Você está na página 1de 5

ZUBOFF, Shoshana.

A era do capitalismo de vigilância: a luta por um futuro humano na


nova fronteira do poder. Tradução de George Schlesinger. Rio De Janeiro: Intrínseca,
2021.
1. Uma nova ordem econômica que reivindica a experiência humana como matéria-
prima gratuita para práticas comerciais dissimuladas de extração, previsão e vendas;
2. Uma lógica econômica parasítica na qual a produção de bens e serviços é
subordinada a uma nova arquitetura global de modificação de comportamento;
3. Uma funesta mutação do capitalismo marcada por concentrações de riqueza,
conhecimento e poder sem precedentes na história da humanidade;
4. A estrutura que serve de base para a economia de vigilância;
5. Uma ameaça tão significativa para a natureza humana no século XXI quanto foi o
capitalismo industrial para o mundo natural nos séculos XIX e XX;
6. A origem de um novo poder instrumentário que reivindica domínio sobre a sociedade
e apresenta desafios surpreendentes para a democracia de mercado;
7. Um movimento que visa impor uma nova ordem coletiva baseada em certeza total;
8. Uma expropriação de direitos humanos críticos que pode ser mais bem compreendida
como um golpe vindo de cima: uma destituição da soberania dos indivíduos.
(ZUBOFF, 2021, p. “A definição”)

PARTE III: PODER INSTRUMENTÁRIO PARA UMA TERCEIRA


MODERNIDADE

CAPÍTULO DOZE: Duas espécies de poder


I. Um retorno ao sem precedentes
“Eis a sombria essência do capitalismo de vigilância: um novo tipo de comércio que nos
reimagina através da lente de seu poder característico, o qual conta com a interferência
de seus meios de modificação comportamental.” (ZUBOFF, 2021, p. )
II. Totalitarismo como uma nova espécie de poder
“O fracasso em compreender tem uma relevância direta para nós ao aprendermos a
avaliar o capitalismo de vigilância e seu novo poder instrumentário.” (ZUBOFF, 2021,
p. )
III. Um horizonte oposto
“O poder instrumentário se move de maneira diferente e na direção de um horizonte
oposto. O totalitarismo atuava por intermédio da violência, mas o poder instrumentário
opera através da modificação comportamental, e é aí que o nosso foco precisa mudar. O
poder instrumentário não tem interesse nas almas nem tem qualquer princípio a instruir.
Não há qualquer treinamento ou transformação para a salvação espiritual, qualquer
ideologia pela qual julgar nossas ações. Ele não exige a possessão de cada pessoa de
dentro para fora. Ele não tem interesse em exterminar nem desfigurar nossos corpos e
mentes em nome da devoção pura. Ele recebe dados sobre o comportamento do nosso
sangue e da nossa merda, mas não tem interesse em se sujar com as nossas excreções.
Ele não tem apetite pelo nosso sofrimento, dor ou terror, embora receba com avidez e de
bom grado o superávit comportamental que é filtrado a partir de nossa angústia. Ele é
profunda e infinitamente indiferente aos nossos significados e motivos. Treinado em
ação mensurável, ele só se preocupa com que tudo feito por nós seja acessível a suas
operações, em constante evolução, de renderização, cálculo, modificação, monetização
e controle.” (ZUBOFF, 2021, p. )
“Embora não seja assassino, o instrumentarianismo é tão alarmante, incompreensível e
novo para a história humana quanto o totalitarismo foi para suas testemunhas e vítimas.
Nosso encontro com o poder sem precedentes ajuda a explicar por que tem sido difícil
nomear e conhecer essa nova espécie de coerção, moldada em segredo, camuflada pela
tecnologia e complexidade técnica e obscurecida por uma rebuscada retórica. O
totalitarismo era um projeto político que convergia com a economia para dominar a
sociedade. O instrumentarianismo é um projeto de mercado que converge com o digital
para alcançar seu próprio e exclusivo tipo de dominação social.” (ZUBOFF, 2021, p. )
IV. O Outro
“Na formulação de Skinner, o livro de Meyer foi o ponto crítico porque somou, de
forma corajosa, a psicologia e a física na busca por absolutos. O texto garantia a
essência do ponto de vista behaviorista, segundo o qual “o mundo dentro da pele do
Outro perde seu status preferido”.
A expressão que captou a nova perspectiva científica foi “o Outro”. O comportamento
humano se curvaria à pesquisa científica apenas se os psicólogos aprendessem a ver os
humanos como outros. Esse “ponto de vista de observação” era uma exigência absoluta
para uma “ciência objetiva do comportamento humano” que deixava de confundir a
experiência humana com a ação externa.43 Central para o novo ponto de vista era sua
noção do ser humano como um organismo. O ser humano é reformulado como “algo”,
um “outro”, um “eles” de organismos: um “organismo entre organismos”, discernível de
uma alface, um alce ou uma minhoca apenas em grau de complexidade. Uma psicologia
científica restringira seus interesses aos comportamentos sociais e, portanto, visíveis,
desse “organismo como organismo”. Seria: “o estudo da vida do Outro — mas da vida
dele apenas quanto sua significação social, e não quanto sua significação para si mesmo
[...]. Estamos estudando o Outro em vez de Nós Mesmos”. (ZUBOFF, 2021, p. )
“(...) a essência da controversa filosofia social adotada em Para além da liberdade e da
dignidade, em que Skinner argumenta que o conhecimento não nos torna livres, e sim
nos liberta da ilusão de liberdade. No fundo, escreve ele, liberdade e ignorância são
sinônimos. A aquisição do conhecimento é heroica, uma vez que ela nos resgata da
ignorância, mas é também trágica, porque necessariamente revela a impossibilidade da
liberdade.” (ZUBOFF, 2021, p. )
“O mesmo se dá com a liberdade: um pedaço indigesto de medo, uma migalha de
negação que, uma vez metabolizada, expulsará a aparição e nos trará de volta à
realidade. O ambiente determina o comportamento e a nossa ignorância da exata
maneira como ele o faz é o vazio que preenchemos com a fantasia de liberdade.”
(ZUBOFF, 2021, p. )
V. Contra a liberdade
“Desde a página de abertura do primeiro livro de Skinner, The Behavior of Organisms
[O comportamento dos organismos], publicado em 1938, ele repete a advertência de
Meyer (e Planck): a liberdade é mera ignorância esperando para ser conquistada.”
(ZUBOFF, 2021, p. )
“Skinner declara a verdade que Planck ensinou a Meyer e então Meyer transmitiu aos
seus alunos, a singular verdade que pode ser apreendida somente através do ponto de
vista do Outro: liberdade é ignorância.” (ZUBOFF, 2021, p. )
“O extenso ensaio filosófico publicado em 1971 como Para além da liberdade e da
dignidade, ele repete: “Não há virtude na natureza acidental de um acidente.” Toda essa
obra apontava o que Skinner continuava a encarar como o principal empecilho ao
progresso social: a confusão conceitual que oculta nossa mais profunda ignorância nos
sagrados mantos da liberdade e da dignidade. Skinner argumentava que a nossa lealdade
a essas altivas noções é somente a forma de nos protegermos das duras verdades das
“insuspeitas relações de controle entre o comportamento e o ambiente.” Elas são uma
“rota de fuga” que se fecha devagar “à medida que novas evidências de preditibilidade
do comportamento humano são descobertas. A isenção pessoal de um determinismo
completo é revogada conforme a análise científica progride [...] as conquistas pelas
quais a própria pessoa deve receber crédito parecem se aproximar de zero [...] o
comportamento que admiramos é, portanto, o comportamento que ainda não
conseguimos explicar”. (ZUBOFF, 2021, p. )
VI. Uma tecnologia do comportamento humano
“Skinner imaginou tecnologias que institucionalizariam, de forma geral, o ponto de
vista do Outro ao observarem, computarem, analisarem e automaticamente reforçarem o
comportamento para realizar as “imensas mudanças” que ele acreditava necessárias.”
(ZUBOFF, 2021, p. )
“A crença num “homem autônomo” é uma fonte regressiva de resistência a um futuro
racional, uma “explicação alternativa do comportamento” que obstrui o progresso da
sociedade.” (ZUBOFF, 2021, p. )
“Skinner compreendeu que havia o risco de a engenharia do comportamento violar
sensibilidades individuais e normas sociais, em especial relativas à privacidade. Para
acalmar tais preocupações, avisava que a observação deve ser discreta, de preferência
permanecendo fora da consciência do organismo: “O comportamento pode ser também
observado com um mínimo de interações entre sujeito e cientista, e este é o caso com
que se tenta naturalmente começar.” (ZUBOFF, 2021, p. )
“Tais conflitos seriam resolvidos, raciocinou Skinner, pela retirada gradual das normas
de privacidade na medida em que elas vão se sujeitando ao avanço do conhecimento: “A
linha entre o público e o privado não é fixa.” Como os capitalistas de vigilância de hoje,
ele estava confiante que o lento avançar dos inventos tecnológicos acabaria por
empurrar a privacidade para as margens da experiência humana, onde se juntaria à
“liberdade” e outras ilusões problemáticas. Todas seriam substituídas pelo ponto de
vista do Outro personificado em novos instrumentos e métodos: “A fronteira muda com
cada descoberta de uma técnica para tornar públicos acontecimentos privados [...]. O
problema da privacidade pode, portanto, vir a ser resolvido por progressos técnicos.”
(ZUBOFF, 2021, p. )
VII. Duas utopias
“Skinner considerava sua utopia como uma cura metodológica para o pesadelo de almas
arrasadas, uma cura que, insistia ele, era superior a qualquer remédio convencional
político, econômico ou espiritual disponível. Ele zombava da noção de que a solução
estivesse na “democracia” porque se trata de um sistema político que apenas perpetra a
ilusão de liberdade enquanto impede o domínio da ciência. A promessa do “livre
mercado” como o curativo para a sociedade do pós-guerra era também um sonho vazio,
acreditava ele, uma vez que recompensa a competitividade destrutiva entre pessoas e
classes. Outra coisa que Skinner rejeitava era o novo humanismo concebido pelo
existencialismo, vendo-o como um solo fértil para a passividade. Ele encarava, ainda, a
religião como a pior cura de todas, por cultuar a ignorância e prejudicar o avanço da
ciência.” (ZUBOFF, 2021, p. )
“Até a ascensão do capitalismo de vigilância, a perspectiva do poder instrumentário era
relegada a um mundo diáfano de sonho e ilusão. Essa nova espécie de poder segue a
lógica de Planck, Meyer e Skinner no abandono da liberdade em prol do conhecimento,
mas os três cientistas fracassaram em antecipar os termos reais dessa rendição. O
conhecimento que agora desloca a nossa liberdade é proprietário. O conhecimento é
deles, mas a liberdade perdida pertence somente a nós.” (ZUBOFF, 2021, p. )
(ZUBOFF, 2021, p. )
(ZUBOFF, 2021, p. )
(ZUBOFF, 2021, p. )
(ZUBOFF, 2021, p. )
(ZUBOFF, 2021, p. )
(ZUBOFF, 2021, p. )
(ZUBOFF, 2021, p. )
(ZUBOFF, 2021, p. )
(ZUBOFF, 2021, p. )
(ZUBOFF, 2021, p. )
(ZUBOFF, 2021, p. )

Você também pode gostar