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RESUMO

 
 
 
RESUMO
 
1. A sociologia é o estudo dos fenômenos
sociais, da interação e da organização
social.
2. A sociologia é importante para cada dia
de nossas vidas, pois fornece
instrumentos para entender as forças
externas que regulam nossos
pensamentos, percepções e ações.
3. A sociologia surgiu sob as condições de
mudança associadas com: a) o declínio
do feudalismo e o aparecimento do
comércio, da indústria e da urbanização;
b) o movimento intelectual conhecido
como Iluminismo, no qual a ciência e o
pensamento laico sobre os mundos físico,
biológico e social poderiam prosperar; e c)
o choque traumático e a mudança social
brusca decorrentes da Revolução
Francesa.
4. O nome sociologia foi proposto pelo
pensador francês, Auguste Comte, que
acreditaxia que a ciência da sociedade
poderia competir com as ciências
naturais. Comte também sentia que o
descobrimento das leis da organização
social humana poderia ser usado para
reconstruir a sociedade de uma forma
mais humana.
3. I-ierbert Spencer na Inglaterra
similarmente argumentava que as leis da
organização humana poderiam ser
desenvolvidas. Essas leis iriam
concentrar-se no crescimento e na
complexidade da sociedade, visto que
essas causas criavam pressões para: a) o
aumento da interdependência e troca
entre as pessoas e organização de uma
sociedade:
e b) o aumento do uso do poder para
regular, controlar e coordenar as
atividades desses membros e unidades
organizacionais. Spencer fundou uma
teoria sociológica conhecida como
funcionalismo, em que a função de uma
estrutura social na manutenção da
sociedade era enfatizada.
6. Ëmile Durkheim adotou as idéias de
Spencer, mas deu continuidade à tradição
francesa de enfatizar a importância das
idéias culturais para a integração da
sociedade. Como Spencer, ele era um
funcionalista e acreditava que as leis da
organização humana poderiam ser
descobertas, mas acrescentou à teoria de
Spencer a importância de se descobrir as
causas e funções dos símbolos que
buscam integrar a sociedadc.
7. Karl Marx, um alemão que foi expulso
de sua terra natal e que acabou se
estabelecendo na Inglaterra, enfatizou a
natureza contraditória da sociedade,
inspirando uma teoria conhecida como a
teoria do conflito ou sociologia do
conflito. Na opinião de Marx, as
desigualdades na distribuição de meios de
produção armam o palco para a
transformação da sociedade, pois as
pessoas sem os meios de produção se
organizam para entrar em conflito com
aquelas que controlani a produção, que
detêm o poder, e que manipulam os
símbolos culturais para legitimar seus
privilégios. Ao contrário de Comte,
Spencer e Durkheim, Marx não acreditava
no desenvolvimento de leis gerais para a
organização humana.
8. Max Weber, outro importante fundador
alemão da sociologia, engajou-se num
diálogo vitalício mas silencioso com Marx,
enfatizando que a desigualdade é
multidirnensional e não exclusivamente
baseada na economia, que o conflito é
contingente em condições históricas e
não é o resultado inevitável e inexorável
da desigualdade, e que a mudança poderia
ser causada pelas “idéias” assim como a
base material e econômica de uma
sociedade. Ele também realçou que a
sociologia deve olhar tanto para a
estrutura da sociedade como um todo
para os significados que os indivíduos
conferem para essas estruturas. Como
Marx, ele duvidava de que houvesse leis
gerais da organização humana, mas, ao
contrário de Marx, ele sentia que é
necessário que sejam isentas de juízos de
valor, ou objetivas, na descrição e análise
dos fenômenos sociais.
9. A sociologia norte-americana antiga
adotava as idéias européias para
problemas específicos associados com a
urbanização e a industrialização, mas de
fato iniciou duas importantes tendências:
a) o uso ampliado das técnicas
estatísticas, quantitativas; e b) a proposta
teórica conhecida como Interacionismo,
em que a ênfase é dada aos processos
que sustentam e transformam a
sociedade, através de interações face a
face.
1(1.  A sociologia é agora uma área ampla
e diversa que analisa todas as facetas da
cultura, da estrutura social, do
comportamento e interação e da mudança
social.
 
No mundo contemporâneo, a ciência tornou-
se o modo predominante para se entender o
universo. A ciência não é a ónica forma para
isso, pois a religião, o senso comum, a
literatura, a poesia, as ideologias, a filosofia e
a intuição pessoal são também usadas para
compreender o mundo. Assim, a ciência tem
concorrentes; e essa competição é mais
intensa em algumas áreas do que em outras.
Alguns não-cientistas questionam as
alegações dos físicos sobre como o universo
físico funciona; o mesmo é verdade para os
químicos, bioquímicos e biólogos.
Entretanto, ainda que ocultamente, as
crenças religiosas quanto ao “creacionismo”
freqüentemente se posicionam num patamar
de hostilidade em relação à concepção
evolucionista darviniana da espécie. Na área
social, entretanto, a ciência dificilmente
reina. (lis homens e suas criações --
sociedade e cultura não são freqüentemente
vistos como acessiveis ao estudo científico.
E há mais de 150 anos, desde a proposta de
Auguste Comte (l830-1848), de que a
sociologia poderia ser uma ciência natural,
que os próprios sociólogos permanecem
divididos nessa questão: a sociologia pode,
ou deve, ser tomada como ciência? Só
porque Karl Marx e Max Weber
questionavam as possibilidades da
sociologia científica é, que muitos
sociólogos contemporâneos (Halfpenny,
1982; Denzin,1970) também o fazem.
Todavia, por ora, vamos assumir que essa
controvérsia sobre o status científico da
sociologia não exista, e examinar como a
sociologia científica procede.
 
 
A NATUREZA DA CIÊNCIA
 
O objetivo da ciência é possibilitar-nos
entender e acumular conhecimento sobre o
universo. O veículo para tais entendimentos é
a teoria, que procura nos contar por que os
fenômenos existem e como eles funcionam
(J. Turner, 1991). As teorias científicas têm
algumas características especiais que as
separam de outros tipos de explicações
como as religiosas, as de dogma político e
as opiniões pessoais (J. Turner, 1985a).
Uma característica distinta das teorias
científicas é sua abstração. Elas são
determinadas em termos muito genéricos
porque o objetivo é explicar os
fenômenos,em todas as épocas e lugares.
Por exemplo, a fórmula famosa de Albert
Einstein, E = mc2, não diz qualquer coisa
sobre a emissão específica de energia (E), ou
o corpo da matéria (m), ou a velocidade da
luz (c) num momento específico no tempo; o
que diz é que a energia, a matéria e a
velocidade da luz são fundamentalmente
relacionadas em todos os tempos, em todos
os lugares e em todas manifestações de
energia. Em resumo, essa equação
revolucionária e abstrata porque nasce além
das particularidades e estados que é verdade
em todos os tempos e lugares em nosso
universo. As teorias sociológicas também
podem ter essa qualidade. Por exemplo,
como observei no último capítulo, Herbert
Spencer (1874-1896) propôs que com o
crescimento populacional os membros de
uma sociedade se tornam mais
diferenciados, levando a fragmentações e
especialização de grupos que são integrados
por interdependências e concentrações de
poder. Esta teoria é também abstrata porque
não se retere ã uma população específica
num ponto determinado do tempo, mas a
boas as populações em todos os tempos e
lugares.
Uma segunda característica única das
teorias científicas é que elas são sujeitas a
provas. lá foi inclusive dito que as teorias
científicas existem para serem refutadas
(Popper, 1959, 1969), posto que o objetivo da
ciência seja submeter suas teorias a tantas
provas quantas forem necessárias para se
ter a segurança de que a teoria não é
facilmente refutada, e e, portanto, plausível.
Pois se uma teoria permanece intacta após
repetidas confrontações de dados empíricos,
então é considerada por ora como a melhor
explicação da “maneira” que as coisas são.
Quando as teorias resistem à prova de
tempo — isto é, esforços repetidos de
contestação —, então se tornam
provisoriamente aceitas como verdade,
como a “maneira” que as coisas realmente
são (Popper, 1969).
Esse é o modo de funcionamento de toda
ciência. Não é um processo eficiente, mas
éum meio de mantermos nossas teorias
presas a fatos reais. Nós defendemos
ceticamente as teorias e constantemente as
verificamos contra os fatos. Compare essa
proposta a formas alternativas para a
compreensão do mundo. Em interpretações
religiosas, os poderes dos deuses e as
forças sobrenaturais são tidos como
controladores do fluxo de acontecimentos, e
há uma suposição de que as coisas
deveriam ocorrer; e, se essa visão não
corresponde àmaneira real pela qual os
acontecimentos se desdobram, as crenças
no poder dos deuses ou a verdade das
suposições não são contestadas, como
seriam no caso de uma teoria científica.
Melhor, uma nova interpretação é oferecida
para sustentar as crenças. Similarmente, os
preconceitos pessoais são freqüentemente
mantidos quando os fatos os contradizem;
de fato, nós nos apegamos aos nossos
preconceitos e percepções porque eles nos
confortam e porque estamos acostumados a
eles. As ideologias políticas têm essa
mesma qualidade; as pessoas apóiam-se em
suas crenças políticas até mesmo quando os
programas defendidos em nome dessas
crenças fracassam. Em contrapartida, as
teorias científicas são finalmente refutadas
ou transformadas quando elas não
correspondem aos fatos empíricos.
As teorias não são casualmente testadas,
embora freqüentemente comecemos apenas
com a intuição de que os dados
correspondem à teoria. Eventualmente a
teoria deve ser avaliada de um modo
sistemático, em termos de alguns
procedimentos genéricos, geralmente
denominados de método científico. A idéia
geral por trás dos métodos da ciência é
desenvolver procedimentos imparciais para
coletar dados e então especificar claramente
o percurso escolhido. Dessa forma, outros
dados podem surgir e verificar que fomos
honestos e não cometemos quaisquer erros
bobos ou impusemos preconceitos. Sem
dados nos quais possamos acreditar, ou ter
confiança, não sabemos se temos registros
precisos dos acontecimentos nem sabemos
se os dados realmente se sustentam na
teoria que estamos testando.
 
 
QUADRO 2.1 O Que Torna a Ciência Única?
 
1. A ciência não busca avaliar o que
deveria, 5. A ciência usa métodos de
coleta de dados ou não deveria, existir ou
ocorrer. que podem ser contestados por
outros
para certificar-se de que os dados usados
2. A ciência busca apenas
compreender              para testar as teorias
não são parciais.
por que os fenômenos existem e como
eles funcionam, sem julgamentos de
6. A ciência acumula conhecimento
    valor, quando as teorias encontram
sustentação
consistente em testes empíricos e quando
3. A ciência gera determinada
compreen-              aquelas que não recebem
tal sustentação
 são que desenvolve teorias abstratas
e              são refutadas ou modificadas.
 isentas de juízos de valo; as quais expli​ -
 cam o como e o porquê dos fenômenos.
4. A ciência então sujeita essas teorias à
verificação empírica, refutando-as ou
modificando-as se os fatos não corres​ ‐
pondem a elas.
 
 
 
Assim, a ciência encontra a sociologia à
medida que nós usamos teorias para
explicar o mundo social e, ao mesmo tempo,
verificamos essas teorias com fatos reais.
Como as teorias são desenvolvidas e
testadas, acumula-se conhecimento e
sabemos mais sobre o mundo social que nos
cerca.
 
 
AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS
 
Seria bom nesse momento apresentar as
grandes realizações da teoria sociológica
para explicar o comportamento humano, a
interação e a organização. Mas atualmente
há pouco consenso sobre quais teorias são
as melhores, e tampouco existe entre os
pesquisadores a iniciativa de testar cada
uma de nossas muitas teorias e ver qual
parece melhor. De fato, a sociologia revela
uma tendência infeliz, para os teóricos, de
criar teorias que não são muito acessíveis
aos testes e, para os pesquisadores, de
coletar e analisar os dados sem prestar
muita atençao a teoria (Turner e Tumer,
1990). Assim, é triste mas verdadeiro que os
teóricos e pesquisadores tendem a seguir
caminhos isolados. O lado cético das teorias
evidencia para a sociologia uma série de
propostas teóricas, interessantes apesar de
muitas vezes nao verificadas empiricamente,
para interpretar os fatos no mundo social
(Ritzer, 1975, 1988; J. Turner, 1991). Deixe-
me esboçar amplamente algumas das mais
importantes dessas propostas, deixando
para capítulos posteriores as teorias
específicas que foram desenvolvidas dentro
dessas amplas perspectivas. Nós já
encontramos algumas dessas perspectivas
quando discutimos a emergência da
sociologia no capítulo anterior. Aqui seremos
mais explícitos nos elementos fundamentais
dessas amplas propostas (1. Turner, 1991).
 
 
 
Teorização Funcional
 
A teoria funcionalista foi criada por l-lerbert
Spencer e retomada por Êmile Durkheim no
século XX. Durante certo período dos anos
50, esse tipo de teoria dominou a sociologia;
agora, representa apenas uma das diversas
propostas. Todas as teorias funcionalistas
examinam o universo social como um
sistema de partes interligadas (Turner e
Maryanski, 1979). As partes são então
analisadas em termos de suas
conseqüências, ou funções para o sistema
maior. Por exemplo, a família seria vista
como uma instituição social básica, que
ajuda a manter a sociedade maior,
regulamentando o sexo e unindo os adultos,
e socializando os jovens para que eles
possam se tornar membros competentes de
uma sociedade. Alem disso, pode-se
examinar qualquer estrutura — isto é, sua
atual faculdade ou universidade em termos
funcionalistas basta fazer uma única
pergunta: como algum aspecto de sua
escola
— conjunto de estudantes, grêmios e~
(issociações, diretório acadêmico, classe,
corpo docente, administradores etc. —
contribui para o funcionamento do sistema
global?
A maioria das teorias funcionalistas postula
“necessidades ou “requisitos” do sistema.
Quando isso é feito, uma parte é examinada
com respeito a como se preenche uma
necessidade ou requisito do todo. Por
exemplo, muitos sistemas sociais têm
necessidades de tomar decisões, coordenar
pessoas e alocar recursos; portanto, se issO
constituísse um requisito básico, alguém
perguntaria: que partes do sistema
preenchem essas necessidades
relacionadas? E então nós explica ríamos
como uma parte específica—por exemplo, o
governO, se o nosso sistema central é uma
sociedade— funciona para preencher essa
necessidade básica.
Há muitos problemas com teorias
funcionalistas. Um dos mais importantes é
que elas freqüentemente vêem as
sociedades como demasiadamente bem
integradas e organizadas (Dahrendorf, 1958,
1959). Assim, se toda parte do sistema tem
uma função ou preenche uma necessidade,
as sociedades pareceriam ser máquinas de
movimento suave e bem lubrificadas. Todos
nós sabemos, é claro, que isso não é
verdade, pois o conflito e outros processos
“disfuncionais” também existem. Contudo,
teorias funcionalistas ainda têm um atrativo
porque elas nos levam a ver o universo
social, ou qualquer parte dele, como um todo
sistêmico cujos elementos constitutivos
funcionam em conjunto; ou seja, o
funcionamento de cada elemento tem
conseqüências sobre o funcionamento do
todo.
 
 
Teorias do conflito
 
Karl Marx e Max Weber foram as origens
intelectuais de teorias sobre o conflito,
embora outros sociólogos antigos também
vissem o mundo social segundo suas
contradições. Ao contrário das teorias
funcionalistas, que enfatizam a contribuição
das partes para um todo maior, as teorias do
conflito vêem os todos sociais cheios de
tensão e os contradições (Collins, 1975).
Embora haja muitas teorias distintas sobre o
conflito, todos partilham um ponto em
comum: a desigualdade é a força que move
o conflito; e o conflito é a dinâmica central
das relações humanas. De fato, seria difícil
não notar as tensões e os conflitos que
emanam da desigualdade. Por exemplo, em
sua aula de sociologia há uma contradição
inerente entre voce e seu professor sobre um
elemento básico: sua nota. O professor
controla a nota, e isso significa que ele tem
poder sobre você. Você está, então, numa
situação de grande desigualdade, e a tensão
está apenas sob a superfície. Se não
consegue a nota que você queria, você pode
ficar contrariado, e, se você pudesse, faria
algo para reverter a situação. A mesma força
básica funciona em todas as relações
sociais entre atores distintos, como
indivíduos, grupos étnicos, escritórios e
pessoal num escritório, classe social, ou
nações.
Ao olharmos ao redor de nossa própria
sociedade, vemos os efeitos da
desigualdade que a contradição produz em
todo lugar Os trabalhadores e gerentes nas
empresas freqüentemente estão inquietos;
as pessoas pobres agridem as pessoas
ricas; as mulheres se ressentem dos salários
mais altos e poder que os homens têm na
sociedade; as minorias étnicas se ressentem
com o status de “segunda classe” que lhes é
dado; e assim vai. Todas essas fontes de
contradição que se manifestam em formas
distintas de conflito—crime violento,
desordens, protestos, manifestaçoes, greves
e movimentos sociais — originam-se da
distribuição desigual de recursos valorizados
pelas sociedades, como dinheiro, poder,
prestígio, moradia, saúde e empregos. O
conflito é, portanto, uma contingência básica
da vida social; ele é potencialmente sentido
em todo lugar, desde as relações
interpessoais entre homens e mulheres,
passando pela exigência de interações entre
diferentes etnias, até os ressentimentos
contra o poder dos pais, professores e
empregadores.
 
 
Teorias íuteraccionistas
 
Ë bom falar sobre “partes”, “todos”,
“funções”, “desigualdades” e “conflitos”, mas
o que dizer das pessoas reais que devem se
encarar e lidar umas com as outras? As
teorias interacionistas tentam responder a
essa questão, como veremos em detalhe no
Capítulo 5 quando retornamos ao trabalho de
George Herbert Mead (1934, 1938) e todos
aqueles que foram seus discípulos. Por ora,
deixe-me esboçar a posição básica das
teorias interacionistas.
Os homens interagem emitindo símbolos —
palavras, expressões faciais, corporais, ou
qualquer sinal que “signifique” algo para os
outros e para mesmos (Goffman, 1959, 1961,
1967; J. Turner, 1988). Através de gestos
simbólicos, demonstramos nosso estado de
espírito, intenções e sentido da ação; e
contrariamente, pela leitura dos gestos dos
outros, obtemos um sentido do que eles
pensam e como eles se comportarão. Nós
podemos até mesmo fazer isso quando
outras pessoas não estão fisicamente
presentes — por exemplo, quando você
pensa em pedir mais dinheiro de um pai,
reclamar de uma nota dada por um professor
ou encantar alguém por quem esteja
interessado. Aqui há uma troca de gestos em
sua mente visto que você mentalmente
interage com essa pessoa. Assim, a vida
social está mediada por símbolos e gestos; e
usamos esses gestos para nos entendermos
uns com os outros, para criarmos imagens
de nós mesmos e das situações e
construirmos uma idéia de situações futuras
ou desejadas.
Para os interacionistas, então, a explicação
da realidade social deve emanar da
investigação meticulosa do micromundo dos
indivíduos que mutuamente interpretam os
gestos, que constroem as imagens de si
próprios e definem as situações segundo
certos princípios (Blumer, 1969; Stryker,
1980). As macro ou grandes estruturas da
sociedade — o Estado, a economia, a
estratificação e similares — são construídos
e sustentados por microinterações (Collins,
1981, 1986); e para os interacionistas seria
impossível entender o mundo social sem
investigar esses encontros no micronível.
Pense nos seus gestos e nos das pessoas
que estão ao seu redor numa sala de aula,
por exemplo. Ao caminhar em direção à sua
cadeira, como se desvia de seus colegas,
como seus colegas se comportam — antes
ou durante as aulas — e, também, os meios
pelos quais os professores tentam se fazer
entender Portanto, uma sala de aula
“estruturada” está repleta de gestos,
interpretação e reinterpretação, e situações
definidas na perspectiva interacionista; você
não é uma “abelha operária” que
obrigatoriamente segue o roteiro de conduta
de uma sala de aula (embora isso seja
certamente relevante), porque você está
constantemente emitindo sinais e
interpretando a fim de transformar e, às
vezes, criar novos roteiros para a interação.
Dessa forma, o interacionismo é contrário às
tendências que tomam a “estrutura” e a
“cultura” como exteriores aos atores sociais,
tratando-os como robôs.
 
 
 
Teorias Utilitaristas
 
Esse conjunto final de teorias fornece
hipóteses para a compreensão dos homens
da moderna economia, que, por sua vez,
adotavam as idéias centrais dos filósofos
escoceses, tais como Adam Smith (1776)
durante a Era da Razão (Camic, 1979). Aos
olhos dos teóricos utilitaristas, os homens
são racionais até o ponto em que eles têm
objetivos e finalidades; eles calculam os
custos de várias alternativas para atingir
esses objetivos e escolher a alternativa que
maximize seus benefícios (ou o que os
economistas chamam de “utilidade”) e
minimizar seus custos. Dessa forma, nós
somos seres que tentam tirar algum proveito
de uma situação, ao reduzirmos nossos
custos (Ilechter, 1987; Coleman, 1991). Por
exemplo, você pode calcular quanto trabalho
você está disposto a dispender (seu “custo”)
a fim de receber determinada nota (seu
“benefício”) neste curso ou, se eu posso ser
idealista por um momento, conhecimentos
que você pode usar durante toda a sua vida
(a longo prazo, um benefício muito mais
compensador). Assim, todas as situações
envolvem uma “troca” de recursos: você abre
mão de alguns recursos (seu custo) a fim de
receber algo que você percebe ser mais
valioso (sua utilidade).
Assim, para os teóricos do utilitarismo, todas
as relações sociais são, em última análise,
trocas entre atores que incluem custos a fim
de obter benefícios uns dos outros, ou seja,
que calculam a relação custo-benefício. Seu
professor incorre num custo (energia e
tempo para preparar as aulas, conversar com
os alunos, correção de provas etc.) a fim de
receber um salário (da universidade) e,
talvez, sua lealdade e admiração. Da mesma
forma, você vai as aulas, lê, pensa e se
submete às pmvas (seus custos) para
receber notas, conhecimento, e talvez uma
mesada de alguém como seus pais (seus
benefícios ou utilidades). Nós não fazemos
os cálculos conscientemente, na maioria das
vezes eles estão implícitos. Apenas quando
não temos certeza do que fazer numa
determinada situação é que tomamos
consciência dos cálculos flexíveis de custo-
benefício. Mas, finalmente, os utilitaristas
argumentam que em instituições escolares
você troca tempo, energia e dinheiro por
notas, diplomas e conhecimento, que você
calcula serem ainda mais valiosos do que
vias alternatix’as para dispender seu tempo,
energia e dinheiro.
Para os teóricos do utilitarismo, a interação,
a sociedade e a cultura são finalmente
criadas e sustentadas porque elas oferecem
bons resultados para indivíduos racionais.
Esses resultados raramente são monetários;
em geral, eles são “posses” menos tangíveis
—​sentimentos pessoais, afeição, orgulho,
estima, poder, controle e outras moedas
“suaves” que estruturam a sociedade. Pode-
se ver isso simplesmente observando uma
situação em que você ficou zangado ou feriu
seus sentimentos; em tal situação, uma
recompensa (freqüentemente não
monetária) não foi recebida
proporcionalmente ao seu custo e
investimento; esse fato indica que, sob a
superfície de seus sentimentos, estão
implícitos cálculos sobre custos e
recompensas.
 
 
A Situação Atual da Teoria Sociológica
 
Há muitas variantes específicas dessas
perspectivas teóricas. Encontraremos
algumas delas à medida que avançarmos na
questão da sociologia. Do ponto de vista da
ciência, seria bom ter teorias mais centradas
e precisas que tenham sido
sistematicamente testadas e que agora
organizariam essa introdução à sociologia.
Mas isso não vem ao caso. Muitos
sociólogos não acreditam que isso possa ou
deveria ser o caso (Seidman e Wagner,
1992). Ao contrário, as teorias sociológicas
atuais podem apenas nos ajudar a interpretar
aspectos específicos do mundo social, e
então para o presente nossas teorias não
são como aquelas das “hard sciences”
(Giddens, 1971, 1976, 1984).
A sociologia tem muitas partes de teoria,
tipicamente inspiradas pelos fundadores,
mas a maioria não foi sistematicamente
testada e aceita como a melhor explicação
do mundo social. Para alguns, os objetivos
da ciência na sociologia são ilusórios, e o
sonho de Comte de uma ciência da
sociedade é apenas um sonho. Para muitos
outros, a sociologia ainda não se tornou uma
ciência madura, mas seu potencial está
presente nas idéias teóricas que foram
elaboradas através destas quatro
perspectivas: funcionalista, de conflito,
interacionista e utilitarista. Além disso, há
muitas teorias “menores” ligadas a essas
quatro e outras propostas mais genéricas,
que nos ajudam a entender muitos
processos sociais, como veremos.
A sociologia, como as demais ciências,
passa hoje por uma crise provocada pelas
transformações que estão atingindo o
contexto social da vida humana. E uma
realidade de mudanças confusas e, às vezes,
incontroláveis, que provocam a alteração do
papel social da mulher, modificam as
relações de trabalho, fortalecem o sistema
capitalista e aumentam a flexibilidade no
gerenciamento. A globalização une os
espaços e varre as distâncias, modificando o
papel do Estado-Nação e o comportamento
das classes sociais. Essa nova ordem social
exige o repensar das categorias
sociológicas. Diz lanni (1997:14): “Diante das
metamorfoses do objeto da sociologia, a
teoria logo se vê desafiada, posta em causa
no que se refere a conceitos e
interpretações. Não se trata apenas de
acomodar e reformular conceitos e
interpretações. Trata-se de repensar alguns
fundamentos da própria reflexao sociológica.
Há metamorfoses do objeto da sociologia
que desafiam as categorias de tempo e
espaço, micro e macro, holismo e
individualismo, sincronia e diacronia,
continuidade e descontinuidade, ruptura e
transformações. Nesse contexto, algumas
categorias básicas da reflexão sociológica
abalam-se, parecem declinar ou emergem,
desafiando a imaginação”. Para Ianni, talvez
um dos maiores expoentes da Sociologia
brasileira, a crise dos paradigmas provocada
pela metamorfose das relações sociais força
um repensar das análises e categorias
sociológicas.
 
 
MÉTODOS NA SOCIOLOGIA
 
Na ciência, os dados no mundo real
precisam ser sistemática e cuidadosamente
coletados para que os procedimentos
possam ser confirmados por alguém. F’ois,
se nós simplesmente descrevemos alguns
dados sem dizer aos outros conto e por quc
esses dados foram coletados, ninguém pode
nos checar para ver se os nossos “fatos” são
realmente verdadeiros. Assim, na ciencia
uma proposta de procedimento comum — o
n11’tl)llo cít’uttWco — direciona a pesquisa,
ou a coleta e análise de informações sobre o
mundo.
O método científico é freqüentemente
percebido quando há etapas ou passos, mas
não deveríamos nos deixar influenciar
demais passando a ver a ciência como uma
marcha para a Verdade e o conhecimento.
Melhor, a prática da ciência, ou a pesquisa,
científica depende simplesmente da
conformidade a algumas regras (Babbie,
1992).
O  primeiro passo é a formulação de
problemas, a problemática da pesquisa, ou o
que se está tentando descobrir Isso pode
soar óbvio, mas é fundamental porque é
preciso delimitar o foco da pesquisa. Caso
contrário, andaremos em círculo durante a
coleta de dados. Na ciência, as
problemáticas de pesquisa são
freqüentemente ditadas por uma teoria e um
desejo de ver se a teoria é aceitável. Na
sociologia bem como nas cienctas mais
avançadas, as razões de uma pesquisa vão
além da simples verificação de teorias. Uma
razão para começar uma pesquisa é
simplesmente a curiosidade sobre algum
aspecto do mundo. Outra é o desejo de um
cliente — uma agência governamental, uma
corporação, uma instituição de caridade —
de obter informações sobre determinado
tema. Ainda outra é que uma pesquisa de
caráter exploratório revela lacunas em nosso
conhecimento, ou estimula novas questões.
Assim, enquanto a visão idealizada da
ciência veria toda a pesquisa como guiada
pela teoria, a realidade é bem diferente. Há
muitas outras razões para se desenvolver
uma pesquisa, e o método científico pode ser
facilmente adaptado a elas.
Um outro tópico importante no
desenvolvimento da pesquisa é a questão do
que o pesquisador espera encontrar E
sempre conveniente formular uma hipótese,
a qual pode ser criada a partir de uma teoria,
mas não obrigatoriamente sobre os
resultados esperados. Dessa forma, os
pesquisadores têm um critério ou padrão
com o qual confrontar suas descobertas.
Sem uma hipótese para orientar a coleta e
análise de dados, ou pelo menos uma vaga
idéia sobre o que é provável de ser
encontrado, fica mais difícil centralizar
esforços; de fato, reuniríamos informações
desnecessárias, ou até mesmo irrelevantes
em relação à problemática da pesquisa.
Finalmente, depois de expor um problema e
suas expectativas em relação a ele, um plano
de pesquisa é construído. Esse plano reúne o
conjunto de procedimentos ou técnicas para
a coleta de informações visto que se
relaciona com a problemática de pesquisa e
hipóteses de alguém. Há muitos tipos
básicos de técnicas, mas todas elas tentam
expor claramente como a informação deve
ser coletada. A escolha de uma técnica
depende de muitos fatores — a natureza da
problemática, a verba disponível e as
preferências do pesquisador. Na sociologia,
há quatro tipos básicos de técnicas ou
procedimentos empregados na pesquisa: (1)
experimentos, (2) levantamentos, (3)
observações; e (4) histórias. Cada um é
brevemente resumido a seguir.
 
 
Experimentos
 
A idéia por trás de um experimento é testar o
efeito de um fenômeno particular em algum
aspecto do mundo social, tipicamente as
respostas das pessoas aos estímulos ou
situação específicos. O ingrediente-chave de
um experimento é o controle das influências
externas que contaminariam a avaliação dos
pesquisadores dos efeitos dos estímulos
centrais de uma situaçao. No clássico
procedimento experimental, isso é
conseguido com dois grupos:
(1)0 grupo experimental, o qual recebe o
estímulo ou é exposto a uma situação de
interesse; e (2) o grupo de controle, o qual
não recebe o estímulo ou não é exposto à
situação. As diferenças entre os dois grupos
permitem que o investigador determine
quanto o estímulo ou a situação afetou os
indivíduos. Esse esquema clássico é
raramente usado na sociologia, mas o
objetivo de controlar as influências externas
ainda orienta a pesquisa. Um procedimento
experimental mais típico na sociologia isola
os indivíduos do mundo externo, e então
observa suas respostas a um estímulo ou a
uma situação particular de interesse para os
investigadores. Isolando temporariamente os
indivíduos, algum controle sobre as
influências externas éconseguido e torna-se
possível registrar as respostas das pessoas
a um estímulo ou situação. Por exemplo,
digamos que queremos examinar os efeitos
de colocar indivíduos numa situação de
poder Nós isolaríamos um grupo de
indivíduos num laboratório, planejaríamos
uma tarefa para eles executarem, e
criaríamos uma situação em que um
indivíduo tivesse poder Observando e
relatando as respostas, poderíamos
examinar os efeitos de ter poder Assim éa
natureza dos experimentos na sociologia.
 
 
Levantamento
 
A técnica de pesquisa mais usual na
sociologia são os levantamentos, em que as
pessoas são indagadas sobre um tema de
interesse do pesquisador (Rossi et ai., 1985).
Essas perguntas podem ser feitas por um
entrevistador que se senta com o
entrevistado ou, mais tipicamente, por um
questionário que o entrevistado
simplesmente preenche. A validade dessa
técnica depende de alguns fatores. Primeiro,
os entrevistados são a população inteira de
interesse ou, mais habitualmente, uma
amostra representativa desta população?
Segundo, todos os entrevistados concordam
em responder as perguntas? Terceiro, os
entrevistados respondem precisamente às
mesmas perguntas? Porém, na prática, esses
três aspectos são geralmente difíceis de ser
congregados. Pode ser impossível de
perguntar a toda a população, ou ela pode
ser de difícil acesso. Pode ser difícil de
conseguir que todos respondam, porque
estão ocupados, desinteressados,
esquecidos, ou até mesmo adversos a
intromissões em suas vidas. Pode ser que
itens de um questionário sejam interpretados
diferentemente pelos vários entrevistados,
ou, em se tratando de entrevistas, os
entrevistadores façam as perguntas num
tqm diferente ou a “química” da interação
entre o entrevistador e o entrevistado
produza respostas diferentes. Se as
amostras são suficientemente grandes,
muitos desses problemas são eliminados, ou
se neutralizam. Contudo, ao ser usada
extensivamente, essa técnica revela outros
prohlemas (Cicourel, 1964): ela revela
apenas o que as pessoas dizem, não o que
elas podem realmente pensar e fazer;
estrutura as respostas dos entrevistados em
vez de deixar que eles se comuniquem àsua
maneira; fica facilmente sujeita a mentiras e
deturpações; não examina facilmente os
fenômenos que não podem ser confrontados
com perguntas. Os sociólogos, entretanto,
empreendem essa técnica, porque é
rapidamente administrada e favorável à
aplicação de estatística (Collins, 1984;
Lieberson, 1985, 1992). Além disso, os
sociólogos estão freqüentemente
interessados no que as pessoas pensam,
sentem e acreditam; e uma entrevista ou
questionário é uma maneira relativamente
fácil de conseguir conhecimentos,
percepções, sentimentos e emoções
superficialmente.
 
 
Observações
 
Às vezes o melhor é deixar os limites do
laboratório experimental, desprezar o
questionário, e sair entre as pessoas em
situações da vida real e observar o que elas
estão realmente fazendo. A técnica das
observações faz exatamente isso (Whyte e
Whyte, 1984; Whyte, 1989): ela coloca o
pesquisador numa situação “natural”, na qual
ele observa e toma nota do que vê. Nesse
caso, nuanças, contexto, interações, histórias
e relações entre os acontecimentos podem
ser descobertos. Uma das técnicas de
observação é a observação participante, em
que o pesquisador realmente se torna um
membro do grupo, organização ou
comunidade que está sendo estudada. Como
tal, o observador, além de estar mais
intimamente envolvido, pode realmente
perceber o mundo de uma maneira
semelhante àquela que observa. Outro tipo
de técnica de observação é a observação
discreta, em que o pesquisador nao participa
diretamente como um membro, limitando-se
a observar o que está acontecendo. Esse tipo
de procedimento perde um pouco da
intimidade e percepção possíveis na
observação participante, mas, em
contrapartida, diminui a possibilidade de
influências que pode causar a presença do
pesquisador no desenrolar dos
acontecimentos e, conseqüentemente, nos
dados coletados para a pesquisa.
Freqüentemente, a observação antecede os
levantamentos, porque ela possibilita a
formulação de questões que sejam
compreensíveis para os entrevistados. A
grande vantagem da técnica da observação é
que se está investigando o mundo real, não
as construções artificiais dos procedimentos
experimentais, ou as perguntas de
questionarios e entrevistas (Whyte, 1989). A
grande desvantagem, entretanto, é que os
pesquisadores podem ver coisas distintas
segundo suas subjetividades. Além disso,
estudos por observação dificultam a
confirmação de que ocorre efetivamente o
que o pesquisador diz que ocorre, porque o
grupo pode se extinguir, ou porque diferentes
pesquisadores observam ou estimulam
respostas de formas diferentes.
 
 
Levantamento Histórico
 
As vezes queremos saber o que aconteceu
no passado. Pode-se, é claro, perguntar às
pessoas nas entrevistas sobre seu passado,
mas geralmente queremos observar a longos
alcances da história. É nesse ponto que a
história e a sociologia convergem. Todos os
fundadores da sociologia — Spencer, Marx e
Weber, em particular — usaram a História
para desenvolver ou ilustrar suas idéias; e
em décadas recentes ressurgiu o interesse
pelo levantamento historico para verificar e
ilustrar teorias, ou para descrever o
encadeamento dos acontecimentos nas
sociedades passadas. A pesquisa histórica
pode extrair seus dados da pesquisa prévia
de historiadores que investigaram arquivos
empoeirados, ou dos dados dos arqueólogos
que “escavaram” o passado; e, em outras
épocas, os sociólogos vão eles próprios aos
registros ou ao sítio arqueológico. A
diferença principal entre a história e a
sociologia histórica é que, na maioria dos
casos, a pesquisa sociológica está
interessada em usar a historia para verificar
ou ilustrar uma teoria mais genérica, ao
passo que o historiador busca apenas
descrever os fatos de uma época específica
no passado. Embora isso seja uma distinção
vaga, captura o sentido das diferenças entre
a história e a sociologia. O grande problema
em usar os registros históricos é que eles
sempre estão incompletos e sujeitos a
diferentes interpretações (as quais, é claro,
garantem “empregos” aos historiadores); e,
como conseqüência, a história raramente
pode fornecer uma “prova” definitiva e
conclusiva de uma idéia teoruca.
Uma vez que os dados são coletados por
uma dessas técnicas de pesquisa, eles são
submetidos à análise. O tipo de análise
depende da técnica de pesquisa e da
natureza dos dados, mas o objetivo é ser
meticuloso, sistemático e imparcial. Da
análise virão nossas conclusões sobre o que
descobrimos; e, portanto, seria melhor
estarmos atentos, pois outros nos tomarão
como ponto de partida e, conseqüentemente,
verificarão nossas conclusões.
E um passo final no método científico é
avaliar a aceitabilidade da hipótese ou, se
hipóteses não foram oferecidas, indicar o
que os dados nos informam sobre os
fenômenos estudados.
 
avaliar a aceitabilidade de:
 
‘Ir Teoria nova ou existente
 
 
\      Formular uma
Interesses
dos clientes ~ problemática —ø. de pesquisa
Conjunto de / dados tornecidos pela
pesquisa
 
 
 
Figura 2.1 Elementos do método científico.
 
Esses passos podem parecer simples bom
senso, mas sao muito mais: eles nos
obrigam a ser sistemáticos, permanecer
imparciais (ou pelo menos reduzir nossos
preconceitos) e deixar outros saberem o que
descobrimos e como descobrimos. Sem as
diretrizes do método científico, não
poderíamos acreditar nas descobertas um
do outro e não saberíamos como x’erificá-las
e reavaliá-las. Disso resultaria um
conhecimento por “puro acaso” e geralmente
inexato; e não acumularíamos
conhecimentos válidos sobre o mundo.
 
 
A cIÊNcIA EXCLUI O HUMANISMO?
 
Meus colegas sociólogos geralmente
proclamam que a sociologia é “uma forma
de arte
A idéia genérica é que os sociólogos
deveriam parar de aplicar questionários
impessoais e, em vez disso, entrarem
contato com os trabalhos reais das pessoas.
Outrossim, deveríamos usar nossa intuição
tanto quanto nosso intelecto para extrair
informação sobre o mundo. O dever da
sociologia de usar idéias conceituais
genéricas é defendido, mas só quando essas
idéias são influenciadas pela nossa
participação ativa com pessoas em
situações da vida real. Sabendo de antemão
os interesses, dilemas, problemas e
frustrações dos indivíduos na sociedade,
podemos usar nosso conhecimento teórico
para ajudá-los e tornar suas vidas melhores e
mais satisfatórias. Os sociólogos que
defendem essa opinião acreditam que sua
missão é diagnosticar as fontes de tensão
entre os indivíduos que prejudicam a
organização social e então sugerir possíveis
soluções.
Muitos sociólogos profissionais dedicaram-
se primeiramente à sociologia por razões
humanitárias. Eles sentiam que certas
condições sociais estavam erradas —
discriminação sexual e étnica, a riqueza
confrontada com a miséria, infelicidade e
alienação, e outros males sociais — e
queriam minimizar esses males. Afinal, essa
foi certamente a motivação de Karl Marx e
muitos outros sociólogos. Eles queriam
ajudar as pessoas e fazer um mundo melhor.
Do técnico mais meticuloso ao teórico mais
criativo e conceituado, encontramos
motivações humanistas. E claro, esse fato
significa que há sempre uma ideologia
rondando
o pensamento de um sociólogo. Às vezes
esta ideologia é explicitamente defendida,
mas implícita ou explícita, a maioria dos
sociólogos realmente defende opiniões
sobre “o que está errado com a sociedade” e
uma proposta genérica para “o que deveria
ser feito a fim de resolver esses problemas”.
E verdade que ao mesmo tempo que somos
realistas reconhe​ cemos que é impossível
moldar a sociedade à nossa vontade e ardor.
Além disso, reconhecemos as tendências de
nosso pensamento, e tentamos evitá-las ao
“fazer ciência”. De fato, algo geralmente
acontece aos sociólogos durante o percurso
acadêmico, especialmente quando estão a
caminho de um doutoramento. De alguma
forma, as motivações humanistas e o fervor
ideológico recuam cedendo lugar às
habilidades técnicas e ao profissionalismo
acadêmico. Uma conseqüência disso é que
os estudiosos que permanecem abertamente
humanistas e partidários tendem a ver os
experimentos, estatísticas, métodos
científicos imparciais e teoria genérica como
o “inimigo” número um dos seus conceitos
mais práticos. Eles tendem a ver a teoria e os
métodos como uma negação tanto das suas
intuições nas situações estudadas quanto de
seu desejo em ajudar as pessoas.
Esse abismo aparentemente intransponível
entre a intuição, por um lado, e a pesquisa,
por outro, é desnecessário. Nossas idéias,
sentimentos e intuições são fontes
maravilhosas de dados sociológicos. Embora
geralmente enfatizemos os problemas
metodológicos de tais dados — preconceitos
e julgamentos pessoais, impossibilidade de
verificação empírica, por exemplo—,
deveríamos também reconhecer a grande
vantagem que eles nos dão sobre os
cientistas naturais. Visto que somos homens
estudando homens e suas estruturas de
organização social, podemos usar nossa
intuição para obter informação. Nós
geralmente temos profunda intimidade com
a nossa matéria numa medida que um
geólogo ou um tisico nunca pode ter. Em
resumo, nossa intuição e nosso sentimento
podem nos dar uma verdadeira percepção
sobre o que está acontecendo. Contudo, não
deveríamos ir fundo nessa questão, como
muitos sociólogos fazem.
Nossa intuição pode estar errada, ou apenas
parcialmente certa. E se propomos soluções
baseadas em informações incorretas ou
partidárias (isto é, naquilo que pensamos
que dt’z’crio ocorrer), podemos,
potencialmente, fazer mais mal do que bem.
De fato, podemos machucar as pessoas e
criar situações sociais ainda mais difíceis
para aqueles que estamos tentando ajudar.
Assim, precisamos qualificar o nosso
entusiasmo pela intuição e pela informação,
reunidas e interpretadas à luz de nossas
experiências reais na esfera social. Nós não
deveríamos desprezar essa vantagem
intuitiva ou suprimi-la, tampouco deveríamos
reprimir nossos interesses humanistas e
desejos de ajudar as pessoas e fazer um
mundo melhor Mas precisamos
complementar isso. Essa complementação
surge com o reconhecimento de que a
ciência é o que pode mobilizar e canalizar a
intuição e os preconceitos ideológicos com
finalidades construtivas.
Se queremos exercitar nosso humanismo —
e esse motivo é o que faz a maioria de nós
se iniciarem sociologia—, precisamos ser
hábeis ao reunirmos e interpretarmos
informação sobre as situações que
queremos mudar e sobre as pessoas que
queremos ajudar. Nós também precisamos
entender por que e conto as situações
funcionam. E precisamos ser capazes de
antecipar as conseqüências de quaisquer
mudanças que iniciamos e coletar
informação precisa dessas mudanças. Nós
não podemos confiar na intuição e em
nossas ideologias pessoais nessas
questões. Nós precisamos de teoria que
tenha contrariado esforços para contestá-la
para nos dizer como e por que as coisas
funcionam, e precisamos usar essa teoria
determinando o que precisa ser feito para
melhorar uma situação. Nós também
precisaremos coletar informação precisa e
analisá-la cuidadosamente para saber
exatamente o que existe numa situação e
exatamente quais são as conseqüências de
nossas ações teoricamente concebidas.
Se não temos teoria, não temos estrutura
para entender e interpretar o mundo social.
Daí, não sabemos o que fizemos ou o que
esperar. Se não temos métodos, não
podemos ter confiança em nossas teorias,
visto que elas não foram verificadas
empiricamente, e não podemos saber
exatamente o que precisa ser mudado numa
dada situação. Nós podemos usar nossa
familiaridade com uma situação e nossa
intuição criativa para fazer valer teorias
importantes e desenvolver formas
sistemáticas de coletar informação. Mas
nossa intuição não pode substituir a teoria,
métodos meticulosamente construídos e
análise detalhada. Por isso a ciência é uma
importante ferramenta para aproximar as
questões sociais e os problemas de
interesse dos humanistas.
 
 
SOCIOLOGIA CIENTÍFICA E ENGENHARIA
SOCIAL
 
Como mencionei no Capítulo 1, o fundador
da sociologia, Auguste Comte, acreditava
que uma ciência da sociedade pudesse servir
para melhorar uma sociedade. Ele observou
que, se a sociologia podia desenvolver e
provar leis teóricas como aquelas nas
ciências físicas e biológicas, seria possível
alcançar um nível de entendimento sobre a
organização humana que facilitaria a
construção de novas formas sociais. Assim,
Comte viu que a ciência e o humanismo não
são opostos: uma vez que haja entendimento
de como e por que o mundo social funciona,
esse conhecimento pode ser usado para
construir um mundo melhor. Em estilos
inteiramente diferentes, Karl Marx e Émile
Durkheim sentiam da mesma forma. Eles
desejavam usar seus conhecimentos
conceituais de como o mundo funciona para
coustruir unta sociedade melhor.
Palavras como “construir” fazem pensar em
engenharia social, em controle social, em um
mundo orwelliano do “Big Brother”, em uma
sociedade tecnocrata estúpida e sem vida. A
engenharia é boa, muitos argumentariam,
contanto que a utilizemos para construir
pontes e estradas. Mas a engenharia livre do
conhecimento teórico cria coisas como
bombas nucleares e outros artifícios
potencialmente prejudiciais. Esses “medos”
da engenharia sao, é claro, bem
fundamentados. Mas poderia ser
argumentado que os usos nocivos da
engenharia são o resultado da organização
em formas societárias que os encorajam e
sustentam. Se soubéssemos mais a respeito
do universo social, seríamos mais bem
capacitados para limitar o mau uso do
conhecimento. Por outro lado, entretanto,
usaríamos mal o conhecimento da
organização social para criar coisas ainda
mais monstruosas.
Essa questão é discutível. O
desenvolvimento da teoria e do uso de
métodos de pesquisa vai produzir mais
conhecimento sobre o funcionamento do
mundo social. Esse conhecimento — até
mesmo em seu atual estado bruto — vai ser
usado para a engenharia social (Hunt, 1985).
Nós chamamos a engenharia social por
outros nomes na sociologia —as vezes de
prática sociológica, em outras ocasiões de
sociologia clínica e de sociologia aplicada —
visto que o título “engenharia social” tem
conotações negativas. Mas deveríamos
saber o que esses títulos mais positivos
significam: são esforços para se construir
certos tipos de relações sociais que usam
idéias teóricas e descobertas de pesquisa.
Como toda
engenharia, ela pode ser usada para fins
bons e maus — devendo “bom~~ e “mau”, é
claro, ser definidos. Assim, não deveríamos
ver a sociologia científica como uma
atividade misteriosa e secreta, pois na
realidade está sendo usada para mudar
nossas vidas diárias; e é provável que seja
usada ainda mais no futuro.
 
 
RESUMO
 
1. A ciência é o esforço sistemático para
compreen~er o universo, partindo de
idéias teóricas que receberam sólido apoio
com pesquisas meticulosamente
desenvolvidas.
2. A teoria é, definitivamente, o veículo
para se entender o universo, e revela duas
características distintas: (a) abstração e
generalidade; e (b)
experimentação/empirismo. Acumula-se
conhecimento quando as teorias
abstratas são verificadas e confirmadas.
3. A teoria na sociologia não é tão bem
desenvolvida como nas ciências naturais.
Atualmente, quatro perspectivas teóricas
genéricas orientam a teoria na sociologia:
(a) o funcionalismo, em que o interesse é
compreender como os fenômenos sociais
funcionam a fim de atenderas
necessidades do todo social no qual eles
estão inseridos; (b) teorias do conflito, em
que a ênfase está nos efeitos de
desigualdades que produzem conflito; (c)
o interacionismo, em que a atenção está
voltada para o uso de gestos na
comunicação face a face e adaptações de
indivíduos um para com o outro; e (d) o
utilitarismo, em que a ênfase está no
cálculo de custos-benefícios na busca dos
objetivos.
4. os dados no mundo empírico são
coletados sistematicamente de acordo
com os dogmas do método científico.
Esses dogmas incluem: (a) estabelecer
uma problemática de pesquisa; (b)
formular uma hipótese; (c) coletar dados
ou promover experimentos, entrevistas e
questionários, observações ou
levantamento histórico; (d) analisar os
dados; e (e) tirar conclusões com respeito
à validade da teoria, pesquisa exploratória,
ou interesses particulares de um cliente.
3. Os julgamentos preconcebidos quando
os homens estudam os homens também
permitem à ciência social uma vantagem:
temos uma familiaridade intuitiva com
nossos objetos de estudo.
6. O acúmulo de conhecimento
sociológico será usado para construir e
reconstruir as relações sociais. Tais
esforços não são obrigatoriamente anti-
humanistas; na verdade, eles podem ser
feitos em nome do humanismo. Daí, a
ciência e o humanismo não serem, por
definição, contradi tórios.
 
UM MUNDO DE SÍMBOLOS
 
Os homens, assim como outros animais,
podem fazer algo surpreendente: podem
representar facetas do mundo, suas
experiências e praticamente qualquer coisa
com sinais arbitrários. Nós chamamos esses
sinais de símbolos quando as pessoas
chegam a um consenso quanto ao que um
sinal significa e o que representa. As
palavras que você está agora lendo são
sinais (marcas pretas numa página) com
cujo significado nós concordamos; e daí
cada palavra é um símbolo. Essas palavras
são organizadas em sentenças, parágrafos e
capítulos. Elas são parte de um sistema
organizado de símbolos.
O que é verdadeiro no caso da língua é
verdadeiro para quase tudo o que podemos
pensar. Bandeiras, cruzes, punhos fechados,
franzir as sobrancelhas, livros, bíblias e pro​

gramas de computador, todos são sinais que
carregam significados combinados. Em
geral, eles pertencem a sistemas de
símbolos, pois eles invocam outros símbolos
e significados relacionados. É através de tais
sistemas de símbolos que lembramos do
passado, tomamos conhecimento do
presente e prevemos o futuro. Sem essa
capacidade surpreendente, nosso mundo
seria feito de impressões banais e
irrelevantes. Nós seríamos escravizados no
aqui e agora. Não teríamos a música, a arte,
a matemática, a piada, o juramento, a leitura,
a adoração, ou quaisquer outras coisas que
nós, como homens, aceitamos como
verdade. Nossa vida seria chata e rotineira,
mas não “saberíamos” isso, visto que
seríamos incapazes de representá​ la com
símbolos.
Podemos perceber o significado dos
sistemas de símbolos observando as
formigas e outros insetos sociais, como
cupins e abelhas. Nós os chamamos de
“social” porque eles sao organizados, mas
eles o são segundo informações muito
diferentes daquelas dos nossos sistemas de
símbolos. As informações que orientam
esses insetos e sua conduta estão
codificadas nos genes de seus
cromossomos. Dessa forma seu lugar e
função na sociedade sao predeterminados e
geneticamente organizados (embora todos
os organismos se adaptem às peculiaridades
de seu meio ambiente).
Os sistemas de símbolos humanos não são
geneticamente programados. Eles são
criados no imaginário, usados e
transformados à medida que nos
defrontamos uns com os outros e com as
condições de nosso meio ambiente. Mas, na
prática, eles equivalem aos códigos
genéticos dos insetos sociais, pois eles
moldam nossas ações e, sobretudo, nossos
padrões de organização social. O conjunto
desses sistemas de símbolos de uma
população humana é geralmente
denominado pelos sociólogos de cultura
(Kroeber e Kluckhohn, 1973; Parsons, 1951).
No dia-a-dia, freqüentemente usamos o
termo cultura para nos referirmos a outras
coisas, como um bom vinho, um bom whisky,
um tempero gostoso ou uma cerveja
especial, mas isso em si não é cultura, e sim
produtos materiais cuja existência é
decorrente da cultura. Trata-se de coisas
criadas simbolicamente a fim de organizar
as pessoas para produzirem novas coisas.
Todavia esses produtos também podem ser
símbolos culturais em si mesmos se eles
“dizem algo” sobre nós aos outros. Então,
servir uma cerveja especial e não uma marca
qualquer pode significar algo, ainda que de
maneira sutil, em sua relação com os outros,
assim como dirigir um automóvel Mercedes-
Benz, Lexus ou BMW. Dessa forma, os
produtos culturais (que resultam de símbolos
culturais, quando eles organizam a
produção) podem se tornar símbolos e
influenciar o comportamento, a interação e a
organização entre as pessoas.
 
 
Eu devo, agora, acrescentar uma observação
de advertência e qualificação: essa ênfase
na cultura como sistemas de simbolos não é
universalmente aceita. Há muitas definições
diversas de cultura (Kroeber e Kluckhohn,
1973), e alguns querem ver a cultura como a
soma total de todas as criações humanas
(Singer, 1968): símbolos, artefatos materiais
e formas de organização. Quando essa
definição mais global é usada, então uma
distinção entre a cultura material (artefatos
físicos) e a cultura não-material (sistemas de
símbolos e modos de comportamento) é às
vezes formulada. Entretanto, empregarei um
uso mais restrito, mas é importante estar
consciente de que não há uma definição
úníca da cultura nas ciências sociais
(Gilmore, 1992).
Assim, o ponto de vista enfatizado aqui
salienta o fato de que nosso mundo
éconstruído e mediado por símbolos.
Praticamente tudo o que experimentamos,
fazemos, desejamos e vemos está preso a
símbolos. Assim, entender a nós mesmos e o
mundo social mais amplo requer um
conhecimento maior da cultura. Nós
precisamos reconhecer que os simbolos
estruturam nosso mundo, embora em menor
medida do que no caso das formigas, das
abelhas e dos cupins geneticamente pré-
programados. Em resumo, não deveríamos
subestimar o poder dos simbolos culturais
para ditar nossas percepções, nossos
conhecimentos e nossos comportamentos,
tampouco deveríamos superestimar seu
poder Os homens os criam e podem recriá-
los à medida que transformam suas relações
uns com os outros quando reorganizam seus
mundos sociais ou quando lidam com novas
condições ambientais.
Essa perspectiva pode oferecer subsídios
para uma certa compreensão da cultura
brasileira. Se analisarmos a sociedade
brasileira, podemos perceber as
transformações dos últimos cinqüenta anos.
Entretanto, ainda estamos saindo da cultura
de favores marcada por traços autoritários,
em que predominam o coronelismo e o
populismo, para uma cultura de direitos, com
ênfase nos valores da cidade e da
democracia. Souza Neto (1993) destaca a
trajetória dessas mudanças sociais nas
conquistas das crianças e dos adolescentes
no Brasil e no mundo.
 
 
SÍMBOLOS E SOCIEDADE
 
De certo modo, a cultura e seus produtos são
simples recursos que nos possibilitam fazer
as coisas. Sem a linguagem, nossa
comunicação é limitada. Sem a tecnologia
(informação sobre como manipular o meio
ambiente) não poderíamos comer e nos
abrigar. Os simbolos, então, intermedeiam
nossa adaptação ao meio ambiente, nossa
interação com os outros, nossa interpretação
de vivências e nossa própria organização em
grupos.
Entretanto, os simbolos são mais que uma
intermediação conveniente. Também nos
dizem o que fazer, pensar e perceber
Parafraseando Marshall McCluhan, nossa
mediação simbólica também carrega uma
mensagem, ou um conjunto de instruções.
Como vimos, eles não nos acorrentam da
mesma forma que a informação nos genes
das formigas, abelhas e cupins, mas
realmente limitam nossas opções. Até
mesmo um recurso simbólico
aparentemente neutro como a língua carrega
uma mensagem escondida (Hall, 1959). Por
exemplo, a língua dos norte-americanos
nativos Hopi difere do inglês no sentido em
que trata a noção de tempo (Carroll, 1956).
Em inglês, “tempo”é um substantivo, que
significa que pode ser modificado — morto,
economizado, gasto, perdido, desperdiçado.
(Por exemplo, você pode estar passando
“tempos difíceis” lendo meu livro, ou você
pode considerar tudo isso “um desperdício
de tempo”. Mas para os Hopi, “tempo”é um
verbo e como tal não pode ser modificado ou
manipulado como um substantivo; o tempo
simplesmente flui e os homens seguem esse
caminho. (Um Hopi provavelmente
reclamaria menos deste livro.) Assim, as
respectivas opiniões da pessoa que fala hopi
ou inglês variarão, assim como seus
comportamentos e estruturas da
organização social. No caso brasileiro temos
a palavra “saudade”, que não encontra uma
tradução perfeita em outras línguas. A
cultura, então, éraramente um recurso
neutro. A cultura é uma restrição, e é esse
aspecto coercitivo da cultura que mais
interessa aos sociólogos.
Os sociólogos estudam a cultura
examinando como os sistemas simbólicos
limitam a interação e a organização humana,
e, por sua vez, como os modos de
organização social funcionam para criar,
sustentar ou transformar a cultura (Kroeber e
Parsons, 1958). Nós não nos interessamos
por todos os sistemas simbólicos, apenas
por aqueles que são relevantes aos
interesses da sociologia. Ou seja, estamos
interessados nos simbolos que influenciam
nossa visão das coisas, nossas ações no
mundo, nossas interações com os outros e
coordenam nossas ações e comportamentos
sociais.
 
 
SISTEMAS DE SÍMBOLOS
 
Os simbolos são organizados dentro de
sistemas que os tornam bastante
complexos. Embora haja uma enorme
diversidade nos sistemas de simbolos e
entre as populações humanas, estes
sistemas são de diversos tipos básicos.
 
 
Sistemas de Linguagem
 
Um primeiro tipo é o sistema de códigos de
linguagem que pode classificar desde
palavras faladas e as palavras escritas nesta
página até complexas representações
matemáticas e algoritmos de computador.
Os tipos básicos de códigos de linguagem de
uma população influenciam amplamente sua
organização. Por exemplo, se uma
população tem apenas a língua falada, seus
modos de organização serão limitados, ao
passo que, se essa população pode
desenvolver também uma língua escrita,
pode armazenar informação de forma eficaz,
conseqüentemente, elaborar outros modos
de organização social. E, se novas
linguagens —matemática, lógica, algoritmos
de computador e outros códigos simbólicos
— podem ser desenvolvidas, as
possibilidades de adaptação dessa
população ao seu meio ambiente podem
aumentar, e a natureza das relações sociais
de seus membros e seus modos de
organização social serão fortemente
alterados. Pense, por exemplo, no que a
linguagem de informática tem feito para a
velocidade, proporção e distância das
relações do mundo moderno, e você pode ver
o poder da linguagem para transformar a
sociedade.
 
 
Sistemas de Tecnologia
 
Outro sistema cultural básico é a tecnologia,
ou a organização de informação e
conhecimento sobre como controlar e
transformar o meio ambiente. Se colher
frutos e caçar animais e o armazenamente
básico de informação de uma população —
como foi durante 30.00(1 dos 411.000 anos
de nossa espécie —, a organização social e a
adaptação ao meio ambiente serão limitadas
(embora devesse ser enfatizado que as
sociedades de caça e coleta poderiam ter
sido menos estressadas e mais contentes
com suas vidas do que as sociedades
“modernas”). Como a tecnologia se expande,
expandem-se as proporções das sociedades:
podemos produzir mais, ficar maiores e mais
complexos. Assim, a tecnologia é uma das
forças motrizes da organização humana, age
como uma jamanta cultural, transformando
nossos modos de vida, nossos
relacionamentos com os outros e nossas
formas de organização social (Lenski, 1966;
Lenski, Lenski, e Nolan, 1991). De fato, quase
todo aspecto de sua vida diária — sua roupa,
seu transporte, seus planos de vida, suas
percepções, suas aspirações, seus modos de
comunicação — está circunscrito pelos
produtos oriundos de novos conhecimentos
ou tecnologia. De fato, nem podemos
imaginar a vida sem telefone, televisão,
carro, apartamento, roupas fáceis de passar,
redes de informática, conversa por e-mail,
CD’s, e assim por diante. Se as relações
pessoais se perdem nessa “dança”
tecnológica, não deveríamos nos
surpreender.
 
 
Sistemas de Valores
 
Os homens sempre defendem idéias do que
é bom ou ruim, adequado ou inadequado, e
indispensável ou dispensável. Essas idéias
são valores; e quando elas são organizadas
dentro de um sistema de padrões ou critérios
para avaliar o valor moral e adequação do
comportamento, elas constituem um sistema
de valores (Willians, 1970; Rokeach, 1973,
1979).
Os valores possuem um aspecto especial:
eles são abstratos dentro de sua
generalidade de aplicações. Eles podem
servir a muitas situações diversas
(Kluckhohn, 1951). Sem esta qualidade
abstrata, que nos permite adequar os valores
a situações específicas, as pessoas teriam
dificuldade de se comunicar e relacionar-se,
porque elas não teriam qualquer padrão
moral comum para avaliar as ações dos
outros bem como suas próprias. Imagine
uma conversa entre dois indivíduos que
defendem conjuntos de valores bem
diferentes. Eles não concordariam no que
deveria ocorrer, o que seria justo, e o que
seria um comportamento adequado. O que é
notável na maioria das populações humanas
é o fato de terem, no mínimo, algum
consenso sobre os valores. Esse consenso é
raramente perfeito, devo advertir, pois uma
das mais interessantes dinâmicas de uma
sociedade é o conflito sobre os valores. Mas
uma sociedade sem um mínimo de consenso
de valor seria caracterizada pelo conflito e
tensão. É impressionante que numa
sociedade tão grande como a brasileira ou a
dos Estados Unidos, espalhada sobre uma
imensa área geográfica, haja algum acordo
sobre o que é bom, ruim, adequado e
inadequado. Em grande parte, esse consenso
geral sobre os valores é o que nos faz
tipicamente “brasileiros”, e o que nos
possibilita como indivíduos nos adaptarmos
dentro e fora de novas situações sem grande
tensão. Quando partilhamos valores básicos,
podemos interagir, embora possamos
discordar em muitas coisas.
Quais são alguns dos valores comuns
(Williams, 1970)? No Brasil ou na América,
concordamos com valores como êxito (fazer
bem, tentar fazer bem), “atuação” (tentar
dominar e controlar situações), liberdade
(não ter limites na busca de nossos sonhos),
progresso (aprimorar nós mesmos e o
mundo ao nosso redor), materialismo
(adquirir objetos materiais, criteriosamente, é
claro) e eficiência (fazer as coisas de
maneira racional e prática).
 
Essas idéias, assim como outras, nós
partilhamos e elas nos servem como
padrões morais para avaliar nós mesmos e
os outros nas situações mais concretas. Nós
não concordamos com todos esses valores;
de fato, algumas pessoas rejeitam todos
eles. Mas há um grau surpreendente de
consenso sobre eles dentre a maioria das
pessoas. Enquanto você e eu poderíamos,
por exemplo, atribuir a esses valores
prioridades diferentes, nós provavelmente
concordamos sobre eles de maneira geral.
Como conseqüência, podemos interagir sem
grandes dificuldades.
Com a mesma relevância, o todo social e
seus elementos — economia, sistema
político, sistema educacional, padrões de
coletividade, e assim por diante — são
influenciados por esses valores. Dessa
forma, há alguma “cola” para manter a
sociedade junta e lhe dar algum grau de
coesão.
Os valores operam, é claro, nos indivíduos
quando eles tomam decisões de se
comportar de certas maneiras. Por exemplo,
um aluno norte-americano ao ler este livro
éorientado pelos valores centrais de sua
sociedade: “atuação” (dominarei este livro),
êxito (terei êxito em compreendê-lo),
progresso e materialismo (tenho de
conseguir um diploma que me certifique
como qualificado para um bom emprego) e
eficiência (não vou desperdiçar tempo
relendo). Todos esses valores orientam a
conduta do aluno num sistema educacional
organizado em torno dessas premissas
morais. Além disso, o ingresso na escola
marcou uma aceitação implícita desses
valores pelos alunos e desejo de perpetuar o
sistema educacional organizado em torno da
“atuação”, do êxito, do individualismo e do
materialismo. O que vale para a escola
também vale para quase todas as situações.
Uma das facetas dos valores de um sistema
de valores é orientar as percepções e a
conduta dos indivíduos na sociedade.
Uma perspectiva funcionalista enfatiza as
ampliações de um sistema de valores nas
ações e motivações das pessoas na
sociedade. Se pensarmos na análise de
Émile Durkheim sobre a consciência coletiva
e sua função integrantes para a sociedade,
podemos ver que o consenso sobre os
valores é crucial. Há um grande mérito em
analisar as funções dos valores, como
Durkheim fez há muito tempo e como fiz
aqui, mas não devemos nos esquecer de que
os valores podem ser uma fonte de
desintegração numa sociedade. Quando
segmentos de uma população defendem
valores distintos, ou, como discutirei
brevemente, crenças diferentes, a cena está
pronta para o conflito. As pessoas
discordarão sobre seus padrões morais, sem
contudo abandoná-los, pois eles são muito
estimados. A teoria do conflito enfatizaria
esse aspecto da vida social e, ainda,
realçaria que os valores são instrumentos
para os mais privilegiados que têm poder
para definir quais valores as pessoas
deveriam defender. Eu voltarei a esse ponto
mais tarde, mas é importante tê-lo em mente.
 
 
Sistemas de Crenças
 
Ainda outro tipo de sistema de símbolo gira
em torno das crenças, que são as cognições
e as idéias das pessoas em determinadas
situações — educação, trabalho, família,
amizades, política, religião, vizinhança,
esporte, lazer e todos os tipos básicos de
situações sociais numa sociedade (Turner e
Starnes, 1976). Algumas crenças
representam a aplicação de valores básicos
de situações específicas. Numa faculdade
ou universidade, por exemplo, os alunos
deveriam obter boas notas (êxito), trabalhar
arduamente (“atuação”, eficiência),
evoluir nos conhecimentos (progresso).
Quase todas as situações — trabalho,
diversão, amizades, esporte etc. — envolvem
crenças que nascem da aplicação desses e
outros valores comuns. Até mesmo num
relacionamento pessoal imaginamos quão
“bem estamos fazendo” (êxito), se estamos
progredindo no relacionamento (progresso) e
o que precisamos “fazer para melhorá-lo”
(“atuação”). Dependendo do tipo de
relacionamento — namoro, relacionamento
filial, coleguismo, amizade — aplicam-se
crenças bastante diferentes, mas todas elas
invocam as mesmas premissas de valor
Fazendo isso, elas nos orientam e nos
deixam confiantes de que estamos fazendo
a coisa certa.
Outras crenças são, aparentemente, mais
concretas. Elas são idéias que defendemos
sobre “o que é e o que existe” numa
situação. “Sabendo o que existe” nos
sentimos confiantes para enfrentar
determinada situação e agir nela. Também
defendemos crenças sobre situações que
não vivemos, que ainda temos que viver, ou
que jamais vivemos —trabalho, casamento,
velhice, pobreza, e outras situações
distantes. Membros de uma população
podem ser vistos como “ligados” nos
mundos sociais uns dos outros dessa forma.
Possuindo as crenças de outros cenários e
contextos sociais, nós vicarialmente
sabemos sobre” esses cenários e podemos
potencialmente “agir” neles. Por esta razão,
novas situações não são totalmente
desconhecidas. Temos valores comuns e
algumas crenças para nos orientar quando
inicialmente nos atrapalhamos.
Entretanto, nossas crenças concretas não
são sempre precisas. Elas são muito
influenciadas por valores e outras crenças
sobre o que deveria ocorrer ou existir numa
determinada situação. Mas estamos
convencidos de que realmente conhecemos
outros contextos sociais, sentimos um
companheirismo vicário com os outros e a
sensação de que poderiamos operar nesses
outros contextos. Por exemplo, a maioria dos
norte-americanos acredita que há
oportunidades de emprego para qualquer um
que realmente queira trabalhar e que muitos
beneficiários da previdência social são
preguiçosos e deturpam sua necessidade
(Kluegen e Smith, 1986; Smith, 1985). Essa
crença invoca valores como “atuação”, êxito,
progresso e eficiência para o mundo do
trabalho e do bem-estar Também contém
alguns dados supostamente neutros: há
muitos empregos lá fora e muitas pessoas
demasiadamente preguiçosas para pegá-los.
E carrega uma presunção: se eu estivesse
pobre e sem trabalho, eu pegaria qualquer
emprego e preservaria minha dignidade.
Assim, sentimo-nos conhecedores de um
mundo que, na realidade, é provável que não
vivamos. Mas os “dados” nessas crenças
podem estar errados: a maioria das pessoas
inscritas na previdência social não podem
trabalhar — elas são velhas demais,
incapazes demais e doentes demais, e
praticamente metade delas trabalham
período integral ou foram despedidas (1.
Tumer, 1993b); assim, os “dados” mais
precisos são que a economia não tem
empregos suficientes para todos os
cidadãos e que os salários para muitos
empregos não são suficientemente altos
para manter as pessoas fora da pobreza
(Beeghley, 1983; Ropers, 1991). Portanto,
nossas crenças sobre o que realmente existe
e ocorre podem ser influenciadas pelos
nossos julgamentos de valor. Isso não é
ruim; é inevitável em questões humanas.
De fato surgiu, na sociedade moderna, uma
verdadeira indústria para apurar as ações e
as ?piniões públicas — que são, na essência,
expressões de crenças. A indústria da
opinião publica vai alem das apurações de
eleição e levantamentos de opinião gerais,
como fazem os institutos Gallup e Harris; ela
também envolve as pesquisas de mercado. A
percepção de que o comportamento das
pessoas — desde a hora de votar para
presidente até comprar um produto — é
influenciado por suas atitudes, que, por sua
vez, são moldadas por seus valores e
crenças comuns, mudou amplamente a
maneira de os políticos concorrerem à
eleição, assim como a maneira de as
empresas negociarem.
No Brasil, até há pouco tempo, a classe
dominante brasileira e mesmo a classe
dominada acreditava que a pobreza era de
responsabilidade exclusiva do indivíduo. O
pobre era naturalmente um “vadio”. Essa
crença fez com que a pobreza no Brasil
fosse tratada como uma questão de policia e
não de políticas sociais.
 
 
Sistemas Normativos
 
Valores e crenças são genéricos demais para
regular e orientar o comportamento de
maneira precisa; eles nos dão apenas uma
visão e perspectiva comuns, habilitando-nos
aos comportamentos gerais (Blake e Davis,
1964). Mas eles não nos dizem precisamente
o que fazer. As normas compensam essa
deficiência dos outros sistemas, informando-
nos o que éesperado e apropriado numa
situação especifica. Imagine-se vir à aula
sem conhecer as “regras” e as expectativas
para o comportamento de um aluno. Você é
mobilizado a alcançar sua metas com êxito,
a ser ativo e progredir intelectualmente, mas
você não sabe o que fazer — onde sentar,
como agir, o que fazer com suas mãos,
pemas, boca e intelecto. Isso pode ser dificil
de imaginar se você não conhece bem as
regras gerais do comportamento escolar Na
realidade, se nunca esteve numa sala de
aula, se nunca teve seus próprios livros e se
nunca assistiu a uma aula de faculdade, essa
nova situação pode lhe parecer
desconfortável. De fato, você pode se
encontrar observando como os outros se
sentam na sala de aula e como tomam
notas. Assim, pode-se conhecer as normas
gerais elementares de determinadas
situações — o que alguns sociólogos
chamam de normas institucionais —, mas
cada pessoa deve aprender normas
complementares para adequar o
comportamento num ambiente especial.
Do ponto de vista do interacionismo, esse
processo de descoberta é muito complexo e
sutil. Se não conhecemos os aspectos
relevantes da cultura que se aplicam a
determinada situação, tornamo-nos
intensamente “desafinados” às ações e
gestos dos outros. Nós lemos esses gestos,
buscando nos conectar aos mecanismos
intelectuais que os produzem num esforço
de aprender como nos comportar.
Geralmente já possuímos valores, crenças e
normas importantes, mas nosso
conhecimento é deficiente no que concerne à
proeminência de cada uma delas, e podemos
até ser ignorantes em relação a normas e
crenças relevantes. Nossos erros nos
entregam, e experimentamos as sanções e
desaprovação dos outros;
conseqüentemente nos tornamos
desafinados com os gestos dos outros. Ou
então, sabendo de antemão da nossa
ignorância, podemos agir experimentalmente
prestando atenção a movimentos, palavras e
gestos de outros, evitando os erros. Uma vez
que damos um sentido aos simbolos
culturais relevantes, os processos de
interação sustentam esses simbolos ao
mesmo tempo que os reafirmam,
reforçando-os. Cada um de nós se comporta
de modo adequado; tais comportamentos
reforçam os valores, crenças e normas; e,
quando estes são reforçados, eles ganham
poder para limitar o comportamento. Atos de
desvio realmente ocorrem e quebram esse
“ciclo de reforço”, ou de afirmação, mas
geralmente tentamos trazer o desviante de
volta ao ciclo, sustentando-o. Dessa forma é
que a cultura é sustentada pelas microações
interpessoais dos indivíduos.
As normas variam desde as institucionais,
que são concepções gerais para o
comportamento nas esferas sociais básicas
(trabalho, escola, amizades, casa etc.) às
mais especificas, que nos dizem
precisamente como atuar num ambiente
concreto. Todos temos conhecimento das
normas institucionais mais importantes, e
conseqüentemente podemos entrar em
novas situações com alguma orientação.
Uma vez lá, podemos aprender as normas
complementares, através da leitura de
gestos dos outros. Nós devemos também
aprender como criar novas normas em
algumas situações quando interagimos com
os outros, e esse processo pode tornar-se
muito difícil, especialmente se as pessoas
defendem diferentes crenças e invocam
variações de normas que se contradizem.
Quando as pessoas se casam, por exemplo,
elas geralmente precisam negociar novos
acordos sobre como elas vão comportar-se,
porque as opiniões sobre o papel dos
homens e das mulheres estão sofrendo
transformações e as normas sobre as
atividades da esposa e do marido podem
diferir enormemente. À luz desse fato, não é
surpreendente que a taxa de divórcio nos
Estados Unidos seja mais alta no primeiro
ano de casamento (Collins e Coltrane, 1991).
A maioria dos recém-casados possuem
crenças extremamente românticas,
conhecem apenas as normas institucionais
gerais sobre o casamento, e se apóiam no
exemplo dos casamentos de seus pais e de
seus amigos para orientar suas relações.
Porém, para sua realização, o casamento
exige outras normas, sem as quais fracassa.
Dessa forma, em sociedades modernas
algumas situações exigem de nós o
improviso e o desenvolvimento de acordos
normativos à medida que avançamos.
Outras, tal como um emprego de linha de
montagem, são altamente limitadas, mas
mesmo aqui as pessoas desenvolvem
acordos normativos sobre como devem
trabalhar no emprego. Muito de nossa vida
social consiste de nosso aprendizado,
harmonização, criação e renegociação de
normas. Isso é particularmente verdade nas
sociedades moderna5, onde a mudança
social constante nos força a viver situações
sempre novas.
 
 
Estoques de C’ouhecimento
 
Ao lado da linguagem, da tecnologia, valores,
crenças e sistemas normativos, as pessoas
possuem, de forma mais livre e implícita,
estoques de informação. O sociólogo
alemão, Alfred Schultz (1932), criou a frase
“estoques de conhecimento à disposição”
para descrever os catálogos de informação
que 05 indivíduos podem dispor para se
adaptar às situações. Por exemplo, um aluno
que entra na taculdade possui estoques de
conhecimento inütil sobre as escolas, salas
de aula, hierarquias, ocasiões formais e
informais, aulas e discursos ambientes e
maneiras apropriadas para conversas. Estes
estoques de conhecimento são usados para
guiar a conduta de um aluno nas primeiras
aulas e encontros, enquanto as normas mais
indicadas para cada situação nova são
aprendidas.
Assim, cada um de nós tem um estoque de
conhecimento, moldado pelas experiencias
vividas. Usamos esses estoques para nos
guiar nas situações; e, quando as pessoas
partilham estoques semelhantes de
informação, elas podem construir uma visão
comum de uma situação. Até mesmo
quando não falamos a mesma língua isso é
possível; alguém que viajou para um país
estrangeiro pode comprovar como, pelos
gestos, podemos freqüentemente consegui ir
que os estrangeiros tirem de seus estoques
de conheci mcii ti) informações p rox~ mas
às nossas, especialmente com respeito às
situações comuns. Essa capacidade de usar
esses sistemas implícitos de símbolos dá
aos homens uma enorme flexibilidade em
sua adaptação a novas situações.
Parte da cultura, então, é uma
“inteligibilidade” silenciosa que é extraída
constantemente, quando nos adaptamos um
ao outro, às normas e a outros aspectos das
situações. Se pudéssemos catalogar os
valores, crenças e normas, seríamos
inflexíveis, como robôs; e se algo novo
surgisse fora da nossa “programação” não
saberíamos o que fazer Mas podemos nos
adaptar às nuança porque todos nós
possuímos vastos armazéns ou estoques de
conhecimento que podem ser utilizados.
Para sintetizar, podemos afirmar que a
organização da sociedade humana e
extremamente facilitada por simbolos
culturais. Opostamente, os símbolos
culturais são criados, sustentados ou
transformados pela interação social. De fato,
os teóricos do funcionalismo argumentam
(Parsons, 1951, Alexander, 1985) que a
integração da sociedade não pode ocorrer
sem sistemas de símbolos comuns. A
cultura assim preenche uma necessidade
básica da sociedade. E, como os
interacionistas enfatizam, esses sistemas de
simbolos são sustentados pela leitura
detalhada dos gestos uns dos outros. Os
simbolos mais importantes para entender
nossas ações e modos de organização são
os sistemas de linguagem, de tecnologia, de
valores, de crenças, de normas e de
armazenagem de conhecimento. Esses são
os equivalentes funcionais dos códigos
genéticos dos insetos sociais, mas com uma
grande diferença: eles podem ser
transformados e usados para criar novas
formas sociais. Se todos nós não
participássemos de uma cultura comum,
estaríamos nos chocando uns com os
outros, insultando nossos amigos e,
contrariamente, fazendo a coisa errada. Na
realidade, não somos insetos, e, visto que
nosso comportamento não está
geneticamente codificado, há muito espaço
para a má informação, informação
inadequada, informação conflitante e
informação mutante. Assim, a sociedade não
é como uma colmeia bem organizada ou uni
monte de formiga porque nós nos
organizamos com códigos culturais, opostos
aos genéticos. E nos simbolos culturais há
um grande potencial para a ambigüidade,
divergência e conflito.
 
 
VARIAÇÕES CULTURAIS
 
Os homens criam sistemas de símbolos
culturais porque precisam deles. Eles sao
desenvolvidos para facilitar a interação e a
organização, como argumentam os teóricos
do funcionalismo. E, porque as pessoas
vivem e agem em diverso meio ambiente, a
cultura naturalmente também se
diferenciará. E, como enfatizaria a teoria do
conflito, as variações culturais são uma fonte
de constantes contradições e tensão numa
sociedade. Exatamente como as línguas,
outros sistemas culturais também diferem,
tais como a tecnologia, os valores, as
crenças, as normas e os repertórios de
conhecimento. Esse fato tem enormes
implicações. Deixe-me revisar algumas
delas.
 
Cultura ou os sistemas de símbolos
que os homens usam para orientar
seu comportamento
 
 
 
Interações ou adaptações em micro-
nível que as pessoas produzem nos
contatos face a face
 
Figura 3.1 As inter-relações entre estrutura
social e cultura.
Estrutura social ou os padrões relativamente
estáveis de relações de que os homens
dispõem para organizar a vida social
 
Os símbolos regulam a interação e estrutura
social, mas o contrário não é verdadeiro:
as pessoas vivem em um sociedade
dinâmica e criam cultura em suas inter-
relações diárias; e modos de relações sociais
nas estruturas de sociedade (tais como
economia, política, desigualdade, família
etc.) podem gerar pressões para o
surgimento de novos sistemas de simbolos.
Sem este ciclo de reforço mútuo, a
sociedade humana não se sustentaria, e
teríamos muita dificuldade de saber como se
comportar e como interagir um com o outro.
 
 
Conflito Cultural
 
Os sistemas culturais como os valores e
crenças são um conjunto “de lentes” ou um
prisma colorido através do qual vemos o
mundo. Nossas percepções são tão
influenciadas pela cultura, que percebemos
algumas coisas mas ficamos inconscientes
quanto a outras. E por isso que a ciência foi
criada como um esforço consciente para a
redução dos preconceitos inerentes de cada
cultura. A ciência é um tipo de sistema de
crença e, como outros aspectos da cultura,
surgiu para lidar com os problemas
humanos. No caso da ciência, o desejo de
coletar informação precisa e verificar as
idéias empiricamente levou ao
desenvolvimento da crença de que o
conhecimento é gerado por teorias que são
constantemente verificadas com dados
sistematicamente coletados. lnicialmente, as
crenças sobre a ciência, e mais tarde o
desenvolvimento de normas de
comportamento para os cientistas,
encontraram grande resistência por parte de
outros tipos de sistemas de crenças —
religião, filosofia e ideologia, para citar
apenas as mais importantes. E alguns destes
ainda vêem a ciência com grande antipatia.
Tal antipatia pode criar conflitos culturais
entre indivíduos que concomitantemente
mantêm um número de crenças diferentes,
assim como conflitos maiores entre grupos
de indivíduos que aderem a diferentes
crenças. Os fundamentalistas religiosos
questionam a ciência quando suas
conclusões violam seus dogmas. Marxistas,
de direita ou de centro, geralmente se
recusam a aceitar o conhecimento
cientificamente fundamentado. Até mesmo
nos Estados Unidos, onde a ciência é uma
crença cultural dominante, o conflito vem à
tona quando questões com forte fator
emocional, como o ensinamento da evolução
darwiniana no lugar da Criação divina, são
debatidas.
Quando as diferenças nas crenças culturais
se tornam a base da organização política e
da ação, conflitos culturais tornam-se mais
intensos. Por exemplo, o conflito atual sobre
o aborto envolve não apenas o desacordo
entre as crenças sobre maternidade, vida e
concepção mas um verdadeiro combate
entre vários grupos organizados (Luker,
1984). Tais conflitos são difíceis de resolver
porque as crenças dos “combatentes” são
muito diferentes e energicamente
defendidas. Conflitos semelhantes
ocorreram inúmeras vezes nos Estados
Unidos e em todas as sociedades complexas
em que o consenso absoluto sobre os
simbolos é simplesmente impossível.
 
 
Subculturas
 
Diferentes subgrupos no interior de uma
sociedade geralmente possuem crenças de
alguma forma diferentes e às vezes até
mesmo valores diferentes. Esses mundos
culturais diferentes são construídos e
sustentados pela interação face a face,
como diriam os teóricos do interacionismo;
pois pessoas em interação freqüente
desenvolvem sistemas de símholos comuns
para dar significado a suas experiências. E
assim, através da interação, as pessoas de
diferentes subculturas desenvolvem
diferentes normas, padrões de discurso,
gestos e expressões corporais. Por exemplo,
trabalhadores com contratos temporários
existem num mundo cultural de alguma
forma diferente do que os trabalhadores com
garantia de emprego, assim como os negros
e brancos, os hispânicos e anglo-saxônicos,
ricos e pobres, executivos e operários,
professores e alunos. Esses subgrupos
podem ser denominados de subculturas
porque seus membros veem o mundo
através de lentes simbólicas de alguma
forma diferente, e de alguma forma se
comportam diferentemente; e geralmente
essas diferenças causam conflito,
especialmente quando a elas se aliam
diferenças de poder, riqueza, bem-estar e
outros recursos valorizados numa
sociedade. Na realidade, todos nos nos
relacionamos porque partilhamos
minimamente da mesma cultura. Mas
nossas relações são geralmente limitadas
porque reconhecemos nossas diferenças e
tentamos minimiza​ las através de interações
padronizadas e ritualizadas. E, é claro, às
vezes essas diferenças nas crencas e
normas vêm à tona quando o conflito já está
declarado — e então nenhum esforço pode
nos salvar de enfrentarmos nossas
diferenças.
Como a teoria marxista e outros estudiosos
do conflito demonstraram, algumas
suhculturas possuem mais poder e recursos
materiais do que outras. C)s ricos, os
detentores de poder político, e osgrandes
empresários, por exemplo, estão mais aptos
para impor suas crenças e definir as normas
para aquelas suhculturas sem riqueza, poder
político ou poder econômico (Mills, 1959).
Saber “o quanto” eles podem influenciar é
um assunto de intenso debate (Alford e
Friedland, 1985), mas quase não há dúvida
de que os valores básicos, as crenças
elementares e varias normas institucionais
tenham sido mais influenciados por aqueles
com riqueza e poder, do que por aqueles sem
riqueza e poder (l3ourdieu, 1984). Às vezes,
essa influência desproporcional é ressentida
pelos mais fracos, e surge o conflito. Por
exemplo, as mulheres, os negros norte-
americanos, os homossexuais, e outras
subculturas na América do Norte,
pressionaram pela redefinição de crenças e
normas sobre papéis na sociedade, cultura
branca anglo-saxônica e sexualidade,
respectivamente. De fato, muito da
campanha presidencial de 1992 girou em
torno de uma defesa das antigas tradições
culturais por aqueles que estão satisfeitos
com o status quo de um lado, e a introdução
de novos sistemas de símbolos por aqueles
que, por outro lado, estão cansados de ser
culturalmente dominados. Tais conflitos são
inevitáveis numa sociedade com muitas
subculturas distintas.
A cultura hegemônica brasileira concebe a
cultura das classes populares ou
subalternas como inferior. Essa ótica
ganha visibilidade quando observamos as
relações cotidianas das chamadas
“minorias”, como é o caso da mulher, da
criança, do idoso, do nordestino, do índio,
do homem que vive na rua, que são
tratados como coisas. Isso contraria o
pressuposto de que a cultura é a forma de
ser de um povo, de um grupo, e que sua
desvalorização é a desvalorização da
própria pessoa.
 
 
Contradições Culturais
Não apenas os subgrupos podem possuir
crenças culturais diferentes e outros
símbolos, mas os componentes culturais
podem eles próprios ser de alguma forma
incoerentes e contraditórios. Nós em geral
possuímos valores, crenças e normas
incoerentes; e como conseqüência
experimentamos as contradições
culturais. Felizmente, a inteligência
humana permite apaziguar, ainda que
receosamente, muito dessa incoerência.
Assim, os biólogos podem aderir ao
darwinismo quando pesquisam e podem
acreditar na Criação em seu dia-a-dia; os
brancos podem acreditar na igualdade e
liberdade enquanto possuem estereótipos
discriminatórios sobre os negros; os
alunos podem acreditar no aprendizado e
ainda colar nas provas; e os professores
podem acreditar numa busca imparcial
pela verdade e odiar aqueies cuja pesquisa
contradiz a sua própria. Mas há limites
para essas “ginásticas da inteligência”.
Incoerência demais pode criar um
problema para o indivíduo e, se muitas
pessoas numa sociedade enfrentam
contradições culturais, patologias
pessoais surgem e se espalham pela
sociedade. Ou contradições culturais
podem levar as pessoas a mudar a
sociedade, como foi o caso nos dias que
precederam à guerra civil norte-americana,
quando os abolicionistas reagiram contra
as crenças das pessoas que afirmavam
tanto que “todos os homens são iguais”
(as mulheres também, esperemos) quanto
que a escravidão era aceitável. Assim,
importantes contradições nos valores,
crenças e normas geralmente criam
distúrbio tanto pessoal como social. Eles
san a essência da mudança e
reorganização numa sociedade.
 
 
Etnocen trism o
 
 
Finalmente, todos os sistemas culturais
fazem com que as pessoas vivam numa
sociedade etnocêntrica — isto é, os
indivíduos tendem a ver seu sistema de
\alores, crenças e normas como melhores
do que os dos outros. Esse etnocentrismo
leva à intolerância, e a intolerancia leva, por
sua vez, ao conflito e as tensoes.
Assim a crenca dos Estados Unidos em sua
superioridade moral pode levá-los a interferir
nas questões das outras nações cujos
caminhos são, sob uma visão etnocêntrica,
inferiores. Várias outras sociedades fizeram
isso, e portanto nz~o deveríamos nos punir.
O etnocentrismo também existe no interior
de uma sociedade: membros de certas
suhculturas podem ver como interiores os de
outras .suhculturas, e isso também pode
levar ao conflito.
Observando praticamente qualquer campus
universitário nos Estados Unidos, o
etnocentrismo é imediatamente evidente. O
esforço para aumentar o intercâmbio
cultural, a convivência, a mistura étnica entre
alunos, trouxe aos indivíduos, de uma forma
ou de outra, normas e crenças diferentes e
com diferenças de comportamentos. Cada
subcultura
— afro-americanos, hispano-americanos, de
origem anglo-saxônica, americanos brancos
e naturalizados, americanos de origem
asiática, de classe média, da classe
trabalhadora e assim por diante — vê a outra
com desconfiança e aplica os padrões de
sua subcultura ao avaliar os outros. Esse
etnocentrismo é claro, agravado pelo
domínio dos brancos de classe média e
valores anglo-saxônicos, suas crenças e
normas, na maioria das faculdades norte-
americanas, pois membros de outras
subculturas devem constantemente se
confrontar com o domínio de muitos
símbolos culturais diferentes de seus
próprios.
Um dos desafios da era da globalização é
aprender a viver com as diferenças culturais
e utilizá-las como formas de humanização.
Nesse sentido, a educação deve contribuir
para formar o projeto na ética da tolerância.
 
 
RESUMO
 
1. A informação que orienta grande parte
da atividade humana é simbólica e não
genética. Ao contrário dos insetos sociais,
os homens criam os códigos que orientam
seus comportamentos, interações e
modos de organização social.
2. A cultura é o sistema de símbolos que
uma população cria e usa para organizar-
se, facilitar a interação e para regular o
comportamento.
3. Há muitos sistemas de simbolos dentre
uma população, mas entre os mais
importantes estão: (a) sistemas de
linguagem que as pessoas usam na
comunicação; (b) sistemas de tecnologia
que incorporam o conhecimento sobre
como dominar o meio ambiente; (c)
sistemas de valores que dizem respeito
aos princípios de bom e mau, de certo e
errado; (d) sistemas de crença que
organizam as cognições das pessoas
sobre o que deveria existir e realmente
existe em situações e espaços
específicos; (e) sistemas normativos que
dão expectativas gerais e específicas
sobre como as pessoas devem se
comportar em diversas situações; e (f)
estoques de conhecimento, que dispõem
de informação implícita que as pessoas
inconscientemente usam para
compreender as situações.
4.      A cultura varia dentro e entre as
sociedades, e essa situação geralmente
leva ao conflito entre aqueles que
possuem valores, crenças ou normas
diferentes. Alguns conflitos permanecem
no nível simbólico, mas o conflito
geralmente surge do combate aberto entre
partes com crenças diferentes.
5. As subculturas surgem e persistem em
sociedades complexas, cada uma
revelando alguns sistemas de simbolos
distintos. As vezes, o conflito é evidente
entre as subculturas, especialmente
quando algumas subculturas são capazes
de impor seus símbolos às outras.
6.    Sistemas de simbolos geralmente
revelam contradições e incoerências, uma
situação que pode colocar os indivíduos
em conflito pessoal, e às vezes grupal.
7. O etnocentrismo é um subproduto
inevitável das diferenças culturais, com
indivíduos que vêem como inferiores
aqueles símbolos culturais distintos dos
seus. O etnocentrismo produz
preconceitos que geralmente vêm à tona
em conflitos declarados.
 
 
 
ATORES E INTERAÇÃO
 
Shakespeare uma vez escreveu: O mundo é
um palco, e todos os homens e as mulheres
sao apenas atores: eles têm suas entradas e
saídas; e desempenham muitos papéis de
cada vez”. Muito da vida humana é de fato
realizado num palco, mas, ao contrário da
vida teatral, nosso palco é montado pelos
simbolos culturais e estrutura social. Num
sentido real, todos nós somos atores num
palco e atuamos diante de uma platéia
formada pelos presentes e por aqueles que
podemos imaginar Ao mesmo tempo que
tentamos interpretar comportamentos
culturais, estamos num palco construído
pela estrutura social. A vida social envolve
cada um de nós como atores que, ao
interpretar, interagem com os outros. Este
processo é fundamental para a vida social,
para a compreensão de nós mesmos e
daqueles ao nosso redor
 
 
A NATUREZA SIMBÓLICA DA INTERAÇÃO
HUMANA
 
No começo do século XX cientistas sociais
não entendiam como a interação humana
ocorre. Tudo levava a crer que a interação
entre as pessoas é o processo fundamental
dentro do mundo social, mas como e por que
isso ocorre? Quais são os mecanismos
específicos e os processos envolvidos? Um
filósofo da Universidade de Chicago, George
Herbert Mead (1934), desvendou o mistério
desse processo, como observei no Capítulo
1. Mead não teve nenhuma idéia genial; ao
contrário, ele pegou pedacinhos dos
trabalhos de outros e os combinou de
maneira a fazer sentido.
A essência da interação, Mead argumentou,
é a emissão de sinais e gestos. Qualquer
organismo deve agir dentro de seu meio
ambiente, e, quando age assim, emite sinais
ou gestos que marcam seu curso de ação. A
interação ocorre, Mead sentiu, quando (1) um
corpo emite sinais ao se mover em seu meio
ambiente, (2) outro corpo vê esses sinais e
altera seu curso de ação em resposta a eles,
emitindo, assim, seus próprios sinais, e (3) o
corpo original torna-se consciente dos sinais
desse corpo secundário alterando seu curso
de ação à luz desses sinais. Vamos imaginar
um gato e um cachorro. O cachorro está
procurando um poste para fazer xixi
(emitindo os sinais apropriados); um gato
vadio observa o cachorro vindo em sua
direção e entra em pânico, fugindo (seus
gestos); o cachorro vê o gato e altera o curso
de sua ação, esquece de sua bexiga e, em
vez disso, vai caçar.
Quando esses três estágios se passaram,
então a interação ocorreu. Note que sinais e
gestos são o veículo crítico de interação e
que esses sinais não necessitam ser
simhólicos no sentido cultural. Isto é, o gato
pode não ser capaz de ler ou interpretar os
gestos do cachorro, nem o cachorro
necessariamente entende o pânico do gato.
Mas “essa conversa gestual”, como Mead
colocou, é, todavia, interação.
Mead também pensava que os homens
interagem num modo único e especial. Os
sinais que os homens enviam, lêem, recebem
e respondem são simbólicos na medida em
que eles significam a mesma coisa para o
corpo que envia e para o corpo que recebe.
Em resumo, eles são culturais. Os sinais
nesta página significam mais ou menos a
mesma coisa para nós dois; como
conseqüência, a interação é especial porque
é mediada por sinais que sao dados pela
definição cultural. Na realidade, com nossa
inteligência, podemos ligar significados
comuns, combinados praticamente com
todos os nossos movimentos — fala, gestos
faciais, expressão corporal, distância relativa
dos outros, vestuário, corte de cabelo, ou
quase qualquer sinal ou gesto que fazemos.
É por isso que nos sentimos “num palco” em
frente aos outros, pois implicitamente
sabemos que os outros estão lendo nossos
gestos e interpretando nossa atuação.
Mesmo que alguns animais possam também
interagir simboIicamente, eles não podem
fazê-lo na mesma medida que os homens
(Seboek, 1968; Aitchison, 1978; Maryanski e
Turner, 1992).
Mead observou que a capacidade de ler
gestos simbólicos permite que os homens
absorvam papeis ou assumam o papel do
outro. O que ele queria dizer é que, pela
leitura dos gestos alheios, podemos nos
imaginar em seu lugar; podemos assumir
seu ponto de vista e ter uma percepção do
que é provável que eles façam. Assim, se
alguém vem até você encarando, mãos
fechadas, e chamando você de nomes
obscenos, você pode imaginar-se na
situaçao dele e adequar suas reações. Todos
nós assumimos papéis em toda situação,
mas geralmente não temos a consciência
desse processo até que nos encontremos
numa situação complicada em que
hesitamos a cada palavra e gesto emitidos
pelos outros. Imagine-se tendo um encontro
pela primeira vez com alguém, ou indo a uma
festa onde você não conhece ninguém, ou
entrando na escola ou alojamento pela
primeira vez, ou estando em qualquer
número de situações novas em que você
dispõe apenas de normas institucionais
básicas para se orientar. Você enfrenta —
isto é, você aprende as normas mais
específicas para a situação — assumindo o
papel ou observando os outros e usando o
que voce ve para orientar suas reações. Isso
é interação simbólica, e é o meio pelo qual
nos ligamos dentro da cultura e seus valores,
crenças e normas. Contrariamente, ao tornar-
se consciente de símbolos culturais, podem-
se assumir papeis e assim relacionar-se com
os outros em variados status de estruturas
sociais específicas. Como um teórico
funcionalista poderia argumentar, a função
de assumir papéis é ligar as pessoas umas
às outras e àcultura como um todo, desse
modo facilitando sua cooperação e,
finalmente, a integração da sociedade. E
então, se fôssemos incapazes de usar
símbolos culturais e assumir papéis, a
interação seria muito complicada de fato, e a
sociedade desmoronaria.
Mead também enfatizou outros processos
envolvidos na interação humana. Um é o
processo que ele denominou de mente. Para
Mead, a mente não era uma única coisa ou
entidade, mas uma série de processos. Para
Mead, a mente é o processo oculto, nos
bastidores da ação que antecipa as
conseqüências da escolha de um curso de
ação; assim, com base nessa avaliação
prévia, escolhemos ou selecionamos uma
ação específica. Mead caracterizou a mente
como o processo de “ensaio imaginário” no
qual, como qualquer bom ator que vá
interpretar, ensaiamos nossa ação de
diferentes formas e avaliamos a reação de
nossa platéia a essas alternativas. Tais
processos mentais são uma parte íntima da
interação humana, pois, como assumimos
papéis dos outros, assumimos suas
intenções, e nos conscientizamos das suas
crenças e normas importantes, que se
tornam parte de nossas considerações
mentais. Nós, então, imaginamos como os
outros reagirão a nós, e avaliamos se
estamos tazendo a coisa adequada em
termos de códigos culturais. Um teórico do
utilitarismo acrescentaria algo à descrição
de Mead: calcularíamos nossos custos-
benefícios quando imaginariamente
ensaiássemos as ai terna tix’as, tentando
escolher qual nos daria o maior retorno.
Por sermos tão hábeis nesse processo,
geralmente somos inconscientes de seu
funcionamento. Mas pense novamente sobre
uma situação em que você se sentiu
emharaçado ou inseguro. Lembre-se de
como você ensaiou seus caminhos e
antecipou qual seria a reação dos outros.
Naturalmente não se pode estar sintonizado
o tempo todo; isso seria exaustivo demais.
Mas todos nós estamos sempre envolvidos
em ler gestos, assumir papéis, e
secretamente (em nossa mente) imaginando
as conseqüências de reações diversas. Pois,
se as pessoas não pudessem entrar nesses
processos, a interação não poderia ser
flexível e não poderia envolver mais do que
duas pessoas.
Ainda outro processo essencial envolvido na
interação é o que Mead rotulou de eu. De
acordo com Mead, cada um de nós vê a si
mesmo como um objeto em cada situação
em que nos encontramos, exatamente como
vemos outros objetos — pessoas, carros,
cadeiras, casas etc. Quando nos
comunicamos com alguém, lemos gestos:
assim fazendo, conseguimos uma imagem
de nós mesmos como um objeto. Assim, os
gestos dos outros tornam-se um tipo de “eu
refletido” (Cooley, 1909) ou espelho no qual
nós o vemos refletidos. Todos nós estamos
num sentido, implicitamente dizendo
“Espelho, espelho meu”, só que nosso
espelho não está na parede do nosso quarto
mas nos gestos de outros. Em cada situação
obtemos uma imagem de nós mesmos, mas
também apresentamos para cada situção
uma imagem mais estável e tolerante de nós
mesmos como um certo tipo de objeto ou
pessoa. Cada um de nós tem uma auto-
imagem, e é a nossa percepção dos gestos
de outros, e não seus gestos reais, que
molda nossos comportamentos a fim de não
violar essa imagem. Assim, nossas ações na
maioria das situações revelam uma
coerência através da qual buscamos
sustentar nossa auto-imagem. Passamos a
nos comportar de modos previsíveis, e
devido a nossa coerência os outros são
capazes de harmonizar suas reações com
nossos comportamentos. Da mesma forma,
ajustamos nossas respostas aos outros nos
moldes dessa interação.
Em síntese, o homem se revela e se
reconhece nas relações com o outro e com
as coisas por meio de sím bolos.
Quando você diz coisas do tipo “Desculpe, eu
não estou sendo eu mesmo”, você está
reconhecendo que os outros não o verão da
forma usual porque você agiu
contrariamente a sua auto-imagem. Ou,
quando você diz “Eu não posso entender
como ele pôde fazer isso”, você está
realmente dizendo duas coisas: sua
percepção foi ineficaz, e você não pôde ver
coerencia, como ditado pela auto-imagem
dele, nas reações dele. Daí você não saber
como reagir.
Assim, George Herbert Mead viu a interação
como um processo de emissão e recepção
de gestos, e, no caso dos homens, a emissão
definiu culturaimente símbolos que carregam
5ignificados comuns. Esses gestos são
usados para interpretar os significados e
ajudar os homens a se tornarem conscientes
das intenções dos outros e suas possíveis
linhas de conduta. Com as capacidades
cognitivas fornecidas pela “mente”, podemos
ensaiar alternativas, imaginar seu impacto,
inibir reações inadequadas, e selecionar um
modo de conduta que facilitará a interação
(ou, de um ponto de vista utilitarista, que
maximizara os benefícios ou recompensas).
Além disso, podemos nos ver como objetos
em situações e lhes dar uma auto​ imagem
estável, que nos dá uma bússola para
orientar nossas reações de modos
característicos e coerentes. Tal é a natureza
de “interação simbólica” como visto por
Mead, e suas visoes neste processo
primordial representam o ponto de partida
para pesquisas futuras.
 
 
A REPRESENTAÇÃO DRAMJ TICA DO EU
 
Visto que todos nos somos atores num
palco, orquestramos nossas emissões de
gestos para nos representar sob uma certa
luz, como um certo tipo de pessoa, e como
um indivíduo que espera certas reações dos
outros. Alguns de nós são, é claro, melhores
atores do que outros. Mas todos nós somos
intérpretes que manipulam a emissão de
gestos. Essa visão de interação é conhecida
como teatraliza ção, um termo que se tornou
popular pelo recente sociólogo Erving
Goffman (1959, 1967).
Goffman utilizou nossa analogia do teatro
para distinguir os espaços de interação entre
palco e bastidores (Goffman, 1959). No
palco, as pessoas constantemente
manipulam e orquestram os gestos de modo
a trazer à tona reações desejadas dos outros
— reações que sustentam sua auto-imagem
e que correspondem às exigências
normativas da situação. Nos bastidores, as
pessoas relaxam um pouco e tiram suas
mascaras. Os bastidores permitem alguma
privacidade com companheiros que
partilham as dificuldades de subir ao palco.
Para Goffman, muita interação acontece nas
idas e vindas entre os bastidores e o palco.
Se você duvida disso, examine suas próprias
rotinas diárias. Você está nos bastidores
quando está se preparando para ir à escola,
no banho, com escova de dentes, secadores
de cabelo, bobs, maquiagem, desodorantes e
gel para cabelo. Você está no palco quando
está se sentando na classe, participando de
uma reunião de estudantes ou flertando
numa festa.
Sem os bastidores, a vida seria
extremamente estressante. E ainda, sem o
palco, a organização social seria
problemática. Como um funcionalista
argumentaria, a sociedade exige que as
coisas sejam feitas e as ações sejam
coordenadas; esse fato, por sua vez, exige
que os homens ajam e obedeçam. Nós
seguimos regras; dizemos a coisa certa; e
nos conduzimos de forma apropriada. Se as
pessoas se recusassem a fazer assim, a
realidade social seria desordenada e caótica.
A teatralização também aponta um
importante aspecto de toda a interação: o
uso de “adereços” físicos durante uma
interação. Um desses “adereços” é o nosso
corpo, e seu “arranjo” durante a interação.
Um grupo de pessoas de um círculo fechado,
ao interagir, está dizendo algo às pessoas
fora desse círculo; duas pessoas que andam
juntas, de mãos dadas, estão numa interação
muito diferente do que outro casal que
mantém alguma distancia um do outro; ou
uma classe com cadeiras num círculo terá
um sentido diferente, contrária àquela com
fileiras como em um teatro. Assim, como
posicionamos i10550s corpos em um gesto,
o qual “diz algo” sobre o fluxo de interação, e
usamos “linguagem corporal” —posição,
olhares, toques e outras insinuações — para
criar significados sobre o que está
acontecendo.
Outro “adereço” são objetos no espaço —
mesas, cadeiras., paredes, portas, divisórias,
bancos e qualquer coisa que seja um objeto
físico que comunique alguma coisa sobre
uma interação. Quando uma pessoa se senta
à mesa ou vira uma cadeira para colocar os
pés, esse gesto comunica informalidade. Um
professor que se senta sobre a mesa
interage muito diferentemente do que o que
permanece de pé atrás de uma tribuna. Ou,
na interação mais personalizada, nós
geralmente colocamos ou tiramos barreiras
físicas para comunicar distancia ou
proximidade.
Ainda, outro “adereço” é o vestuário, que diz
muito aos outros e, como consequência,
estrutura o fluxo de nteraçao. Reagimos e
respondemos muito diferentemente a um
professor usando paletó e gravata do que a
um vestido informalmente. Os vários tipos de
vestuário— emblema> de associações,
distintivos atléticos, dizeres em camisetas
etc. —todos influenciam de modo sutil o
fluxo de interação.
Outro aspecto da teatralização é o que Erving
Goffman (1959) chamou de manipulação de
percepções, em que orquestramos gestos,
estruturas de palco, e posição de corpo para
apre>entar uma fachada. Fazemos isso a fim
de apresentar determinado eu à nossa
platéia e para receber certos tipos de
reações. Então, quando estamos no palco,
gerenciamos nossos gestos e outros
adereços disponíveis. Tal manipulação dá ao
comportamento de cada pessoa uma
coerência, facilitando a sintonia de
comportamentos. É claro que, como
enfatizou Goffman, as fachadas podem tanto
manipular quanto decepcionar, como, por
exemplo, quando um “homem de bem”
apresenta uma fachada que mascara suas
intenções verdadeiras de roubar Todos nós
fazemos isso às vezes, espero que em
menor grau, mas ainda nos percebemos
apresentando uma fachada que não é lá
muito verdadeira.
 
 
AS TÉCNICAS IMPLÍCiTAS DE INTERAÇÃO
 
Dividir o mundo em palcos e seguir os
roteiros culturais de comportamento não é
suficiente para garantir um sentido de
ordenação durante a interação. Todos nós
conhecemos alguém que aparentemente faz
qualquer coisa exatamente da forma que
tem de ser e, contudo, nos preocupamos.
Algo está faltando — não temos certeza
absoluta do que é —‘ mas algo está errado
em como esta pessoa fala, gesticula e age.
Uma razão possível para essa preocupaçao é
a falha ou inabilidade desse indivíduo na
utilização de certas técnicas de interação
implícita, porém extremamente importantes.
Quando essas técnicas não são usadas, o
sentido de continuidade e ordenação na
interação é quebrado (Mehan e Wood, 1975;
Handel, 1982). Assim, a interação depende
de alguns processos complementares que o
sociólogo Harold Garfinkel (1967)
denominou etnométodos. Quando
interagimos com os outros, usamos uma
variedade de métodos interpessoais ou
técnicas para criar e sustentar uma ordem e
fornecer continuidade na interação. Esses
métodos interpessoais são tão
inconscientemente empregados que nos
conscientizamos deles apenas quando
alguém não os usa, ou os usa
incorretamente.
Usando um dos exemplos de Garfinkel
(1967), tente imaginar sua reação se você
fosse o sujeito desta interação fictícia:
 
Si. 11-110: O pneu furou.
E\ni RI\1I \TA1R)R: O que você quer dizer
com o pneu furou?
SL Iii o: O que você quer dizer com o que
você quer dizer? O pneu furou quer dizer que
o
pneu furou. É isto o que quis dizer Nada
especial. Que pergunta louca!
 
Obviamente, essa interação está perdendo
sua continuidade e ordenação, mas por quê?
A razão é que o indivíduo 2 violou uma
técnica implícita e combinada em todas as
interações:
não perguntarmos o óbvio e presumirmos (o
que não deve ser desafiado) que partilhamos
certas experiências de vida. Os teóricos da
etnometodologia denominaram esse método
específico de princípio et cetcra porque
comunicamos com nossos gestos a ordem
implícita de não se questionar certas coisas.
Deixe-me agora reconstruir para você um
diálogo que eu tive com um aluno
(novamente, imagine-se nesta interação).
 
Ai t”’co: Você sabe, estou tendo problemas
com esta matéria.
Ei : Não, não sei.
Ai c~o: A matéria é tão, tão abstrata, você
sabe?
EL’:   Não, não sei.
Acu\o: Bem, eu ... eu voltarei uma outra
hora.
             
As pessoas freqüentemente usam a frase
“você sabe” em diálogos. Quando esta
pequena frase é usada, o princípio et cetera,
ou técnica, está sendo invocado. O locutor
está, na essência, afirmando que devemos
aceitar o pronunciamento dele, mesmo que
“não saibamos” o que significa. Balançando
a cabeça ou dizendo “Sim, eu sei”, criamos
um sentido compartilhado e ordenamos a
interação.
 
 
INTERAÇAO DE PAPÉIS SOCIAIS
 
Um papel social é simplesmente um
conjunto de comportamentos (gestos) que
as pessoas emitem e que os outros aceitam
como significando um tipo e curso de ação
particular Como vimos no último capítulo,
muitos papéis sociais são ditados por
normas e por nosso status numa estrutura
social (Parsons, 1951). Por exemplo, quando
você atua como aluno (vestindo-se de um
certo modo, falando de uma maneira
particular, tomando notas, participando de
aulas, e assim por diante), o conjunto de
seus comportamentos revela uma coerência
e um estilo que quase qualquer um pode
reconhecer como “apenas de um aluno”. Este
papel social é, em grande parte, ditado pelas
normas culturais e atuação em uma
estrutura escolar Essas mesmas
características podem ser encontradas na
empresa.
 
 
QUADRO 5.1 Ver ficando Rupturas na
Interação
 
Uma maneira de descobrir o universo sutil
não pronuncie nenhuma palavra e tente
dos métodos é verificar, você mesmo, não
mexer seu rosto ou como. Se você seguir
uma ruptura. E isso é muito fácil, porque
alguma dessas sugestões, uma interação
toda e qualquer interação face a face en-
provavelmente se desintegrará diante de
volve o uso de técnicas implícitas. Aqui
seus olhos.
estão algumas sugestões: na próxima vez
que Outra boa idéia seria agir como um
convi​
alguém usar a frase “você sabe” diga
que dado na casa de seus pais: pergunte se
você
você não sabe, ou tome a afirmação mais
pode usar o banheiro, peça permissão para
óbvia que uma pessoa faz (“Estou atrasado
pegar algo para comer, pergunte se você
para a aula”) e pergunte o que a pessoa
pode se deitar, e assim por diante, como se
quer dizer (“O que você quer dizer com afta-
você fosse um convidado. Seus pais imagi​ ‐
sado?”), ou, ainda melhor, permaneça
narão”oqueestáerrado” etentarãorecons​ ‐
indiferente quando alguém fala com você,
truir um sentido de ordenação.
 
Ainda, os códigos culturais e o status de
alguém em uma estrutura social são, no
melhor dos casos, caracterizações gerais (R.
Turner, 1962). Há sempre muito espaço para
manobras; é sempre possível apresentar-se
de um modo específico (como aluno atleta,
aluna “rainha da beleza”, membro da
associação estudantil, membro do grêmio,
aluno intelectual, aluno louco, aluno arroz-de-
festa etc.). Isso é o que Goffman denominou
de manipulação de percepções, parte da qual
envolve gestos orquestrados para avaliar que
papel social vamos desempenhar Na
realidade, os outros estão esperando ler
nossos gestos para descobrir esse papel
social. Como parte de nossos estoques de
conhecimento (Schutz, 1932), todos nós
carregamos dentro de nós mesmos idéias
gerais de vários papéis sociais —o de aluno,
mãe, pai, namorado, trabalhador, estudioso,
atleta, “caxias”, cômico, paquerador,
professor, motorista, gerente, calouro, amigo,
colega, e assim por diante. Para cada papel
social provavelmente temos muitas
concepções sobre os comportamentos
adequados. A interação é bastante facilitada
pela habilidade de armazenar papéis sociais
em nossa memória porque, uma vez que o
papel social de alguém é estabelecido de
acordo com essas idéias, podemos
antecipar, pelo menos até certo ponto, como
aquela pessoa reagira conosco. A vida é
muito menos estressante quando somos
capazes de colocar alguém em um papel
social, pois podemos então assumir o papel
social recíproco e, de certa forma, continuar
no piloto automático. E quando não
conhecemos o papel social de um indivíduo
te temos de trabalhar na interação. Temos
de ler gestos mais ativamente, absorver um
papel mais cautelosamente, olhar fixamente
e com atenção através cio “eu refletido”,
permanecer mais mentalmente alertas e
fazer muitos exercícios mentais cansativos.
A vida é muito mais fácil quando os outros
orquestram seus gestos para informar que
papel social e4ão desempenhando.
Esses processos de interaçao s~o dados em
sua mais articulada expressão pelo
sociologo Ralph li. Tu rner (190 19ó8 1980).
Turner argumentou que não apenas
assumimos papéis perante os ocitros (para
ver qual é o papel social deles) mas também
criamos papéis. Como parte de nossa
representação teatral, nós consciente e
inconscientemente manipulamos gestos —
palavras, postura, inflexão de xoz, vestuario,
expressões faciais — para dizer aos outros
que papel estamos desempenhando, xisto
que os outros estão buscando nesses gestos
um sinal de nosso papel. Além disso, eles
assumem que os nossos gesto)s ser~o
coerentes e quis nossos respectix’os papéis
5~o todos coerentes; e assim, uma vez que
eles tenham lido alguns gestos e colocado
uma pessoa em um papel, eles esperam que
outros gestos sejam coerentes com esse
papel. E as pessoas estão) constantemente
x’erificando e reveri ficando os papéis umas
das outras apenas para certiticar-se de que
elas os desempenharam de modo certo.
A>sim, todas as interações envolvem os
processos de representação de gestos para
avaliar um papel, buscando descobrir os
papéis dos outros, e reax’aliando e
reverificando os papeis. Entretanto, uma vez
que somos colocados dentro de um papel
pelos outros, égeralmente difícil escapar,
porque os outros continuam a reagir a nós
como representantes daquele papel. As
pessoas relutam em nos deixar de fora de
um papel, porque elas não querem reajustar
seus comportamentos, a menos que sejam
forçadas a isso. Somente através de um
esforço persistente é que as pessoas podem
recriar seus papéis em uma situação.
Tente agora lembrar-se de algumas
situações pessoais em que essas dinâmicas
de papéis funcionaram. Você lembrou de
situações em que foi~” malcompreendido” e
colocado em um papel errado; ou lidou com
pessoas que “x’ocê não poderia
compreender” porque seus comportamentos
não revelavam um papel que você conhecia;
ou você se viu ou viu outros indivíduos
tentando fazer um papel para si mesmos que
eles simplesmente não podiam representar e
nos quais eles não poderiam ser levados a
sério. Se essas situações i.aracterizassem
toda a vida social, a interação seria
embaraçosa e difícil. Felizmente, na maioria
das interações desempenhamos papéis,
criamos papéis e verificamos papéis sem
dificuldade. Como conseqüência, nossas
interações acontecem facilmente.
 
 
OS ESTEREÓTIPOS NAS INTERAÇÕES
 
Freqüentemente as pessoas desempenham
papéis que são tão conhecidos e
estereotipados que interagimos com eles
como modelos, como não-pessoas ou como
categorias. Não épreciso ser insensível e
mesquinho para tratar as pessoas como não-
pessoas; mas, na vida ocupada que todos
nós levamos, achamos mais fácil fazer as
coisas quando podemos interagtr com
pessoas como estereótipos. Se tivéssemos
que interagir pessoalmente com todo
funcionário, transeunte, colega de classe,
professor, zelador, administrador, ou
vendedor de alimento, tratando cada um
como um ser humano único e fascinante que
merece O) nosso) mais sensivel e preciso
desempenho de papel, nós nos
consumiríamos, e jamais conseguiríamO)s
fazer qualquer coisa. Assim, em uma
sociedade complexa em que participamos de
muitas situações, a interação em termos de
categorias é essencial, um ponto enfatizado
pelo) so)cioilogo) alemão prectirso)r Alfred
Schutz (1932). Para esses brex’es mas
tuncionalmente essenciais enco)ntro)s, as
pessoas muttiamente cate çartzam, ou
constro)em tipificações. Isto é, elas
imediatamente colocam umas às outras em
papéis altamente característico)s e co)m
isso) fazem seu negócio sem dificuldade.
Quando uma pessoa compra mantimento)s
em uma loja, ela e o funcionário
estereo)tipam um ao outro, interagem de
maneiras muito) previsíveis, e mal se dão
conta um do) o)utro. E claro que, se ela se
torna uma “cliente regular” (outro tipo de
estereótipo), então ambas as partes
trabalham um pouco mais arduamente e
tentam ser um pouco mais pessoais.
As interações obviamente variam em seu
grau de categorização mútua. Além disso,
quando elas são sustentadas, elas tendem a
se desenx’olver no tempo desde o altamente
estereotipado ao) mais particular. Entretanto,
esse processo deve acontecer durante o
decorrer do) tempo). Se alguém “avança
rápido demais”, “se atira sobre você”, ou
“invade seu espaço”, vo)cê percebe desde o
movimento muito rápido) de uma interação
estereotipada ate uma que é mais pessoal e
íntima. Um primeiro namorado que confessa
setis mais íntimos sentimentos está violando
o papel de “recém-conhecido” e o
estereotipando como um “primeiro
namorado”. Nessa situação a pessoa se
sente embaraçada. Um médico que faz a
você perguntas muito) íntin)as e revela seus
sentimentos pessoais está provavelmente
“provo)cando uma reação em você” (sua
nova designação do papel do médico) e,
como conseqúência, está violando seu
estereótipo de médico.
Até certo ponto, as normas nos dizem catita
as situações íntimas ou estereotipadas
devem ser. Mas também, to)dos temos
idéias implícitas sobre essas questões. Nós
raramente damos ouvidos aos estereótipos,
a menos que eles sejam violados, forçando-
nos a agir de forma mais interpessoal do que
queremos.
 
 
MOLDURAS DE INTERAÇÃO
 
Sem a capacidade de diminuir o campo da
interação, teríamos de gastar muita energia
buscando dar sentido às interações.
Felizmente, os homens dispõem de um
importante atalho: eles usam seus gestos e
“adereços” para enquadrar a interação. Mais
uma vez, Erving Goffman (1974) nos fornece
uma importante análise, usando a metáfora
de uma moldura de quadro que engloba e
destaca certos objetos (o quadro) e exclui
tudo o mais fora dela. Os homens criam
molduras simbólicas com seus gestos,
indicando o que érelevante e irrelevante para
a interação. Por exemplo, quando alguém diz
“Posso falar com você em particular”, esse
conjunto de gestos enquadra a interação de
uma maneira particular. Ou, quando alguém
diz “Eu não quero falar sobre isso”, assuntos
potenciais de interação estão sendo
colocados fora da moldura.
Enquadrar é tão importante à interação que é
geralmente usado involuntariamente. Pegue
um “bom artista” novamente; um bom artista
cria duas molduras, uma “própria” de seus
pensamentos, é a base para a interação e
outra, mais secreta, que difere da anterior.
Ou pense sobre alguém que parece estar
manipulando outro: a pessoa que manipula
está em geral criando uma moldura para
aparências e uma outra para fins privados
para que os outros não percebam.
Molduras são criadas de muitas formas. A
fala é, naturalmente, a mais óbvia: “Mãos à
obra”, “Estou apaixonado”, “Estou com dor de
cabeça”, “Precisamos conversar”, e assim
por diante. Mas além das palavras faladas,
usamos outros gestos e “adereços” também
(J. Turner, 1988). Por exemplo, o número de
pessoas e seu enquadramento em uma
situação, como é o caso para uma aula em
que os corpos são alinhados em fileiras e
este alinhamento enquadra a situação, em
termos do que pode, e não pode, ocorrer. Ou
a distância física entre as partes para uma
interação enquadra a situação, tornando
evidente a movimentação de alguém dentro
de nossa “área pessoal”. Ao lado do
enquadramento corporal, nossa conduta —
expressão corporal, por exemplo — faz muito
do trabalho de moldura, visto que se abaixar
contra uma parede e permanecer em pé e se
jogar para frente significam duas coisas
opostas. Estruturas físicas também
enquadram interações; por exemplo, os
alunos podem rapidamente notar quando
vão do corredor em que estavam
conversando para a sala do professor.
As molduras podem ser trocadas, ou
reencaixadas nos termos de Goffman (1974).
Quando alguém diz “Não vamos mais
conversar sobre isso”, está mudando de
moldura. De fato, qualquer interação que
resiste pode experimentar diversas trocas de
molduras —por exemplo, fofoca geral para
trabalhar como relatos sobre confidências
pessoais, de volta à fofoca geral, e assim por
diante. Uma vez que entendemos os palpites
para a troca de molduras, torna-se possível
mover-se sem dificuldades através da
essência sempre mutante da interação. Além
disso, podemos assentar interações em
múltiplas molduras, assim as pessoas em
um ambiente de trabalho (uma moldura)
conversam informalmente como amigos
(outra moldura dentro da primeira), com
alguns se tornando bons amigos ou
companheiros (outra moldura dentro da
última) e com outros se tornando namorados
(ainda outra moldura). Assim, a interação é
assentada e laminada em molduras, e
podemos ir de uma para a outra um tanto
facilmente — como denota uma simples
frase como “Bem, de volta ao trabalho, eu
espero”.
Sem enquadrar, a interação seria muito mais
trabalhosa. Em nossos “estoques de
conhecimento” nós adquirimos
discernimentos sobre os significados dos
gestos com relação a molduras, e molduras
reencaixadas. Como temos essa facilidade,
podemos facilmente determinar o que é
relevante e apropriado para uma situação, e
então atuar sem muitas preliminares. Se
nossa facilidade no enquadramento é fraca,
entretanto, pareceremos perdidos e “fora
dela”, expressando afirmações e
comportando-nos de maneiras que pareçam
estranhas aos outros.
 
RITUAIS DE INTERAÇÃO
 
Nós todos provavelmente já passamos por
algum conhecido e dissemos “Oi”, e não
recebemos nenhuma resposta. E uma
experiência muito incômoda, até mesmo se
não conhecemos bem a pessoa. A razão
para esse desânimo, talvez até mesmo raiva
ou aborrecimento, é que um ritual de
interação foi violado. Muito da interação
humana émediada pelos rituais
interpessoais; isto é, cada indivíduo está
comprometido com um comportamento
altamente estereotipado (Goffman, 1967). E
interações entre as pessoas, que estão
mutuamente estereotipadas, são quase
todas ritualizadas. Por exemplo, “Como vai
você hoje?”, “Muito bem”, “O tempo está
bom”, “Sim”, “Tenha um bom dia”, “Tchau”, e
“Até logo” são todos rituais de interação. O
mesmo é verdade para o caso das molduras,
em que rituais são freqüentemente usados
para enquadrar inicialmente, e então
reenquadrar uma situação. Nós estamos
comprometidos nesses rituais de interação
porque eles nos dão uma sensação de ser
uma linha dentro do tecido social.
É mais provável que a interação seja
ritualizada sob certas condições (Collins,
1975):
entre estranhos e entre pessoas de status
muito diferentes. As pessoas que não se
conhecem bem conx’ersam com base em
estereótipos, sentindo-se cada qual distante,
e fazendo contato sem compromisso.
Aqueles de poder, prestígio e riqueza
desigual interagem em padrões ritualizados
para esconder a tensão latente entre as
diferenças. Aqueles em status subordinados
procuram não demonstrar suas dificuldades,
ao passo que as pessoas de alto status
geralmente desejam reconhecimento de seu
status imponente, sem provocar rancores e
sem ter que controlar o respeito dado pelos
indivíduos de baixo status. Lembre-se, por
exemplo, de uma conversa que você pode ter
tido com um professor: toda a sua
informalidade aparente é altamente
ritualizada, pois a interação é entre as
pessoas de status muito diferente. Assim a
teoria do conflito enfatiza um importante
aspecto de interação:
as pessoas na interação estão geralmente
em situação de desigualdade e, como
conseqüência, em um estado de tensão.
Essa tensão pode ser minimizada por um
ritual e distanciada, mas está sempre lá,
pronta a surgir dentro da mais antagônica
interação.
Assim, os rituais nos permitem conservar
nossas máscaras e manter nossa dignidade
e ao mesmo tempo reforçarmos nossos
sentimentos de pertencer a um todo social
maior. Os rituais mais críticos são estes do
dia-a-dia, que desempenhamos
rotineiramente e não acidentalmente a
íueuas que alguém não participe. E neste
caso vemos como eles são importantes, pois
nosso sentimento de continuidade social é
interrompido.
Na realidade, interações cotidianas são
estruturadas por rituais (J. Turner, 1986a,
1988, 1989; Turner e Collins, 1989). Há rituais
de abertura (“Oi, como vai você”) e rituais de
fechamento (“Até logo”); e no meio dessa
abertura e fechamento há rituais para reparar
rupturas (“Oh, desculpe-me, eu não sabia”),
para enquadrar e reenquadrar (“Isto
ébastante”), para dar seqüência à conversa
(“Isto é realmente interessante, mas você
pensou em ... ‘)e que organizam o fluxo da
interação. Aqueles que não podem usar
esses tipos de rituais interpessoais, ou que
os usam de um modo errado, parecem
embaraçados e difíceis; a interação torna-se
convulsiva, e falta continuidade e fluxo.
Assim, rituais são essenciais à interação. Se
você tem dúvida disso, viole apenas um
ritual, tal como não dando uma abertura ou
fechamento onde é pedido ou violando
qualquer um dos muitos rituais que você
implicitamente entende. Se você fizer isso, a
interação se tornará forçada de repente,
indicando como os rituais são importantes à
estrutura social.
 
 
 
JNTERA ÇÃO COM GRUPOS DE REFERÊNCIA
E PESSOAS AUSENTES
 
Henry David Thoreau implicitamente
capturou uma importante dinâmica da
interação humana quando escreveu: “Se um
homem não acompanha os passos de seus
companheiros talvez seja porque ele ouve
um tambor diferente. Deixe-o ater-se à
música que ele ouve, apesar do ritmo e da
distância”. Em todas as interações, lidamos
não apenas com aqueles imediatamente
presentes, mas com muitos “tambores
distantes”. Podemos simultaneamente
interagir com pessoas presentes e com
pessoas ausentes. Esse processo é, às
vezes, óbvio com filhos jovens, os quais,
quando brincam juntos, invocam seus pais
(“Olha, o meu pai diz ...“ ou “O que sua mae
vai achar disso?”). Todos nós também
interagimos com pessoas importantes que
nao estão presentes — um cônjuge, um
namorado, um pai, um filósofo, ou qualquer
um que consideramos significatix’o para nós.
Em geral, a reação percebida ou introduzida
desses indivíduos distantes é bem mais
importante do que as reações daqueles bem
a nossa frente. Todos nós gostamos de
pensar em nós mesmos (especialmente nos
Estados Unidos), como individualistas
convictos que somos, e assim disfarçamos
ou evitamos saber o quanto, ao interagir com
o “outn)” ausente, nossa conduta é
orientada.
Ereqüentemente as pessoas distantes
personificam valores culturais e crenças, e
interagindo com eles nos ligamos à cultura
geral ou a uma subcultura específica (Kelley,
1958). E, com a mesma freqüência,
assumimos o ponto de vista de um grupo
grande de indivíduos~,sem separar, até
mesmo sabendo disso, um indivíduo
particular que personifica este ponto de vista
(Shihutani, 1955). Melhor, temos uma idéia
geral do que esses grupos de referência
esperam, e nós, desse modo, ajustamos
nossa conduta. George l-lerhert Mead referiu-
se a esse processo de interação como o
“outro generalizado”.
O fato de que a interação geralmente envolve
pessoas distantes e grupos de referência
pode potencialmente criar tensões com
aqueles que não sabem sobre esses
tambores distantes. O que eles podem ver é
alguém que perde os palpites ou que viola as
normas da atual situação. Normalmente,
somos bastante bons em reconciliar nossos
comportamentos com aqueles tanto
próximos quanto distantes. Mas às vezes
temos dificuldade, e, como conseqüência,
dizemos e fazemos coisas estúpidas, pelo
menos no ponto de vista daqueles a nossa
frente. Outras vezes, reconhecemos que
andamos em direção a diferentes tambores e
ritualizamos nossas interações. Por exemplo,
atletas e intelectuais, negros e brancos,
hispânicos e anglo-saxônicos, velhos e
jovens, ricos e pobres, educados e mal-
educados, todos ritualizam seus encontros
iniciais para evitar as tensões e embaraços
criados por nossa interação com pessoas
distantes não familiares e grupos de
referência (Merton e Rossi, 1968).
 
 
INTERAÇÃO E ORDEM SOCIAL
 
Finalmente, a sociedade é mantida unida
pelas pessoas em contato face a face.
Naturalmente, os indivíduos criam um
universo de símholos culturais e estruturas
de grande porte que limitam o que eles
podem fazer quando se encaram e quando
emitem sinais e interpretam gestos
mutuamente. De fato, os sistemas de
símbolos e matriz de estruturas sociais têm
x’ida própria, sendo dirigidos pelas
dinâmicas que podem esmagar os
indivíduos; e, ainda, são as pessoas que
ocupam status em estruturas sociais,
desempenham papéis, têm simbolos que
orientam suas vidas, e sustentam a cultura e
estrutura da sociedade. Assim, o processo
de interação fortalece as organizaçoes
sociais e eu 1 turais.
             
É difícil fazer a conexão entre a interação de
micronível e as macroestruturas e sistemas
culturais. Nós sabemos que eles estão
ligados — o micro não é possível sem a
existência da macro, e vice-x’ersa — mas a
influência mútua dos dois níveis é difícil de
discernir e analisar. Este problema e
denominado de problema de micro-macro
“vínculo” ou micro-macro “intervalo” (J.
Turner, 1983; Alexander et ai., 1986). Ainda,
para nossas finalidades, precisamos apenas
reconhecer que os processos esboçados
neste capítulo são os que sustentam as
estruturas e símbolos do mundo social. Sem
a habilidade de manipular códigos,
desempenhar papéis e interpretar gestos, as
estruturas da sociedade e os sistemas de
simbolos da cultura (língua, tecnologia,
estoque de conhecimento, valores, crenças,
normas) nao poderiam existir.
Contrariamente, essas estruturas e sistemas
de simbolos limitam e orientam o curso da
interação.
 
 
RESUMO
 
A interação envolve a emissão mútua de
sinais e leitura de gestos e o ajuste de
respostas àemissão de gestos. A
interação humana, de acordo com G. 11.
Mead, também envolve as capacidades
pela mente (pensamento, consideração e
ensaio de alternativas) e o eu (vendo a si
próprio como um objeto).
2. Na análise de Erving Coffman, a
interação ocorre em um teatro, tanto o
palco quanto os bastidores, e usa
“adereços” para orquestrar uma fachada
pessoal como parte de um processo mais
generico da manipulação de códigos.
Goffman também desenvolveu a noção de
“moldura” como parte da manipulação,
desse modo os individuos mostram o que
deve ser incluído e excluído como
consideração relevante durante o curso de
interação.
3. A etnometodologia enfatiza que muito
do sentido de ordem dos homens é
sustentado por técnicas, que são
implicitamente usadas pelos indivíduos
para preservar a idéia de que eles
experimentam o mundo social de
maneiras semelhantes.
4. A interação ocorre em estruturas
sociais, em que as considerações de
papéis sociais se tornam importantes. As
pessoas gerenciam sua emissão de
gestos para desempenhar papéis sociais
para si mesmas, e ativamente lêem os
gestos umas das outras a fim de descobrir
os papéis sociais que os outros estão
tentando estabelecer. Esse processo é
possível porque os indivíduos dispõem,
em seus estoques de conhecimento, de
conjunto de papéis sociais que eles
adotam ao representar o papel para eles
próprios e ao interpretar os gestos de
outros. Os indivíduos também buscam
verificar e reverificar os papéis uns dos
outros.
3.    Muitas interações procedem em
termos de estereótipos mútuos, nos quais
os indivíduos se veem como categorias
segundo as quais adaptam suas
respostas.
e. A interação depende de rituais, ou
seqüências estereotipadas de gestos, que
indicam a abertura,
o  fechamento, a estruturação e outros
aspectos do processo de interação.
A interação envolve conscientização de, e
adaptações para, expectativas dos outros
e ponto de
vista de grupos não fisicamente presentes
numa situação. Tais grupos de referência
e outros
distantes geralmente orientam e dirigem
os comportamentos e reações dos
indivíduos.
8.    Interação, estrutura social e cultura
são inter-relacionadas. Cada uma não
poderia existir sem a ou tra.
 

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