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“Há textos de Voegelin onde ele deixa muito claro que o regime democrático tem que ser avaliado por três
instâncias (...) que refletem os níveis de representação.”
“E, portanto, uma democracia, segundo Voegelin, é um programa, uma elite e um sistema eleitoral. Só
quando esses três elementos estão bem articulados é que a democracia começa a funcionar.”
“Isto tem muito de Voegeliano de que a razão é um fenômeno revelatório; a revelação se exprime através de
crença em um Ser divino, e a revelação exprime-se na compreensão da realidade.”
“Vamos ao problema do que eu chamo a poliarquia. O termo significa literalmente um princípio de poder
múltiplo, em contraste com monarquia, poder único. (...) a minha posição é de que o Estado continuará a ser
o protagonista, mas que há outros participantes na organização da sociedade.”
E significa que, além do sistema clássico para a organização do poder político, o Estado tem que partilhar o
que se chama soberania em outros órgãos. Estes às vezes são chamados multinacionais, outras vezes
supraestatais, outras vezes supranacionais e também, internacionais.”
“Portanto, pode-se discutir se vem primeiro o Estado ou a nação. O que se sabe é que são realidades
distintas e que o Estado, sobretudo o Estado tal como Maquiavel e Jean Bodin e Thomas Hobbes o
conceberam nos séculos XVI e XVII, esse Estado soberano, absoluto, com o princípio da soberania uma,
indivisível, chegou ao fim.”
“Esse princípio não tem nada de absoluto, e em termos políticos hoje em dia há muito mais gestão de
dependências, e mesmo de obediências do que de soberanias.”
“Pentecostes e Babel são duas faces, otimista e pessimista, de uma mesma realidade que é a existência de
povos ou de nações diferentes. A perenidade das nações faz parte da existência humana em sociedade.”
“É que o regime constitucional inglês não vem de uma inspiração excepcional do povo inglês, mas sim de
uma construção secular e empírica do equilíbrio entre representantes locais e centrais, tentando incorporar
sempre cada vez mais pessoais no processo político, já que a Inglaterra foi muito ajudada pela sua
insularidade.”
“Debaixo desta facilidade, o constitucionalismo inglês avançou mais que no continente em que as nações
organizadas tinham muito mais necessidade de se defender do vizinho.”
“Se a Inglaterra tem o Canal da Mancha face aos problemas dos europeus do continente, os Estados Unidos
têm o Oceano Atlântico e o Pacífico para se isolarem.”
“O importante de Bakunin é que ele representa o apocalipse revolucionário; o anarquista é o salvador da
humanidade pela violência. E isto é muito importante para perceber a mentalidade do terrorista que se
imola.”
“E Voegelin explica muito bem porque, da Rússia do velho cristianismo, emergirá uma nova fase da
humanidade através da violência, e da aniquilação do mundo político atual: ‘É uma escatologia derivada da
experiência cristã mediada pela metafísica alemã da liberdade e da razão e oriunda da tradição mística’.”
“É muito importante a comparação entre Marx e Bakunin. Marx presumia ter uma análise e um sistema
científico da história. Bakunin não estava nada interessado em ter um sistema da história, ou um sistema
científico sobre a sociedade, apenas na paixão revolucionária. E estes dois elementos vão-se combinar ao
longo do século XIX e XX e a fórmula mais brutal será na Revolução Russa.”
“Ele (Bakunin) chama a atenção de que ‘o pecado não está em mim, eu pequei, mas a culpa não é minha, a
culpa é da sociedade. Não estou arrependido do que fiz, mas a verdadeira culpa não é a minha consciência, a
culpa é do estado da sociedade russa com a sua diferença brutal de classes que me impele à revolta’.”
“Ora, este argumento de Bakunin vai ser utilizado até à exaustão ao longo dos séculos XIX e XX. Em último
caso, ‘a culpa não é minha, mas a culpa é da sociedade’. E isto deve ser confrontado com os argumentos
marxianos, onde existe um total desdém pelo indivíduo.”
“(Bakunin) ‘Eu sou um indivíduo, eu tenho as minhas paixões revolucionárias, mas a culpa das minhas
paixões não é minha, a culpa é o estado da sociedade’. E é isso que depois Voegelin vai chamar o elemento
satânico em Bakunin.”
II – A ERA AXIAL: DA POLITEIA
“(...) não é necessário esperar pelo aparecimento da linguagem conceptual para existir a experiência e a
interpretação da ordem do cosmos.”
“Nós começamos a reproduzir os símbolos originais, a linha reta, isto é, a linha que terá sido sugerida aos
primitivos pelos movimentos dos astros entre dois pontos; a cruz que é sugerida naturalmente pelo
movimento primeiro do Sol, de Oriente a Ocidente, e depois cruzado o zênite e o nadir que indicam o Norte
e o Sul;”
“O círculo, a forma arredondada; o quadrado que é uma evolução obviamente da cruz, os quatro cantos do
mundo (...)depois o sinal lunar, ou triangular, representado pelos chifres dos animais.”
“O importante é que esta criação dos símbolos da ordem – não dependentes de uma linguagem conceptual
– mostram que o ser humano participa naturalmente na realidade, e a sua forma de participar na realidade é
acrescentar a dimensão da consciência (...).”
“Nesta comparação de ideogramas primitivos (as variações são quase infinitas, e as estações arqueológicas
europeias, africanas, mostram (...) a universalidade do espírito humano. Estamos para além de todas as
raças, religiões e classes.”
“Esta jornada do homem pode ser de maior ou menor dimensão no espaço e no tempo, mas onde eu queria
chegar era a uma outra caverna, ilustrada na República de Platão.”
“(...) na leitura da República, é relativamente pacífico perceber o seguinte: de todos os grandes livros da
Escola de Atenas, a República é o mais enciclopédico, o mais abrangente, aquele que toca todas as faces da
filosofia.”
“A República é lembrada (...) como um livro de sabedoria independentemente dos outros diálogos que
Platão fez antes e continuou a fazer.”
“Ela transmite a específica mensagem que a razão é uma revelação da realidade, e de que essa revelação
não é sinônimo de informação; filosofar não é informar; o papel do filósofo não é dar notícias sobre
conceitos, ou sobre as coisas.”
“O papel do filósofo é suscitar no seu interlocutor, ou n o conjunto dos seus interlocutores, a atitude que vai
propiciar as experiências de realidade ou de ordenamento da realidade que lhe vão exigir conceitos então
sim, para ele interpretar as suas experiências e para as comunicar ao mesmo tempo que vai formando a sua
consciência.”
“Não se pode copiar em filosofia. \posso copiar talvez num teste policial ou universitário, mas não se pode
copiar a filosofia no sentido em que a filosofia é o desenvolvimento da consciência. E por isso é que Platão
adotou a forma do diálogo.” [A estrutura do diálogo enquanto tomada de consciência pela relação entre
duas indivíduos.]
“(...) ‘O que significa uma ideia’. Voegelin diz que é um tema centralíssimo. (...) Porque a ideia corresponde a
uma experiência concreta; a ideia é a unidade de uma experiência concreta, ou a unidade concreta de uma
experiência do real.”
“(...) República é o diálogo sobre a ideia da existência humana em sociedade (...) e a ideia é a forma de uma
realidade, não é um sonho, uma utopia, um ideal que nós gostaríamos de realizar.”
“E como Platão, na seção XVIII, A educação dos filósofos, filosofar é fazer a dialética do uno e do múltiplo, é
essa que é a definição platônica de filosofia.”
“Perceber a relação entre a unidade e a multiplicidade é perceber que as coisas que vemos, e que
compreendemos, são manifestações de uma unidade.”
“(...) a parte inicial é a exposição da ideia da Cidade-Estado, a parte central é a manifestação da ideia, e a
parte terceira e terminal é o declínio da ideia da cidade.”
“Ocorre na sétima seção (...) como a terceira de um conjunto de alegorias para expor a condição humana: a
alegoria do Sol, a alegoria da linha, e a terceira, a alegoria da caverna.”
“O homem estava preso e libertou-se; portanto a existência humana exige uma libertação, o rompimento das cadeias
variadas que impendem sobre nós. (...) Eric Voegelin [chama a atenção para dois pontos]: primeiro, quais são as forças
que prendem e quais são as forças que libertam?”
“Além disso, isso nota-se literalmente no texto grego, conjugado na voz passiva, não se diz ‘o homem libertou-se’,
diz-se ‘o homem foi liberto’; (...) quem é que os liberta não é dito!”
“Além desses dois aspectos, em terceiro lugar também nunca fica muito claro o que é a caverna? (...) em último caso
(...) é qualquer coisa que nos encerra (...)”
“Mas o cosmos é ainda uma caverna para o filósofo, isto é: o que vai acontecer quando sairmos ou quando passarmos
a outro estado dentro do cosmos? (...) E de uma forma mais abstrata, caverna é qualquer situação no espaço e no
tempo.”
“Viver na caverna, em termos muito simples, significa só isso: nós vivemos no espaço e no tempo, este é o
significado mais direto e experiencial da caverna de Platão. Estar preso é estar limitado no espaço e no tempo. E nós
temos de escolher se queremos ficar presos no espaço e no tempo ou se temos meios dentro da condição humana
de nos libertar do espaço e do tempo.”
“E começa o segundo ponto: quais são as forças que prendem? (...) sabemos que as forças que prendem, muito
evidentes do ponto de vista platônico, são indicadas na seção quarta, a chamada teoria das virtudes.”
“E as virtudes e as contravirtudes, ou os vícios, são muito claros para Platão. O que prende o homem é a ignorância, a
ignorância é uma prisão, donde a sabedoria ser uma libertação; (...) Então, isso é a explicação do que prende o homem
dentro do espaço e tempo; são os seus medos, as suas paixões, os seus ódios e a sua ignorância.”
“A paixão determinante é o ódio. Ódio esse que levará os prisioneiros da caverna a assassinar o indivíduo que se tinha
liberto e que lhes quis comunicar as formas e as verdades, mas que era tão insuportável e tão incompatível com a
experiência de quem está preso que o mataram. (...) quem quis libertar os outros foi morto.”
“O que significa que esta força de ódio é a mais determinante de todas as paixões negativas. (...) a força que se opõe
ao ódio é a força do amor que reconhece no outro o complemento indispensável e não o alvo a abater.”
“Falta o terceiro problema que é: Mas como é que eles se libertaram? (...) está-nos a mostrar como é que funciona a
razão e como a consciência liberta. Ele parte da descoberta do ser e diz-nos: ‘Eu descobri isso, agora é a vossa vez de
descobrir’.”
“Mas é precisamente através do aprofundamento do que há de melhor em nós que é feita essa libertação.”
“(...) o homem é livre de colaborar; colaborar com o puxão para cima, para a elevação, ou, então, deixar-se arrastar
para baixo.”
“A República termina com o ‘mito da liberdade’ (...) o chamado mito de Er, isto é, como é que nós escolhemos a
nossa vida. (...) Então, é precisamente o ser humano apelando a todos os seus recursos e aos outros e à sua
experiência do que está mais além, do que está mais alto, que se liberta.”
“Uma vez liberto, o que se faz com a liberdade? (...) E depois de sermos livres, que substância vamos dar à nossa
liberdade? O centro da República é este, é uma meditação sobre o que o ser humano deve fazer com a sua
liberdade.”
“E o ponto central da República é que essa substância da nossa liberdade só se manifesta através da existência
política.”
“Qualquer sociedade e qualquer sistema econômico está entre esses dois polos; corre os riscos do primitivismo e
subdesenvolvimento, e depois há os riscos da ultrassofisticação e do consumismo.”
“É importante esta ideia do vigilante, porque a primeira pessoa eles têm que vigiar é a si próprios, têm que ter
responsabilidade. Surge assim o problema da educação na segunda seção.”
“Se isso for feito, se houver responsáveis educados, então pode-se passar à seção terceira que é a ‘Constituição da
Cidade-Estado’. E nessa Cidade-Estado terão que predominar (...) as virtudes humanas, como vem na seção quarta.”
“As virtudes são essencialmente três e correspondem ao que Platão considera a estrutura antropológica tríadica, isto
é: sabedoria porque o homem é um ser racional; temperança porque o homem é um ser de sensibilidades e de
sentidos; e coragem porque o homem é um ser de vontade.”
“Se este conjunto de três virtudes for aplicado, a sua harmonia chama-se precisamente justiça; ser justo é
simultaneamente saber do que se fala, é ter coragem e a convicção de aplicar o que se fala, é ter a coragem e a
moderação e a temperança nessas ações.”
“Porque a ideia se multiplicou, se manifestou de maneiras diferentes; mas ao manifestar-se de maneiras diferentes,
perdeu a sua pureza original e por isso é que há condições para que ela se manifeste. (...) e o papel da filosofia vai ser
tirá-las [sociedades] desse declínio para as aproximar de novo da ideia inicial.”
“Essa é a primeira interpretação do que Platão queria dizer: os governantes ou os guardiões não podem ter nada de
seu, não podem ter propriedade privada, porque senão desenvolvem interesses privados que não têm a ver com o
interesse comunitário.”
“O problema nunca está completamente resolvido, quando se trata de criar uma instituição com uma regra humana
para prevenir as paixões, e o abuso de poder de quem pertence à instituição. Então, essa é a primeira vaga que ele
tem que ultrapassar.”
“A segunda vaga tem a ver com o poder. (...)O poder tem que ser exercido por aqueles que têm o saber, não há volta a
dar, segundo Platão. O poder é necessário e incontornável, porque a essência do poder é manobrar em sociedades
que não reconhecem a racionalidade. (...) Portanto, o que é preciso é que aquele que já tem o poder, então, adquira
o saber.”
“(...) a terceira vaga que é: mas como o poder não pode ser a luz da cidade, então é preciso criar uma luz, um norte
para o próprio poder.”
“É o problema da ‘República’, nós somos livres, mas o que vamos fazer? (...) As pessoas escolhem vidas fracas! Esse
é o problema que Platão está a pôr.”
“E esta é a experiência inicial da vida humana. Nós estamos sempre a descer, sempre a decair, a declinar. Como é que
nos elevamos? Como é que podemos ser outra vez felizes? Como é que nos libertamos? Esse é o argumento da
República.”
“Platão é o criador da expressão ‘teologia’. (...) O Formato da teologia usado por Homero e Hesíodo está errado,
porque eles consideram os deuses como mentirosos. Se divino não é sinônimo de verdadeiro, isso é mau; em segundo
lugar, eles consideram que os deuses se metamorfoseiam, e isso significa um ataque à imutabilidade do ser e,
portanto, está errado; e, em terceiro lugar, porque os deuses se comportam como se fossem semelhantes aos seres
humanos, com seus vícios e seus erros; e nada disso, diz ele, é educativo, esses modelos teológicos estão errados.”
“É filósofo quem não impõe os conteúdos do sujeito real, mas quem descobre no real conteúdos que depois tem que
reconstruir. A filosofia cria claramente símbolos conceptuais, já longe dos ideogramas.”
“(...) a regra de bolso que Voegelin inventou é esta: uma revolução europeia quanto mais precoce melhor, quanto
mais tardia, pior. Por exemplo, a Revolução Inglesa foi a melhor de todas porque ainda permitiu incorporar muitos
elementos do antigo regime [assim como a Revolução Americana]. A Revolução Francesa já começa a ser complicada,
já é preciso uma ruptura grande como a Revolução Espanhola ou Portuguesa.”
“Então, essa regra de bolso que ele criou leva a que se a Revolução Italiana já é nociva, a Revolução Russa é mais
explosiva ainda; e mais explosiva curiosamente é a Revolução Alemã que vai culminar no nazismo. Portanto, a
revolução é sinônimo de modernização violenta e metaestática da realidade social.”
“(...) qual era o conceito de ciência de Voegelin? Eu acho que aí ele era muito clássico, isto é, a ciência é uma
investigação metódica, mas não desprovida de um sentido de sabedoria.”
“O cientista não é um positivista, ou seja, aquele que só aceita como positivos os fatos e tudo o mais é subjetivo,
descartável, é um juízo de valor, que para o positivista não tem fundamento, mas o cientista adquire a sabedoria por
isso, porque sabe que a sua investigação metódica da realidade não é a única possível nem é perfeita; é, sem dúvida,
rigorosa; é atestada pela própria realidade; mas ele tem a sua consciência que ultrapassa, por assim dizer, a sua
ciência. Sabedoria é isso, é ciência com consciência, essa seria a visão de Voegelin, também.”
“(...) Voegelin identifica os graus da natureza, ou seja, a realidade enquanto brota independentemente de uma
presença humana, e o que sabemos sobre a origem do cosmos é que é evidente que houve realidade natural antes de
haver ser humano.”
“E assim a realidade vai se apresentando em patamares sucessivos em que cada ciência estuda uma determinada
configuração, mas encontra resíduos que não explica e que exigem a passagem ao nível superior, a etologia, a
psicologia, o nível filosófico, e o nível teológico.”
“O certo é que mais importante de a teologia ser ou não uma ciência, o que não há dúvida é que a natureza tem um
princípio e um além. Essa é a Experiência Clássica da Razão (...) tem um princípio que está na origem de tudo e tem um
além, um substantivo que é também uma preposição que mostra que não somos capazes de mostrar os confins da
natureza.”