Filosofia é o saber que
estabelece verdades dogmáticas a partir de métodos rigorosos.
b) é uma forma de declarar ignorância e permanecer distante dos problemas
concretos, preocupando-se apenas com causas abstratas.
c) é um exercício de humildade diante da cultura dos sábios do passado, uma vez
que a função da Filosofia era reproduzir os ensinamentos dos filósofos gregos.
d) aquele que se reconhece como ignorante torna-se mais sábio por querer adquirir
conhecimentos.
e) é um estabelecimento da certeza como condição para a reflexão filosófica.

4. O pensamento de Platão inaugura um período histórico da filosofia determinado


como antropológico que tem como importância central:
a) A reflexão sobre os mitos e demais composições ritualísticas.
b) A reflexão sobre a origem do cosmos por meio da análise dos poderes naturais
geradores.
c) A reflexão sobre o humano segundo suas atuações na pólis.
d) A reflexão sobre a physis como princípio gerador do cosmos.
e) A reflexão sobre a política em sentido amplo.

5. UFU – (Adaptada)
No pórtico da Academia de Platão, havia a seguinte frase: “não entre quem não
souber geometria”. Essa frase reflete sua concepção de conhecimento: quanto
menos dependemos da realidade empírica, mais puro e verdadeiro é o
conhecimento tal como vemos descrito em sua Alegoria da Caverna.
“A ideia de círculo, por exemplo, preexiste a toda a realização imperfeita do

57
círculo na areia ou na tábula recoberta de cera. Se traço um círculo na areia, a
ideia que guia a minha mão é a do círculo perfeito. Isso não impede que essa ideia
também esteja presente no círculo imperfeito que eu tracei. É assim que aparece
a ideia ou a forma. ”
JEANNIÈRE, Abel. Platão. Tradução de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Zahar, 1995. 170 p.

a) As ideias são as verdadeiras causas e princípio de identificação dos seres; o


“mundo das ideias” é onde se obtêm os conhecimentos verdadeiros.
b) Quando traçamos um círculo imperfeito, isto demonstra que as ideias do “mundo
inteligível” não são perfeitas, tal qual o “mundo sensível”.
c) A Alegoria da Caverna demonstra, claramente, que o verdadeiro conhecimento
não deriva do “mundo inteligível”, mas do “mundo sensível”.
d) Todo conhecimento verdadeiro começa pela percepção, pois somente pelos
sentidos podemos conhecer as coisas tais quais são.
e) Os sentidos, conforme demonstrado na Alegoria da Caverna, são os vetores
fundamentais para a obtenção do conhecimento verdadeiro.

6. UEPA - (Adaptada) Leia o texto para responder à questão.


Platão:
A massa popular é assimilável por natureza a um animal escravo de suas paixões
e de seus interesses passageiros, sensível à lisonja, inconstante em seus amores e
seus ódios; confiar-lhe o poder é aceitar a tirania de um ser incapaz da menor
reflexão e do menor rigor. Quanto às pretensas discussões na Assembleia, são
apenas disputas contrapondo opiniões subjetivas, inconsistentes, cujas
contradições e lacunas traduzem bastante bem o seu caráter insuficiente.
Citado por: CHATELET, F. História das Ideias Políticas. Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p. 17

Os argumentos de Platão, filósofo grego da antiguidade, evidenciam uma forte


crítica à:
a) Monarquia.
b) Democracia.
c) República.
d) Plutocracia.
e) Oligarquia.

58
7. A teoria das almas de Platão fundamenta-se como necessária para a organização
político-social da cidade ideal. Diante disso, organize as colunas abaixo
evidenciando a disposição correta.

Coluna 1:
1. Alma Racional.
2. Alma Irascível.
3. Alma Apetitiva.
Coluna 2:
( ) Guerreiros.
( ) Governantes.
( ) Trabalhadores.

a) 2,3,1.
b) 1,3,2.
c) 2,1,3.
d) 3,2,1.
e) 1,2,3.

8. ENEM – (Adaptado)
Para Platão, o que havia de verdadeiro em Parmênides era que o objeto de
conhecimento é um objeto de razão e não de sensação, e era preciso estabelecer
uma relação entre objeto racional e objeto sensível ou material que privilegiasse o
primeiro em detrimento do segundo. Lenta, mas irresistivelmente, a Doutrina das
Ideias formava-se em sua mente.
ZINGANO, M. Platão e Aristóteles: o fascínio da filosofia. São Paulo: Odysseus, 2012 (adaptado).

O texto faz referência à relação entre razão e sensação, um aspecto essencial da


Doutrina das Ideias de Platão (427 a.C.-346 a.C.). De acordo como texto, como
Platão se situa diante dessa relação?
a) Rejeitando a posição de Parmênides de que a sensação é superior à razão.
b) Atendo-se à posição de Parmênides de que razão e sensação são inseparáveis.
c) Afirmando que a razão é capaz de gerar conhecimento, mas a sensação não.
d) Privilegiando os sentidos e subordinando o conhecimento a eles. Estabelecendo
um abismo intransponível entre as duas.
e) Discordando que a razão é capaz de gerar conhecimento, mas a sensação não.

59
A FILOSOFIA DE ARISTÓTELES UNIDADE

5.1 ARISTÓTELES
05
O filósofo Aristóteles (384 a. C. – 322 a.C.) apresenta-se como um dos mais
UNIDADE
importantes pensadores de todos os tempos. ‘Mestre daqueles que sabem’, o
pensamento aristotélico determina-se como a primeira grande sistematização do
saber filosófico.

05
Nascido na cidade fronteiriça de Estágira, próximo à Macedônia, aos dezoito
anos, Aristóteles dirigiu-se à cidade de Atenas com o propósito de tornar-se discípulo
de Platão em matéria de filosofia. Não obstante, após os ensinamentos do
platonismo, Aristóteles fundamentou o seu próprio sistema filosófico divergindo de seu
mestre em questões centrais para a apresentação e o direcionamento da filosofia.

Figura 26: Busto de Aristóteles

Fonte: (RECORDER, s.d)

Logo de início, o pensamento aristotélico propõe a apresentação da filosofia


sistemática “em direção a um método rigoroso de argumentação crítica”
(TEODORO, 2020, p. 71) e, principalmente, Aristóteles situa a reflexão filosófica, como
veremos adiante, a partir de questões empíricas provindas da observação da
realidade material, posicionamentos que, por sua vez, fazem-se completamente
60
diferentes da filosofia platônica que se apresenta por meio de diálogos e importa-se
com o inteligível (ou ideal) renegando a realidade material.
A filosofia de Aristóteles dirige-se à investigação da totalidade do real,
englobando-o em um sistema conhecível através do método investigativo filosófico-
sistemático. Assim, o pensamento aristotélico interroga-se sobre as questões mais
fundamentais acerca da natureza indo até aquelas de fundamentação metafísica,
tais como a busca pela origem/essência dos seres. Ressalta-se ainda que Aristóteles
foi o fundador, em oposição à Academia de Platão, da Escola Peripatética como
um modelo de educação filosófica baseado na prática de ensino por meio da
caminhada, isto é, do passeio (peripatein) pelos jardins onde as aulas eram
ministradas.

Segundo Reale e Antiseri (1990), os escritos de Aristóteles dividem-se em dois


grupos: os exotéricos e os esotéricos. O primeiro grupo, destinado ao público, perdeu-
se completamente ao longo da história, contudo, o segundo, os escritos esotéricos,
“o fruto e a base da atividade didática” (REALE; ANTISERI,1990, p. 175) destinada aos
peripatéticos, não apenas permaneceu intocado, como também é a parte principal
do sistema filosófico aristotélico, podendo, inclusive, ser dividido do seguinte modo:

Quadro 5: Os escritos filosóficos aristotélicos


OBRA TEMA
Orgánon Lógica e Linguagem

61
Física / História dos animais Filosofia Natural
Sobre a alma / Metafísica Metafísica
Ética a Nicômaco / Política Ética/Política
Poética / Retórica Arte e Linguagem
Fonte: Adaptado de REALE, G.; ANTISERI, D. (1990. P. 175 – 176)

5.2 O PENSAMENTO DE ARISTÓTELES

Além da concepção da filosofia como um conjunto unitário, isto é, um todo


composto de diversas unidades intercambiáveis, o pensamento aristotélico
determina a observação da natureza como ponto de partida para a obtenção do
conhecimento empírico e, consequentemente, o pensador de Estágira determina a
realidade como um apoio factual para as suas elaborações metafísicas.
Diante disso, é com Aristóteles que a investigação da natureza se torna objeto
de um método. Em outros termos, o filósofo determina caminhos metodológicos
dedutivos e indutivos para o conhecimento formal da realidade, pautado-se nos
seguintes passos: a) Definição do objeto; b) Enumeração das soluções históricas; c)
Proposição de dúvidas; d) Soluções; e) Refutação dos sentidos contrários.

O conhecimento e a lógica

Os métodos dedutivo e indutivo de Aristóteles pressupõem um avanço


considerável no que diz respeito à configuração do raciocínio filosófico. O primeiro
deles, o método dedutivo, será o precursor da lógica aristotélica baseada,
sobretudo, no entendimento de que o ser humano racional é capaz de deduzir
conclusões. Nesse sentido, o pensador apresenta o método dedutivo fundamentado
no modo de argumentação lógico-silogístico, segundo o qual é possível afirmar a
ligação entre três proposições (a premissa 1; a premissa 2; e a conclusão) para a
determinação da veracidade/validade do conhecimento. Assim, a validade da
conclusão é determinada a partir da sua relação com suas premissas, conferindo,
portanto, uma conexão perfeita entre os termos argumentativos.
Ademais, a lógica silogística gera uma relação de dependência entre as
preposições e as conclusões, uma vez que a veracidade das premissas confere a
validade da conclusão. Pode-se demonstrar o procedimento dedutivo / silogístico de
Aristóteles com o seguinte exemplo abaixo:
62
Figura 28: Silogismos de Aristóteles

Fonte: (COLEGIO WEB, 2014)

Com auxílio da figura acima é possível deduzirmos o modo de funcionamento


do silogismo aristotélico, uma vez que, logicamente, a conclusão é confirmada pelas
premissas. De fato, a primeira premissa (“Todos os homens são mortais”) configura-se
como a premissa maior dotada de um caráter universal, pois diz respeito a “todos”;
a segunda premissa (“Sócrates é homem”), a premissa menor, apresenta-se com um
caráter particular, isto é, individual, remetendo-se ao indivíduo Sócrates; deste modo,
a conclusão (“Portanto, Sócrates é mortal”) deriva-se do jogo lógico-argumentativo
apresentado pelas premissas. Ademais, é imprescindível ressaltar que o método
dedutivo de Aristóteles se apresenta como a produção de verdades, confirmando
particularidades por meio de uma remissão direta ao universal.
O método indutivo proposto por Aristóteles coloca-se na direção contrária ao
método dedutivo, pois parte de generalizações (particulares) para a determinação
do universal e, sobretudo, porque as suas conclusões não se determinam como
verdades, mas sim como conclusões racionais ou prováveis. Deste modo, as relações
entre as premissas e as conclusões não são completamente determinantes, uma vez
que o importante é a probabilidade de induzir a argumentação na concepção de
conhecimentos novos.
Com efeito, na indução, a conclusão pode ser induzida pelas premissas, mas
não provém necessariamente delas, como no método dedutivo. Assim, as
conclusões precisam, de fato, serem testadas e comprovadas para a determinação

63
de sua validade. Posteriormente, na modernidade, a indução aristotélica será alvo
de crítica devido a sua insegurança como método científico, justamente, porque,
por meio dela, pode-se chegar a conclusões errôneas. Diante disso, o método
indutivo foi aprimorado pelo pensador Francis Bacon na formulação do método
científico empírico.

Os métodos do conhecimento fornecidos por Aristóteles relacionam-se,


diretamente, com a apreensão empírica da natureza que, diferentemente de Platão,
fornece substratos determinantes para a compreensão do conhecimento metafísico.

A metafísica

A metafísica insere-se no sistema filosófico aristotélico como a filosofia primeira,


ao perguntar-se sobre a essência dos seres. Com efeito, a metafísica ocupa-se
daquilo que se encontra além da realidade, contudo, diferentemente do proposto
pelo pensamento platônico de uma metafísica fundada no mundo inteligível, a
filosofia primeira, de acordo com Aristóteles, pergunta-se pelo “ser enquanto ser” no
local onde as coisas acontecem, isto é, na própria realidade.

Portanto, a busca pela essência, de acordo com Aristóteles não prevê


uma superação da realidade física, mas, pelo contrário, trata-se de
conhecer o ser dos sujeitos e das coisas na realidade em que se

64
encontram inseridos demarcando, enfim, um afastamento do modelo
dualista platônico de horizonte metafísico. Assim, as elaborações da
metafísica aristotélica estão ancoradas numa relação de
reciprocidade com a Natureza. (TEODORO, 2020, p. 72 – grifos nossos)

Ademais, a metafísica de Aristóteles toma os seguintes direcionamentos como


princípios investigativos fundamentais: a) o primeiro motor ou o ser divino no qual está
contida toda a realidade suprema e cuja essencialidade é perfeita e imutável; b) a
investigação de causas e princípios primeiros de todas as coisas e de todos os seres
naturais existentes mediante o questionamento das causas materiais (o material que
faz o ser / sua potência a ser transformada), causa formal (a forma que o ser possui /
o ato que dá forma ao material), a causa eficiente (a explicação da transformação
da matéria em forma) e a causa final (a finalidade); e, finalmente, c) as substâncias
e os predicados determinados como os elementos essenciais e acidentais que
constituem o ser.

A ética e a poética

O sistema filosófico de Aristóteles apresenta considerações fundamentais em


relação a dois campos do saber filosófico, os campos da ética e da poética. No que
diz respeito à ética, a obra aristotélica Ética à Nicômaco apresenta-se como uma
importante fundamentação ética universal ao determinar-se como um modelo de
doutrina a ser seguido pelos habitantes da pólis. No âmbito das investigações sobre
as artes, A poética reabilita a arte como modelo pedagógico de atuação para a
formação dos cidadãos da pólis.

65
Figura 30: Aristóteles apontando para a materialidade. (Trecho da pintura “A escola
de Atena” (1509 –1511) – Rafael Sanzio)

Fonte: (JPHYLOSOPHYA, s.d )

Aristóteles definiu a sua doutrina ética como uma ética das virtudes, ou seja,
trata-se de um modelo doutrinário de conduta que possui como fundamento a
educação das virtudes para que o sujeito seja capaz de atuar politicamente na
cidade visando o bem comum.
O alcance do bem comum ocorre por meio da educação virtuosa que
procura equilibrar as demandas das paixões e os ditames da razão procurando,
sobretudo, efetivar a elevação da temperança entre o excesso e a falta como
modelo ético de vida ativa. O bom cidadão seria, portanto, aquele sujeito capaz de
equilibrar as paixões e as razões para o exercício do trato político e, finalmente,
alcançar a finalidade visada pela ética aristotélica: a felicidade (eudaimonia).
Na Poética, o filósofo preocupa-se com o local da arte na pólis, pois, se o
pensamento de Platão impõe uma condenação à arte ao considerá-la afastada da
verdade por imitar a realidade sensível, Aristóteles, por sua vez, reabilita a arte e,
consequentemente, a mímesis (imitação) como parte fundamental do humano e da
vida social.
Segundo Aristóteles, a mímesis tem um papel determinante na constituição do
sujeito que, inicialmente, apreende o mundo através da imitação, isto é:

[...] trata-se da reconsideração da arte imitativa em suas dimensões


antropológicas e culturais, compreendendo a imitação como um
66
traço congênito ao sujeito, pois, desde o nascimento, o ser humano
apreende o mundo por meio da imitação (o bebê que imita os gestos
dos pais) e, não somente, passa a fazer parte da cultura dos
habitantes da polis o deleite com as artes da imitação. (TEODORO,
2020, p. 85)

Diante disso, a arte imitativa, em especial a tragédia grega, assume um local


central na pólis enquanto meio / modo educativo. Logo, então, a tragédia coloca-
se como uma imitação verossímil da realidade com a função da produção da
catarse dos sentimentos conflitantes existentes no meio social. Por catarse podemos
entender o movimento de purificação / purgação dos sentimentos de terror e de
piedade no momento em que o espectador se reconhece no espetáculo cênico,
evitando, portanto, que tais sentimentos sejam, de fato, realizados no cenário da
realidade social.
Não é exagerado pensar que Aristóteles buscou trafegar por diversos saberes
e campos de atuação que envolvem o humano procurando, principalmente,
desvelar as ações deste na materialidade empírica / natural. Assim, o sistema
filosófico aristotélico procurou, efetivamente, abarcar a totalidade dos saberes sem
considerar as infrutíferas fronteiras que limitavam a filosofia.

67
FIXANDO O CONTEÚDO

1. ENEM 2013 – (Adaptado)


A felicidade é, portanto, a melhor, a mais nobre e a mais aprazível coisa do
mundo, e esses atributos não devem estar separados como na inscrição
existente em Delfos “das coisas, a mais nobre é a mais justa, e a melhor é a
saúde; porém a mais doce é ter o que amamos”. Todos estes atributos estão
presentes nas mais excelentes atividades, e entre essas a melhor, nós a
identificamos como felicidade.
ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Cia. das Letras, 2010.

Ao reconhecer na felicidade a reunião dos mais excelentes atributos, Aristóteles a


identifica como:
a) conhecimento de verdades imutáveis e perfeitas.
b) finalidade das ações e condutas humanas.
c) expressão do sucesso individual e reconhecimento público.
d) plenitude espiritual e ascese pessoal.
e) busca por bens materiais e títulos de nobreza.

2. UEL – (Adaptado)
A virtude é, pois, uma disposição de caráter relacionada com a escolha e consiste
numa mediania, isto é, a mediania relativa a nós, a qual é determinada por um
princípio racional próprio do homem dotado de sabedoria prática.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Livro II, p. 273

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a situada ética em Aristóteles, pode-
se dizer que a virtude ética:
a) baseia-se no que é mais prazeroso em sintonia com o fato de que a natureza é
que nos torna mais perfeitos.
b) consiste na eleição de um dos extremos como o mais adequado, isto é, ou o
excesso ou a falta.
c) pauta-se na escolha do que é mais satisfatório em razão de preferências
pragmáticas.

68
d) implica na escolha do que é conveniente no excesso e do que é prazeroso na
falta.
e) reside no equilíbrio, que consiste numa escolha situada entre o excesso e a falta.

3. ENEM (2016) – (Adaptado)


Ninguém delibera sobre coisas que não podem ser de outro modo, nem sobre as
que lhe é impossível fazer. Por conseguinte, como conhecimento científico envolve
demonstração, mas não há demonstração de coisas cujos primeiros princípios são
variáveis (pois todas elas poderiam ser diferentemente), e como é impossível
deliberar sobre coisas que são por necessidade, a sabedoria prática não pode ser
ciência, nem arte: nem ciência, porque aquilo que se pode fazer é capaz de ser
diferentemente, nem arte, porque o agir e o produzir são duas espécies diferentes
de coisa. Resta, pois, a alternativa de ser ela uma capacidade verdadeira e
raciocinada de agir com respeito às coisas que são boas ou más para o homem.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

Aristóteles considera a ética como pertencente ao campo do saber prático. Nesse


sentido, ela difere dos outros saberes porque é caracterizada como:
a) a conduta doutrinária definida pela capacidade racional de escolha.
b) capacidade de escolher de acordo com padrões científicos.
c) conhecimento das coisas importantes para a vida do homem.
d) técnica que tem como resultado a produção de boas ações.
e) política estabelecida de acordo com padrões democráticos de deliberação.

4. A definição de Silogismo para Aristóteles pode ser compreendida do seguinte


modo:
a) o silogismo é um modelo de conduta ética.
b) o silogismo é uma determinação poética de contemplação do belo.
c) o silogismo é uma forma lógica-argumentativa.
d) o silogismo é um método de investigação metafísica.
e) o silogismo é uma substância inerente ao político.

5. A filosofia de Aristóteles pode ser definida como:

69
a) uma filosofia sistemática em direção a um método rigoroso de argumentação.
b) uma filosofia dialógica fundamentada na busca por um mundo ideal.
c) uma filosofia empírica direcionada ao entendimento da realidade como algo
ausente de materialidade.
d) uma filosofia retórica fundada na capacidade de persuasão.
e) uma filosofia idealista e metafísica.

6. Leia o texto e responda a seguir:


Além da concepção da filosofia como um conjunto unitário, isto é, um todo
composto de diversas unidades intercambiáveis, o pensamento aristotélico
determina a observação da natureza como ponto de partida para obtenção do
conhecimento empírico e, consequentemente, o pensador de Estágira determina
a realidade como um apoio factual para as suas elaborações metafísicas.

A partir do texto, o pensamento aristotélico pode ser entendido como:


a) um pensamento dialético que propõe uma ruptura entre os âmbitos físicos e
metafísicos.
b) um pensamento racionalista fundado na certeza do cogito e superação da
realidade física.
c) um pensamento sistemático que toma o conhecimento empírico como parte
fundamental da compreensão dos âmbitos físicos e metafísicos.
d) um pensamento unitário que propõe apenas a experiência como fundamento da
filosofia.
e) um pensamento político-filosófico fundado na proeminência do físico sobre o
metafísico.

7. ENEM – 2014 (Adaptado)


Ao falar do caráter de um homem não dizemos que ele é sábio ou que possui
entendimento, mas que é calmo ou temperante. No entanto, louvamos também
o sábio, referindo-se ao hábito; e aos hábitos dignos de louvor chamamos virtude.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1973.

Em Aristóteles, o conceito de virtude ética expressa a:


a) excelência de atividades praticadas em consonância com o bem comum.
70
b) concretização utilitária de ações que revelam a manifestação de propósitos
privados.
c) concordância das ações humanas aos preceitos emanados da divindade.
d) realização de ações que permitem a configuração da paz interior.
e) manifestação de ações estéticas, coroadas de adorno e beleza.

8. (UEL - 2015) Leia o texto a seguir.


É, pois, manifesto que a ciência a adquirir é a das causas primeiras (pois dizemos
que conhecemos cada coisa somente quando julgamos conhecer a sua primeira
causa); ora, causa diz-se em quatro sentidos: no primeiro, entendemos por causa
a substância e a essência (o “porquê” reconduz-se pois à noção última, e o
primeiro “porquê” é causa e princípio); a segunda causa é a matéria e o sujeito; a
terceira é a de onde vem o início do movimento; a quarta causa, que se opõe à
precedente, é o “fim para que” e o bem (porque este é, com efeito, o fim de toda
a geração e movimento).

Adaptado de: ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Abril S. A. Cultural, 1984. p.16. (Coleção Os
Pensadores.)

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o tema, assinale a alternativa que
indica, corretamente, a ordem em que Aristóteles apresentou as causas primeiras.
a) Causa final, causa eficiente, causa material e causa formal.
b) Causa formal, causa material, causa final e causa eficiente.
c) Causa formal, causa material, causa eficiente e causa final.
d) Causa material, causa formal, causa eficiente e causa final.
e) Causa material, causa formal, causa final e causa eficiente.

71
A FILOSOFIA HELENISTA UNIDADE

06
UNIDADE
6.1 A CULTURA HELENISTA

06
O termo helenista demarca um período histórico que engloba o imperador
macedônio Alexandre Magno (356 a.C. - 323 a.C.), o Grande, até a anexação da
Grécia pelo Império Romano. Com efeito, por meio da expansão das relações dos
gregos com outros povos, tem-se a configuração de uma estrutura cosmopolita4.
Nesse sentido, tem-se a noção de que os sujeitos não se restringem apenas ao
espaço delimitado pela pólis grega; mas, pelo contrário, são cidadãos do mundo
capazes de se relacionarem com diversas culturas.

72
A cultura helenista é marcada pela difusão dos modos de vida e cultura
gregos colocados em diálogo com a pluralidade de outros saberes advindos dos
povos que preenchiam a extensão do Império de Alexandre, dando ensejo, portanto,
a uma cultura híbrida, ou seja, helenística que, consequentemente, atuou como
influência à formação do Império Romano.

Ademais, o período helenista é demarcada pela profusão de escolas


filosóficas preocupadas com a difusão do modo de razão grego, marcada pela
investigação em busca da sabedoria. Nesse sentido, segundo Reale e Antiseri (1990):

Compreende-se assim que o pensamento helenístico tenha se


concentrado sobretudo nos problemas morais que se impunham a
todos os homens. E, propondo os grandes problemas da vida e
algumas soluções para eles, os filósofos dessa época criaram algo de
verdadeiramente grandioso e excepcional, o cinismo, o epicurismo e
o estoicismo, propondo modelos de vida nos quais os homens
continuaram a se inspirar ainda durante outro milênio e que, ademais,
tornaram-se paradigmas espirituais, verdadeiras “conquistas para
todo o sempre”. (REALE; ANTISERI, 1990, p. 230)

Com efeito, a filosofia helenística determina a ruptura com o modelo clássico


proposto pela filosofia anterior e, ao preocupar-se com a reflexão sobre os problemas
éticos e morais, torna-se, principalmente, uma tentativa terapêutica de responder ou
de cuidar dos sujeitos em meio às angústias provenientes das obrigações resultantes
da vida social. Para tanto, conforme veremos a seguir, a filosofia helenista divide-se
em três modelos de compreensão e, consequentemente, de existir no mundo
segundo três escolas de pensamento: o cinismo, o epicurismo e o estoicismo.
73
6.2 AS ESCOLAS DE FILOSOFIA HELENISTA

Como dito acima, a filosofia helenista divide-se em diferentes escolas de


pensamento, o cinismo, cuja determinação principal é o desprezo por todos os bens
materiais e pelo prazer; o epicurismo, determinando a constante busca pelo prazer;
e o estoicismo que, ao se colocar como um modelo de vida ética, acentuava a
filosofia como um exercício de vida e não somente uma atividade teórica.

O cinismo

Criada pelo filósofo Antístenes (445 a.C. – 365 a.C.), a Escola Cínica
fundamenta-se como um modo de vida que se opõe à acumulação de bens
materiais e ao exercício pleno do prazer. Com efeito, o modo de vida cínico rejeita
a “vida que se baseia na investigação científica, bem como também aquilo que os
homens em geral consideram indispensável: as regras, a vida em sociedade, a
propriedade, o governo, a política, etc.” (CABRAL) Não obstante, a palavra “cinismo”
tem como significado viver como um cão, ou seja, viver completamente livre de
quaisquer determinações sociais ou materiais.
De acordo com Braga Júnior e Lopes (2015), o movimento delimitado como
cinismo difunde a ideia de que não é possível buscar os conhecimentos nos saberes
científicos, mas, sim, no autoconhecimento promovido pelo desprezo dos bens
materiais e na vida simples, isto é, na vida vivida como um cão, completamente
desprovida de conforto material.
Diógenes de Síncope (413 a.C. – 323 a.C.) é considerado o maior expoente da
escola cínica e defensor da vida segundo as suas próprias convicções.

74
Figura 33: Diógenes sentado em seu barril cercado por cães (1860) - Jean-Léon

Gérôme
Fonte: (GÉRÔME, 1824–1904)

Com efeito, Diógenes, “O cínico”, aprofunda os ensinamentos de Antístenes e


propõe a filosofia cínica como um modo de vida filosófico fundamentado na decisão
inquebrantável de viver uma vida simples, despojada de conforto, ausente de bens
materiais e, principalmente, devotado à autossuficiência e à coragem de agir / viver
segundo as próprias convicções.
De acordo com Reale e Antiseri (1990, p. 231), em sua radicalidade, “Diógenes
rompeu com a imagem clássica do homem grego” e, em seu lugar, determinou a
busca por um ser humano livre de toda exterioridade material e de todas as
convenções sociais, em suma, um sujeito que “sabe reencontrar sua genuína
natureza, sabe viver conforme essa natureza e, assim, sabe ser feliz” (REALE; ANTISERI,
1990, p. 231).
O reencontro com a natureza de que fala Diógenes diz respeito,
principalmente, ao proclame da (re)afirmação das necessidades mais primárias do

75
ser humano, aquelas que finalmente o levam, segundo o Cínico, ao encontro com a
sua animalidade.
Trata-se ainda do posicionamento cínico com relação às afirmações
científicas provenientes do logos filosófico / matemático, isto é, para Diógenes, trata-
se de viver segundo os meios fáceis da vida, distantes dos modelos filosóficos,
matemáticos, astronômicos, platônicos, aristotélicos fundamentais à vida na Grécia
Clássica.

O epicurismo

A Escola epicurista, conduzida por Epicuro (341 a. C –270 a.C.), fundamenta-


se como uma verdadeira revolução no que diz respeito à educação no período
helenista. Em contraposição à Academia de Platão e à Escola Peripatética de
Aristóteles, símbolos teóricos e arquitetônicos do passado clássico, as lições
hedonistas propostas por Epicuro eram ministradas no silêncio do jardim, distante do
burburinho do centro de Atenas e propício à nova sensibilidade contemplativa do
helenismo.

76
Figura 35: O Jardim dos filósofos (1834) - Antal Strohmayer

Fonte: (STROHMAYER, 1834)

Os ensinamentos provindos do Jardim de Epicuro podiam, segundo Reale e


Antiseri (1990), serem resumidos nas seguintes proposições:

a) a realidade é perfeitamente penetrável e cognoscível pela


inteligência do homem; b) nas dimensões do real existe espaço para
a felicidade do homem; c) a felicidade é a falta de dor e perturbação;
d) para atingir a felicidade e essa paz, o homem só precisa de si
mesmo; e) não lhe servem absolutamente a cidade, as instituições, a
nobreza, as riquezas, todas as coisas e nem mesmo os deuses: o
homem é perfeitamente “autárquico”. (REALE; ANTISERI, 1990, p. 237)

Na filosofia epicurista, a plenitude da felicidade humana só pode ser


encontrada, de fato, no próprio homem. Em outros termos, a felicidade seria a
manifestação do homem em seu estado de autarquia, compreendido como alguém
pleno de liberdade, de autossuficiência e de autonomia do pensamento e das ações
realizadas consigo mesmo.

77
Figura 36: Busto de Epicuro

Fonte: (DESCONHECIDO ARTIST, s.d)

O cânone filosófico de Epicuro assenta-se sobre o ideal hedonismo, isto é, no


exercício do prazer enquanto busca pela felicidade. Nesse sentido, conforme
determinam Braga Júnior e Lopes (2015), a felicidade, para os epicuristas, é a
ausência de dor e de perturbações que somente seria encontrada no exercício
pleno do prazer enquanto a finalidade última da existência. Ressalta-se ainda que,
para Epicuro, existem prazeres de diferentes ordens: os prazeres imediatos ligados às
paixões e os prazeres duradouros ligados às artes e ao intelecto. Assim, o sujeito
epicurista fundamentar-se-ia na busca “pelo prazer de uma alma sem perturbação
(ataraxia)” e na “fuga da dor (aponia)” (BRAGA JÚNIOR; LOPES, 2015, p. 205), ambas
alcançadas, principalmente, pelo prazer filosófico.

78
O estoicismo

O estoicismo, fundado por Zenão de Cítio (333 a.C. – 263 a.C.), destaca-se no
período helenista como uma filosofia que afirma as virtudes através dos
comportamentos ao invés das palavras, em outros termos, as ações devem ser
tomadas de acordo com as crenças dos sujeitos que as realizam.
Por ser estrangeiro, a Zenão de Cítio não foi permitida a posse de um imóvel
no território ateniense, portanto, ele ministrava seus ensinamentos no pórtico (stoá)
da cidade. Diante disso, os discípulos de Zenão foram chamados de os da Estoá ou,
simplesmente, estoicos.
Com efeito, tem-se como determinação central de um estoicismo inicial
pensado por Zenão a ideia de que: “Não podemos mudar este mundo, mas
podemos compreender e viver segundo o que essa Razão Universal propõe,
mediante a filosofia” (BRAGA JÚNIOR; LOPES, 2015, p. 208), ou seja, há uma
determinação traçada pela racionalidade, em consonância com as virtudes morais
e com a natureza, que permite ao sujeito adequar-se à realidade racional à qual
todos os sujeitos pertencem.
De acordo com Reale e Antiseri (1990), no Pórtico de Zenão, diferentemente
do Jardim de Epicuro, “admitia-se a discussão crítica em torno dos dogmas
fundadores da escola, fazendo com que tais dogmas ficassem sujeitos a
aprofundamentos, revisões e reformulações” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 252), deste
modo, o estoicismo, em relação às demais filosofias helenistas, beneficia-se por meio
da constante evolução de seu modelo de pensar.

79
Apesar de ter sido fundada na Grécia como uma filosofia da ação é
precisamente em Roma que a filosofia estoica irá se destacar, sobretudo, através dos
ensinamentos de Lucius Annaeus Sêneca (4 a.C – 65 d.C.) que se destacou como
membro de Senado Romano.

Figura 38: Busto de Sêneca

Fonte: (GRANDMONT, s.d)

Sêneca, educado em retórica e filosofia, pensa o estoicismo como uma


modalidade de vida moral demonstrando que a atividade filosófica “seria um
remédio para os males da alma e uma forma de educar os homens no exercício de
ações virtuosas” (BRAGA JÚNIOR; LOPES, 2015, p. 210). Nesse sentido, remediar os
males seria a propedêutica de uma filosofia direcionada à condução virtuosa dos
comportamentos dos seres humanos.
Educar virtuosamente para Sêneca seria, portanto, direcionar o sujeito racional
para a realização da distinção entre o bem e o mal e, não muito distante dos
ensinamentos propostos pelo cínico Diógenes, ensinar é abandonar as diretrizes que
impõem a constante necessidade da elevação material.

80
Finalmente, na filosofia de Sêneca, trata-se da consolidação do ser humano
como capaz de aceitar os desmandos da fortuna, isto é, pensa-se na construção de
um homem de ataraxia e de resiliência capaz de, com serenidade, absorver os
revezes da sorte e das coisas que se colocam como exteriores e distantes das suas
possibilidades de determinação.

81
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (Enem 2014)

Alguns dos desejos são naturais e necessários; outros, naturais e não necessários;
outros, nem naturais nem necessários, mas nascidos de vã opinião. Os desejos que
não nos trazem dor se não satisfeitos não são necessários, mas o seu impulso pode
ser facilmente desfeito, quando é difícil obter sua satisfação ou parecem
geradores de dano.
EPICURO DE SAMOS. “Doutrinas principais”. In: SANSON, V. F. Textos de filosofia.
Rio de Janeiro: Eduff, 1974.

No fragmento da obra filosófica de Epicuro, o homem tem como fim:


a) alcançar o prazer moderado e a felicidade.
b) valorizar os deveres e as obrigações sociais.
c) aceitar o sofrimento e o rigorismo da vida com resignação.
d) refletir sobre os valores e as normas dadas pela divindade.
e) defender a indiferença e a impossibilidade de se atingir o saber.

2. UENP (Adaptada)
Julgue as afirmações sobre a filosofia helenista.
I. É o último período da filosofia antiga, quando a pólis grega desaparece em razão
de invasões sucessivas, por persas e romanos, sendo substituída pelo
cosmopolitismo, categoria de referência que altera a percepção de mundo do
grego, principalmente no tocante à dimensão política.
II. É um período constituído por grandes escolas filosóficas que apresentam
explicações situadas no âmbito da vida e dos comportamentos dos sujeitos.
III. Surgem nesse período a filosofia estoica, o epicurismo, o ceticismo e o cinismo.

Estão corretas as afirmativas:


a) apenas III.
b) apenas I e II.
c) apenas II e III.
d) todas as alternativas.
e) apenas I.

82
3. Quais das correntes filosóficas abaixo podem ser consideradas helenistas?
a) Epicurismo; Marxismo; Cinismo.
b) Platonismo; Estoicismo; Epicurismo.
c) Cinismo; Epicurismo; Estoicismo.
d) Cinismo; Platonismo. Estoicismo.
e) Materialismo; Platonismo; Estoicismo.

4. Diógenes, o Cínico, aprofunda os ensinamentos de Antístenes, ao salientar que o


cinismo tem como ponto de partida:
a) a predileção por uma vida complexa, ornamentada pelo acúmulo de bens
materiais.
b) a determinação de uma vida em direção à transcendência provinda pelas
riquezas da alma.
c) a busca pelo exercício do pleno prazer material.
d) a busca por uma vida simples, autossuficiente e vivida segundo suas próprias
convicções.
e) a delimitação de uma vida segundo critérios de exterioridade.

5. (Fundação Carlos Chagas – SP) – (Adaptada)


O termo ataraxia designa o ideal da imperturbabilidade ou da serenidade da
alma, em decorrência do domínio sobre as paixões ou da extirpação destas.
(Abbagnano, N. Dicionário de filosofia)

a) Materialismo e epicurismo.
b) Cinismo e idealismo.
c) Estoicismo e epicurismo.
d) Existencialismo e cinismo.
e) Epicurismo e platonismo.

6. O estoicismo se caracteriza como uma filosofia da ação, ou seja, é o


comportamento e não a teoria que determina as ações virtuosas do sujeito. Deste
modo, Sêneca, um dos mais influentes pensadores da escola estoica determina:

83
a) que o ser humano deve resignar-se à fortuna e desesperar-se diante dos
acontecimentos exteriores.
b) que o ser humano deve aceitar os desmandos da fortuna e possuir resiliência e
serenidade para compreender que os acontecimentos exteriores ocorrem
independentemente da sua vontade.
c) que o ser humano deve ater-se à fortuna que lhe impõe os valores materiais como
determinações infalíveis.
d) que a vida do ser humano pode ser estritamente controlada segundo as
determinações exteriores.
e) que não há direcionamento que não possa ser remediado pelas ações de homens
não virtuosos.

7. O hedonismo, segundo Epicuro, é a fonte da felicidade humana. Assim, podemos


definir o hedonismo como:
a) Racionalidade.
b) Materialidade.
c) Idealismo.
d) Empirismo.
e) Prazer.

8. Retornar à natureza, segundo Diógenes significa:


a) retornar à animalidade e às necessidades primárias do sujeito.
b) retornar à physis como determinação da origem do cosmos.
c) retornar a uma instância delimitada pelo saber científico.
d) retornar às necessidades impostas pelo acúmulo de bens materiais.
e) retornar aos elementos naturais desprovidos de sua autenticidade.

84
RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO

UNIDADE 1: MITO E CULTURA GREGA


UNIDADE 4: A FILOSOFIA DE PLATÃO
QUESTÃO 1 C
QUESTÃO 2 D QUESTÃO 1 C
QUESTÃO 3 D QUESTÃO 2 B
QUESTÃO 4 C QUESTÃO 3 D
QUESTÃO 5 A QUESTÃO 4 C
QUESTÃO 6 C QUESTÃO 5 A
QUESTÃO 7 B QUESTÃO 6 B
QUESTÃO 8 A QUESTÃO 7 C
QUESTÃO 8 C
UNIDADE 2: O SURGIMENTO DOS LOGOS
UNIDADE 5: A FILOSOFIA DE ARISTÓTELES
QUESTÃO 1 B
QUESTÃO 2 C QUESTÃO 1 B
QUESTÃO 3 E QUESTÃO 2 E
QUESTÃO 4 D QUESTÃO 3 A
QUESTÃO 5 A QUESTÃO 4 C
QUESTÃO 6 E QUESTÃO 5 A
QUESTÃO 7 D QUESTÃO 6 C
QUESTÃO 8 E QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 D
UNIDADE 3: O SOFISTA E A PALAVRA
UNIDADE 6: A FILOSOFIA HELENISTA
QUESTÃO 1 B
QUESTÃO 2 E QUESTÃO 1 A
QUESTÃO 3 C QUESTÃO 2 D
QUESTÃO 4 C QUESTÃO 3 C
QUESTÃO 5 C QUESTÃO 4 D
QUESTÃO 6 A QUESTÃO 5 C
QUESTÃO 7 D QUESTÃO 6 B
QUESTÃO 8 A QUESTÃO 7 E
QUESTÃO 8 A

85
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em: 05 fev. 2020.

88
A IDADE MÉDIA UNIDADE

7.1 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS: PERÍODOS E DETERMINAÇÕES


07
A Idade Média diz respeito ao período histórico compreendido entre os séculos
V e XV, tendo, portanto, o seu início delimitado pela desagregação ou queda do
UNI-
Império Romano, ocorrida, aproximadamente, no ano de 476 d.C.

0
Nesse sentido, conforme ressalta Costa (2016, p. 06, grifo nosso), a “Idade Mé-
dia foi o período da História no qual se consumou a mescla de povos já romanizados
DADE
com os outros que irromperam pelas fronteiras naturais da parte ocidental da Eu-
ropa”. A mescla de povos, ainda em proximidade com o fim do Império Romano, foi
determinante para a potencialização de um modelo de pensamento e, consequen-
temente, da fundação de um modo de vida propriamente medieval.
1
Como veremos mais adiante, o modo de vida central nos períodos compreen-
didos como Alta Idade Média (sécs. V a X) e Baixa Idade Média (sécs. X a XV), é o
modo feudal, pautado pelo feudalismo, isto é, pela determinação de uma economia
rural. Os aspectos do feudalismo caracterizam-se como um modelo sócio-político de
organização da realidade/sociedade tendo como premissa fundamental o regime
de servidão, isto é, trata-se da organização social delimitada pela existência dos ser-
vos e dos senhores feudais.

Figura 1: Reeve e os servos (Ilustração Medieval – 1310)

Fonte: Wikimedia Comonns (2009, online)

6
É importante pensarmos a configuração da relação feudal existente entre os
servos e os senhores partindo, sobretudo, do entendimento de que tal relação se ins-
titui como uma relação de exploração na qual o senhor do feudo, isto é, o senhor das
terras (a aristocracia) nas quais os alimentos (como cereais, verduras e frutas) eram
cultivados e os animais (como gado e ovelhas) eram criados, cedia aos servos (os
camponeses) – em um regime de arrendamento – um espaço territorial no qual eles,
os servos, trabalhariam – cultivariam a terra/ cuidariam e criariam os animais – e, em
consequência de tal trabalho, eles estariam em um regime de proteção concedido
pelo senhor feudal e retirariam de sua produção uma pequena parcela para a sua
subsistência na faixa de terra (manso servil) que lhe era concedida pelo senhor feu-
dal.
Sobre o feudalismo, Silva (2019a, p. 45, grifo nosso), na obra História Medieval:

[...] o termo “Senhorio” é hoje mais utilizado do que “Feudalismo”, em


primeiro lugar, porque consegue definir, de maneira mais ampla, tanto
as relações entre a aristocracia fundiária [senhores] e os camponeses
[servos], livres e não livres, quanto as relações no interior da própria
aristocracia. “Senhorio” permite atentar para o fato de que a domina-
ção aristocrática no período medieval constituiu em um controle não
somente do espaço, mas também dos homens.

Assim, trata-se, sobretudo, de um período demarcado pelo amplo poder de


dominação exercido pela aristocracia (“o Senhorio)” que, ao fim e ao cabo, delimita
as dominações econômicas e sociais impostas no período medieval, ressaltando, por-
tanto, a extensa atividade econômica agrária e, consequentemente, a estruturação
social fundiária e clerical.

Feudo: o Feudo é uma terra conferida por um Rei ou Suserano a um vassalo, o senhor
feudal, em troca de ajuda militar e constante fidelidade. Essa prática se desenvolveu na
segunda metade da Idade Média e foi a base da economia europeia medieval. Vale
ressaltar ainda que os feudos eram autossuficientes, isto é, produziam alimentos para a sua
subsistência.
Manso servil: o manso servil era a faixa terra concedida ao servo para que ele, mediante
o pagamento de tributos (uma parte de sua produção), obtivesse o seu sustento.
Fundiária: relativo às terras; propriedades de terras.

7
Antes, contudo, de adentrarmos na organização social do período medievo
e, consequentemente, no imaginário determinante de tal período, é importante
compreendermos, em termos de periodização histórica, a divisão proposta no enten-
dimento da Idade Média em Alta Idade Média e Baixa Idade Média.
Na Alta Idade Média (Séc. V ao Séc. X), têm-se não apenas consolidação do
modo de produção servil (o feudalismo/senhorio) e da ruralização da Europa, como
também a ampla hegemonia das doutrinas do Cristianismo como modelos de vida,
de conduta e de entendimento da realidade cultural e sociais, além das determina-
ções monasteriais como espaços destinados à produção do saber tutelado pelas de-
terminações eclesiásticas que, finalmente, determinavam, uma boa utilidade para
as riquezas e o desempenho na salvação dos que a detinham. Não obstante, é jus-
tamente na Alta Idade Média que, conforme discutiremos mais adiante, que a dou-
trina da Patrística se consolida, principalmente, nos dizeres de Agostinho de Hipona
(Santo Agostinho) (354 - 430) que propõe uma releitura/reapropriação da filosofia
grega clássica (Platão e Aristóteles) em prol da fortificação da doutrina cristã.

Figura 2: Um fazendeiro e sua esposa (1640-1670) – David Teniers II

Fonte: Teniers (1670)

Na Baixa Idade Média (Séc. VI ao Séc. XV), por sua vez, têm-se o auge e tam-
bém o declínio do feudalismo e o surgimento de um novo modelo de organização

8
econômica pautada, principalmente, na dinamização das relações de trocas co-
merciais que, futuramente, irão delimitar as práticas mercantilistas. Nesse sentido,
tem-se início a superação do modo de produção feudal (produção de subsistência)
para o modelo de produção visando os excedentes que virão a serem comercializa-
dos. Frente a isso, é possível ressaltarmos que o direcionamento econômico na Baixa
Idade Média irá favorecer o surgimento da burguesia e, consequentemente, fomen-
tar as relações econômicas e sociais pautadas pela produção e pela troca de mer-
cadorias, ambos os fatores compreendidos como molas propulsoras da Idade Mo-
derna.

Em recorrência das modificações apresentadas acima, é interessante salien-


tarmos que na Baixa Idade Média há um renascimento dos centros urbanos (arquite-
tônico/comercial) e, consequentemente, uma maior centralização do poder na fi-
gura do Rei outorgado pela autoridade dos Papas dando ensejo, portanto, a futura
formação dos Estados Nacionais.
No campo do educacional que, desde o início era de responsabilidade e mo-
delado pela Igreja, a autoridade clerical continuou atuando efetivamente na orga-
nização e no controle dos saberes, contudo, a Patrística Agostiniana cede lugar à
Escolástica proposta por São Tomás de Aquino (1225 – 1274) e as determinações da
fé como auxiliar da razão na busca do conhecimento e da determinação do livre
arbítrio como essencial ao caráter humano. Ademais, em correlação com as modifi-
cações nas estruturas econômicas e com o renascimento dos centros urbanos, tem-
se na Baixa Idade Média, o surgimento das Universidades (Universitas) (Século XII) –
sob a tutela da Igreja – e a instituição do ensino das Artes Liberais, ou das sete ativi-
dades básicas da vida cotidiana, divididas entre o Trivium (ensinos de retórica; de
lógica e de gramática) e o Quadrivium (ensinos de geometria; de aritmética; de as-
tronomia e de música), além desse ciclo básico, os ensinos universitários destacam-
se, ainda, o surgimento das Escolas de Direito, de Medicina e de Teologia que, em

9
seu interim, buscavam ensinamentos mais específicos.

Figura 3: Alta Idade Média X Baixa Idade Média

7.2 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS: O CRISTIANISMO, A IGREJA E O SUJEITO

O cristianismo é compreendido como a determinação central da Idade Mé-


dia. Diante disso, a fundamentação da doutrina cristã e o consequente aumento de

10
poder clerical, sobretudo, sobre a instituição da Igreja Católica, faz com que o cristi-
anismo funcione como a base fundamental sobre a qual, durante e após a queda
do Império Romano, a fé cristã se desenvolva no terreno fértil da mente dos povos da
Europa. Nesse sentido, salienta Silva (2019a, p. 14) que:

A Europa medieval nasceu do mundo romano, ou melhor, das trans-


formações que esse mundo experimentou graças às migrações bár-
baras, à difusão do cristianismo, à descentralização do poder político
e ao fortalecimento da aristocracia rural

Assim, como falamos anteriormente, a queda do Império Romano, possibilita


uma nova reorganização do mundo, reorganização que, efetivamente, mais do que
as outras concepções destacadas acima, irá se concretizar com o fortalecimento do
modelo feudal (aristocracia rural) e, principalmente, com a ampla difusão do cristia-
nismo no mundo medieval, concedendo, portanto, à doutrina monoteísta – proposta
pelo cristianismo – um amplo poder de organização do mundo em termos teóricos
(religiosos) e práticos (políticos/sociais).

Ainda no Império Romano, sob a tutela do Imperador Teodósio com o Édito de


Tessalônica no ano de 380, o cristianismo estabelece-se como a doutrina oficial do
Império e, diante de seu fortalecimento, tal doutrina é institucionalizada pela Igreja
Católica que, em seu núcleo, tem como destinações fundamentais o combate ao
paganismo (matrizes religiosas politeístas) e a expansão da fé cristã. Nesse sentido,

11
ocorre um processo de evangelização dos povos bárbaros e a determinação do La-
tim como língua oficial do cristianismo, tudo isso, tendo em vista, a disseminação do
cristianismo como matriz religiosa dominante e o enfrentamento das práticas dos an-
tigos modelos religiosos.

Com a queda do Império Romano, tomado por contendas interiores, a Igreja


Católica, com o fortalecimento das suas instituições, desenvolve-se e assenta-se
como poder religioso-social determinante ao doutrinar/controlar tanto os direciona-
mentos das vidas humanas, tendo em vista a determinação de modelos de conduta
adequados ao merecimento de assunção ao Paraíso celeste, quanto aos saberes –
incluindo a filosofia – a serem desenvolvidos/pesquisados e, em consequência disso,
a Igreja Católica expande o seu poder enquanto força de determinação política ao
outorgar a posse de reis e seu poder econômico ao acumular riquezas.
Frente a tais determinações, é possível salientarmos que, de acordo com Viera
(2019, p. 121), os “conceitos Idade Média e medieval qualificam um milênio de histó-
ria em que a fé cristã praticamente permeava todos os âmbitos culturais e sociais
europeus”.

12
Pensando em consonância com Vieira (2019), é necessário salientarmos que a
organização da sociedade medieval, sobretudo, da vida do sujeito no período me-
dievo faz-se tributária da centralidade do poder da Igreja que se coloca como a
transmissora de uma teologia dogmática. Essa mesma teologia possui as premissas
de organização “disciplinar e jurisdicional” (VIEIRA, 2019, p. 132) concedendo, por-
tanto, as diretrizes para a vida moral organizada em torno dos desígnios da fé cristã.
Nesse sentido, o protagonismo da organização da vida não é, de fato, de posse do
senhor feudal e nem mesmo do rei, mas, principalmente, ele, o protagonismo, é de-
terminado pelas doutrinas da Igreja, capazes, inclusive, de ditar os rumos para as de-
terminações do conhecimento, conforme vermos com as doutrinas da Patrística e da
Escolástica.
Finalmente, o sujeito medieval delimita-se, efetivamente, pelo modo de vida
agrário e, especialmente, condicionado às determinações/direcionamentos/conhe-
cimentos fornecidos pela Igreja e pelas conjunções doutrinárias da fé cristã.

O filósofo Petrarca (1304 - 1374), cunhou o termo Idade das Trevas para delimitar o período
demarcado como posterior ao período greco-romano, sobretudo, no que diz, respeito a
um suposto declínio nos modelos de vida e de conhecimento insurgentes na Idade Média
(ou Idade das Trevas). No entanto, historiadores futuros consideram o termo depreciativo,
pois, ainda que o conhecimento, no período em questão, seja de tutela da Igreja, ainda
é possível apontar um florescimento das produções artísticas, literárias e arquitetônicas.
Ainda nesse sentido, no mundo islâmico – principal rival do mundo católico/europeu –
pode-se constatar um avanço continuo nos campos científicos e matemáticos.

13
FIXANDO O CONTEÚDO

1. A Idade Média diz respeito ao período histórico compreendido entre os séculos V


e XV. Diante disso, assinale a perspectiva histórica que determina o início da Idade
Média.

a) A ascensão do Império Romano, demarcando uma era de progresso racional.


b) A queda do Império Romano devido às invasões e a expansão dos povos bárba-
ros.
c) A delimitação de um novo modelo de mundo delimitado pelo culto às religiões
politeístas.
d) A flexibilização da moralidade e, consequentemente, da eleição de uma vida
desregrada segundo os ditames da fé cristã.
e) A impossibilidade da mescla dos povos segundo um ideal de mundo cristianizado.

2. A mescla de povos, ainda em proximidade com o fim do Império Romano, foi de-
terminante para a potencialização de um modelo de pensamento e, consequen-
temente, da fundação de um modo de vida propriamente medieval. Nesse sen-
tido, assinale abaixo o modelo de vida econômico delimitado na Idade Média.

a) O capitalismo.
b) O mercantilismo.
c) O comunismo.
d) O classicismo.
e) O feudalismo.

3. A Idade Média pode ser dividida em

a) Alta Idade Média e Baixa Idade Média.


b) Alta Idade Romana e Baixa Idade Romana.
c) Idade Média e Idade Moderna.
d) Idade Clássica Alta e Idade Clássica Baixa.
e) Idade Média Feudal e Idade Média Capitalista.

14
4. O modo de vida feudal, dominante na Idade Média, pode ser entendido como

a) um modelo de vida politeísta partidário da organização da realidade/sociedade


tendo como premissa fundamental a existência e o culto aos vários deuses.
b) um modelo de vida moderno partidário da organização da realidade/sociedade
segundo o método da Ciência.
c) um modelo de vida agrário partidário da organização da realidade/sociedade
tendo como premissa fundamental o regime de servidão.
d) um modelo de vida clássico partidário da organização da realidade/sociedade
tendo como fundamento o cultivo da liberdade para a investigação racional do
mundo.
e) um modelo de vida econômico partidário da organização da realidade/socie-
dade por meio das relações fundadas nas trocas econômicas dos excedentes pro-
duzidos.

5. Sobre o feudalismo, Silva (2019, p. 45) acentua que

“O termo “Senhorio” é hoje mais utilizado do que “Feudalismo”, em primeiro lugar,


porque consegue definir, de maneira mais ampla, tanto as relações entre a aristo-
cracia fundiária e os camponeses, livres e não livres, quanto as relações no interior
da própria aristocracia. “Senhorio” permite atentar para o fato de que a domina-
ção aristocrática no período medieval constituiu em um controle não somente do
espaço, mas também dos homens. ”

Nesse sentido, podemos compreender as relações sociais e econômicas impostas


pelo feudalismo como

a) relações de igualdade pautadas pelo trabalho igualitário sobre a terra.


b) relações de parentesco pautadas na herança da posse das terras.
c) relações de explorações pautadas pelo trabalho assalariado.
d) relações de servidão pautadas pela exploração do senhor feudal sobre o trabalho
do servo.

15
e) relações de sociabilidade pautadas nas determinações de um trabalho exercido
socialmente por toda a comunidade.

6. Duas correntes de pensamento, capitaneadas pelos filósofos Santo Agostinho e


São Tomás de Aquino, delimitam a educação e o pensamento nos meados da
Idade Média em consonância com a fé cristã. Assinale abaixo quais são essas cor-
rentes.

a) Patrística e Idealismo.
b) Idealismo e monismo.
c) Patrística e Escolástica.
d) Escolástica e Cinismo.
e) Cristianismo e Ceticismo.

7. Para Silva (2019, p. 14), “A Europa medieval nasceu do mundo romano, ou melhor,
das transformações que esse mundo experimentou graças às migrações bárbaras,
à difusão do cristianismo, à descentralização do poder político e ao fortalecimento
da aristocracia rural”. Nesse sentido, devido, principalmente, à ampla difusão do
cristianismo, podemos compreender que

a) a Europa medieval relaciona-se com a doutrina do cristianismo enquanto algo re-


lativo, isto é, a fé pode existir e também não pode existir.
b) a Europa medieval relaciona-se com a doutrina do cristianismo fundamenta-se
como poder enquanto força de determinação política e econômica e, deste
modo, como base fundamental.
c) a Europa medieval relaciona-se com a doutrina do cristianismo subjugada às de-
terminações do poder do Rei e dos senhores feudais.
d) a Europa medieval relaciona-se com a doutrina do cristianismo apenas em alguns
âmbitos da vida social, circunscrita, portanto, aos círculos religiosos.
e) a Europa medieval relaciona-se com a doutrina do cristianismo de modo econô-
mico, isto é, a religião é, tão somente, uma fonte de acumulação de riquezas e
não de doutrinação moral.

16
8. A centralidade do poder da Igreja na Idade Média assinala

a) um período de determinações morais segundo as doutrinas da fé cristã.


b) um período de determinações morais segundo as doutrinas do politeísmo.
c) um período de determinações morais segundo as doutrinas da razão greco-ro-
mana.
d) um período de determinações morais segundo as doutrinas do capitalismo mo-
derno.
e) um período de determinações morais segundo as doutrinas do nascente mercan-
tilismo.

17
DO ANTIGO AO MEDIEVO UNIDADE

08
8.1 O ANTIGO AO MEDIEVO: O NEOPLATONISMO DE PLOTINO

Daremos início a Segunda Unidade “Do antigo ao medievo” como uma ten-
tativa de explicação e de determinação das influências ou heranças da filosofia
grega no nascente pensamento medieval tomando, portanto, o pensamento de
Plotino (204 – 270) como um exemplo profícuo da permanência de Platão e de sua
recorrência na Idade Média, pois, como veremos mais adiante, o pensamento pla-
tônico será determinante para a fundamentação filosófica proposta pela Patrística
de Santo Agostinho.

Figura 4: Busto de Plotino

Fonte: Museu Ostiense (2007, online)

Plotino, autor das Enéadas, foi discípulo de Amônio Sacas (175 – 242) – impor-
tante filósofo do período Alexandrino – e destaca-se como o principal pensador do

18
neoplatonismo que consistiria, sobretudo, em uma retomada do pensamento platô-
nico com a finalidade do estabelecimento de uma sociedade na qual “os habitan-
tes deveriam “observar as leis de Platão”, ou seja, de viver realizando a união com o
divino” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 340, grifo nosso).
Nesse sentido, é determinante no pensamento de Plotino, uma refundação
da metafísica clássica (Platão; Aristóteles) em direção à perspectiva de retomada e
fortalecimento do Uno como “princípio supremo de unidade” (REALE; ANTISERI, 1990,
p. 340) e originalidade de tudo e de todos.
Assim, a partir de Castro (2019, online, grifo nosso), o Uno, portanto, seria com-
preendido em Plotino como a:

[...] origem de tudo e finalidade essencial de todos os seres – é todas


as coisas e nenhuma delas é o uno. Ele é radicalmente transcendente,
está acima do ser e, por isso, não pode sequer ser nomeado. Dele
procedem emanações: o noús (o intelecto divino) e, em seguida, a
alma, que se projeta para o mundo, identifica-se com a natureza e
se emaranha na encarnação física. Os seres humanos, em última aná-
lise, originários do uno, devem – através da contemplação do belo –
fazer o caminho inverso, retornar até a alma “sem mescla” e dali unir-
se ao princípio intelectual, a fim de “ver o que ele (o uno) vê”.

Conforme podemos destacar na colocação acima, o Uno de Plotino é radi-


calmente transcendente, ou seja, encontra-se como a origem, completamente, fora
(ou superior – em termos platônicos) da realidade material sendo, portanto, a instân-
cia imaterial acima do ser e de onde provêm as emanações do intelecto e da alma
colocando-se, finalmente, como o inominável e o infinito. Nesse sentido, reforça Re-
ale que o “o Uno “está acima do ser, do pensamento e da vida” [...], portanto, é a
causa de todo resto” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 341).
Ademais, não é exagero, compreendermos o Uno, de Plotino, como a instân-
cia inefável, infinita, metafísica, superior ao ser, originária e criadora, algo que na
tradição cristã é, facilmente, identificado como Deus.
Sobre o pensamento plotiniano, é interessante destacarmos a sua delimita-
ção em uma espécie de trindade delimitada do seguinte modo:

1) O Uno (Deus) que se se autocriou encontra-se acima do ser, pois, Ele é, concomi-
tantemente, a fundamentação originária e o Bem supremo (agathón), aquilo que
é “Bem para todas as outras coisas que dele necessitam” (REALE; ANTISERI, 1990,
p. 341);

19
2) O intelecto (nous) que, em sua complexidade, propõe-se, incialmente, como o
pensamento do Uno sobre Ele mesmo e, deste modo, o intelecto seria a sua re-
presentação/contemplação de si mesmo;
3) A alma retira as suas determinações do intelecto (nous), contudo, à alma não se
atribui a atividade do puro pensar, tal como no caso do intelecto. Diante disso, a
alma no entendimento de Plotino, segundo Reale e Antisseri (1990, p. 344), possui
como atribuição de “dar vida a todas as outras coisas que existem, ou seja, a
todas as coisas sensíveis, ordenando-as, dirigindo-as e governando-as”.

A partir das configurações acima, podemos concluir que o pensamento de


Plotino se encarrega de determinar uma composição que se coloca para além do
mundo físico como regente fundamental da existência dos seres, pois, o Uno go-
verna o intelecto que, em suas delimitações, faz-se o determinante da alma que,
por fim, coordena as produções sensíveis e materiais.
Enfim, segundo Marconatto (2020), sobre as concepções defendidas por Plo-
tino, em estreita relação com a Idade Média podem ser compreendidas do seguinte
modo:

Na sequência de importância das derivações está Deus [Uno] em pri-


meiro lugar, o intelecto em segundo, a alma em terceiro. Estes três
primeiros formam o que pode ser apreendido pelo intelecto. Em se-
guida aparece o mundo físico, criado pela alma e que é composto
de matéria que é algo negativa para Plotino. Deus está nessa sequên-
cia no patamar superior e a matéria está na parte mais baixa dessa
visão. A matéria é o não ser, é o Mal, pois está privado de todo Bem.
Ela é negativa, pois está desprovida de toda positividade que vem
do Deus-Uno. (MARCONATTO – grifo nosso)

Quadro 1: O pensamento de Plotino


O Uno Fundamentação originária/ Bem supremo (agathón).
O intelecto (nous)
Pensamento puro/ Pensamento por excelência.
ou Espírito
Concepção da vida de todas as coisas sensíveis/ Dá forma à ma-
A alma
téria e ao sensível.
Fonte: Elaborada pelo autor (2020)

20
8.2 OS PADRES APOSTÓLICOS: PAULO DE TARSO

Paulo de Tarso (5 – 67), nascido em Tarso, na Cicília, é considerado um dos


maiores pensadores, mobilizadores e influenciadores do cristianismo, suas obras, for-
mato epistolar (em formato de correspondência, cartas), fazem parte do Novo Tes-
tamento. Nesse sentido, segundo Ieesus (2015), na entrevista intitulada Paulo de Tarso
– Peça chave para entender o Cristianismo:

Paulo de Tarso, São Paulo, foi o mais exitoso dos apóstolos, como judeu
de elite contestou a ordem estabelecida dentro de sua religião e no
Império Romano com um discurso humanista e universal, baseado em
uma nova mensagem. Foi a última testemunha do ressuscitado e se
tornou um líder em fé e atitudes colocando em prática seu pensa-
mento mobilizador (IESSUS, 2015, online).

Destarte, Paulo de Tarso (São Paulo) coloca-se como um dos principais mobili-
zadores/doutrinadores para a difusão da fé cristã lançando mão de uma estratégia
pedagógica com a finalidade da evangelização e, consequentemente, da determi-
nação das doutrinas professadas pelo cristianismo como centrais para a organização
da realidade e da vida dos seres humanos.

Figura 5: São Paulo escrevendo suas epistolas (1618-1620)

Fonte: Boulogne [entre 1618 e 1620]

Em consonância com a passagem acima, é possível notarmos na Carta aos


Colossenses, a seguinte passagem narrada por Paulo de Tarso que realiza duras críti-
cas às determinações do conhecimento anterior (greco-romano/ helenista-filosófico)
tidas como mundanas, a saber: “Cuidado para que ninguém escravize vocês através

21
de filosofias enganosas e vãs, de acordo com tradições humanas, que se baseiam
nos elementos do mundo, e não em Cristo. (BÍBLIA SAGRADA, 2012, p. online, COL 2:8,
grifo nosso).
Desse modo, podemos compreender que a determinação vocacional pre-
sente nos dizeres/ensinamentos de Paulo de Tarso, com a finalidade de superar as
determinações das filosofias anteriores, dirige-se rumo à consolidação de uma con-
duta de vida moralmente direcionada para a primazia das doutrinas do nascente
cristianismo ou, como afirma Costa e Bordin (2008), que, a despeito de influências
filosóficas clássicas dominantes na comunidade natal de Paulo de Tarso, o Evangelho
ensinado por ele “não provém de homens, mas da revelação de Deus (Gl 1-11-12).
Portanto, negou qualquer influência da cultura clássica sob sua mensagem” (COSTA;
BORDIN, 2008, p. 01).
Ademais, na perspectiva delineada por Vasconcellos e Funari (2013), na obra
Paulo de Tarso: um apóstolo para as nações, é importante ressaltarmos o cenário
social/geográfico plural por onde Paulo de Tarso transitou demarcado, principal-
mente, pela “fluidez das identidades sociais, individuais ou coletivas”
(VASCONCELLOS; FUNARI, 2013, p. 07) e, consequentemente, delimitado pela plurali-
dade de discursos sociais, religiosos e culturais, fazendo, portanto, que as habilidades
linguísticas, discursivas e argumentativas de Paulo de Tarso fossem salutares para a
difusão dos ideários cristãos em comunidades tão diversas.
No sentido formativo, o cristianismo difundido pelas palavras de Paulo de Tarso,
possui, em sentido determinante, uma importante dimensão pedagógica, isto é,
trata-se da difusão de doutrinas fundamentais para a vida cristã. A partir dessa di-
mensão, o modo epistolar é salutar como forma de expressões fundamentais do cris-
tianismo do primeiro século. Nesse sentido, em consonância com o caráter plural do
cenário transitado por Paulo de Tarso e a sua consequente superação no sentido
espiritual, Barbaglio (1989, p. 50) salienta que:

A variedade das situações e a multiplicidade dos problemas enfrenta-


dos, porém, não o impediram de desenvolver um aprofundamento te-
ológico unitário da fé cristã. Isso foi possível porque ele se deixou cons-
tantemente guiar por uma precisa intuição de fundo. Ou seja: Jesus
de Nazaré, crucificado e ressuscitado, é o único e definitivo caminho
de salvação para todos os homens

É, justamente, essa unidade da fé centralizada na figura de Cristo, proposta por


Paulo, que ressoa nas epistolas de São Paulo e que, consequentemente, firma-se

22
como uma herança que irá perdurar e fortalecer as Escrituras do cristianismo en-
quanto uma perspectiva universalista, isto é, ao passo em que o cristianismo – munido
desse caráter de unidade da fé - “caminhou para uma resoluta universalização, na
medida em que aboliu as diferenças espirituais básicas entre os homens de diferentes
nacionalidades,” (KONDER, 1969, p. 69) ao considerar-se como uma religião de todos
nascidos de Deus.
Enfim, ao colocar-se como um dos primeiros pensadores do cristianismo no pri-
meiro século, Paulo de Tarso coloca-se como central para a difusão da fé cristã ao
centrá-la como modo de vida e de conduta central para os sujeitos que, na Idade
Média, terão o modelo de vida cristã como determinante para a sua vida social e
para as determinações da cultura, do pensamento e, sobretudo, do conhecimento.

Figura 6: São Paulo (1608-1614) – El Grego

Fonte: El Greco
(Domenikos Theotokopoulos)

8.3 OS PADRES APOLOGISTAS: ORÍGENES E TERTULIANO

Segundo Gilson (1995, p. 02), “Desde o século II da era cristã, os Padres Apolo-
gistas, ou Apologetas, assim chamados porque suas obras principais são apologias
da religião cristã”, forneceram o substrato determinante, jurídico e legal, para a de-
fesa, a exposição e a justificativa da fé cristã diante da ainda profunda determina-
ção social/política das matrizes religiosas pagãs.
Diante disso, passaremos a expor, entre os diversos Padres Apologistas que,
em seu núcleo, pensam seguindo algumas diretrizes da filosofia grega e que, não
muito distante, fornecem as bases para a Patrística, os pensamentos de Orígenes

23
(183 - 254) e de Tertuliano (160 - 222) procurando, sobretudo, fortalecer os direciona-
mentos que, na Idade Média, serão os responsáveis pela determinação da fé cristã
como o principal guia moral e social dos seres humanos. Contudo, antes de entrar-
mos nas determinações reflexivas de Orígenes e de Tertuliano, convêm alguns breves
apontamentos sobre o primeiro Apologista, Justino, o mártir (100 - 165).
Para Justino, a propedêutica da conversão condiz na passagem da filosofia
grega – “uma filosofia animada por um espírito religioso” para a fé cristã, concebida
como “uma religião capaz de vistas filosóficas” (GILSON, 1995, p. 03). Assim, trata-se
de, em proximidade com a perspectiva da Patrística, colocar a racionalidade grega
a serviço das determinações da doutrina cristã, ou melhor, a serviço da fé.
Retornando a Orígenes de Alexandria, temos, portanto, o início de um impor-
tante diálogo entre a filosofia e o cristianismo. Nesse sentido:

[...] as doutrinas dos gregos (particularmente dos platônicos, mas tam-


bém de outros filósofos, como por exemplo, os estóicos) são utilizadas
como instrumentos conceituais aptos a expressar e interpretar racio-
nalmente as verdades reveladas pelas Escrituras (REALE; ANTISERI,
1990, p. 412)

A colocação acima é salutar para compreendermos não apenas o pensa-


mento de Orígenes que procura conciliar a filosofia antiga e a fé cristã, mas, sobre-
tudo, o momento histórico em que os Padres Apologetas encontram-se, uma vez
que, a filosofia grega manuseada pelos Apologistas, torna-se um importante instru-
mento de compreensão e de interpretação das Escrituras e, não menos importante,
a busca pela verdade não se faz, como no período filosófico grego, através da in-
vestigação racional/científica do mundo, mas, ela, a verdade, agora é revelada
pelas Escrituras, isto é, a verdade é revelada pela contemplação da palavra Divina,
portanto, fora da capacidade racional humana, talvez a verdade esteja no Uno,
conforme pensado por Plotino ou, talvez, encontre-se, de fato, nas emanações divi-
nas reveladas pela exegese das Escrituras Sagradas.

Exegese: Interpretação crítica (filosófica) do texto religioso.

Orígenes defende a noção de Deus como realidade espiritual e intelectual no

24
centro de sua doutrina, sendo Ele (Deus), deste modo, instância incorpórea e, con-
sequentemente, impossível de ser conhecido. Contudo, Deus é a fonte de todo o
conhecimento e de toda inteligência. Por conseguinte, as Escrituras só podem ter
Deus como origem e, em consequência disso, a verdade presente Nelas é inquesti-
onável.
Em decorrência das colocações acima e, principalmente, da “Bondade ab-
soluta” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 413) de Deus, não é permitido aos seres humanos o
conhecimento de Deus, mas é permitido à exegese das Escrituras que, em seu mo-
vimento de revelação da verdade divina, apresenta-se em três níveis de compreen-
são: a) literal; b) moral; c) espiritual. A compreensão literal que diz respeito à leitura
mesma das palavras contidas nos Textos; a compreensão moral, tratando-se do en-
tendimento das doutrinações morais contidas nas Escrituras e como Elas repercutem
direcionando o modo de vida cristão na realidade; e a compreensão espiritual das
Escrituras é considerada por Orígenes a mais elevada e, portanto, mais difícil de ser
alcançada, uma vez que a verdade se faz revelada na dimensão espiritual dos seres
humanos.

O Apologista africano Tertuliano de Cartago possui uma importância funda-


mental nos debates iniciais sobre a filosofia e a fé, pois, é com as suas determinações
teológicas que Tertuliano passa a condenar a filosofia, sobretudo, pelo seu caráter
racional/investigativo que procura demonstrar as provas da existência das coisas e,
finalmente pelo teor de imoralidade existente nas reflexões filosóficas, como pode-
mos inferir a partir da passagem abaixo presente na Prescrição dos heréticos (De
praescriptione haerecticorum):

25
Por isso, a pessoa individual não é livre para aceitar ou rejeitar o cristi-
anismo, segundo suas convicções pessoais, nem para abraçar algu-
mas de suas doutrinas e para rejeitar outras. A aceitação da fé cristã
implica na renúncia do direito de livre exame dessa fé. [...] Sendo a
fé um fato objetivo, que é preciso aceitar como tal, não é lícito acres-
centar-lhe ou subtrair-lhe o que quer que seja: cumpre aceitá-la em
sua integridade: “[…] sed nec eligere (licet), quod aliquis de arbitrio
suo induxerit”. (TERTULIANO apud SILVA, 2019b, online, grifo nosso)

A partir de tal condenação, faz-se visível que a fé não é matéria sujeita à ra-
zão, isto é, a fé não pode ser colocada à prova pela reflexão filosófica, pelo contrá-
rio a fé é um estado de espírito, um sentimento sentido pela alma simples do fiel.
Assim, filosofia e fé distanciam-se no pensamento do Apologeta, posição que difere-
se, como vimos anteriormente de Origines e que, posteriormente, irá diferenciar-se
da posição agostiniana, Tertuliano, segundo Reale e Antiseri (1990, p. 426, grifo
nosso), determina que: “Para chegar a Deus, basta uma alma simples: a cultura filo-
sófica não ajuda, até atrapalha”.
Nesse sentido, não se trata de um filosofar na fé (como proposto, por exem-
plo, por Justino, Origines e Agostinho), pelo contrário, trata-se de um distanciamento
fundamental entre a fé cristã e a filosofia, algo que, em proximidade com as deter-
minações propostas por Paulo de Tarso, propõe uma vida simples (distanciada das
reflexões filosóficas) devotada às doutrinas do nascente cristianismo.

Figura 7: Tertuliano de Cartago

Fonte: Wikimedia
Comonns (2011, online)

26
Segundo Tertuliano, no Da alma (De anima):

Qualquer operário cristão já encontrou a Deus e dá testemunho


dele, respondendo por suas ações a todas as perguntas que se lhe
possam fazer a respeito de Deus; Platão, ao contrário, afirma não
ser fácil encontrar o arquiteto do universo, e, mesmo que se o te-
nha encontrado, declara ser difícil fazê-lo conhecido de todos.
(TERTULIANO apud SILVA, 2019b, online).

Ou seja, na perspectiva de Tertuliano, encontrar/testemunhar o Transcendental não é tra-


balho de investigações filosóficas racionalmente elaboradas, mas sim, uma disposição de
almas simples vigentes no sentido doutrinário da fé cristã. LINK: https://bit.ly/3iVYcFh

Enfim, o pensamento de Tertuliano faz-se interessante não apenas pelas pro-


posições que procuram suplantar a influência da filosofia pagã, provinda da Grécia
Clássica, no interior do cristianismo, mas também pelo seu posicionamento em de-
fesa da nascente fé cristã e, consequentemente, em defesa dos cristãos como po-
demos notar nos argumentos jurídicos proferidos pelo apologista africano no Apolo-
geticum.

Figura 8: A batalha entre o Anjo e o Dragão (1255-1260)

Fonte: The J. Paul Getty Museum

27
O pensamento de Tertuliano coloca-se a serviço das determinações e defesas iniciais do
surgimento do cristianismo. Nesse sentido:

[...] o Africano permanece uma testemunha interessante dos pri-


meiros tempos da Igreja, quando os cristãos se viram autênticos su-
jeitos de “nova cultura” no confronto aproximado entre herança
clássica e mensagem evangélica. É sua a célebre afirmação se-
gundo a qual a nossa alma “é naturaliter cristã” (Apologético 17,
6), onde Tertuliano evoca a perene continuidade entre os autênti-
cos valores humanos e cristãos; e também a sua outra reflexão, ti-
rada directamente do Evangelho, segundo a qual “o cristão não
pode odiar nem sequer os próprios inimigos” (cf. Apologético 37),
onde o aspecto moral, iniludível, da opção da fé, propõe a “não-
violência” como regra de vida: e não há quem não veja a dramá-
tica actualidade deste ensinamento, também à luz do aceso de-
bate sobre as religiões (PAPA BENTO XVI, 2007, online).

28
FIXANDO O CONTEÚDO

1. O pensamento de Plotino, devido à forte influência da filosofia grega, pode ser


compreendido como

a) Neomitologia.
b) Neoartistotelismo.
c) Neoplatonismo.
d) Neocartesianismo.
e) Neoepicurismo.

2. Para Plotino, os seres humanos deveriam viver em plena união com o divino, refun-
dando, portanto, uma importante tendência metafísica. Nesse sentido, o pensa-
mento de Plotino propõe

a) a retomada e fortalecimento do Uno como princípio supremo de unidade.


b) a retomada da multiplicidade das coisas.
c) a retomada da afirmação da inexistência de uma origem fundamental para as
coisas e os seres humanos.
d) a retomada da filosofia pré-socrática e a consideração pela physis naturalista.
e) a retomada das determinações de Heráclito de Éfeso sobre o movimento e a trans-
formação constante do mundo.

3. De que modo Plotino compreende o Uno?

a) O Uno é a materialidade aparente dos seres.


b) O Uno é a realidade do ser e do intelecto.
c) O Uno é a origem nomeável e finita dos seres.
d) O Uno é a instância metafísica originária e criadora.
e) O Uno é aquilo que se encontra abaixo do ser e do intelecto.

29
4. Sobre o pensamento plotiniano, é interessante destacarmos a sua delimitação em
uma espécie de Trindade. Deste modo, tal Trindade é composta do seguinte
modo:

a) O Uno como fundamentação material; o pensamento incompleto e o espírito


como determinação da não vida.
b) O Uno como fundamentação originária; o intelecto como puro pensar e a alma
como governante das coisas sensíveis.
c) O Uno como fundamentação de criação; o nous como pensamento como pen-
samento puramente exterior e a alma como determinação metafísica superior.
d) O Uno como determinação física; o intelecto como pensamento sobre si mesmo
e a alma como governante da realidade material.
e) O Uno como fundamentação primária; a alma como fundamentação secundária
e o intelecto como fundamentação terciária.

5. A seguinte colocação de Paulo de Tarso (São Paulo): “Tende cuidado, para que
ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradi-
ção dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo”, pode
ser compreendida como:

a) A construção de uma aliança entre a fé cristã e a filosofia para a delimitação de


uma nova visão de mundo.
b) A necessidade de superação das determinações filosóficas gregas clássicas, para
a consolidação de uma conduta de vida moralmente direcionada para a prima-
zia das doutrinas do nascente cristianismo.
c) A coexistência entre a filosofia, as matrizes religiosas pagãs e a fé cristã na delimi-
tação de um novo paradigma de mundo.
d) A determinação da fé cristã segundo as tradições dos homens e dos rudimentos
do mundo.
e) A continuidade do mundo e a regência dos homens segundo as determinações
da filosofia clássica e das mitologias pagãs.

30
6. A unidade da fé centralizada na figura de Cristo, segundo o pensamento de Paulo
de Tarso acentua

a) a consolidação da filosofia clássica greco-romana.


b) a consolidação da fé cristã segundo os paradigmas do mundo greco-romano.
c) a determinação da fé cristã como uma perspectiva pluralista e mitológica.
d) a dimensão pedagógica da fé cristã orientada pelo princípio de que todos são
nascidos de Deus.
e) a dimensão politeísta da fé cristã.

7. O pensamento do Padre Apologista Orígenes tem como aspecto central:

a) A busca pela conciliação entre a fé cristã e a filosofia.


b) A busca pela oposição entre a fé cristã e a filosofia.
c) A busca pela conversão dos sujeitos segundo as autoridades da antiga mitologia
grega.
d) A busca pela interpretação das Escrituras mediante o abandono da filosofia.
e) A busca pelo conhecimento segundo as determinações exclusivas da filosofia, ne-
gando, portanto, qualquer determinação da fé cristã.

8. Segundo Tertuliano, “a pessoa individual não é livre para aceitar ou rejeitar o cris-
tianismo, segundo suas convicções pessoais, nem para abraçar algumas de suas
doutrinas e para rejeitar outras. A aceitação da fé cristã implica na renúncia do
direito de livre exame dessa fé. [...] Sendo a fé um fato objetivo, que é preciso
aceitar como tal, não é lícito acrescentar-lhe ou subtrair-lhe o que quer que seja:
cumpre aceitá-la em sua integridade: “[…] sed nec eligere (licet), quod aliquis de
arbitrio suo induxerit”. A partir de tal colocação podemos deduzir que

a) a fé cristã deve ser constantemente colocada à prova mediante a ação da raci-


onalidade.
b) a fé cristã é produto de uma ilusão da pessoa individual.
c) a fé cristã não é matéria sujeita à razão, isto é, a fé não pode ser colocada à
prova pela reflexão filosófica.

31
d) a fé cristã é um produto exclusivo das mentes filosóficas.
e) a fé cristã não é um fato objetivo e, portanto, exige intensas reflexões filosóficas.

32
INTRODUÇÃO À PATRÍSTICA UNIDADE

09
9.1 A PATRÍSTICA: CONCILIAÇÃO ENTRE A RAZÃO E A FÉ

A Patrística é a doutrina filosófica cristã concebida nos primeiros séculos da


Igreja demarcando o período de transição entre a Antiguidade e a Idade Média.
Trata-se, em consonância com a “Unidade 2 - Do antigo ao medievo”, de uma apo-
logia, isto é, de uma defesa da fé cristã diante dos ataques hereges e pagãos e,
consequentemente, de uma filosofia voltada para a consolidação das verdades re-
veladas pelas Escrituras em dogmas da fé e, deste modo, em modelos de conduta
da vida dos sujeitos.
Como vimos anteriormente, seus princípios já são encontrados nos escritos de
Paulo de Tarso e fortalecidos pelos Padres Apologistas, de acordo com Marilena
Chauí, a filosofia patrística inicia-se “[...] com as Epistolas de São Paulo e o Evangelho
de São João e termina no século VIII” (CHAUÍ, 2000, p. 53), buscando introduzir na
ordem de reflexões próprias ao período de transição entre a Antiguidade e o Medi-
evo e que, consequentemente, irão perdurar na Idade Média, questões sobrea ideia
de criação do mundo segundo a égide de Deus, o dilema do pecado original a
existência do mal e, sobretudo, o juízo final.

Figura 9: O juízo final (1482-1516)

Fonte: Bosch (1482)

33
Ademais, para Chauí (2000, p. 53), a Patrística, no decorrer de sua elabora-
ção, adota como tema central “a possibilidade de conciliar razão e fé” mediante
três posicionamentos conflitantes:

Quadro 2: Correntes da Patrística


1. Impossibilidade de conciliação entre a fé e a razão. Superioridade da fé.
“Creio porque absurdo.”
2. Fé e razão são conciliáveis. Subordinação da razão à fé. “Creio para
compreender”.
3. Impossibilidade de mistura (conciliação) entre a fé e a razão, contudo,
cada uma pode existir em suas próprias determinações.
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de: Chauí (2000, p. 53-54)

O pecado original fornece ao medievo, o medo cons-


tante do cair em desobediência, ou melhor, o medo do

Figura 10: Pintura de Adão retorno à desobediência original, uma vez que a:

e Eva (1525 - 1530)


[...] raiz dessa desobediência foi a soberba do
homem, que não queria tolerar limitação ne-
nhuma, que não queria ter os vínculos do bem
e do mal (dos mandamentos) e, portanto, que
queria ser como Deus. (REALE; ANTISERI, 1990,
p. 384)

Ao lado da perspectiva da punição provinda pelo Juízo


Final, a emblemática do pecado original demarca a
vida do humano na Idade Média como uma vida que
deve ser devotada a fé e aos dogmas do cristianismo
com a finalidade de, justamente, não recair na soberba.
Santo Agostinho, como veremos mais adiante, irá reto-
mar a emblemática do pecado em contraposição à
graça na fundamentação de uma vida justa e cristã.

Com a Patrística, a filosofia coloca-se, efetivamente, em contato com a fé


cristã de modo a, superando as determinações iniciais que a opunham à religião,
fundamentar-se como um instrumento de entendimento, de reflexão e de conforma-
ção das doutrinas religiosas. Nesse sentido, reforça Gilson (1995, p. XV) que o “cristia-
nismo é uma religião; empregando por vezes termos filosóficos para exprimir a sua
fé”, conferindo à filosofia um novo sentido, ou seja, um sentido capaz de se aproximar

34
do religioso conforme os fins delimitados pelas revelações contidas nas Escrituras. As-
sim, na Patrística, a defesa da fé cristã faz-se embasada pela argumentação filosó-
fica procurando, deste modo, a fundamentação de uma razão teológica ou, em
outros termos, uma racionalidade dependente e embasada pela fé.

São diversos os apologistas que se enveredaram pela pedagogia proposta


pela Patrística, Justino, Orígenes e Tertuliano são apenas alguns dos nomes que aden-
traram na tentativa de compreensão das relações entre a nascente fé cristã e a filo-
sofia como paradigmas de conhecimento do mundo. Nesse sentido, na perspectiva
pensada por Reale e Antiseri (1990), a função fundamental da Patrística, sobretudo,
a teoria da Patrística anterior a Santo Agostinho, é a de anunciar a mensagem do
cristianismo fundamentando-a filosoficamente para a defesa contra os ataques he-
reges que visavam desacreditá-la.
De modo historiográfico, Fílon de Alexandria (15 a. C - 50) destaca-se nesse
cenário ao apresentar confluências entre a “filosofia grega e a teologia mosaica”
(REALE; ANTISERI, 1990, p. 402) capaz de fundamentar uma metodologia de exposi-
ção alegórica da mensagem bíblica na qual estariam contidas verdades secretas a
serem interpretadas. Gregório, Bispo de Nissa (São Gregório) (355 - 394), da ordem
dos monges Capadócios, também é digno de menção, pois seu pensamento, além
de apresentar influências neoplatônicas, acentua que a

[...] filosofia grega é útil, mas só se oportunamente purificada: ‘A filo-


sofia moral e a filosofia política poderiam realmente favorecer uma

35
autêntica vida espiritual, se conseguissem purificar seus dados doutri-
nários das deturpações de erros profanos (REALE; ANTISERI, 1990, p.
419).

Assim, não apenas revela-se o propósito central da Patrística, como coloca-se


uma via de ‘purificação’ da filosofia grega (platônica e aristotélica) em vias de ser
sistematizada como um instrumento efetivo de consolidação e difusão do cristia-
nismo, como veremos, principalmente, como João Damasceno e Santo Agostinho.

SOBRE A CONTRIBUIÇÃO TEOLÓGICA E FILOSÓFICA DOS PADRES CAPADÓCIOS

A região da Capadócia, situada no coração da Ásia menor, tor-


nou-se, no século IV, num importante centro da teologia cristã. Já
na época do apóstolo Paulo, existiu uma pequena comunidade
cristã na Capadócia, onde o cristianismo se estendeu com tanta
rapidez que deu lugar a um importante número de mártires e con-
versores, no II século, enviando sete bispos ao Concílio de Niceia
no ano 325 (ZIZIOULA, 2009, online)

9.2 JOÃO DAMASCENO: A TRINDADE E A DEFESA DA EXISTÊNCIA DE UM DEUS


ÚNICO

João Damasceno (675 - 749), leitor da filosofia aristotélica, foi um importante


padre sistematizador do conhecimento filosófico em consonância com as verdades
reveladas pela fé que, posteriormente, servirão de base para as determinações da
Escolástica. Deste modo, a influência de São Damasceno estende-se para além da
Patrística indo em direção, de fato, a sistematização do conhecimento conforme
proposto pela Escolástica e por São Tomás de Aquino.
As pregações e homilias entoadas por Damasceno são consideradas algu-
mas das mais belas peças da oratória cristã, ilustrando-se da imagética proveniente
do Antigo Testamento e se fortalecem em conceitos filosóficos gregos reformulados
que argumentam a favor de uma forte ascensão da Cristologia. Assim, o apologista
tornar-se capaz de sintetizar as determinações filosóficas e cristãs em torno do forta-
lecimento dos dogmas da fé cristã enfatizando a humildade e a caridade.

36
Damasceno foi um dos responsáveis pelo fortalecimento e difusão do dogma
da Teologia Trinitária, isto é, da “compreensão sobre a natureza divina e a humana
de Jesus, a relação de mútua existência das três pessoas divinas” (SILVA, 2016, p. 478),
ou seja, a concepção da existência/relação mútua entre o Filho, o Pai e o Espírito
Santo. Em outros termos, a Teologia Trinitária, segundo o pensamento teológico de
João Damasceno pode ser entendida do seguinte modo:

Assim dizemos que o Filho está no Pai e no Espírito e que o Espírito está
no Pai e no Filho e o Pai está no Filho e no Espírito, sem nenhuma mis-
tura ou confusão. Um e idêntico é o movimento de ambas as pessoas.
Pois o impulso das três pessoas é o mesmo, o que não se pode observar
na natureza criada. Damasceno, enriqueceu o conteúdo da palavra
na doutrina sobre a Trindade com a declaração cristológica de Cal-
cedônia: inconfusa, imutável, indivisível, inseparável. (SILVA, 2016, p.
479).

Nesse sentido, afirma-se a destinação Trinitária da Teologia, na qual coabitam


os elementos centrais da teologia cristã em um único ser dotado de substancialidade
divina e, consequentemente, criação e origem.

37
Figura 11: Trindade (1411 - 1425)

Fonte: Rublev
[entre 1410 e 1420]

Destaca-se ainda nas contribuições de Damasceno na obra A Fé ortodoxa –


Livro I, que João Damasceno acentua as atividades de sistematização da teologia,
a partir, das afirmações das condições indizíveis e incompreensíveis acerca do Divino.
Contudo, ao afirmar tais condições, o Padre destaca que, mesmo diante da indizibi-
lidade e da incompreensão das instancias divinas, os seres humanos não se encon-
tram em completa ignorância, pois é, justamente, “pela lei e os profetas, primeiro, e
depois por seu Filho único, nosso Deus e nosso Salvador Jesus Cristo, segundo aquilo
que nos é acessível, Deus deixou claro o conhecimento de si mesmo” (KEHL, 2016).

Figura 12: João Damasceno

Fonte: Paulus (2020, online)

38
Assim, a busca pelo conhecimento é concebida, mais uma vez, como uma
determinação fundamental revelada pelas palavras contidas nos dogmas das Escri-
turas. Deste modo, torna-se permissível o conhecimento daquilo que se faz Revelação
sem, contudo, ser permitida a transgressão da tradição divina e, consequentemente,
pode-se compreender o motivo central da Patrística na passagem de Damasceno,
isto é, o conhecimento em vias do exercício racional encontra-se submetido ao exer-
cício da fé.
Conhecer segundo as determinações da fé cristã significa, principalmente,
dois direcionamentos: a) compreender segundo os desígnios da fé e; b) respeitar os
dogmas centralizadores da doutrina cristã, como adverte a colocação de Damas-
ceno: “Assim, fica evidente que Deus existe; mas aquilo que ele é por essência e por
natureza escapa completamente à compreensão e se torna incognoscível” (KEHL,
2016, online, grifo nosso), em outros termos, Deus existe, é fato, mas a sua compreen-
são não é matéria de conhecimento ou de racionalização humana e, para a fé
cristã, isso basta.
O pensamento de Damasceno apresenta ainda uma característica interes-
sante que irá se repetir no pensamento de Tomaz de Aquino, a saber, a argumenta-
ção filosófica em torno da comprovação da existência de Deus. Nesse sentido,
mesmo atestando a impossibilidade do conhecimento do Divino, Damasceno pro-
cura a demonstração teológica/filosófica da existência de um “só Deus e não mui-
tos” ( (KEHL, 2016), deixando claro, portanto, o perfil apologético de defesa da dou-
trinária cristã em combate as antigas religiões pagãs ou mitológicas. Deste modo, os
argumentos a favor da univocidade de Deus elencados por Damasceno, interpene-
tram-se e organizam-se da seguinte maneira:

a) Argumento da perfectibilidade de Deus: sendo o Divino perfeito, caso haja muitos


deuses seria impossível determinar-lhes a ideia da perfeição e, em concomitância,
seria impossível determinar-lhe como bom, sábio e poderoso;
b) Argumento da identidade incircunscrita de Deus: uma vez aceitando a existência
de muitos deuses seria impossível determinar Deus como portador de uma identi-
dade incircunscrita, isto é, ilimitada.
c) Argumento da governança perfeita e originária de Deus: argumentando que uma
vez governado por muitos deuses, seria impossível a determinação de um mundo

39
ordenado perfeitamente pela bondade e justiça provindo de Deus, pois, existindo
uma mínima desavença entre os deuses o mundo cairia em caos e desordem.
Portanto, para o estabelecimento de uma governança ordeira, seria necessária
uma única instancia governante: Deus.

TRADIÇÕES: ORGANIZAÇÕES DO MUNDO


As tradições religiosas dividem-se, em sua maioria, em determinações politeístas ou mo-
noteístas. Todas, sem exceção, buscando a organização da realidade segundo as autori-
dades transcendentais. Nesse sentido, anteriores as a tradições monoteístas centrais (o ju-
daísmo; o cristianismo e o islamismo) a concepção de mundo era organizada em torno
das mitologias e suas estruturas politeístas que, nos idos da dominância da doutrina cristã,
na Idade Média foram consideradas pagãs e combatidas fervorosamente. Assim, no caso
especifico da filosofia, cuja relação com o imaginário mitológico grego era determinante,
ocorre, sobretudo, com a Patrística agostiniana, a cristianização da filosofia e o apaga-
mento das divindades mitológicas em prol da elevação da racionalidade guiada pela fé.

Finalmente, podemos concluir que a preocupação central da pedagogia Pa-


trística é a de defender os dogmas do cristianismo, fundamentando-os com o auxílio
de uma releitura da filosofia grega condicionada os termos/temas da fé crista e, não
obstante, tal preocupação será preponderante no pensamento de Santo Agostinho,
o maior representante da Patrística.

40
FIXANDO O CONTEÚDO

1. A Patrística apresenta-se, incialmente, como

a) uma defesa do modelo de mundo proposto pelo Platonismo.


b) uma defesa das matrizes religiosas politeístas.
c) uma defesa da filosofia grega clássica em detrimento do modelo de mundo cristã.
d) uma defesa da fé cristã diante dos ataques pagãos e uma filosofia voltada para
a consolidação das verdades da fé.
e) uma defesa da fé cristã pautada nas verdades conhecidas, exclusivamente, pela
razão filosófica como produto dos seres humanos.

2. A Idade Média possui como orientações determinantes:

a) A existência do mal; a metafísica aristotélica e as cosmogonias míticas.


b) A revolução científica; a physis e a criação do mundo.
c) A criação do mundo; o pecado original e o juízo final.
d) A physis; o idealismo platônico e o prazer corpóreo/epicurista.
e) O pecado original; o feudalismo e a revolução científica.

3. De acordo com Marilena Chauí, em suas determinações centrais, a Patrística:

a) A busca pela conciliação entre razão e fé.


b) A busca pela oposição entre razão e fé.
c) A busca pela determinação originária do mundo segundo a concepção heracliti-
ana do devir.
d) A busca pela racionalidade inerente à ação cientifica do humano.
e) A busca pelas verdades da fé em detrimento de qualquer possibilidade de auxilio
racional.

4. A terminação razão teológica diz respeito a

a) uma racionalidade dependente de uma subjetividade metódica.


b) uma racionalidade independente da fé.

41
c) uma racionalidade empiricamente orientada.
d) uma racionalidade cientificamente orientada.
e) uma racionalidade dependente da fé.

5. De acordo com Reale e Antiseri, o pensamento de São Gregório destaca que: “[...]
filosofia grega é útil, mas só se oportunamente purificada: ‘A filosofia moral e a
filosofia política poderiam realmente favorecer uma autêntica vida espiritual, se
conseguissem purificar seus dados doutrinários das deturpações de erros profanos.
” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 419). Nesse sentido podemos compreender a passagem
como

a) a destinação de uma razão que se coloca independente das determinações da


fé e, portanto, afastada da autêntica vida espiritual.
b) a determinação de uma ideia de racionalidade que se coloca a serviço da dou-
trina cristã uma vez purificada de suas determinações puramente humanas.
c) a delimitação de uma ideia de racionalidade científica, empírica e metodológica.
d) a determinação de uma ideia de racionalidade que se coloca a serviço da dou-
trina cristã, contudo, tem como fundamento central questionar/duvidar das ver-
dades reveladas pelas Escrituras.
e) a delimitação de uma filosofia tomada por erros profanos e, consequentemente,
limitada às investigações mitológicas e politeístas.

6. O pensamento de João Damasceno determina-se como

a) uma proposição de distanciamento entre filosofia e fé, uma vez que, por vias da
filosofia, segundo Damasceno, é impossível argumentar a favor da existência de
Deus.
b) a construção de uma doutrina filosófico-teológica que procura duvidar da existên-
cia de Deus.
c) a sistematização da filosofia em direção à consolidação das verdades reveladas
pela fé.
d) a sistematização da fé em direção à dimensão politeísta da fé crista.

42
e) a proposta de fundamentação de uma fé religiosa incapaz de se filiar à compre-
ensão da natureza divina e humana de Jesus.

7. A Teologia Trinitária de João Damasceno argumenta que

a) a teologia cristã tem como natureza fundamental a distinção entre as figuras do


Pai, do Filho e do Espírito Santo para, finalmente, fundamentar-se enquanto mono-
teísta.
b) a teologia cristã apresenta-se de forma Trinitária isto é, mediante a separação en-
tre o Pai; o Filho e o Espírito Santo.
c) a teologia cristã apresenta-se de forma Trinitária, isto é, mediante a coabitação
entre o Pai; o Filho e o Espírito Santo.
d) não há teologia que não seja a criação de um único ser dotado de substanciali-
dade e, deste modo, o Deus pode ser conhecido mediante a ação racional do
humano.
e) a teologia cristã parte da ideia de que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são instâncias
unidas em uma única Figuração e que podem ser separáveis, dizíveis e mutáveis.

8. Assinale abaixo os argumentos de Damasceno a favor da existência de um único


Deus:

a) Argumento da perfectibilidade de Deus; Argumento da governança perfeita e ori-


ginária de Deus e Argumento da identidade incircunscrita de Deus.
b) Argumento da imperfectibilidade de Deus; Argumento da bondade infinita; Argu-
mento da mutabilidade de Deus.
c) Argumento da governança perfeita de Deus; Argumento da pluralidade identitá-
ria de Deus; Argumento da circunscrição de Deus.
d) Argumento da finitude de Deus. Argumento da identidade incircunscrita de Deus;
Argumento da beleza de Deus.
e) Argumento da originalidade de Deus; Argumento da transformação de Deus; Ar-
gumento da perfectibilidade de Deus.

43
SANTO AGOSTINHO UNIDADE

10.1 O BISPO DE HIPONA


10
Como vimos no decorrer da Unidade anterior, a Patrística instaura um tempo
delimitado pela fé, isto quer dizer que toda e qualquer produção de conhecimento
faz-se sob a tutela da fé cristã. Diante disso, o pensamento de Agostinho de Hipona
(Santo Agostinho) (354 - 430) coloca-se como a matriz teológica e filosófica mais ela-
borada da Patrística acentuando, portanto, as reflexões sobre as relações entre a fé
e a razão. Reflexões divididas em diversas obras importantes para o desenvolvimento
e fortalecimento da doutrina cristã, sobretudo, as Confissões e A cidade de Deus.
Nascido na cidade de Tagaste (atual Argélia) no norte da África, a vida de
Agostinho nem sempre foi dedicada à fé, muito pelo contrário, o futuro bispo de Hi-
pona, teve uma juventude pecaminosa, marcada pela efervescência da promiscui-
dade e do alcoolismo. Diante disso, no capítulo “Os pecados da adolescência”, da
obra Confissões, Agostinho destaca:

Quantas vezes, na adolescência, ardi em desejos de me satisfazer em


prazeres infernais, ousando até entregar-me a vários e tenebrosos
amores! A minha beleza definhou-se e apodreci aos vossos olhos, por
buscar complacência própria e desejar ser agradável aos olhos dos
homens (AGOSTINHO, 2015, p. 51).

As Confissões revelam o processo de descoberta, travessia e aceitação do


cristianismo por parte de Agostinho, de modo que o teólogo/filósofo, notadamente,
aprofunda as suas meditações em direção ao encontro com o Divino. De fato, o trân-
sito agostiniano terá, em proximidade com a filosofia de Platão, a superação do ca-
ráter corporal (dos desejos e armadilhas provenientes do corpo) em direção à eleva-
ção da alma como perspectiva fundamental, uma vez que, esse mesmo corpo faz-
se o responsável por afastar Agostinho das verdades reveladas pelo amor Divino.
Nesse sentido, a confissão de Agostinho não possui um sentido negativo de admissão
dos pecados, pelo contrário, ela colocasse como um processo de libertação que,
consequentemente, leva o homem em sentido plural de humanidade ao encontro

44
com Deus e com as suas verdades.
A conversão preconizada por Agostinho dá-se justamente na busca e no en-
contro com a Iluminação das verdades divinas, capazes de superar os prazeres tran-
sitórios do corpo e conduzi-lo à plenitude e luminosidade acalentadora do amor di-
vino, superior aos supérfluos amores do corpo, sensível e terreno, como podemos in-
ferir na seguinte colocação das Confissões:

[...] amo uma luz, uma voz, um perfume, um alimento e um abraço,


quando amo meu Deus, luz, voz, perfume e abraço do homem interior,
onde brilha para a minha alma uma luz que nenhum espaço contém,
onde ressoa uma voz que o tempo não arrebata, onde se exala um
perfume que o vento não esparge, onde se saboreia uma comida que
a sofreguidão não diminui, onde se sente um contato que a sacie-
dade não desfaz. Eis o que amo, quando amo meu Deus (AGOSTINHO,
2015, p. 242)

Revela-se, portanto, na passagem acima a predileção agostiniana pelo ho-


mem interior em detrimento ao homem exterior, isto é, a predileção pela elevação
da alma, do espírito capaz de, na escuta da voz divina, elevar-se acima dos praze-
res/desejos mundanos captados pelo corpo. É exatamente esse o processo de con-
versão de Agostinho, aquele de deixar-se tocar pela imensidão da beleza do amor
Divino que não pode ser comparado à realidade do mundo material, uma vez que,
o amor que se dirige à contemplação da alma é, por sua vez, dotado de perfeição.

Figura 13: Santo Agostinho

Fonte: Rodríguez (1000)

45
Com trinta e dois anos, após a conversão e o batismo, Agostinho dedica-se à
vida monástica e ao estudo e fundamentação das doutrinas do cristianismo e, pos-
teriormente, dirige-se a cidade de Hipona onde, no ano de 396, torna-se Bispo.

A Trajetória de Santo Agostinho

“Fomos outrora trevas; agora, porém, somos luz do Senhor.” (AGOSTINHO, 2015, p. 367, grifo
nosso)
NOGUEIRA, A. “De breaco a beato: há 1665 anos, nascia Santo Agostinho de Hipona” IN:
Revista Aventuras na História. Disponível em: https://bit.ly/3hdOc9F. Acesso em: 28 jul. 2020
No livro Paul Strathern, Santo Agostinho em 90 minutos, é possível encontrar uma interes-
sante organização cronológica da vida de Santo Agostinho, bem como uma introdução
capaz de fazer um necessário apanhado histórico da inserção do pensamento agostini-
ano nas fundações/defesas da doutrina cristã nascente. DISPONÍVEL EM:
https://bit.ly/32Hq3Cn

10.2 FILOSOFANDO NA FÉ

O pensamento teológico/filosófico de Santo Agostinho propõe a reflexão so-


bre as relações entre a fé e a razão. Fica claro que na Idade Média é impossível a
existência de uma filosofia que ignore a mensagem revelada pelas Escrituras. Diante
disso, o principal desafio dos filósofos (pensadores) nesse período é justamente res-
ponder às necessidades de diálogo entre a religião e a filosofia.
Agostinho, por sua vez, destaca-se ao mediante a reinvindicação de um status
filosófico para a doutrina cristã, fundamentação que será argumentada, sobretudo,
com as incursões agostinianas aos pensamentos de Platão e de Aristóteles. Nesse sen-
tido, conforme salientam Possiano e Cunha (2011, p. 04, grifo nosso):

O empreendimento de Agostinho não era apenas mostrar a possibili-


dade de conciliação entre fé e razão, pois como a filosofia sempre
fora o exercício racional que se afastava das crenças e do pensa-
mento ingênuo sobre a natureza do mundo, cabia agora, ao defen-
der o cristianismo como a filosofia, apontar o lugar da fé dentro do
contexto filosófico, pois até então, a fé apenas dizia respeito à religião
e não tinha espaço dentro do pensamento filosófico.

Com efeito, não se trata tão somente de defender a fé de acordo com os

46
argumentos oferecidos pela racionalidade filosófica, mas, sobretudo, de enfatizar
dois direcionamentos que se interpenetram e que se completam, a saber: a obriga-
ção da racionalidade para o exercício da fé [compreender para crer (intellige ut
credas)] e a necessidade da fé para o exercício filosófico [crê para compreender
(crede ut intelligas)].
Trata-se, portanto, de uma relação de reciprocidade entre a fé e a razão, isto
é, a razão coloca-se como uma prévia necessária para a adesão e o exercício cor-
reto da fé [a razão precede a fé (ratio ante fidem)] e a fé como uma determinante
para o exercício do pensar [a fé fundamenta/prepara a razão para a compreensão
daquilo em que se acredita (ratio post fidem)], uma vez que, as revelações ou Ilumi-
nações provêm da instância divina e, consequentemente, fundamentam-se como
atos de fé, isto é, de aceitação da doutrina. Diante disso, acentua Gilson que no
pensamento agostiniano: “Há que aceitar pela fé as verdades que Deus revela, se se
quiser adquirir em seguida alguma inteligência delas, que será a inteligência do con-
teúdo da fé acessível ao homem neste mundo” (GILSON, 1995, p. 144, grifo nosso).
Diante do exposto acima, filosofar na fé é um colocar-se no caminho de en-
contro à plenitude das verdades reveladas por Deus, isto é, conforme destaca Cam-
pos (2007, p. 12), “o filosofar na fé é uma espécie de prelibação da visão da gloria”,
ou seja, é um ato de prazer intelectual/teológico prévio às recompensas concedidas
pelas Revelações encontradas na Palavra de Deus.
Ademais, é justamente, a relação de reciprocidade entre a fé e a razão ou,
em outros termos, a atitude do filosofar na fé que concede a possibilidade da dou-
trina da Iluminação agostiniana. Posto que, é justamente na aceitação de uma vida
beata, isto é, de uma vida devotada à fé que, em tons platônicos, se é possível o
abandono das determinações materiais, inclusive da razão que se liga ao sensível,
para a condução de uma racionalidade (intelecto) ligada à fé e que, consequente-
mente, será iluminada pelo conhecimento enquanto iluminação divina. Em outros
termos, trata-se de uma luz divina, ou seja, de uma iluminação proporcionada pela
ação de Deus na mente humana, tratando-se, portanto, de um conhecimento ver-
dadeiro a ser contemplado pelos olhos da alma em um processo de interiorização
ou de direcionamento do humano para o seu próprio interior. Logo, descobrir as ver-
dades divinas é, consequentemente, um voltar-se para o interior de si mesmo e o
abandono da instabilidade do mundo exterior. Por fim, o conhecimento verdadeiro,
segundo a perspectiva do filosofar na fé, provém de fonte Divina. Deste modo, como

47
uma espécie de pedagogia da interioridade em busca da Iluminação Divina, na obra
O mestre (De magistro), Agostinho reflete que o discípulo não apreende a verdade
das coisas por meio das palavras dos mestres, “mas pelas próprias coisas que Deus a
ele revela em seu interior; interrogado sobre elas, sem mais, poderia responder”
(AGOSTINHO, 1995, p. 40).

OLHOS DA ALMA: PLATÃO E AGOSTINHO


Como já é possível verificar, as similaridades entre o pensamento de Platão e a razão teo-
lógica de Santo Agostinho são aparentes. A educação agostiniana centra-se na defesa
de uma forte estruturação moral pautada na dualidade entre o pecado e a graça, de
modo que o pecado tem como fonte principal as emanações sensíveis do corpo, a graça,
por sua vez, é alcançada no percurso de abandono do pecado e direcionamento ao
interior da alma movida pela relação de reciprocidade entre a fé e a razão. Esse mesmo
corpo, para Agostinho, em proximidade com o dualismo platônico, é fonte de conheci-
mentos exteriores que devem ser levados ao crivo da alma, local no qual repousa o co-
nhecimento inteligível fornecido pelo Divino, o verdadeiro Magistro. Nesse sentido, tanto
para Platão quanto para Agostinho, o conhecimento verdadeiro ou a iluminação advém
por meio dos olhos da alma. Por exemplo, no diálogo Fédon, de Platão (1977, p. 110, grifo
nosso), temos a seguinte determinação da superioridade da alma em relação ao corpo:

[SÓCRATES] – Parece-te, portanto, replicou Sócrates, que os dese-


jos de um filósofo não têm por objeto o corpo e que, pelo contrário,
trabalha para afastar-se dele dentro do possível, a fim de ocupar-
se apenas de sua alma?
[SÍMIAS] – Certamente.
[SÓCRATES] – Assim, de todas as coisas que acabamos de falar –
disse Sócrates – é evidente que o trabalho do filósofo consiste em
se ocupar mais particularmente que os demais homens em afastar
a sua alma do contato com o corpo.

10.3 A CIDADE DE DEUS (DE CIVITATE DEI)

Na obra A cidade de Deus e a cidade dos homens, Agostinho realiza uma forte
apologia da doutrina do cristianismo colocando em uma perspectiva dialética a exis-
tência de duas cidades: a cidade de Deus (De civitate Dei) e a cidade dos homens.
A perspectiva agostiniana é a de narrar o mundo segundo os desígnios da fé cristã
estabelecendo, sobretudo, uma importante distinção moral entre aqueles devotados

48
ao alcance do reino dos céus e os homens submetidos aos determinantes mundanos
dos prazeres terrenos.
Historicamente, a obra de Agostinho situa-se no período correspondente ao
ocaso do Império Romano, isto é, após os recorrentes saques e devastações de Roma
pelas invasões dos povos bárbaros, tem-se um grave declínio econômico e político
do Império atribuído, sobretudo, à elevação do cristianismo no cerne da cultura ro-
mana como religião oficial. Nesse sentido, acentua Leão (2014, p. 29)que:

A queda de Roma abalou o Império. Todos os cristãos e não cristãos


acusavam o cristianismo: o deus do amor e da caridade não serve
para institucionalizar, isto é, organizar e defender uma civilização e
uma cultura. 410 é a demonstração prática da fraqueza política do
Deus dos cristãos.

Assim, contrário que a introdução do Deus cristão na política romano seria a


responsável pelo declínio do Império, Agostinho delimita, em sua obra, tanto que o
Império Romano já estaria em declínio antes da chegada do cristianismo devido, so-
bretudo, as perversidades e pecados legitimados pelas crenças nos antigos deuses
pagãos, quanto uma defesa do cristianismo na fundamentação do verdadeiro es-
tado de liberdade propiciado pela fé. Deste modo, são apresentadas duas determi-
nações de ‘cidade’: a cidade dos homens (terrena), marcada pela vaidade política,
pelo pecado e pela vontade meramente humana que, consequentemente, instaura
um tempo distanciado de Deus e, por outro lado, há a cidade de Deus que se coloca
Eterna, tomada pela graça e superior a terrena que, em termos platônicos, coloca-
se como modelo a ser seguido, isto é, como idealidade modelar de autoridade, pro-
gresso e bem-aventurança.
Não obstante, de acordo com Leão (2014, p. 31) um desafio coloca-se como
prioritário na Cidade de Deus, a saber: “o desafio da vida de todo cristão: libertar o
homem em si e nos outros das lutas pela independência para a liberdade da Fé as
obras da graça [...]” ou seja, trata-se, em proximidade com as Confissões, do direci-
onamento do humano rumo à sua interioridade no qual estão contidas as possibilida-
des de apreensão das revelações despertadas pelo exercício da alma repousada
na fé.

49
Figura 14: De Civitae Dei (1375-1377) - Bibliothèque Nationale de France

Fonte: Santo Agostinho (426 d.C.)

Ademais, podemos pensar a obra agostiniana como uma espécie de com-


bate entre a história pecaminosa feita pelos homens, amantes de si e dos prazeres
terrenos, e a história da graça pertencente aos amantes de Deus e de seus designíos.
Assim, há um conflito (material e espiritual) aparente entre a temporalidade terrena
e a temporalidade eterna, ao passo que o terreno, marcado pela efemeridade das
políticas e riquezas mundanas, é sempre um tempo vago e passageiro, já o tempo
da eternidade pauta-se na submissão dos desejos à fidelidade aos dogmas cristãos
e, consequentemente, no amor a Deus, como sublinha Agostinho: “Servo fiel, sua ri-
queza é a vontade do Senhor. Tal submissão aumenta sua reserva espiritual; não se
aflige em ser abandonado, em vida, pelas coisas que logo mais, ao morrer, deve
abandonar. ” (AGOSTINHO, 2014, p. 53).
Entre esses dois tempos, portanto, enquanto modelo de vida moral e, especi-
almente, de determinação histórica da fé cristã, a temporalidade voltada para a
eternidade dos ensinamentos da doutrina cristã deve, no pensamento agostiniano,
prevalecer, pois, lá, é onde habitam os verdadeiros tesouros impossíveis de serem sa-
queados, em suma, tesouros inteligíveis, interiores e ligados, principalmente, ao dire-
cionamento da vida do sujeito como fiel aos mandamentos do Senhor, conforme
acentua Agostinho na seguinte passagem que, em certa medida, resume os direcio-
namentos da obra Cidade de Deus (De Civitae Dei):

[...] não amontoeis para vós tesouro escondido na terra, onde o verme
e a traça os devoram, donde os ladrões o tiram e roubam, mas amon-

50
toai para vós tesouros no céu, onde o ladrão, em absoluto não pene-
tra, onde o verme nada pode corromper, pois onde estiver teu te-
souro, aí estará também teu coração (AGOSTINHO, 2014, p. 54)

O MAL E O LIVRE-ARBÍTRIO EM AGOSTINHO

“[...] o mal é apenas a privação do bem, privação cujo último ter é o nada. ” (AGOSTINHO,
2015, p. 74)

Em suas reflexões acerca do problema do mal, Agostinho reitera que o mal não tem a sua
origem em Deus, sendo, portanto, um produto do homem que, consequentemente, peca
ao afastar-se da natureza do bem que provém de Deus. Em consonância com as deter-
minações agostinianas sobre o mal, existem as reflexões de Agostinho sobre o livre-arbítrio
como o “[...] dom concedido por Deus às criaturas excelentes, a saber, os espíritos racio-
nais que, se o quiserem, podem à corrupção [...]” (AGOSTINHO, 2005, p. 11). A saber, na
teoria agostiniana existem três modalidades do mal: 1) o mal metafísico (diz respeito à
ordem de hierarquia dos seres); 2) o mal moral (o uso indevido do livre-arbítrio dado por
Deus); e 3) o mal físico (a manifestação física dos descumprimentos do livre-arbítrio).

O excelente artigo “O livre-arbítrio e o Problema do Mal em Santo Agostinho”, de Coutinho


(2010), publicado na revista de filosofia Argumentos, oferece uma importante reflexão so-
bre essas duas instâncias presentes no pensamento agostiniano.
Disponível em: https://bit.ly/32dg5J0

O site Portal Filosófico oferece uma excelente contribuição/reflexão sobre o problema do


mal em Agostinho, a saber: BOTELHO, Rafael. O Problema do Mal em Agostinho de Hipona.
Portal Filosófico. 2016. Disponível em: https://bit.ly/3219UHL

51
FIXANDO O CONTEÚDO

1. Nas Confissões, Agostinho de Hipona destaca o seu processo de descobrimento e


travessia em direção à fé cristã. Nesse sentido, passagens como a seguinte: “Quan-
tas vezes, na adolescência, ardi em desejos de me satisfazer em prazeres infernais,
ousando até entregar-me a vários e tenebrosos amores! A minha beleza definhou-
se e apodreci aos vossos olhos, por buscar complacência própria e desejar ser
agradável aos olhos dos homens” (AGOSTINHO, 2015, p. 51), denotam

a) a travessia e a predileção de Agostinho pelos prazeres mundanos como modo de


conhecimento/iluminação privilegiados.
b) a configuração de que a fé cristã baseia-se nos prazeres corpóreos.
c) a travessia agostiniana da superação do caráter corporal para a elevação da
alma e encontro com o divino.
d) a travessia agostiniana em busca da elevação da alma que, ao fim e ao cabo, se
dá na manutenção das verdades divinas reveladas pelos amores pecaminosos.
e) a travessia agostiniana em defesa de uma determinação teológica politeísta.

2. As Confissões de Agostinho possuem um caráter

a) de libertação que, consequentemente, conduz o homem ao encontro de Deus.


b) de punição que, consequentemente, conduz o homem ao encontro de Deus.
c) de admissão dos pecados em sentido negativo de culpa e de punição.
d) de idealização do pecado como fonte de conhecimento do divino.
e) de confissão mediante o encontro com Deus na esfera do conhecimento exte-
rior/mundano.

3. “Fomos outrora trevas; agora, porém, somos luz do Senhor. ” (AGOSTINHO, 2015, p.
367). O caminho para o conhecimento segundo Agostinho consiste

a) na transição proporcionada pelos saberes do método científico aliado aos misté-


rios da fé.
b) no empirismo do mundo exterior.
c) na busca pelo logos filosófico isento de fé.

52
d) na transição do mundo interior para a iluminação do mundo exterior.
e) na transição do mundo exterior para a iluminação interior do sujeito.

4. O pensamento teológico/filosófico de Santo Agostinho propõe a reflexão sobre as


relações entre a fé e a razão. Contudo, não se trata somente da reconciliação
entre a razão e a fé, mas sim de uma relação de reciprocidade que pode ser
compreendida do seguinte modo:

a) A obrigação da racionalidade na condução da fé e a independência da fé na


consolidação de um exercício filosófico politeísta.
b) A independência da razão na composição da fé e a não necessidade da fé para
o exercício filosófico.
c) A obrigação da racionalidade para o exercício da fé e a necessidade da fé para
o exercício racional.
d) A racionalidade orientada para a superação da fé cristã e o uso da fé como deli-
mitação do mundo greco-romano.
e) A delimitação da razão como modelo de vida orientado para o exercício da ver-
dade como determinação contestadora da fé cristã.

5. Podemos afirmar, de acordo com o pensamento agostiniano, que

a) não há reciprocidade entre a razão e fé, uma vez que a Patrística é um movimento
de superação do caráter racional do mundo.
b) a razão se determina desnecessária no uso da fé e, consequentemente, a fé se
faz como uma determinante para o exercício do pensar (ratio post fidem).
c) a razão coloca-se como uma prévia necessária para a adesão e o exercício cor-
reto da fé (ratio ante fidem) e, após isso, a fé determina-se como superação do
caráter racional.
d) a razão age independentemente da fé e, portanto, coloca-se como uma razão
após a fé.
e) a razão coloca-se como uma prévia necessária para a adesão e o exercício cor-
reto da fé (ratio ante fidem) e a fé como uma determinante para o exercício do
pensar (ratio post fidem).

53
6. Segundo Laet, “o filosofar na fé é uma espécie de prelibação da visão da gloria”
(LAET, 2010, p. 12). Nesse sentido, podemos compreender a ação de filosofar na fé
como

a) um caminho de distanciamento entre a fé e a razão, de modo que, a plenitude


da Iluminação religiosa somente pode ser encontrada no abandono da filosofia.
b) um caminho de encontro à plenitude da Iluminação religiosa, a partir da recipro-
cidade entre a fé e a razão.
c) uma transição entre a perspectiva filosófica greco-romana e a determinação filo-
sófica do cristianismo.
d) uma afirmação da razão como modelo ideal de compreensão do mundo em de-
trimento dos dogmas da fé cristã.
e) um percurso de deslumbramento da visão da glória divina por meio da superação
do caráter filosófico da realidade material.

7. A pedagogia da interioridade agostiniana pode ser compreendida do seguinte


modo:

a) Como o percurso de interiorização do humano no encontro com as verdades ilu-


minadas pela revelação religiosa.
b) Como o percurso de interiorização do humano no encontro com as verdades co-
nhecidas pela filosofia.
c) Como o percurso de interiorização do humano em direção à reciprocidade entre
a filosofia grega e a mitologia politeísta.
d) Como o percurso de interiorização do humano que se revela nas Confissões agos-
tinianas como as determinações do pecado sobre a graça.
e) Como o percurso de interiorização do humano em busca das iluminações provin-
das pelas palavras de autoridade do poeta e dos sacerdotes do politeísmo.

8. Na obra A cidade de Deus, Santo Agostinho revela a existência de um conflito


entre

54
a) a espiritualidade da cidade terrena e a materialidade da cidade divina.
b) a materialidade pecaminosa da cidade terrena pautada na elevação dos praze-
res espirituais e a espiritualidade da cidade divina pautada na iluminação das ver-
dades filosóficas.
c) a espiritualidade da cidade de Deus pautada nas elevações dos espíritos fiéis ao
politeísmo e a materialidade da cidade terrena pautada nos prazeres mundanos.
d) a materialidade da cidade terrena pautada nos prazeres mundanos e a espiritua-
lidade da cidade divina pautada na iluminação espiritual.
e) a fundamentação material da cidade dos homens delimitada pelos prazeres car-
nais e a idealidade da cidade divina pautada no afastamento entre os fiéis e os
tesouros inteligíveis alcançados pela iluminação espiritual.

55
A ESCOLÁSTICA E SÃO TOMÁS UNIDADE
DE AQUINO

11.1 A ESCOLÁSTICA
11
A Escolástica (séc. IX e XII) surge no auge do cristianismo, isto é, ela determina-
se no período em que a doutrina cristão-católica não apenas domina a Europa,
como também se encontra dotada de estabilidade nos âmbitos institucional, intelec-
tual e cultural superando, portanto, o período de transição e de afirmação do cristi-
anismo conforme vimos na delimitação da Patrística.
Diante disso, trata-se, finalmente, da formação doutrinária de novos pensa-
dores e sacerdotes segundo as determinações eclesiásticas culminando, deste
modo, no fortalecimento das ordens monásticas, no surgimento das escolas e das
universidades. Podemos pensar a Escolástica, inicialmente, como um período de
ampla valorização do ensino e de mobilização da fé e da racionalidade para o
entendimento de questões filosófico-metafísicas tendo como base, sobretudo, a re-
tomada do pensamento aristotélico.

Figura 15: Filme O nome da Rosa (1987)


No romance O nome da rosa, Umberto
Eco, ilustra o ambiente monástico ao te-
matizar o dia a dia dos monges copistas,
ou seja, dos monges destinados à reali-
zação da tradução e a cópia das obras
clássicas.

Há também um filme sobre o romance,


dirigido por Jean-Jacques Annaud, de
1986, disponível no Youtube. LINK:
https://bit.ly/3aEUlcx

56
Ademais, segundo Diel, (2017) no artigo “As escolas dos mosteiros medievais: dinâmica
social, didática e pedagogia”: “O monasticismo é uma das instituições mais importante
do mundo medieval. O grande medievalista, Jaques Le Goff, não deixa de reconhecê-lo
como um dos três centros civilizacionais do mundo medieval, juntamente com as cidades
e as cortes”.

Le Goff por sua vez nos diz que:

“Os mosteiros fazem penetrar, lentamente, o cristianismo e os valo-


res que ele veicula no mundo dos campos, até então pouco toca-
dos pela nova religião - mundo das longas tradições e das perma-
nências, mas que passa a ser o mundo essencial da sociedade me-
dieval” (LE GOFF, 1995, p. 159)

Por outro lado, os mosteiros mostram a precariedade da civilização ocidental medieval,


pois eram oásis da cultura no meio do deserto, das florestas e dos campos.

Há, com a Escolástica, uma reorganização do modelo de transmissão do co-


nhecimento, ou seja, mais “do que um conjunto de doutrinas”, a nova concepção
de ordenação do conhecimento propõe “a abertura de novas escolas ou a absor-
ção das antigas em novas instituições educativas, por parte da Igreja” assinalando
“o início da formação e organização, lenta e laboriosa, de uma nova cultura” (REALE;
ANTISERI, 1990, p. 478) que, em seu interior, mesclam filosofia e teologia na produção
do conhecimento que, ao fim e ao cabo, dividido entre o Trivium e o Quadrivium (as
Artes Liberais), será capaz de, sobretudo, reaproximar o home da sua experiência
humana ou, em outros termos, reaproximar o homem da realização das experiências
conduzidas pela racionalidade, isto é, da filosofia experimental.
Para Reale e Antiseri (1990, p. 478, grifo nosso), a “razão coloca-se predomi-
nantemente em função da fé, ou seja, a filosofia serve à teologia, para interpretação
das Escrituras (exegese) ou para construção doutrinária sistemática (dogmática)”.
Deste modo, trata-se da exploração da possibilidade racional para a fundamenta-
ção da fé e da consequente argumentação a favor das revelações obtidas pela
experiência religiosa. Finalmente, acentua-se que a filosofia clássica, sobretudo, Pla-
tão e Aristóteles, torna-se importante para a elaboração argumentativa/racional
para a melhor compreensão da fé cristã.

57
Ademais, Gilson (1995) acentua a impossibilidade da compreensão da Esco-
lástica e, consequentemente, de uma nova cultura na Idade Média controlada pelas
Instituições religiosas e demarcada pela experiência do conhecimento humano, sem
a “organização do ensino filosófico e teológico no século XII” demarcado pelo surgi-
mento das Universidades (Universitas) que, em seu interior, organizaram as contribui-
ções de mestres e de alunos na concepção de um novo conhecimento de mundo.
De acordo com Gilson (1995, p. 483):

A primeira universitas a se tornar um corpo regularmente organizado e


um ser coletivo análogo as nossas universidades modernas é a de Bo-
lonha, mas ela foi, antes de mais nada, um centro de estudos jurídicos
e só obteve uma faculdade de teologia regular em 1352, do papa
Inocêncio VI.

Além de fundamentar-se como um novo modo de saber e uma nova relação


com o conhecimento de mundo ao permitir a organização do saber e, consequen-
temente, a sua ampliação mediante a aceitação de sacerdotes ligados ao fazer
cientifico e a argumentação filosófica, a Escolástica coloca-se enquanto uma cons-
trução intelectual e metódica direcionada pelos debates (Disputatio). A Disputatio,
segundo Chauí (2000, p. 54, grifo nosso), ocorre do seguinte modo:

[...] apresentava-se uma tese e esta devia ser refutada ou defendida


por argumentos tirados da Bíblia, de Aristóteles, de Platão ou de outros
Padres da Igreja. [...] Assim, uma ideia era considerada uma tese ver-
dadeira ou falsa dependendo da força dos argumentos encontrados
nos vários autores

Aprofundando a colocação acima, podemos compreender a Disputatio, o


método escolástico para a exposição de ideias filosóficas em uma perspectiva dia-
lética, imediatamente, como a exposição do tema ou assunto a ser debatido pelos
mestres e pelos alunos podendo ser de caráter afirmativo (pro) ou negativo (contra)
a fim de que a disputa argumentativa fosse capaz de conduzir os alunos e os mestres
à solução (solutio).

58
A LECTIO E A DISPUTATIO
Além da Disputatio como método pedagógico de discussão e de compreensão dos textos
teológicos e filosóficos, há, também na Escolástica, o método da Lectio. Se a Disputatio
configura-se como uma disputa argumentativa/demonstrativa entorno de questões que
necessitam de entendimento, a Lectio, por sua vez, propõe uma atitude passiva diante
dos textos ou das questões, isto é, o mestre realiza a leitura dos textos sem o levantamento
de questões, uma vez que o argumento de autoridade conferido pela leitura do mestre
era suficiente.

Finalmente, essa estrutura didática e dialógica compõe-se assim: a) afirmava-


se o problema que necessita de solução; b) estabelecimento das hipóteses argumen-
tativas plausíveis de solucioná-lo; c) apresentação das objeções/argumentações
que corroboram a hipótese; d) formulações de contra objeções as hipóteses; e) diá-
logo e interseção dos mestres na prática discursiva e argumentativa em busca da
solução através da determinação argumentativa mais elaborada. Como veremos
mais adiante, São Tomás de Aquino (1225 – 1274), além de se configurar como autor
mais importante da Escolástica, também aprofunda na Suma Teológica (Summa the-
ologiae), os desdobramentos da Disputatio na tentativa da solução e da discussão
sobre diversos temas de interesse humano.

11.2 SÃO TOMÁS DE AQUINO

São Tomás de Aquino apresenta-se como o filósofo mais importante do perí-


odo medieval regido pela Escolástica. Influenciado pelo pensamento aristotélico,
Santo Tomás de Aquino foi capaz de elaborar um complexo sistema do saber fun-
damentado, principalmente, pela conexão lógica entre as partes.
De acordo com Reale e Antiseri (1990, p. 554), o pensamento de Tomás de
Aquino, determina Deus como objeto primário de suas reflexões, pois: “Somente no
contexto da revelação é que se torna possível um correto discurso sobre o homem
e o mundo”, isto é, não se trata de direcionar os esforços reflexivos da filosofia na
tentativa da compreensão/entendimento do homem e do mundo, mas sim, de co-
nhecer, de fato, a revelação divina na condução das vidas humanas.
Diante disso, Viera (2019, p. 247) acrescenta-se que o pensamento de Tomás

59
de Aquino, “serviu-se da metafísica como método de argumentação teológica e
conseguiu desenvolver uma teodiceia para, com argumentos racionais, tentar de-
monstrar a existência de Deus”, em outros termos, a obstinação do pensamento to-
mista é a de provar racionalmente a existência de Deus, conforme veremos mais
adiante.
A obra central do pensamento de Tomás de Aquino, a Suma Teológica, trata-
se da elaboração complexa e sistemática de diversos conhecimentos, principal-
mente, da configuração teológica através de diversos questionamentos na forma
da Disputatio, tais como: responder a necessidade da filosofia na elaboração de
conhecimentos; discutir as relações entre ciência e fé; apresentar discussões/refle-
xões sobre a doutrina cristã; discutir as noções de bem e de bondade e, principal-
mente, aprofundar racionalmente as reflexões e os argumentos sobre a existência e
os atributos de Deus.

Figura 16: Triunfo de São Tomás de Aquino sobre Averroes (1468-1484)

Fonte: Gozzoli [entre 1468 e 1484]

Em um importante questionamento solucionado pela Suma Teológica, Tomás


de Aquino pergunta-se se, para além das ciências filosóficas, faz-se necessária al-
guma outra doutrina, afirmando, incialmente, que a filosofia é o ramo do saber que
trata de “todas as partes do ser” e, portanto, trata “inclusive de Deus; por onde, um

60
ramo filosófico se chama teologia ou ciência divina, como está no Filósofo. Logo,
não é preciso que haja outra doutrina além das filosóficas. ” (AQUINO, 1936, p. 117),
diante disso, podemos, de antemão, observar uma relação direta entre a filosofia e
a teologia que, em seu íntimo, faz da filosofia a única doutrina necessária. Contudo,
em contraposição à passagem acima, mais adiante, Aquino (1936, p. 117) afirma
que

Toda a Escritura divinamente inspirada é útil para ensinar, para rea-


prender, para corrigir, para instruir na justiça. Porém, a Escritura, divi-
namente revelada, não pertence às disciplinas filosóficas, adquiridas
pela razão humana; por onde, é útil haver outra ciência revelada,
além das filosóficas.

Deste modo, desvela-se o processo da Disputatio, composto da contraposi-


ção de ideias para a solução de uma determinada questão, mas, desvela-se tam-
bém, a separação entre os saberes da filosofia e, consequentemente, o posiciona-
mento da revelação divina como fonte de um saber distanciado e superior à filoso-
fia. Entretanto, destaca-se o seguinte, de acordo com a solução proposta por São
Tomás de Aquino sobre a relação entre a ciência filosófica e a revelação das Escri-
turas:
Mas também naquilo em que Deus pode ser investigado pela razão
humana, foi necessário ser o homem instruído pela revelação divina.
Porque a verdade sobre Deus, exarada pela razão, chegaria aos ho-
mens por meio de poucos, depois de longo tempo e com muitos erros;
se bem que conhecer essa verdade depende toda a salvação hu-
mana, que em Deus consiste. Logo, para que mais conveniente e se-
gura adviesse aos homens a salvação, cumpria fossem, por divina re-
velação, ensinadas as coisas divinas. Donde foi necessária uma dou-
trina sagrada e revelada, além das filosóficas, racionalmente adquiri-
das (AQUINO, 1936, p. 117, grifo nosso).

Assim, com a solução apresentada acima, fica evidente o trânsito fecundo e


necessário entre a filosofia (ciência humana racional) e as verdades reveladas pelas
Escrituras, de modo que, no pensamento tomista a razão humana torna-se instruída
pelo aspecto divino, sobretudo, na busca pelas verdades reveladas, ou seja, a razão
torna-se um instrumento de auxílio no trabalho da teologia e, finalmente, na elabo-
ração da fé cristã. Deste modo, são delimitados dois direcionamentos centrais para
a compreensão do trânsito entre a verdade e a crença: a) crenças são verdades
que podem ser provadas com a racionalidade; e b) crenças são verdades que não
podem ser provadas com o uso da razão. Não obstante, torna-se preponderante,
para Tomás de Aquino, que a atividade racional, típica do movimento pedagógico-

61
escolástico, atue nas descobertas e reflexões sobre as revelações divinas, pois, de
fato, para o pensamento tomista, inclusive, a existência de Deus torna-se motivo da
argumentação filosófica, conforme veremos adiante.

SOCIABILIDADE, POLÍTICA E JUSTIÇA: AÇÃO HUMANA OU DIVINA?


Como vimos anteriormente, para Santo Agostinho a sociabilidade humana (cidade dos
homens) é produto de homens perversos e injustos, diferentemente disso

[...] a sociabilidade natural já existia no Paraíso, antes da queda e


da expulsão dos seres humanos. Após o pecado original, os seres
humanos não perderam a sua natureza sociável, por isso, natural-
mente organizaram-se em comunidades, deram leis e instituíram as
relações de mando e de obediência, criando o poder político
(CHAUÍ, 2000, p. 507)

Ou seja, a sociedade humana, no pensamento tomista não é produto de homens injustos


e violentos, mas, pelo contrário, é justamente a ação natural dos homens que conduz ao
alcance político da justiça. Nesse sentido, podemos indagar se a justiça e, portanto, a
sociedade do bem comum seria um produto natural das ações humanas ou um modelo
encontrado apenas na Cidade de Deus?

Frente ao desenvolvimento da relação entre a racionalidade e a fé cristã na


argumentação e fortalecimento racional da teológica cristã, São Tomás de Aquino
apresenta cinco vias (cinco argumentos) para a prova da existência de Deus.

a) A via do primeiro Motor (ou da mutação): isto é, tudo se encontra em constante


estado de mutação e, consequentemente, de movimentação. Assim, faz-se ne-
cessária uma causa (ou Motor) ou um ser imutável que já se encontra em com-
pletude (ato) e capaz de colocar todos os outros seres em movimento/mutação.
Em termos gerais, essa primeira via fundamenta-se em tons aristotélicos, sobre-
tudo, no que diz respeito à argumentação sobre a existência de um primeiro Mo-
tor que é causa originária de todas as outras coisas ou, nos termos de Aristóteles,
que coloca tudo em movimento. Nesse sentido, o primeiro motor seria Deus: a
causa originária de tudo. Segundo Reale e Antiseri (1990, p. 563), “é necessário
afirmar a existência de um “primum movens quod in nullo moveatur”, isto é, a exis-
tência de um imutável. E esse imutável é o que todos chamam de Deus. ”

62
b) A via da causalidade eficiente: Deus é causa eficiente para todas as coisas, uma
vez que, para todas as coisas existe uma coisa primeira e eficiente, pois, todas as
demais coisas, com exceção de Deus, não podem ser eficientes por si mesmas.
Nesse sentido, perguntar “sobre essa possibilidade significa chegar a uma causa
primeira incausada, que, se existe, identifica-se com aquele ser que chamamos
Deus” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 564 – grifo nosso).

c) A via da contingência e da necessidade: partindo da ideia de que “o mundo é


preenchido por coisas contingentes (que existem, mas poderiam não existir) e,
para tais coisas, é fundamental a existência de algo necessário (imperecível), esse
algo é Deus” (TEODORO, 2020, p. 72), essa via apoia se na possibilidade da exis-
tência das coisas (existências em potência) e na determinação de uma existência
necessária, em ato, “que não foi e não é de modo algum contingente ou possível,
porque é sempre em ato. E essa causa se chama Deus. ” (REALE; ANTISERI, 1990,
p. 565)

d) A via dos graus de perfectibilidade de Deus: “Há”, diz Reale e Antiseri (1990, p.
565), “um mais ou um menos ao nível do ser e, consequentemente [...] ao nível de
bondade, de unidade e de verdade”, assim, quanto maior forem os graus de bon-
dade, de unidade, de verdade do ser, mais próximo ele se situa da perfectibili-
dade. Diante disso, o máximo de tais atributos encontra-se em Deus que, com
efeito, é a Fonte do ser e a Suma Perfeição.

e) A via do finalismo ou da finalidade das coisas: “Também este último caminho


parte da constatação de que as coisas ou alguma delas agem e operam como
se tendessem para um fim” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 566) e esse fim é, de fato,
desconhecidos pelas coisas, assim, tal ação necessita de um Ordenador originário
e inteligente, portanto, todas as coisas tendem a um fim que é Deus.

63
Figura 17: São Tomás de Aquino

“Para Tomás, o homem é natureza racio-


nal, isto é, um ser capaz de conhecer: “Ra-
tio est potissima hominis natura” (REALE;
ANTISERI, 1990, p. 566).

São Tomás de Aquino – Brasil Escola:


https://bit.ly/34gWf2

Cinco Vias que Provam a Existência de


Deus em Tomás de Aquino - Brasil Escola:
https://bit.ly/2E64TWg

64
FIXANDO O CONTEÚDO

1. A Escolástica surge no auge da dominação cristã na Europa nos séculos IX e XII.


Diante disso, podemos afirmar que a Escolástica

a) determina-se como um período de ampla fundamentação da fé politeísta.


b) determina-se como um período de ampla valorização do ensino e de mobilização
da fé e da racionalidade para o entendimento de questões filosófico-metafísicas.
c) determina-se como um período de ampla valorização do saber filosófico-metafí-
sico na elaboração de disputas para, ao fim e ao cabo, determinar a não existên-
cia de Deus.
d) determina-se como um período de ampla valorização dos saberes comuns, isto é,
das delimitações de mundo segundo os conhecimentos adquiridos na vida cam-
pesina e distanciados do mundo acadêmico/universitário proposto pelas novas
Universitas.
e) determina-se como um período de ampla desvalorização do pensamento aristo-
télico como modelo de auxílio/compreensão da fé cristã e das delimitações das
questões filosófico-metafísicas.

2. “Há, com a Escolástica, uma reorganização do modelo de transmissão do conhe-


cimento, ou seja, mais “do que um conjunto de doutrinas” (REALE; ANTISERI, 1990,
p. 478), a nova concepção de ordenação do conhecimento propõe “a abertura
de novas escolas ou a absorção das antigas em novas instituições educativas, por
parte da Igreja” assinalando “o início da formação e organização, lenta e labori-
osa, de uma nova cultura” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 478) ”. A partir da colocação
anterior, é possível concluirmos que

a) a Escolástica mantém intacta a estrutura do conhecimento, uma vez que a sua


premissa principal é a do fechamento e da impossibilidade da transmissão do co-
nhecimento.
b) a Escolástica não apresenta nada de novo na organização do mundo medieval,
pois, a seu modo, trata-se de uma reafirmação da doutrina cristã desprovida da
filosofia.

65
c) a Escolástica conduz uma nova estrutura da transmissão do conhecimento e, con-
sequentemente, uma nova cultura que irá desdobrar-se na organização do co-
nhecimento por meio de instituições educativas, tais como, escolas e universida-
des.
d) a Escolástica busca uma concepção de conhecimento distanciada da filosofia e,
portanto, as referências ao pensamento de Aristóteles são insuficientes para a pro-
moção de uma reorganização do mundo.
e) a Escolástica parte do princípio de que o conhecimento é uma dádiva divina que
não pode ser transmitida e nem organizada em escolas e universidades, pois, a
revelação é um produto do individual.

3. Na Escolástica, diferentemente da Patrística, com o ensino das Artes Liberais (Tri-


vium e Quadrivium), ocorre uma reorganização do mundo fundamentada

a) na reaproximação do homem da realização das experiências conduzidas pela ra-


cionalidade experimental.
b) no distanciamento do homem da filosofia experimental.
c) na reaproximação do homem na condução de uma vida religiosa.
d) na oposição às determinações do conhecimento filosófico e, portanto, afasta-
mento da filosofia em sua relação com a teologia.
e) no descuido do homem com relação às revelações alcançadas nas Escrituras.

4. Para Reale e Antiseri (1990, p. 482 – grifo nosso), a “razão coloca-se predominan-
temente em função da fé”. Diante disso, podemos complementar que

a) a teologia serve a filosofia.


b) a racionalidade é inútil para a compreensão da fé.
c) o homem da Escolástica não necessita da racionalidade.
d) a teologia é a única possibilidade de conhecimento do mundo.
e) a filosofia e a racionalidade servem de auxílio à teologia.

5. A Escolástica possui dois métodos pedagógico-filosóficos de investigação das ver-


dades, a Lectio e a Disputatio. Nesse sentido, podemos definir esses métodos da
seguinte maneira:

66
a) A Lectio propõe uma contemplação ativa dos textos e dos comentários, determi-
nando um processo de afirmações e contra afirmações e a Disputatio, por sua vez,
é uma metodologia baseada na investigação experiencial dos textos.
b) A Disputatio se configura como um debate argumentativo e reflexivo com a fina-
lidade de solucionar questões por meio do debate dialógico ativo entre mestres e
alunos, já a Lectio propõe uma atitude passiva diante das questões sem o envolvi-
mento ativo dos alunos.
c) A Lectio é um método empírico de obtenção da verdade configurada nas Escri-
turas já a Disputatio se configura como um debate argumentativo que, em seu
interior, adota as máximas propostas pela religião cristã.
d) A Disputatio é um modelo metodológico de contemplação passiva dos textos sem
a intervenção reflexiva/argumentativa dos mestres e dos alunos, já a Lectio, por
sua vez, propõe a investigação racional dos textos e autores consagrados pela
tradição filosófica e teológica.
e) Os métodos da Disputatio e da Lectio são modelos metódicos de obtenção do
conhecimento. O primeiro deles trata da investigação sistêmica do mundo por
meio da ciência livre dos dogmas da religião cristã, já o segundo, a Lectio, é a
contemplação passiva da natureza em seu movimento de transfiguração do
mundo.

6. De acordo com Reale e Antiseri, o pensamento de São Tomás de Aquino atesta


que “Somente no contexto da revelação é que se torna possível um correto dis-
curso sobre o homem e o mundo” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 554). Nesse sentido, é
possível afirmarmos que a reflexão tomista ressalta

a) que os esforços da filosofia racional devem ser direcionados para a compreensão


do homem e do mundo.
b) o caráter empírico da filosofia na compreensão material do mundo e dos seres
humanos.
c) a concepção da racionalidade filosófica como um instrumento aliado na com-
preensão das verdades reveladas pelo Divino na condução das vidas humanas.

67
d) a determinação de uma racionalidade filosófica que encontra-se como ciência
em separado da teologia e, consequentemente, das revelações das Escrituras e
de Deus.
e) a incapacidade da filosofia em, uma vez aliada à teologia e, consequentemente,
aos desígnios das revelações, demonstrar, racionalmente, a existência de Deus.

7. Na Suma teológica, Aquino afirma que: “Mas também naquilo em que Deus pode
ser investigado pela razão humana, foi necessário ser o homem instruído pela re-
velação divina. ” (AQUINO, 1936, p. 117). A partir da colocação tomista, podemos
deduzir o seguinte:

a) A instância de separação entre o fazer filosófico humano-racional e as determina-


ções da fé religiosa.
b) Os âmbitos da fé e da razão como delimitações opostas no que diz respeito à
contemplação das verdades reveladas.
c) A evidência do trânsito conflituoso entre a filosofia humana e racional e as verda-
des reveladas pela teologia cristã, de modo que, a filosofia é a única instância
capaz de inspirar e instruir os usos da fé, pois, Deus, em sua infinitude é um produto
dessa mesma razão.
d) A evidência do trânsito fecundo entre a filosofia, compreendida como ciência hu-
mana racional, e as verdades reveladas pelas Escrituras que, ao fim e ao cabo,
servem como instruções ao fazer filosófico.
e) A inexistência do diálogo entre a racionalidade e a teologia, uma vez que, elas
são campos do conhecimento completamente opostos e, portanto, Platão e Aris-
tóteles são dispensáveis para a produção do conhecimento no período Medieval.

8. São Tomás de Aquino propõe cinco vias (cinco caminhos) racionais e argumenta-
tivas para provar a existência de Deus. Entre elas, encontra-se a via da causali-
dade eficiente que podemos defini-la como

a) a via da causalidade eficiente é pensada como o preenchimento do mundo por


coisas contingentes e necessárias, sendo Deus, portanto, a única existência neces-
sária e imperecível.

68
b) a via da causalidade eficiente é pensada como a determinação de Deus en-
quanto o Primeiro Motor, isto é, como a Força que coloca as coisas em movimento
e transmutação.
c) a via da causalidade eficiente é pensada como a determinação de Deus en-
quanto a causa incausada, ou seja, a determinação do Divino como aquilo que
é eficiente para todas as coisas.
d) a via da causalidade eficiente é pensada como a ideia de Deus enquanto a Suma
Perfeição, isto é, enquanto o nível máximo de bondade e, consequentemente, de
perfeição.
e) a via da causalidade eficiente é pensada como a ideia de Deus enquanto a fina-
lidade eficiente última de todas as coisas.

69
GUILHERME DE OCKHAM UNIDADE

12.1 GUILHERME DE OCKHAM


12
O filósofo inglês e frade franciscano Guilherme de Ockham (1285 - 1347) é de-
terminado como um precursor do método empírico e do racionalismo cartesiano.
Não obstante, a importância de Guilherme de Ockham dá-se, sobretudo, nos pro-
cessos de separação da teologia e da filosofia, isto é, Ockham propõe a distinção
entre a fé e a racionalidade, uma vez que a razão é, de fato, a potência que permite
aos seres humanos conhecerem e, consequentemente, experimentarem o mundo
de modo empírico e sensível.
É importante salientarmos, antes de adentrarmos na epistemologia (teoria do
conhecimento) de Ockham, que para o frade franciscano,

[...] a fé não pode fazer conhecer de maneira clara e inequívoca as


suas verdades. A fé não pode apresentar argumentos que possam ser
demonstrados. A verdade manifesta por Deus não pertence ao
mundo racional. A filosofia não pode se submeter à teologia porque
a teologia não é uma ciência, mas uma série de afirmações e senten-
ças que não se relacionam lógica e racionalmente. O que une as afir-
mações da teologia é a fé e não a razão (MARCONATTO, 2020a,
online).

Partindo da colocação acima, temos, portanto, no pensamento de Ockham


a necessidade de distinção entre os domínios da fé e dos domínios da racionalidade,
pois, em sua tentativa de determinação da cientificidade da filosofia – determinação
que será fundamental para a Filosofia Moderna – o teólogo inglês acentua a impos-
sibilidade de reflexão racional sobre as revelações da fé, uma vez que tais revela-
ções, não podem ser demonstradas através de argumentos e, muito menos, através
de procedimentos científicos e, deste modo, situam-se em um local distanciado da
investigação filosófica.
Em termos gerais, como não se é possível conhecer e nem experimentar as
revelações de Deus por meio da racionalidade, elas são matérias da fé e, portanto,
não são temas de conhecimento científico-filosófico. Logo, a filosofia, movida pela
racionalidade, tem de se perguntar pelo caráter lógico, natural e experimental do

70
mundo e não pelas afirmações e sentenças religiosas e metafísicas, pois, definitiva-
mente, no pensamento de Ockham – diferentemente de Agostinho e de Tomás de
Aquino – a razão “não pode proporcionar assistência e apoio para a fé, pois para as
coisas divinas a razão é ineficaz” (MARCONATTO, 2020a, online).
A partir dos direcionamentos propostos por Ockham, a filosofia começa a se
desprender das determinações da fé e, consequentemente, a se fundamentar como
uma metodologia de investigação racional e empírica da realidade natural. Con-
tudo, não significa que o pensamento do teólogo inglês ignore as revelações da fé,
pelo contrário, Ockham, em tons aristotélicos e tomistas, afirma Deus como a causa
eficiente para todas as outras coisas, entretanto, questionar-se sobre Deus não é te-
mática filosófica, mas sim, atributo da fé.

Figura 18: Guilherme de Ockham

Fonte: Rodríguez (2019, online)

De acordo com Reale e Antiseri, mais “[...] do que ninguém, Ockham tinha
consciência da fragilidade teórica da harmonia entre a razão e a fé, bem como do
caráter subsidiário da filosofia em relação à teologia [...]” (REALE; ANTISERI, 1990, p.
615) e, diante disso, faz-se necessária a elaboração de um pensamento filosófico ló-
gico racional capaz de, finalmente, assentar-se como um campo do saber autô-
nomo e separado das determinações teológicas.

71
Frente a isso, Ockham irá priorizar o conhecimento empírico e o fortalecimento
do individual como primado do saber. Deste modo, não há a possibilidade, para o
frade franciscano da compreensão do conhecimento como um objeto universal,
mas sim, enquanto a constituição da investigação científica do conhecimento “cons-
tituído pelo objeto individual” e, finalmente, na determinação de um “universo frag-
mentado em inúmeros indivíduos isolados, absolutamente contingentes porque de-
pendentes da livre escolha divina” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 618).
Temos, portanto, a substituição da busca por uma determinação do conheci-
mento enquanto objeto universal dotado da afirmação originária de um Ser Pleno
(Deus), pela concepção do conhecimento fragmentário e individual encontrado,
tão somente, por meio de uma lógica racional dirigida à compreensão das experi-
ências fragmentadas do natural. Assim, reforçam Reale e Antiseri (1990, p. 618), “ [...]
na opinião de Ockham, é que Aristóteles afirmou que a ciência parte do conheci-
mento das coisas experimentáveis.”

A NAVALHA DE OCKHAM
“É um princípio científico e filosófico que propõe que, entre hipóte-
ses formuladas sobre as mesmas evidências, é mais racional acre-
ditar na mais simples. Ou seja: diante de várias explicações para
um problema, a mais simples tende a ser a mais correta. O filósofo
inglês William de Occam (1285-1347) não foi o primeiro a pregar
isso: Aristóteles já fazia o mesmo no século 4 a.C. Mas foi o nome
de Occam que “colou”, por causa do frequente uso que ele fazia
do argumento em debates filosóficos. Já o termo “navalha” ou “lâ-
mina” é uma metáfora que surgiu muito depois dele: sugere que,
com o uso da parcimônia, a hipótese mais complicada é “cor-
tada”. (LAZARETTI, 2014, online)

LINK: A Navalha Ockham (SciFilo): https://bit.ly/2YctwYg

12.2 O NOMINALISMO DE OCKHAM E O PROBLEMA DOS UNIVERSAIS

O nominalismo de Ockham dialoga diretamente com a tentativa de resolu-


ção do problema dos universais ao argumentar que, efetivamente, todo o discurso
sobre a existência dos universais é “um discurso sobre certas expressões linguísticas

72
— as expressões de aplicação geral” (LOUX, 2006), isto é, segundo o frade francis-
cano os universais não existem, uma vez que é impossível determinar a sua existên-
cia para além da linguagem que o representa.
Deste modo, reforça Nauroski (2017, p. 135) que para Ockham, a partir do
filósofo e teólogo Roscelino:

[...] os universais são apenas palavras, abstrações, representações


mentais de caráter individual que construímos a propósito dos objetos
e dos seres que nos cercam. Não seria possível designar o universal
das coisas. Ou seja, cada ser ou objeto possui uma individualidade
que lhe é intrínseca e irredutível.

Assim, a possibilidade da delimitação de seres/coisas/objetos universais é


questionada diante da determinação de um conhecimento particular e universal
que, de modo geral, pode ser compreendido por meio da relação experiencial com
o mundo fragmentado. Deste modo, fundamenta-se, com o nominalismo, uma crí-
tica à metafísica enquanto a determinação de identidades universais que impossi-
bilitam a assertiva individualista dos seres, das coisas e dos objetos inseridos na reali-
dade mesma. Determina-se, ainda, que tal realidade, não é senão, “toda singular”
e, consequentemente, particular a cada indivíduo que a compreende. Podemos,
portanto, compreender que em face da determinação universalista (único) da rea-
lidade, Ockham e os demais nominalistas, afirmam o caráter individual do real.
Frente a isso, apoiado no princípio da parcimônia (A Navalha de Ockham),

Ockham parte de uma visão empírica da própria natureza, a qual,


segundo, o autor, é econômica e simples. Para chegar a uma expli-
cação plausível de algum fenômeno, não se deve multiplicar concei-
tos, mas buscar as ideias mais básicas e organizá-las de modo lógico
e coerente. Procedendo desta forma tem menos chance de errar na
compreensão dos fenômenos. (NAUROSKI, 2017, p. 135)

Com base na colocação de Nauroski (2017), podemos compreender que o


método utilizado por Ockham na crítica da concepção dos princípios universais re-
pousa, sobretudo, na redução da realidade a experiência do sujeito visando à com-
preensão dos aspectos mais simples dessa mesma realidade e não, portanto, em
elucubrações metafísicas que, ao fim e ao cabo, complicam e dificultam a possibi-
lidade da ação racional. Assim, Ockham propõe uma fuga da ampla edificação
aristotélica de uma metafísica ancorada em inúmeros predicados e categorias sub-
jacentes à universalidade de uma substância fundadora.

73
O NOMINALISMO

“[...] o termo tem a sua raiz no seu uso mais comum, referindo-se a uma orientação teórica
geral face a questões sobre a existência e natureza de entidades abstractas, uma orien-
tação exemplificada pelo trabalho do próprio Ockham. Os que são nominalistas neste
sentido rejeitam uma interpretação platónica ou realista do discurso sobre coisas tão di-
versas como propriedades, géneros, relações, proposições, conjuntos, estados de coisas
e modalidade. Frequentemente se diz que o nominalista sustenta a ideia de que o tipo de
discurso em questão é metalinguístico e que a discussão sobre as chamadas entidades
abstractas é na verdade apenas uma discussão sobre nomina ou expressões linguísticas.
Caracterizado deste modo, o nominalismo é por vezes tomado em oposição ao concep-
tualismo, outra abordagem reducionista a questões ontológicas sobre entidades abstrac-
tas.” (LOUX, 2006, online).

Retornando, portanto, ao nominalismo radical de Ockham não podemos, de


modo algum, aceitar a existência de nenhum princípio universal, uma vez, que eles
referem-se apenas às linguagens vazias de significado na realidade, ou conforme
pensado por Leite Júnior (2011, p. 30):

Rejeitando a ideia de que as entidades universais possam existir fora


da mente, Ockham restringe os universais primariamente a conceitos
que significam naturalmente e secundariamente, à significação con-
vencional das palavras. Nesse sentido, os universais são vazios de qual-
quer estatuto ontológico.

Ademais, destaca-se que, “Ockham antecipou o debate contemporâneo na


filosofia da linguagem, pensamento e realidade” (NAUROSKI, 2017, p. 136). Além
disso, o franciscano antecipa as determinações da ontologia moderna focada na
superação das complexidades dos universais e, consequentemente, na determina-
ção da “[...] melhor descrição, em termos gerais, daquilo que existe [...] ”, focado nos
seguintes princípios: “[1] no mundo há somente coisas individuais, particularmente
substancias e qualidades” e “[2] não é preciso postular entidades reais sem necessi-
dade” (LEITE JÚNIOR, 2011, p. 30).

74
UMA NOVA ORGANIZAÇÃO DE MUNDO
Ao se desinteressar pelas questões metafísicas, abstratas e universais, Ockham inaugura
um processo metodológico de investigação da natureza e, consequentemente, uma de-
terminação visando à experiência de mundo que, ao fim e ao cabo, levará as determina-
ções e metodologias científicas da nascente modernidade. Nesse sentido, destacam Re-
ale e Antiseri (1990, p. 632) que: “Apesar das proibições e condenações, tal orientação vai
corroendo lentamente os antigos sistemas e fazer emergir instâncias e princípios que len-
tamente iriam se reunir em uma nova visão de mundo.”

Finalmente, o pensamento de Ockham instaura uma profunda operação no


modo de compreensão do mundo e, consequentemente, na posição da filosofia
como um campo do conhecimento autônomo e em separado da teologia, pro-
pondo, deste modo, “uma nova concepção do saber científico, que iria dominar in-
constratavelmente a cultura europeia ao longo de cerca de dois séculos, acabando
por influenciar positivamente sobre a revolução científica de Galileu” (REALE; ANTI-
SERI, 1990, p. 632 – grifos nossos).

75
FIXANDO O CONTEÚDO

1. O pensamento de Guilherme de Ockham (1285 - 1347) propõe

a) a conjunção entre a teologia e a filosofia.


b) a separação entre a teologia e a filosofia.
c) a submissão da filosofia à teologia.
d) a comparação entre a teologia e a filosofia.
e) a contraposição entre a teologia e a filosofia.

2. Marconatto acentua que “a fé não pode fazer conhecer de maneira clara e ine-
quívoca as suas verdades. A fé não pode apresentar argumentos que possam ser
demonstrados. A verdade manifesta por Deus não pertence ao mundo racional.
A filosofia não pode se submeter à teologia porque a teologia não é uma ciência,
mas uma série de afirmações e sentenças que não se relacionam lógica e racio-
nalmente. O que une as afirmações da teologia é a fé e não a razão. ” Com base
na afirmação acima podemos afirmar que segundo Ockham

a) a necessidade de distinção entre os domínios da fé e dos domínios da racionali-


dade, pois, em sua tentativa de determinação da cientificidade da filosofia o teó-
logo inglês acentua a impossibilidade de reflexão racional sobre as revelações da
fé.
b) a necessidade de aprofundamento no domínio da fé como determinação racio-
nal do mundo.
c) a necessidade de aproximação entre os domínios da fé e da racionalidade em
sua tentativa de determinação do mundo como realidade científica.
d) a necessidade de confronto entre os domínios da fé e da racionalidade na deter-
minação de um mundo regido pela religiosidade.
e) a necessidade de que a fé e a razão se misturem na determinação do mundo
politeísta.

3. Segundo Guilherme de Ockham a fé e a religiosidade não são temas possíveis de


serem conhecidos pela cientificidade. Nesse sentido, é temática da filosofia

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a) perguntar-se pelas revelações da fé religiosa.
b) perguntar-se pelas configurações do saber metafísico.
c) perguntar-se pelas determinações racionais de Deus.
d) perguntar-se pelo caráter abstrato e universal do mundo.
e) perguntar-se pelo caráter lógico, natural e experimental do mundo.

4. De acordo com Reale e Antiseri, mais “do que ninguém, Ockham tinha consciên-
cia da fragilidade teórica da harmonia entre a razão e a fé, bem como do caráter
subsidiário da filosofia em relação à teologia” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 615). Nesse
sentido, podemos compreender que o pensamento de Ockham procura

a) delimitar a filosofia como um campo do saber dependente da teologia.


b) delimitar a filosofia como um campo de saber universal.
c) delimitar a filosofia como um campo de saber separado das determinações teo-
lógicas.
d) delimitar a filosofia como um campo do saber metafísico e abstrato.
e) delimitar a filosofia como um campo do saber ligado às revelações das Escrituras.

5. O pensamento de Ockham busca priorizar

a) a filosofia como o pensamento direcionado à contemplação das revelações reli-


giosas.
b) a filosofia como o pensamento direcionado ao conhecimento empírico e as de-
terminações do individual como primado do saber.
c) a filosofia como campo do pensamento direcionado à compreensão dos saberes
universais.
d) a filosofia como determinação racional da fé religiosa.
e) a filosofia como a constituição de um campo do saber distanciado da metodolo-
gia científica-experimental.

6. A Navalha de Ockham pode ser compreendida como

77
a) o princípio da parcimônia, no qual entre hipóteses formuladas sobre as mesmas
evidências, é mais racional acreditar na mais simples.
b) o princípio da universalidade, no qual a busca do saber Universal é a verdade a
ser buscada.
c) o princípio da fé, no qual a teologia determina os campos de investigação do
saber.
d) o princípio da revelação, no qual as verdades religiosas são definidas pelas Escri-
turas.
e) o princípio do maior esforço, no qual o cientista/teólogo deve exaurir todas as
hipóteses possíveis de compreensão.

7. De acordo com o nominalismo de Ockham, os universais são definidos como:

a) Conceitos inquestionáveis e determinantes da verdade.


b) Determinações religiosas da fé.
c) Conceitos metafísicos e abstratos necessários para a determinação do conheci-
mento.
d) Linguagens vazias de significado na realidade material.
e) Concepções mentais que atuam na realidade.

8. A filosofia de Ockham propõe uma nova organização do mundo que, ao fim e ao


cabo, pode ser compreendida como

a) uma verdadeira revolução científica fundamentada em uma nova concepção


de mundo e do saber científico.
b) uma verdadeira determinação da fé religiosa e do saber místico.
c) uma compreensão politeísta de mundo e, consequentemente, do saber cientí-
fico.
d) uma revolução no que diz respeito à determinação do mundo como instância
feudalista.
e) uma revolução capitaneada pela filosofia determinada pela fé e, consequente-
mente, por um mundo teocrático.

78
RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO

UNIDADE 07 UNIDADE 08
QUESTÃO 1 B QUESTÃO 1 C
QUESTÃO 2 E QUESTÃO 2 A
QUESTÃO 3 A QUESTÃO 3 D
QUESTÃO 4 C QUESTÃO 4 B
QUESTÃO 5 D QUESTÃO 5 B
QUESTÃO 6 C QUESTÃO 6 D
QUESTÃO 7 B QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 A QUESTÃO 8 C

UNIDADE 09 UNIDADE 10
QUESTÃO 1 D QUESTÃO 1 C
QUESTÃO 2 C QUESTÃO 2 A
QUESTÃO 3 A QUESTÃO 3 E
QUESTÃO 4 E QUESTÃO 4 C
QUESTÃO 5 B QUESTÃO 5 E
QUESTÃO 6 C QUESTÃO 6 B
QUESTÃO 7 C QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 A QUESTÃO 8 D

UNIDADE 11 UNIDADE 12
QUESTÃO 1 B QUESTÃO 1 B
QUESTÃO 2 C QUESTÃO 2 A
QUESTÃO 3 A QUESTÃO 3 E
QUESTÃO 4 E QUESTÃO 4 C
QUESTÃO 5 B QUESTÃO 5 B
QUESTÃO 6 C QUESTÃO 6 A
QUESTÃO 7 D QUESTÃO 7 D
QUESTÃO 8 C QUESTÃO 8 A

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