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FILOSOFIA E LÓGICA

FILOSOFIA E LÓGICA

Graduação

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FILOSOFIA E LÓGICA

O NASCIMENTO DA FILOSOFIA E O
SEU ESTABELECIMENTO ENQUANTO
UNIDADE 3

CONHECIMENTO RACIONAL

Na unidade anterior, compreendemos que a Filosofia é apenas uma


forma de compreender a realidade. Nesta unidade, vamos mostrar a você
como a Filosofia nasceu e as condições para o seu surgimento na Grécia no
século VI a.C.. Preparado? Vamos lá!

OBJETIVOS DA UNIDADE:
compreender as condições que permitiram o surgimento de uma nova
forma de pensar denominada de Filosofia; problematizar a discussão,
inicialmente, em torno do pensamento mítico, mostrando que a Filosofia se
inicia a partir deste pensamento; mostrar as principais características da
Filosofia em seu nascimento na Grécia e o que especulavam os primeiros
filósofos.

PLANO DA UNIDADE:
• A origem da Filosofia.

• A questão do Mito.

• O nascimento da Filosofia: a passagem do Mito para a Razão.

Bons estudos!

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UNIDADE 3 - O NASCIMENTO DA FILOSOFIA E O SEU ESTABELICIMENTO ENQUANTO CONHECIMENTO RACIONAL

A ORIGEM DA FILOSOFIA
A questão sobre a origem da Filosofia pergunta como a Filosofia
começa, ou seja, como ocorre o seu nascimento. A tendência de todo e
qualquer estudioso no assunto é responder a esta questão através da
exposição sobre o antigo “mundo grego” e um relato das questões que
intrigavam os gregos, entre os séculos VI a.C. e IV a.C, na Ásia menor. Essa
tendência imediata é fundamental para a compreensão histórica do
surgimento da Filosofia.

O nascimento da Filosofia pressupõe uma ruptura com certo modo de


pensamento predominante na Grécia Antiga. Alguns historiadores da Filosofia
costumam afirmar que a Filosofia surge quando se abandona o mito, Logos – Essa palavra sintetiza
vários significados em portu-
substituindo-o pela “explicação racional”. A “explicação racional” de que
guês, como por exemplo, nar-
falamos é aquilo que o logos expressa, isto é, a razão. Assim, a Filosofia rar, proferir, falar, refletir, mas
surge, pois, quando o logos (razão) substitui o mito na função de explicação daremos preferência ao seu
significado como razão.
da realidade.
Mito vem da palavra grega
Esse novo modo de interpretar a realidade é considerado oposto ao Mythos que significa discurso,
pensamento mítico (mito). É como se na Grécia, no século VI a.C., os homens rumor, palavra proferida, con-
tomassem consciência de que a realidade que os cercava não era algo de selho e prescrição.

tão misterioso, celestial e divino, mas ao contrário, podia ser perfeitamente


conhecido através da razão ou de um discurso racional. O descrédito com
que a explicação mítica apresentava-se dentro da sociedade grega é,
portanto, o que tornará possível o nascimento de uma nova forma de
interpretação da realidade: a Filosofia.

Vejamos como isto aconteceu.

A QUESTÃO DO MITO

Na antiguidade, antes do estabelecimento da Filosofia enquanto saber


racional, os mitos eram a principal forma de compreensão da realidade, da
origem do universo e do funcionamento da natureza. Originalmente em grego,
Mythos designa uma palavra formulada, quer se trata de uma narrativa, de

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um diálogo ou de uma anunciação. Dessa forma, o mito é um conjunto de


narrativas e doutrinas tradicionais dos poetas ou rapsodos (aedos) acerca
do mundo, do homem e de Deus. Como um conjunto de narrativas e
doutrinas, isto é, o mito caracteriza-se por oferecer uma explicação da
realidade através de um conjunto de relatos fantasiosos por intermédio de
uma linguagem simbólica e misteriosa.

Para Eliade (1986, p. 7):

“(...) o mito narra como, graças às façanhas dos entes sobrenaturais,


uma realidade passou a existir, seja ela uma realidade total, isto é, o
Cosmo ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um
comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto, uma
narrativa de uma “criação”: Ele relata de que modo foi produzido e
começou a ser. O mito fala apenas do que realmente ocorreu, do que
se manifestou plenamente.”

Conforme a citação acima, os mitos descrevem essencialmente a origem


de alguma coisa (o universo, o homem, o mal, o trabalho, as estações do
ano, etc.) através de uma linguagem própria e não-racional. A narração
Genealogia - Essa palavra na sobre a origem é designada de genealogia, ou seja, uma narrativa acerca
terminologia grega génos,
da geração, do nascimento de algo.
significa nascimento, tempo,
origem, lugar e condição do Consideremos um exemplo da narrativa mítica a obra do poeta Grego
nascimento.
Hesíodo (séc. VII-VIII a.C.) ‘Teogonia’. Nessa obra, Hesíodo declama que é a
partir do “caos primordial” que surgem as divindades Eros (amor) e Gaia
(terra). Esta, portanto, dá origem a Urano (céu) e Pontos (mar) sozinha, isto
é, por meio da segregação. Depois, unindo-se a Urano graças à influência
de Eros – princípio da coesão do universo -, Gaia dá início às gerações divinas.
O trecho a seguir expõe a explicação mítica para a origem da noite, da dor e
dos combates:

“Noite pariu hediondo Lote, Sorte negra e Morte, pariu Sono e pariu a
grei dos Sonhos. A seguir, Escárnio e Miséria cheia de Dor. Com nenhum
conúbio divino pariu-os a Noite trevosa. As Hespérides que vigiam
além do ínclito Oceano Belas macas de ouro e as árvores frutificantes
Pariu e as Partes e as Sortes que punem sem dó: Fiadeira, Distributiz
e Inflexível que os mortais tão logo nascidos dão haveres de bem e
de mal (...)” (HESÍODO Apud SOUZA, 1995, p. 40).

Percebeu como a linguagem mítica é repleta de símbolos sobrenaturais


através dos quais as “forças emergentes” vão se transformando em
divindades: a Terra é Graia, o Céu é Urano, o Tempo é Cronos. Esses seres
nascem, portanto, ora da segregação, ora pela intervenção de Eros (Amor).
Através desse exemplo, podemos perceber que o pensamento mítico apela
para uma explicação da realidade fazendo uso do sobrenatural e do mistério.
São os Deuses, as divindades que governam a realidade, a natureza e o
próprio homem. O mito não pode ser desprezado enquanto uma
interpretação da realidade, ele possui uma função muito importante dentro
de uma cultura específica.

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UNIDADE 3 - O NASCIMENTO DA FILOSOFIA E O SEU ESTABELICIMENTO ENQUANTO CONHECIMENTO RACIONAL

Segundo Buzzi (1992, p. 81),

“O conhecimento expresso em mitos traduz uma intelecção do ser de


validade originária e primária, que se coloca num plano diferente da
lógica racional, mas dotado de igual dignidade.”

Na visão de Buzzi, o mito apesar de se contrapor à razão (lógica


racional) também possui a sua função coerente dentro do contexto da cultura
Grega. Podemos considerar como papel do mito acomodar e tranqüilizar o
ser humano diante dos acontecimentos do mundo, fornecendo uma base de
sustentação para o bem viver.

De acordo com Marcondes (2001, p. 21),

“De fato, desse ponto de vista, o pensamento mítico tem uma


característica até certo ponto paradoxal. Se, por um lado, pretende
fornecer uma explicação da realidade, por outro, recorre nessa
explicação ao mistério e ao sobrenatural, ou seja, exatamente aquilo
que não se pode explicar, que não se pode compreender por estar
fora do plano da compreensão humana. A explicação dada pelo
pensamento mítico esbarra assim no inexplicável, impossibilidade do
conhecimento.”

Isto justifica porque a explicação mítica vai perdendo sua relevância


dentro da sociedade grega que tem como conseqüência o nascimento da
Filosofia. O aparecimento da Filosofia tem a ver com um rompimento com o
pensamento mítico à medida que este não satisfaz plenamente a uma
explicação coerente e racional sobre a realidade.

No próximo tópico analisaremos como se dá exatamente esse


rompimento com o pensamento mítico e como a partir dele nasce a Filosofia.

O NASCIMENTO DA FILOSOFIA: A PASSAGEM DO MITO À RAZÃO

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FILOSOFIA E LÓGICA

Foi utilizando o significado do mito na Grécia que afirmamos que o


nascimento da Filosofia representa um rompimento, uma passagem do
pensamento mítico para o pensamento racional. No entanto, devemos
ressaltar que a Filosofia não nasceu na Grécia repentinamente, de uma hora
para outra, mas é fruto de um longo processo o qual teve início com o
pensamento mítico. Devemos, neste instante, nos perguntar: O que tornou
possível o surgimento da Filosofia na Grécia no século VI a.C.? Quais as
condições para que tal fato acontecesse?

Podemos apontar alguns fatores que levaram os Gregos a filosofar.


IMPORTANTE Dentre eles, o comércio assume importância definitiva, possibilitando o
desenvolvimento da moeda. A viagem entre os Gregos possibilitou a aquisição
de novos conhecimentos técnicos e geográficos através do contato com outras
civilizações e diferentes formas de vida. Nas mentes mais despertas, a
sabedoria popular, representada pelos ensinamentos rotineiros dos poetas,
começa a aparecer inadequada. No que diz respeito à moral, os valores
bélicos e aristocráticos encontram-se defasados, já que as relações
comerciais exigem normas de justiça e de direito como base para as trocas.
O conhecimento dos outros povos pelos gregos cria a convicção de que
cada povo e cada raça representavam de maneira diversa os deuses. Em
suma, todos esses motivos levam os gregos a acreditar que a interpretação
da realidade e da convivência humana deve assentar-se em bases inteligíveis
e racionais.

É nesse sentido que o pensamento mítico vai paulatinamente perdendo


sentido e deixando de satisfazer às necessidades de uma nova sociedade,
preocupada, sobretudo, com a realidade concreta e com a atividade política
intensa à medida que cria as condições favoráveis para o surgimento de um
pensamento mais racional.
Explicação causal - Princípio
fundamental da razão aplicada A explicação racional (logos) começa quando a idéia de uma explicação
segundo o qual “todo o fenô-
divina sobre as coisas cede lugar a uma explicação proveniente da própria
meno possui uma causa”, “tudo
o que acontece ou começa a
natureza. Portanto, foi o mundo natural que despertou nos primeiros filósofos
ser supõe, antes dele, algo do o exercício de uma especulação racional. Por esta razão é que Aristóteles
qual resulta segundo uma re- denomina os primeiros filósofos de físicos na medida em que as suas
gra” (Kant).
especulações buscam fornecer uma explicação causal dos processos e dos
fenômenos naturais a partir de causas genuinamente naturais, ou seja, no
âmbito da natureza e não em mundo sobrenatural e divino como as
explicações míticas. É sob essa perspectiva que se permite compreender
tanto a originalidade como a transcendência histórica da interrogação dos
primeiros filósofos gregos sobre a arché ou o princípio último.

De início, o princípio único que os primeiros filósofos buscavam, isto é,


a arché (princípio fundamental), é retirada da natureza, embora tendo um
valor ideal, mantém, por assim dizer, uma consistência concreta. As
especulações em busca das causas (arché) são, portanto, o objeto de
investigação e preocupação dos primeiros filósofos, denominados de Pré-
socráticos. No entanto, como a procura da arché não poderia ser de ordem
sobrenatural e misteriosa, esta reporta necessariamente aos eventos
naturais. Tais eventos são denominados por estes filósofos originários de
physis (natureza). Diante disso, é possível compreender que a própria

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UNIDADE 3 - O NASCIMENTO DA FILOSOFIA E O SEU ESTABELICIMENTO ENQUANTO CONHECIMENTO RACIONAL

interrogação acerca da arché (princípio) nos remeta para a idéia de physis e


esta abarque as idéias de origem, substrato e causa primeira. Aquilo que os
Pré-socráticos procuravam como arché nada mais poderia ser do que a própria
physis, ou seja, um princípio natural, proveniente da natureza.

Assim com uma originalidade estupenda, Tales de Mileto, considerado


o primeiro a especular a realidade sobre bases naturais, portanto, o primeiro
filósofo propriamente dito de que se tem notícia, sustentou ser a arché um
princípio puramente natural (physis), ou seja, a água. Temos, então, a água
como um princípio imanente, natural e concreto no qual tudo se origina.
Segundo Tales, a água, ao se resfriar, torna-se densa e dá origem a terra;
ao se aquecer transforma-se em vapor e ar, que retornam como chuva quando
novamente resfriada. Sugestão: inserir figura de representação da água.

Para Marcondes (2001, p. 25),

“É claro que a água tomada como primeiro princípio é muito diferente


da água de nossa experiência comum, que bebemos ou que
encontramos em rios, mares, e lagos. Trata-se realmente de um
princípio, tomado aqui como simbolizando um elemento líquido ou
fluido real como o mais básico, mais primordial; ou ainda a água
como elemento presente em todas as coisas em maior e menor grau.”

O que Marcondes quer dizer é que não possui importância a escolha


de Tales no que diz respeito à água como a sua physis, mas sim sua
contribuição de formulação em bases próprias a idéia de um elemento
primordial que fornece uma explicação não-divina ou sobrenatural como
faziam os mitos, mas unicamente natural.

Sobre esse ponto, vejamos o comentário de Nietzsche na sua obra A


Filosofia na idade trágica dos Gregos (1995, p. 27):

“A filosofia grega parece começar com a idéia absurda, com a


proposição de que a água é a origem de todas e o seio materno de
todas as coisas. Será realmente necessário parar aqui e levar esta
idéia adiante? Sim, e por três razões: primeiro, porque a proposição
sugere algo acerca da origem das coisas; em segundo lugar, porque
faz isso sem imagens e fábulas; e, finalmente, porque contém, embora
em estado de crisálida, a idéia de que tudo é um. A primeira dessas
três razões ainda deixa Tales na comunidade dos homens religiosos
e supersticiosos, a segunda separa-o dessa sociedade e mostra-o
como investigador da natureza, a terceira faz de Tales o primeiro
filósofo grego.”

A busca da arché, um princípio originário, conflita com forças que, por


sua vez, precisam ser enquadradas em um princípio diferente. Essa dificuldade
não é exclusividade de Tales, é da própria Filosofia, que se desenvolve
tentando resolvê-la. Se Tales aparece como iniciador da Filosofia, é porque
seu esforço em busca de um princípio único da explicação da realidade não
só constitui o ideal da Filosofia como também lhe forneceu o impulso para se
desenvolver. Diferentes pensadores buscaram, portanto, o princípio
explicativo para a questão da arché e da physis, assim, por exemplo, os

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sucessores de Tales, Anaximandro e Anaxímenes compreenderam que a


physis era o ar e o apeíron. Para Pitágoras era o número. Heráclito dizia ser
o fogo o princípio primeiro de todas as coisas. Demócrito, o átomo e assim
sucessivamente.

A interrogação dos filósofos gregos acerca do princípio ou princípios


da totalidade do real representa, pois, uma dupla característica: a sua
radicalidade, na medida em que pretende alcançar o princípio ou os princípios
últimos e originários e a sua universalidade, em que aspira atingir o princípio
ou os princípios do real. Trata-se, portanto, de uma interrogação filosófica
ou, mais exatamente, trata-se da interpretação com a qual se inicia a Filosofia.

Na visão de Marcondes (2001, p. 27):

“Um dos aspectos mais fundamentais do saber que se constitui nessas


primeiras escolas de pensamento, sobretudo na escola jônica, é o
seu caráter crítico. Isto é, as teorias aí formuladas não o eram de
forma dogmática, não eram apresentadas como verdades absolutas
e definitivas, mas como formulações e propostas alternativas. Como
se trata de construções do pensamento humano, de idéias de um
filósofo – e não de verdades reveladas, de caráter divino ou
sobrenatural. Estão sempre abertas à discussão, à reformulação, a
correções. O que pode ser ilustrado pelo fato de que, na escola de
Mileto, os dois principais seguidores de Tales, Anaxímenes e
Anaximandro, não aceitaram a idéia do mestre de que a água seria o
elemento primordial, postulando outros elementos, respectivamente
o ar e o apeíron, como tendo esta função. Isso pode ser tomado
como um sinal de que nessa escola filosófica o debate, a divergência
e a formulação de novas hipóteses eram estimuladas.”

Na verdade, quando esse debate foi instaurado em lugar da


transmissão dogmática dos mitos, esses filósofos demonstraram nada mais
do que a principal característica da Filosofia, isto é, a atitude crítica.

Atitude crítica - A palavra crítica vem do grego e significa capacidade


de julgar, discernir e decidir corretamente. Também significa a atividade de
examinar e avaliar detalhadamente uma idéia, um valor ou um costume.

LEITURA COMPLEMENTAR:

VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. 4ª


Edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992. 360 p.

NIETZSCHE, F. A Filosofia na idade trágica dos Gregos. 1ª


edição. Lisboa: Edições 70, 1995. 112p.

SUGESTÃO DE FILME
Fúria de Titãs. Diretor: Desmond Davis. Duração: 117 min.

Hécules. Diretor: John Musker e Ron Clements. Duração: 117


min.

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É HORA DE AVALIAR:

Não esqueça de realizar as atividades desta unidade de


estudo, presentes no caderno de exercício! Elas irão ajudá-
lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia
no processo de ensino-aprendizagem. Caso prefira, redija
as respostas no caderno e depois as envie através do nosso
ambiente virtual de aprendizagem (AVA) .Interaja conosco!

Nessa unidade, entendemos a explicação sobre o nascimento da


Filosofia. Vimos que este fato está diretamente ligado à ruptura com o
pensamento mítico. Dessa forma, ao romper com o mito, a Filosofia cria uma
nova forma de interpretação da realidade construída em bases puramente
racionais. Na próxima unidade, convidamos você a conhecer como esse tipo
de pensamento se desenvolveu ao longo da história. Trata-se de conhecer
as divisões fundamentais da história da filosofia. Encontro você na próxima
unidade!

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