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FILOSOFIA POLÍTICA EM ERIC VOEGELIN: DOS MEGALITOS À ERA ESPACIAL

Mendo Castro Henriques


Apresentação
“A maior parte das histórias da teoria política não ensinam que os conceitos políticos se baseiam na
racionalidade da consciência; apenas os expõem enquanto ideias e fenômenos circunstanciais, dependentes
do tempo, desprovidos de validade universal e só justificados pela ‘marcha da história’ que culmina no
presente.”
“A generalidade dessas histórias da teoria política revela um perfil antirreligioso e anti-humanista.”
“Esses progressos existem, mas a renovação de bases dessacralizadas também conduziu aos desastres
contemporâneos de totalitarismos, fundamentalismos, genocídios, oligarquia financeira mundial, assalto ao
estado burocrático, desenraizamento social e anomia.”
“Quando tais desoladores aspectos da modernidade não são considerados, os textos implicitamente
renegam a validade da avaliação realista da natureza humana que surge nas obras da tradição política
clássica e cristã.”
I – A ERA AXIAL: DA INFÂNCIA DA CULTURA
“(...) Eric Voegelin manteve um procedimento constante de atender à realidade que se processa e que se
manifesta de uma forma histórica e, depois, encontrar o que numa primeira fase ele chama ‘evocações’, e
numa segunda fase irá chamar ‘simbolismos’. É, portanto, a realidade que comanda a interpretação nos
livros e não o contrário.”
“Isto em Eric Voegelin é importante, porque o fascínio da realidade é mais importante do que a nossa
mente. E o sentido da consciência é abrir-se à realidade na qual nós participamos.”
“Nós não somos sujeitos, de acordo com uma visão filosófica pobre, colocados perante objetos. Nõs somos
participantes de um processo que é o processo da realidade, nós participamos com o nosso corpo,
participamos com a nossa mente, participamos com os tais simbolismos que vamos criando, e os
simbolismos originam comportamentos, desde os mais primitivos aos mais sofisticados.”
“O conhecido Karl Jaspers escreveu uma obra muito bela chamada ‘A Época Axial da História’. O que Jaspers
diz é muito interessante: que no século sexto a. C. surgiu na China um homem chamado Kung-Fu-Tzu que
modificou a moral tradicional e deu-lhe o sentido cívico que chegou até os tempos de hoje.”
“Pela mesma época, do norte da Índia aparece um príncipe desencantado com os poderes do munco,
chamado Gautama Siddhartha, que pega na velha religião hindu, purificada, enfoca no sentido não das
narrativas dos deuses do Mahabharata, mas sim na compaixão humana e que se vem a chamar Buda. E,
portanto, o budismo nasce nessa época axial.”
“Nos planaltos iranianos (...) aparece um homem chamado Zaratustra ou Zoroastro, criando aquilo que ele
chama de o bom pensamento, a boa ação e a boa linguagem. Mais tarde na sua forma mais deísta será a
‘boa religião’ da oposição entre os deuses da luz, Ormuz, e os deuses da sombra, Arimã.”
“No século sexto a. C. estão ativos os profetas de Israel. Embora Isaías seja anterior é no século sexto que o
movimento está forte e que influi no governo dos fracos reis.”
“E no século sexto [também] surgem os filósofos helênicos. Do fundo das regiões que são hoje da Turquia,
emergem todos aqueles homens que nós associamos a várias cidades, Tales de Mileto, Pitágoras de Samos,
cada um chamando a atenção para o seu elemento.”
“E, conclui Jaspers, estamos perante uma era axial porque as grandes civilizações, China, Índia, Irã, Israel e
Hélade criaram símbolos e formas de pensar a humanidade que chegaram até os dias de hoje.”
“E depois Voegelin conclui(...): ‘E, portanto, podemos dizer que nos últimos dois mil e quinhentos anos não
se passou nada de especial’.”
“Não se passou nada de especial porque a época axial da história é a passagem da fase cosmológica da
humanidade para a fase antropológica.”
“Nas sociedades cosmológicas, a ordem social imita a ordem do cosmos, e foi isso, segundo Jaspers e
Voegelin, que terminou por volta do século VI a. C.”
“E terminou porque houve personalidades como Confúcio, Buda, Zaratustra, os Profetas e os Filósofos que
tiveram uma capacidade de abertura espiritual à realidade, e que trouxeram novidades de tal modo
incomportáveis pelas antigas estruturas sociais, que estas é que se tiveram que adaptar às descobertas da
consciência e não a consciência às estruturas sociais.”
“Isto é decisivo do ponto de vista voegeliano porque faz parte do seu realismo espiritual.”
“Voegelin leva muito a sério a visão, que se pode dizer que é de Aristóteles. Aristóteles chama o homem, por
um lado, um ZOON NOETIKON, um ‘animal racional’ na tradução mais corrente (...). Então, o segundo ponto
desse ser vivo dotado de uma consciência ou espírito é ser ZOON POLITIKON, ou seja, existe dentro de uma
comunidade.”
“Embora Aristóteles não o tenha dito expressamente – lembra Voegelin – o ser humano é também um
ZOON HISTORIKON, ISTO É, QUE SE MANIFESTA NO TEMPO, QUE PRECISA DE UMA HISTÓRIA PESSOAL E
COLETIVA PARA DIZER QUEM É.”
“Do ponto de vista aristotélico (...) a filosofia das coisas humanas, a política é mais importante que a ética
porque, na política, nós temos que responder perante o outro, enquanto que do ponto de vista ético, nós só
respondemos perante nós mesmos.”
“O que Buda, os Profetas de Israel e os filósofos descobriram é que tudo passa pela consciência humana.”
“O princípio antropológico introduzido na Era Axial diz que o indivíduo faz a diferença. E só nessa altura é
que podemos começar a falar de política. Não há política nas sociedades cosmológicas. Essas tem posições
rígidas, no Egito, na Mesopotâmia, e nesse sentido não havia política nos impérios inca ou asteca porque
para haver política tem que haver posição individual.”
“Israel discute a questão política, por exemplo, no episódio em que o povo pede ao Senhor que lhe dê um rei
como os outros povos. (...) Se o povo de Deus quer ter um rei, como os outros povos, isso é um avanço ou é
um retrocesso? (...) essa é a versão de que ter um rei como os outros povos é não reconhecer o Senhor
como Rei dos Reis, é degradar-se.”
“O centro da democracia é o reconhecimento da dignidade e da liberdade individual. Isto, segundo Voegelin,
não começa na Grécia, mas em Israel. Segundo Voegelin, a democracia começa em Israel, no povo de Deus,
que é o povo que se consegue desembaraçar da sociedade cosmológica que era o Egito e criar uma nova
forma de vida com seus paradigmas: a Lei, a Torá.”
“A presença do cristianismo vem mostrar que não podia haver um só princípio na cidade. A cidade tinha que
ter César, sim, mas tinha que ter Deus, e os dois princípios tinham que ser separados.”
“E durante séculos a história do Ocidente oi a história dos equilíbrios e dos desequilíbrios entre o poder
espiritual e o poder temporal. É importante ter em conta que o poder espiritual não equivale a Igreja, nem o
poder temporal equivale a Estado, porque os bispos e os abades, isto é, os representantes do poder
espiritual também tinham vastas propriedades territoriais e poderes temporais.”
“Há duas consequências a tirar: a primeira é que não é a marcha da história que impõe as ideias, mas as
ideias é que contribuem para o processo histórico de manifestação.”
“E eu fui escolher esse exemplo entre o Marsílio e Maquiavel porque precisamente é no século XVI e é com o
conjunto de autores (...) que se inaugura o que nós poderíamos chamar uma ‘fase três’ da política, que é a
da presença crescente do Estado.”
“Voegelin dá muita importância ao ano de 1516 porque 1517 é o ano da Reforma de Lutero. Em 1516 do
ponto de vista das ideias, surgiram livros muito importantes. Foi escrito ‘O Príncipe’, de Maquiavel. (...) 1516
é também o ano de ‘A Utopia’ de Thomas More, uma outra maneira de ver o Estado. (...) O terceiro livro de
1516 é do próprio Erasmo de Rotterdam e o seu Elogio da Loucura que é outra forma de dizer que ‘temos
que mudar o Estado e a sociedade porque a loucura predomina, já não há possibilidades de manter’.”
“Nós podemos interrogar: mas faz sentido ainda pensar no princípio cosmológico hoje? Não faz no sentido
originário que ele teve como ‘a ordem social imita a ordem do cosmos’; mas faz sentido porque as
preocupações com o ambiente e com a ecologia vieram mostrar a importância de restabelecer o equilíbrio
entre o homem e o cosmos, já sem sentido totalitário da Antiguidade mas com o sentido de
desenvolvimento sustentado.”
“Então, a questão política mais profunda em Voegelin, da sua filosofia política é: como é que nós criamos
ordem nas sociedades? E a resposta dele é muito clara: ‘Nós criamos ordem na sociedade começando por
criar ordem na nossa consciência’.”
“E como nós criamos ordem na nossa consciência? Precisamente sendo fiéis à experiência da realidade, aos
momentos em que não somos nós que impomos os nossos livros e as nossas ideias e os nossos preconceitos
à realidade, mas nós temos que estar abertos àquilo que é incontornável na própria realidade.”

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“Há textos de Voegelin onde ele deixa muito claro que o regime democrático tem que ser avaliado por três
instâncias (...) que refletem os níveis de representação.”
“E, portanto, uma democracia, segundo Voegelin, é um programa, uma elite e um sistema eleitoral. Só
quando esses três elementos estão bem articulados é que a democracia começa a funcionar.”
“Isto tem muito de Voegeliano de que a razão é um fenômeno revelatório; a revelação se exprime através de
crença em um Ser divino, e a revelação exprime-se na compreensão da realidade.”
“Vamos ao problema do que eu chamo a poliarquia. O termo significa literalmente um princípio de poder
múltiplo, em contraste com monarquia, poder único. (...) a minha posição é de que o Estado continuará a ser
o protagonista, mas que há outros participantes na organização da sociedade.”
E significa que, além do sistema clássico para a organização do poder político, o Estado tem que partilhar o
que se chama soberania em outros órgãos. Estes às vezes são chamados multinacionais, outras vezes
supraestatais, outras vezes supranacionais e também, internacionais.”
“Portanto, pode-se discutir se vem primeiro o Estado ou a nação. O que se sabe é que são realidades
distintas e que o Estado, sobretudo o Estado tal como Maquiavel e Jean Bodin e Thomas Hobbes o
conceberam nos séculos XVI e XVII, esse Estado soberano, absoluto, com o princípio da soberania uma,
indivisível, chegou ao fim.”
“Esse princípio não tem nada de absoluto, e em termos políticos hoje em dia há muito mais gestão de
dependências, e mesmo de obediências do que de soberanias.”
“Pentecostes e Babel são duas faces, otimista e pessimista, de uma mesma realidade que é a existência de
povos ou de nações diferentes. A perenidade das nações faz parte da existência humana em sociedade.”
“É que o regime constitucional inglês não vem de uma inspiração excepcional do povo inglês, mas sim de
uma construção secular e empírica do equilíbrio entre representantes locais e centrais, tentando incorporar
sempre cada vez mais pessoais no processo político, já que a Inglaterra foi muito ajudada pela sua
insularidade.”
“Debaixo desta facilidade, o constitucionalismo inglês avançou mais que no continente em que as nações
organizadas tinham muito mais necessidade de se defender do vizinho.”
“Se a Inglaterra tem o Canal da Mancha face aos problemas dos europeus do continente, os Estados Unidos
têm o Oceano Atlântico e o Pacífico para se isolarem.”
“O importante de Bakunin é que ele representa o apocalipse revolucionário; o anarquista é o salvador da
humanidade pela violência. E isto é muito importante para perceber a mentalidade do terrorista que se
imola.”
“E Voegelin explica muito bem porque, da Rússia do velho cristianismo, emergirá uma nova fase da
humanidade através da violência, e da aniquilação do mundo político atual: ‘É uma escatologia derivada da
experiência cristã mediada pela metafísica alemã da liberdade e da razão e oriunda da tradição mística’.”
“É muito importante a comparação entre Marx e Bakunin. Marx presumia ter uma análise e um sistema
científico da história. Bakunin não estava nada interessado em ter um sistema da história, ou um sistema
científico sobre a sociedade, apenas na paixão revolucionária. E estes dois elementos vão-se combinar ao
longo do século XIX e XX e a fórmula mais brutal será na Revolução Russa.”
“Ele (Bakunin) chama a atenção de que ‘o pecado não está em mim, eu pequei, mas a culpa não é minha, a
culpa é da sociedade. Não estou arrependido do que fiz, mas a verdadeira culpa não é a minha consciência, a
culpa é do estado da sociedade russa com a sua diferença brutal de classes que me impele à revolta’.”
“Ora, este argumento de Bakunin vai ser utilizado até à exaustão ao longo dos séculos XIX e XX. Em último
caso, ‘a culpa não é minha, mas a culpa é da sociedade’. E isto deve ser confrontado com os argumentos
marxianos, onde existe um total desdém pelo indivíduo.”
“(Bakunin) ‘Eu sou um indivíduo, eu tenho as minhas paixões revolucionárias, mas a culpa das minhas
paixões não é minha, a culpa é o estado da sociedade’. E é isso que depois Voegelin vai chamar o elemento
satânico em Bakunin.”
II – A ERA AXIAL: DA POLITEIA
“(...) não é necessário esperar pelo aparecimento da linguagem conceptual para existir a experiência e a
interpretação da ordem do cosmos.”
“Nós começamos a reproduzir os símbolos originais, a linha reta, isto é, a linha que terá sido sugerida aos
primitivos pelos movimentos dos astros entre dois pontos; a cruz que é sugerida naturalmente pelo
movimento primeiro do Sol, de Oriente a Ocidente, e depois cruzado o zênite e o nadir que indicam o Norte
e o Sul;”
“O círculo, a forma arredondada; o quadrado que é uma evolução obviamente da cruz, os quatro cantos do
mundo (...)depois o sinal lunar, ou triangular, representado pelos chifres dos animais.”
“O importante é que esta criação dos símbolos da ordem – não dependentes de uma linguagem conceptual
– mostram que o ser humano participa naturalmente na realidade, e a sua forma de participar na realidade é
acrescentar a dimensão da consciência (...).”
“Nesta comparação de ideogramas primitivos (as variações são quase infinitas, e as estações arqueológicas
europeias, africanas, mostram (...) a universalidade do espírito humano. Estamos para além de todas as
raças, religiões e classes.”
“Esta jornada do homem pode ser de maior ou menor dimensão no espaço e no tempo, mas onde eu queria
chegar era a uma outra caverna, ilustrada na República de Platão.”
“(...) na leitura da República, é relativamente pacífico perceber o seguinte: de todos os grandes livros da
Escola de Atenas, a República é o mais enciclopédico, o mais abrangente, aquele que toca todas as faces da
filosofia.”
“A República é lembrada (...) como um livro de sabedoria independentemente dos outros diálogos que
Platão fez antes e continuou a fazer.”
“Ela transmite a específica mensagem que a razão é uma revelação da realidade, e de que essa revelação
não é sinônimo de informação; filosofar não é informar; o papel do filósofo não é dar notícias sobre
conceitos, ou sobre as coisas.”
“O papel do filósofo é suscitar no seu interlocutor, ou n o conjunto dos seus interlocutores, a atitude que vai
propiciar as experiências de realidade ou de ordenamento da realidade que lhe vão exigir conceitos então
sim, para ele interpretar as suas experiências e para as comunicar ao mesmo tempo que vai formando a sua
consciência.”
“Não se pode copiar em filosofia. \posso copiar talvez num teste policial ou universitário, mas não se pode
copiar a filosofia no sentido em que a filosofia é o desenvolvimento da consciência. E por isso é que Platão
adotou a forma do diálogo.” [A estrutura do diálogo enquanto tomada de consciência pela relação entre
duas indivíduos.]
“(...) ‘O que significa uma ideia’. Voegelin diz que é um tema centralíssimo. (...) Porque a ideia corresponde a
uma experiência concreta; a ideia é a unidade de uma experiência concreta, ou a unidade concreta de uma
experiência do real.”
“(...) República é o diálogo sobre a ideia da existência humana em sociedade (...) e a ideia é a forma de uma
realidade, não é um sonho, uma utopia, um ideal que nós gostaríamos de realizar.”
“E como Platão, na seção XVIII, A educação dos filósofos, filosofar é fazer a dialética do uno e do múltiplo, é
essa que é a definição platônica de filosofia.”
“Perceber a relação entre a unidade e a multiplicidade é perceber que as coisas que vemos, e que
compreendemos, são manifestações de uma unidade.”
“(...) a parte inicial é a exposição da ideia da Cidade-Estado, a parte central é a manifestação da ideia, e a
parte terceira e terminal é o declínio da ideia da cidade.”
“Ocorre na sétima seção (...) como a terceira de um conjunto de alegorias para expor a condição humana: a
alegoria do Sol, a alegoria da linha, e a terceira, a alegoria da caverna.”
“O homem estava preso e libertou-se; portanto a existência humana exige uma libertação, o rompimento das cadeias
variadas que impendem sobre nós. (...) Eric Voegelin [chama a atenção para dois pontos]: primeiro, quais são as forças
que prendem e quais são as forças que libertam?”

“Além disso, isso nota-se literalmente no texto grego, conjugado na voz passiva, não se diz ‘o homem libertou-se’,
diz-se ‘o homem foi liberto’; (...) quem é que os liberta não é dito!”

“Além desses dois aspectos, em terceiro lugar também nunca fica muito claro o que é a caverna? (...) em último caso
(...) é qualquer coisa que nos encerra (...)”

“Mas o cosmos é ainda uma caverna para o filósofo, isto é: o que vai acontecer quando sairmos ou quando passarmos
a outro estado dentro do cosmos? (...) E de uma forma mais abstrata, caverna é qualquer situação no espaço e no
tempo.”

“Viver na caverna, em termos muito simples, significa só isso: nós vivemos no espaço e no tempo, este é o
significado mais direto e experiencial da caverna de Platão. Estar preso é estar limitado no espaço e no tempo. E nós
temos de escolher se queremos ficar presos no espaço e no tempo ou se temos meios dentro da condição humana
de nos libertar do espaço e do tempo.”
“E começa o segundo ponto: quais são as forças que prendem? (...) sabemos que as forças que prendem, muito
evidentes do ponto de vista platônico, são indicadas na seção quarta, a chamada teoria das virtudes.”

“E as virtudes e as contravirtudes, ou os vícios, são muito claros para Platão. O que prende o homem é a ignorância, a
ignorância é uma prisão, donde a sabedoria ser uma libertação; (...) Então, isso é a explicação do que prende o homem
dentro do espaço e tempo; são os seus medos, as suas paixões, os seus ódios e a sua ignorância.”

“A paixão determinante é o ódio. Ódio esse que levará os prisioneiros da caverna a assassinar o indivíduo que se tinha
liberto e que lhes quis comunicar as formas e as verdades, mas que era tão insuportável e tão incompatível com a
experiência de quem está preso que o mataram. (...) quem quis libertar os outros foi morto.”

“O que significa que esta força de ódio é a mais determinante de todas as paixões negativas. (...) a força que se opõe
ao ódio é a força do amor que reconhece no outro o complemento indispensável e não o alvo a abater.”

“Falta o terceiro problema que é: Mas como é que eles se libertaram? (...) está-nos a mostrar como é que funciona a
razão e como a consciência liberta. Ele parte da descoberta do ser e diz-nos: ‘Eu descobri isso, agora é a vossa vez de
descobrir’.”

“Mas é precisamente através do aprofundamento do que há de melhor em nós que é feita essa libertação.”

“(...) o homem é livre de colaborar; colaborar com o puxão para cima, para a elevação, ou, então, deixar-se arrastar
para baixo.”

“A República termina com o ‘mito da liberdade’ (...) o chamado mito de Er, isto é, como é que nós escolhemos a
nossa vida. (...) Então, é precisamente o ser humano apelando a todos os seus recursos e aos outros e à sua
experiência do que está mais além, do que está mais alto, que se liberta.”

“Uma vez liberto, o que se faz com a liberdade? (...) E depois de sermos livres, que substância vamos dar à nossa
liberdade? O centro da República é este, é uma meditação sobre o que o ser humano deve fazer com a sua
liberdade.”

“E o ponto central da República é que essa substância da nossa liberdade só se manifesta através da existência
política.”

“Qualquer sociedade e qualquer sistema econômico está entre esses dois polos; corre os riscos do primitivismo e
subdesenvolvimento, e depois há os riscos da ultrassofisticação e do consumismo.”

“É importante esta ideia do vigilante, porque a primeira pessoa eles têm que vigiar é a si próprios, têm que ter
responsabilidade. Surge assim o problema da educação na segunda seção.”

“Se isso for feito, se houver responsáveis educados, então pode-se passar à seção terceira que é a ‘Constituição da
Cidade-Estado’. E nessa Cidade-Estado terão que predominar (...) as virtudes humanas, como vem na seção quarta.”

“As virtudes são essencialmente três e correspondem ao que Platão considera a estrutura antropológica tríadica, isto
é: sabedoria porque o homem é um ser racional; temperança porque o homem é um ser de sensibilidades e de
sentidos; e coragem porque o homem é um ser de vontade.”

“Se este conjunto de três virtudes for aplicado, a sua harmonia chama-se precisamente justiça; ser justo é
simultaneamente saber do que se fala, é ter coragem e a convicção de aplicar o que se fala, é ter a coragem e a
moderação e a temperança nessas ações.”

“Porque a ideia se multiplicou, se manifestou de maneiras diferentes; mas ao manifestar-se de maneiras diferentes,
perdeu a sua pureza original e por isso é que há condições para que ela se manifeste. (...) e o papel da filosofia vai ser
tirá-las [sociedades] desse declínio para as aproximar de novo da ideia inicial.”

“Essa é a primeira interpretação do que Platão queria dizer: os governantes ou os guardiões não podem ter nada de
seu, não podem ter propriedade privada, porque senão desenvolvem interesses privados que não têm a ver com o
interesse comunitário.”

“O problema nunca está completamente resolvido, quando se trata de criar uma instituição com uma regra humana
para prevenir as paixões, e o abuso de poder de quem pertence à instituição. Então, essa é a primeira vaga que ele
tem que ultrapassar.”
“A segunda vaga tem a ver com o poder. (...)O poder tem que ser exercido por aqueles que têm o saber, não há volta a
dar, segundo Platão. O poder é necessário e incontornável, porque a essência do poder é manobrar em sociedades
que não reconhecem a racionalidade. (...) Portanto, o que é preciso é que aquele que já tem o poder, então, adquira
o saber.”

“(...) a terceira vaga que é: mas como o poder não pode ser a luz da cidade, então é preciso criar uma luz, um norte
para o próprio poder.”

“É o problema da ‘República’, nós somos livres, mas o que vamos fazer? (...) As pessoas escolhem vidas fracas! Esse
é o problema que Platão está a pôr.”

“E esta é a experiência inicial da vida humana. Nós estamos sempre a descer, sempre a decair, a declinar. Como é que
nos elevamos? Como é que podemos ser outra vez felizes? Como é que nos libertamos? Esse é o argumento da
República.”

“Platão é o criador da expressão ‘teologia’. (...) O Formato da teologia usado por Homero e Hesíodo está errado,
porque eles consideram os deuses como mentirosos. Se divino não é sinônimo de verdadeiro, isso é mau; em segundo
lugar, eles consideram que os deuses se metamorfoseiam, e isso significa um ataque à imutabilidade do ser e,
portanto, está errado; e, em terceiro lugar, porque os deuses se comportam como se fossem semelhantes aos seres
humanos, com seus vícios e seus erros; e nada disso, diz ele, é educativo, esses modelos teológicos estão errados.”

“É filósofo quem não impõe os conteúdos do sujeito real, mas quem descobre no real conteúdos que depois tem que
reconstruir. A filosofia cria claramente símbolos conceptuais, já longe dos ideogramas.”

“O que é que determina o estado intelectual do indivíduo? É a concepção dominante nele.”

“(...) a regra de bolso que Voegelin inventou é esta: uma revolução europeia quanto mais precoce melhor, quanto
mais tardia, pior. Por exemplo, a Revolução Inglesa foi a melhor de todas porque ainda permitiu incorporar muitos
elementos do antigo regime [assim como a Revolução Americana]. A Revolução Francesa já começa a ser complicada,
já é preciso uma ruptura grande como a Revolução Espanhola ou Portuguesa.”

“Então, essa regra de bolso que ele criou leva a que se a Revolução Italiana já é nociva, a Revolução Russa é mais
explosiva ainda; e mais explosiva curiosamente é a Revolução Alemã que vai culminar no nazismo. Portanto, a
revolução é sinônimo de modernização violenta e metaestática da realidade social.”

[O PROCESSO REVOLUCIONÁRIO É A TENTATIVA DE MANIPULAR A REALIDADE A PARTIR DOS ANSEIOS DO SUJEITO.]

“(...) qual era o conceito de ciência de Voegelin? Eu acho que aí ele era muito clássico, isto é, a ciência é uma
investigação metódica, mas não desprovida de um sentido de sabedoria.”

“O cientista não é um positivista, ou seja, aquele que só aceita como positivos os fatos e tudo o mais é subjetivo,
descartável, é um juízo de valor, que para o positivista não tem fundamento, mas o cientista adquire a sabedoria por
isso, porque sabe que a sua investigação metódica da realidade não é a única possível nem é perfeita; é, sem dúvida,
rigorosa; é atestada pela própria realidade; mas ele tem a sua consciência que ultrapassa, por assim dizer, a sua
ciência. Sabedoria é isso, é ciência com consciência, essa seria a visão de Voegelin, também.”

“(...) Voegelin identifica os graus da natureza, ou seja, a realidade enquanto brota independentemente de uma
presença humana, e o que sabemos sobre a origem do cosmos é que é evidente que houve realidade natural antes de
haver ser humano.”

“E assim a realidade vai se apresentando em patamares sucessivos em que cada ciência estuda uma determinada
configuração, mas encontra resíduos que não explica e que exigem a passagem ao nível superior, a etologia, a
psicologia, o nível filosófico, e o nível teológico.”

“O certo é que mais importante de a teologia ser ou não uma ciência, o que não há dúvida é que a natureza tem um
princípio e um além. Essa é a Experiência Clássica da Razão (...) tem um princípio que está na origem de tudo e tem um
além, um substantivo que é também uma preposição que mostra que não somos capazes de mostrar os confins da
natureza.”

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