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Huxley em “Admirável Mundo Novo”, que seguem o que querem. Não há nem doença
em contraposição ao primeiro, apresenta e nem conflito social, político e econômico,
outra mudança, ou “revolução tecnológica” não se fala de dor e sentimentos tristes. A
em menção à biotecnologia, discutida por religião se torna, tão somente, um meca-
causa da incubação de pessoas em úteros nismo social, a família biológica não existe
(in vitro), a droga soma (que dava felicidade mais. As pessoas são felizes e saudáveis.
instantânea às pessoas), e os hormônios Mas o que podemos perceber, que em uma
artificiais para controlar o comportamento situação como essa, o Ser deixa de ser hu-
humano e outras situações que norteavam mano como explicitado pelo autor: “Já não
o ser. Com essas duas referências da histo- lutam, aspiram, amam, sentem dor, fazem
ria- a teletela e descobertas tecnológicas-, escolhas difíceis, nem fazem qualquer das
Fukuyama quer mostrar que foram centrais coisas que associamos tradicionalmente ao
para apontar o futuro que se projetava. En- ser humano”. (FUKUYAMA, 2003, p.19).
tretanto, a política não seguia esses mesmo Assim, há de se compreender porque Fuku-
rumos. As ideias futuras descritas nas duas yama permite que se adentrem nessas o-
obras serão chamadas de “pesadelos evo- bras apreciadas por ele. Sim, é para que se
cados” pelo filósofo, e que essas ideias con- possa chegar à sua compreensão atual do
tinuam presentes e provocando debates. nosso futuro pós-humano derivado das con-
Preocupa-se com o fato que em “Em admi- sequências da biotecnologia. O que Huxley
rável mundo novo”, Huxley havia prefigura- pensou e interpretou no seu livro na década
do as tecnologias, mas, segundo Fukuya- de 30, se dá por “caminhar” nos tempos a-
ma, “a avalanche estava por vir” tuais. Essas características torna o humano
(FUKUYAMA, 2003, p.18) pela dimensão “antinatural” decorrente às alterações de
que se estabelecia, e cita como exemplo, sua natureza. Fukuyama busca dar credibi-
novas tecnologias biomédicas e também as lidade em seu pensamento alinhando ao
façanhas ocasionadas pela conclusão do modo de descrição que Leon Kass, estudio-
Projeto “Genoma Humano” no ano 2000. Ou so em bioética, também faz a partir do en-
seja, afirma que mudanças muito mais sé- tendimento da obra “Admirável mundo no-
rias estariam por vir. Sua observação sobre vo”, que consiste: “Em contraste com o ho-
a obra de Huxley se dá quando incorpora no mem reduzido pela doença o a escravidão,
mesmo, e aqui me expresso, num “devir as pessoas desumanizadas à maneira de
tecnológico”, pois trata de um mundo novo ‘Admirável mundo novo’ não são infelizes,
sendo admirável pelas suas formas perfei- não sabem que foram desumanizadas e, o
tas, embora possamos entender de maneira que é pior, não se importariam se soubes-
subjetiva essa perfeição existencial do sem. Elas são, na verdade, escravos felizes
mundo, ele é posto como verdade e real, com uma felicidade abjeta”. (FUKUYAMA,
que se projeta para o futuro, mas que ao 2003, p.19).
mesmo tempo é o futuro sendo posto no Fukuyama defende que o ser humano deve
presente. E esse presente se faz utópico, ser definido da mesma maneira que Huxley
embora o termo utópico no presente esta define- um ser humano de maneira natural.
aberto para outras interpretações, uma vez Prossegue com sua tese argumentando que
que não é expressão nem de Fukuyama e “A raça humana é hoje produto de um pro-
nem de Huxley. Há de se pensar dessa cesso evolucionário que vem prosseguindo
forma quando vemos nesse contexto, um por milhões de anos, um processo que com
mundo onde ninguém é ferido, todos con- alguma sorte se estenderá muito no futuro.
Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178
Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420
24 e 25 de setembro de 2013
Não há características humanas fixas, exce- pacto diabólico: vida mais longa, mas com
to por uma capacidade geral de escolher o capacidade mental reduzida; libertação da
que queremos ser, de nos modificar de a- depressão, junto com a perda da criativida-
cordo com os nossos desejos”. de ou do espírito; terapias que borram a
(FUKUYAMA, 2003, p.20). linha entre o que conseguimos por nós
Sendo assim, vemos a importância de se mesmos e o que conseguimos graças aos
indagar: afinal de contas, o ser humano que níveis de várias substâncias químicas no
não teve escolha, mas foi posto à existência nosso cérebro” (FUKUYAMA, 2003, p.21).
envolvido com o Outro e o Transcendente Convém observar que o raciocínio da bio-
está livre e liberto de não mais lhe permitir tecnologia está alçado no desenvolvimento
de ser atingindo ou envolvido pelas emo- de novos medicamentos que altera a perso-
ções angustiantes, memória que levam as nalidade humana, e que, por exemplo,
lembranças traumáticas, dor de solidão? “Pessoas lerdas podem ficar animadas, as
Fukuyama defende, a meu ver, com o em- introspectivas, extrovertidas; pode-se adotar
basamento de Huxley, que são esses as- uma personalidade na quarta-feira e outra
pectos que garante a existência como es- para o fim de semana. Ninguém tem mais
pécie, e que fora desse contexto, estaría- qualquer desculpa para ser deprimido ou
mos nos transformando em algo pós- infeliz; até os que são “normalmente” felizes
humano. Pois se muda o conceito “natureza podem se tornar ainda mais felizes sem te-
humana” se perder aquilo que temos de es- mores de dependência, ressacas ou dano
tável da nossa experiência como espécie, e cerebral em longo prazo” (FUKUYAMA,
a definição de nossos valores mais básicos 2003, p. 22).
deixaria de existir.“A natureza humana mol- Outro aspecto apresentado é a pesquisa em
da e limita os tipos possíveis de regime polí- células tronco. Essas pesquisas, dentre ou-
tico, de modo que uma tecnologia poderosa tras considerações, tem como meta o au-
o bastante para remodelar o que somos terá mento da expectativa de vida. Fukuyama
possivelmente consequências malignas pa- alerta para um problema que acarreta no
ra a democracia liberal e a natureza da pró- envelhecimento e não solucionado pela in-
pria política” (FUKUYAMA, 2003, p.21). O dústria biotecnológica: “Com a idade, as
autor argumenta o seu não entusiasmo com pessoas ficam mentalmente rígidas e cada
a biotecnologia de modo que seus produtos vez mais obstinadas em suas ideias, e, por
poderão provocar danos sutis, e descreve: mais que tentem, não conseguem se tornar
“alguns produtos da biotecnologia poderão sexualmente atraentes umas para as outras
ser similarmente óbvios nos perigos que e continuam a ansiar por parceiros ainda na
representam para humanidade- por exem- idade reprodutiva. E o pior, simplesmente
plo, supermicróbios, novos vírus ou alimen- recusa-se a deixar em paz não só os filhos,
tos geneticamente modificados que produ- mas os netos e os bisnetos”. (p. 22).
zem reações tóxicas” (p.21). E em outro Seguindo os comentários de Fukuyama po-
recorte: “As ameaças mais típicas suscita- de-se observar um terceiro cenário proble-
das pela biotecnologia, por outro lado, são ma ao falar das células tronco embrionárias,
aquelas que foram tão bem capturadas por onde os ricos poderiam escolher os embri-
Huxley e resumidas no título de um artigo ões de acordo com o tipo de filhos que gos-
do romancista Tom Wolfe- ‘Lamento, mas tariam de ter. Pois as escolhas genéticas
sua alma acaba de falecer’. A tecnologia pelos pais podem levar os seus filhos serem
médica nos propõe em muitos casos um
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superiores àqueles que não tiveram essa ção do prazer, Aristóteles conservou uma
seleção. visão complexa e nuançada da diversidade
Como há de se ver, é por essas razões (e e grandeza dos fins humanos. O objetivo de
por outras explicitadas pelas diversas obras sua filosofia foi tentar distinguir o natural do
que se perpassa nesse estudo) que Fuku- convencional e ordenar racionalmente os
yama declara abertamente a favor da regu- bens humanos”. (FUKUYAMA, 2003, p. 26).
lação governamental da biotecnologia. Esse Na consideração de Fukuyama as pessoas
posicionamento não está livre de conse- se deparam com esses desafios alicerçados
quências provocadas pelas empresas far- em Aristóteles, que além de ser do campo
macêuticas que lutarão pelos seus direitos, ético, corresponde também, o campo políti-
ativistas em favor do livre acesso as pes- co. E quando adentram no contexto históri-
quisas, políticos saindo em defesa das em- co da sociedade política do século XX, ve-
presas e indústrias visando interesses pes- em um novo movimento ou processo contí-
soais e favorecimentos políticos e partidá- nuo da história incorporado aos pensadores
rios. Enfim, são muitas as situações a se- antigos, porém com experiências moldadas
rem postas prós e contras, e que ambos os pela evolução dos seres humanos. Essa
lados terão que achar um meio termo. Mas, transformação de sociedade e mudanças
de fato, tem que haver reflexão como de- culturais está amplamente arraigada pelo
duz, entre a diferença das revoluções das desenvolvimento da ciência e tecnologia, e
tecnologias de informação, que visam muito que determinam “possibilidades de produ-
mais benefícios sociais e causam poucos ção econômica” da sociedade moderna.
danos, do que as revoluções biotecnológi- Então, o autor defende que para as socie-
cas que poderiam desenvolver casos como dades modernas o único regime político vi-
eugenia, clonagem, modificações genéticas ável e cômodo, que saberá dialogar e dis-
ocasionando vários perigos ao ser humano. cernir o mundo moderno é a democracia
E para ajudar nessa reflexão, o autor, faz liberal. Aponta que experiências como o
uso da argumentação filosófica Aristotélica nazismo e o comunismo foram desastrosos
de “política e natureza humana como mode- para a humanidade, e provocaram terríveis
lo para o que desejo realizar”. E explica: consequências. Entre elas, interferência de
“Aristóteles sustentou, de fato, que as no- padrões naturais de comportamento. E cita,
ções humanas de certo e errado- o que hoje por exemplo, que enquanto o primeiro dizia
chamamos de direitos humanos- fundavam- que a biologia era tudo, o segundo dizia que
se em última análise na natureza humana. a biologia não servia para nada. E quem
Isto é, sem compreender como desejos, dará o equilíbrio aos opostos é a democra-
propósitos, traços e comportamentos natu- cia liberal, porque não é politicamente radi-
rais se conjugam num todo humano, não cal, e em encontra-ponto também às revo-
podemos compreender metas humanas ou luções socialistas que ocorreram na Rússia,
fazer julgamentos sobre certo e errado, bom na China, em Cuba, no Camboja e alhures.
e mau, justo e injusto. Como muitos filóso- “A começar pela Revolução Francesa, o
fos utilitaristas mais recentes, Aristóteles mundo foi convulsionado por uma série de
acreditava que o bem era definido pelo que movimentos políticos utópicos que tentaram
as pessoas desejavam; mas enquanto os criar um paraíso terrestre através de um
utilitaristas procuram reduzir os fins huma- rearranjo radical das instituições mais bási-
nos a um simples denominador comum, cas da sociedade, desde a família até o Es-
como o alívio do sofrimento ou a maximiza-
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