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origem da filosofia
Postado em Filosofia Antiga
O verão e a primavera, por exemplo, eram causados pela visita de Perséfone ao Olimpo,
e sua volta ao reino de Hades tinha como efeito o outono e o inverno. A tempestade e o
trovão eram causados por Zeus, deus dos raios e autoridade máxima entre os deuses. Os
nobres gregos seriam descendentes dos deuses do Olimpo, portanto, tinham linhagem
divina. Esses são exemplos do pensamento mítico que será superado pelos
primeiros filósofos.
A investigação racional da physis, que tem sua origem com Tales de Mileto,
inaugura uma postura investigativa que abandona, em certa medida, as
explicações mitológicas. A tradição filosófica, graças à incrível obra de Aristóteles (que
registrou o pensamento dos pré-socráticos), considera que Tales foi o primeiro a
perguntar pelo princípio originário de todas as coisas (Arché). Motivado pela admiração
típica dos filósofos, Tales observou o movimento de geração e corrupção da natureza, e
concluiu que na multiplicidade dos seres existe uma unidade, um elemento comum a
todos. Através da indução, o primeiro filósofo avaliou casos particulares para
concluir que a água é o princípio da existência, elemento sem o qual a physis não
seria possível.
Mas todos eles terão uma característica marcante: a ruptura com a mitologia, a
investigação racional e a busca pela unidade na multiplicidade. Não são explicações
que repousam na tradição simbólica de um povo, mas explicações de homens que não
deram mais ouvidos ao mito, mas ao logos. Trata-se do início daquilo que será
chamado, séculos depois, de pensamento científico. Como exemplo, observe esta
explicação de Anaximandro, que não recorre a Zeus para explicar o relâmpago:
Apesar disso, o pensamento mítico não foi totalmente abandonado. A riqueza simbólica
dos mitos são um sofisticado recurso de linguagem para falar sobre coisas de difícil
compreensão. Aquilo que pode ser compreendido pela razão é desmistificado (como o
relâmpago). Contudo, para aquilo que permanece mistério os mitos são ainda nosso
melhor recurso. Talvez por isso Tales tenha afirmado que “tudo está cheio de Deuses“, e
Heráclito, ao surpreender alguns convidados com a simplicidade de sua casa, afirmou:
“mesmo aqui, os deuses estão presentes“.
Heráclito criou o termo Logos para referir-se à razão dinâmica que governa a
physis. “Tudo flui” (Panta Rhei), e “o mesmo homem não se banha duas vezes no
mesmo rio”. Na natureza tudo nasce, cresce e perece. E volta a nascer em eterno
devir. Heráclito comparou o Logos ao fogo. A realidade é eterna e circular, não
existindo um momento de criação. Essa perspectiva circular é radicalmente oposta
da linear, estabelecida por Platão, pelo judaísmo e pelo cristianismo, onde a
realidade tem um início, um criador e um fim. Heráclito foi profundamente
admirado por Nietzsche.
Aqui devemos tomar cuidado com o sentido da palavra logos, ora referindo-se a uma
razão universal que ordena a realidade, ora referindo-se à linguagem e pensamento
racional dos homens. Então, o logos como linguagem seria nada mais que o homem
conseguindo exprimir essa racionalidade da natureza. A razão, portanto, não é uma
característica propriamente humana.
Heráclito foi enfático nesse ponto ao afirmar que “dando ouvidos não a mim, mas ao
logos, é certo afirmar que tudo é um“. Muitos séculos depois, Albert Einstein, um dos
maiores cientistas da história, parece ter a mesma percepção de Heráclito ao afirmar que
“sem a convicção de uma harmonia íntima do universo, não poderia haver ciência“.
O termo “pré-socrático” tornou-se pejorativo, pois seria uma filosofia inicial, ainda não
amadurecida, que iria brilhar de fato apenas com Sócrates, Platão e Aristóteles. Mas
Nietzsche e Heidegger irão chamar a atenção para o vigor do pensamento desses
filósofos e combater essa visão negativa.
Mythos X Logos
"A palavra "mito" vem do grego mythos, que deriva do verbo mytheyo e do verbo
mytheo - o primeiro significa narrar, contar, e o segundo, conversar, designar. Na sua
base etimológica e cultural, a palavra "mito" indica uma narrativa na qual o ouvinte
acredita (dando fé à vontade do mito, o narrador) e à qual confere, assim, o caráter de
verdade. O mito pode, portanto, ser uma explicação - eis o papel das cosmogonias, que
são narrativas a respeito da origem e organização do mundo, baseadas no papel das
forças geradoras divinas, isto é, pai e mãe divinos (que em geral são elementos
inanimados da natureza que ganham aspectos antropomórficos)." (GHIRALDELLI,
Paulo Jr. História Essencial da Filosofia. São Paulo: Universo dos Livros, 2009. Vol.I)
"Logos, originalmente, significa "dizer", "contar" (em seu duplo sentido de narrar e de
calcular), "explicar", "argumentar". A diferença - e os filósofos contibuiram muito para
que essa diferença se fixasse - entre logos e mythos é que está última palavra nomeava
uma narrativa que solicitava do ouvinte uma fé no narrador, enquanto que a explicação
racional (a filosofia), como se sabe, quer se mostrar verdadeira por si mesma, pela sua
coesão interna, pela força do logos. Assim, o elemento que a filosofia colocou contra o
mito foi o "direito à autonomia" do ouvinte. Ao som do logos, o ouvinte estaria
caminhando pelo seu próprio intelecto, permitindo-se a abandonar o testemunho e,
principalmente, a autoridade do rapsodo."
O mito, considerado primário, referia-se ao que se julgava intemporal e constante em
nossa existência. Remontava às origens da vida, aos fundamentos da cultura, aos níveis
mais profundos da mente humana. Reportava-se a significados, não a questões de ordem
prática. Se não encontramos algum significado em nossa vida, facilmente nos
desesperamos.
O mito não comportava demonstrações racionais; suas percepções eram mais intuitivas,
como as da arte, da música, da poesia, da escultura. O mito se tornava realidade quando
incorporado num culto, em rituais e cerimônias que tinham um impacto estético sobre
os devotos, inspirando-lhes um senso do significado sagrado e habilitando-os a
apreender as correntes mais profundas da existência.
Mito e culto eram tão inseparáveis que cabe aos acadêmicos discutir o que surgiu
antes:
1. a narrativa mítica ou
2. os rituais a ela ligados.
Assim, não sabemos o que de fato ocorreu quando os antigos israelitas escaparam do
Egito e atravessaram o mar vermelho. 0 episódio foi registrado deliberadamente como
mito e relacionado com outras narrativas referentes a ritos de passagem, imersão nas
profundezas e deuses que abrem mares para criar uma nova realidade. Os judeus
vivenciam esse mito anualmente nos rituais da Páscoa, que transportam essa estranha
historia para sua vida e os ajudam a incorporar seu significado.
Karen Armstrong diz que, para tornar-se religioso, um fato histórico tem de ser
mitificado desse modo e libertado do passado em um culto inspirador. Perguntar se os
êxodos do Egito acontecem exatamente como está na Bíblia ou exigir evidencias
históricas e científicas que comprovem sua verdade factual equivale a desentender a
natureza e o propósito desse relato. Equivale a confundir mythos com logos.
1. suscitar acontecimentos,
2. conseguir alguma coisa ou
3. convencer os outros a adotarem determinado procedimento.
O logos é prático. Ao contrario do mito, voltado para as origens, o logos avança e tenta
encontrar algo novo:
O mito não era racional; suas narrativas não comportavam demonstrações empíricas. O
mito fornecia o contexto que dava sentido e valor às atividades práticas. Tomá-lo como
base de uma política pragmática podia ter consequências desastrosas, porque o que
funcionava bem no mundo interior da psique não se aplicava necessariamente aos
assuntos do mundo exterior.
Por exemplo, ao convocar a primeira Cruzada, em 1095, o papa Urbano II agiu no plano
do logos. Queria que os cavaleiros europeus parassem de lutar entre si e de dividir a
cristandade ocidental e fossem gastar suas energias em guerra no Oriente Médio e
ampliar o poder da Igreja. No entanto, quando essa expedição militar se misturou com
mitologia popular, textos bíblicos e fantasias apocalípticas, o resultado foi catastrófico
do ponto de vista prático, estratégico e moral.
Durante o longo período das Cruzadas, seus participantes prosperaram sempre que o
logos prevaleceu. Tiveram bom desempenho no campo de batalha, fundaram colônias
viáveis no Oriente Médio e aprenderam a relacionar-se satisfatoriamente com a
população local. Quando começaram a basear sua conduta em uma visão mítica ou
mística, amargaram frequentes derrotas e cometeram terríveis atrocidades.
O logos também têm suas limitações. Não pode aliviar a dor ou o sofrimento.
Argumentos racionais não explicam uma tragédia. O logos não sabe responder
perguntas sobre o valor da vida humana. O cientista pode tornar as coisas mais
eficientes e descobrir fatos maravilhosos acerca do universo físico, porém não consegue
decifrar o sentido da vida. Isso compete ao mito e ao culto.