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Faculdade de Direito do Largo São Francisco

DFD 0212 - Lógica e Metodologia Jurídica (Estudos Supervisionados)


Prof. Dr. Lucas Fucci Amato

Vitor Alessandro Silva Pereira (nº USP 8015032)

Fichamento 4 - Capítulo 4: “Em Defesa do Deducionismo”

Sir Neil MacCormick1 inicia o capítulo 4 citando o caso R. v Dudley and Stephens2,
que trata de um grupo de náufragos que cometeram atos de homicídio e canibalismo -
supostamente - para sobreviver. A decisão se deu no sentido de afastar a argumentação com
base no estado de necessidade, porquanto essa interpretação criaria a possibilidade de que
cada pessoa pudesse agir como próprio juiz e decidir que o seu direito deve prevalecer em
detrimento de um direito alheio. Os acusados foram condenados à morte, não tendo, contudo,
cumprido mais de 6 meses de detenção3.
O autor usa este exemplo como paradigma de “caso difícil”, em que existe um
problema referente à interpretação da norma aplicável. A aplicação da “letra fria” da lei
implica em uma aparente injustiça, o que leva ao desafio de encontrar, no Direito, uma
justificação teórica para a correção dessa injustiça. Mas e se no Direito não houver tal
artifício? A partir de que premissas e/ou parâmetros (que tenham conteúdo normativo)
poderíamos partir para combater a tese positivista e oferecer uma solução mais adequada para
o caso, do ponto de vista do Direito e da equidade?
A concepção de “caso difícil” mudou ao longo do tempo. De acordo com Dworkin,
diz respeito especificamente a um caso que implica em uma dificuldade de interpretação do
Direito, e em que haja fortes argumentos em ambos os lados da lide. Muitas vezes, os casos
difíceis envolvem algum tipo de “problema de classificação”, que pode ocorrer em qualquer
momento processual. Já os problemas de relevância ou de interpretação se mostram de
pronto, com o conhecimento da lide e subsequente avaliação dos argumentos contrapostos.
Questiona-se, então, se existem de fato algum caso que não seja problemático ou não
possa ser problematizado. Existe uma “clareza ontológica” na aplicação do Direito em algum
momento? A própria noção de justiça muitas vezes serve ao propósito de problematizar uma

1
https://www.theguardian.com/politics/2009/apr/07/obituary-sir-neil-maccormick
2
High Court of Justice (Queen's Bench Division) - 1884.
3
MACCORMICK, Neil. Retórica e o Estado de Direito. Elsevier Brasil, 2008.
solução jurídica, observando-a a partir de uma perspectiva muito mais ampla (o próprio ideal
de justiça). Por outro lado, é possível argumentar que existem casos em que nem mesmo a
justiça se apresenta como fator capaz de afastar a aplicação mais óbvia e incontroversa de
uma lei ou jurisprudência.
Ainda, seria possível conceber o Direito como um sistema sem lacunas e “fechado”,
ou seja, auto suficiente e completo ? Nessa concepção, o Direito seria um sistema capaz de
quase sempre gerar respostas certas, mesmo que isso demande um esforço intelectual
considerável. Assim, como se fossem as regras do xadrez, as normas jurídicas alcançariam
todas as possíveis e imagináveis ações e situações humanas, do mesmo jeito que as regras do
xadrez abrangem todos os movimentos possíveis e imagináveis das peças dentro do tabuleiro.
A essa visão de um Direito “sem lacunas” se contrapõe a noção de que as normas
jurídicas têm um caráter de contestabilidade, a despeito de todas as tentativas políticas e
jurídicas de suprimir as explícitas contradições entre normas de um mesmo ordenamento
jurídico. A decisão jurídica passa necessariamente pela solução desta contradição, e nunca
pela negação de sua existência. Tal situação mostra a diferenciação entre lógica e lógica
aplicada, sendo esta, para MacCormick, representante do tipo de argumento silogístico que
fundamenta o argumento jurídico. Outrossim, os componentes lógicos e retóricos do
argumento não se encontram separados, de maneira que a retórica pressupõe a lógica, ao
contrário do que muitos pensam.
Ao tratar da natureza lógico-dedutiva do Direito, o autor conclui que a decisão
judicial não tem natureza dedutiva, mesmo que seja possível que o juiz se utilize de um
silogismo para chegar até ela. O argumento jurídico possui uma natureza prática, não
dedutiva, na qual as conclusões nunca poderiam ser mais convincentes que as premissas. Ou
seja, para defender um argumento dedutivo, é necessário justificar a validade de suas
premissas, sem a qual não haverá, em hipótese alguma, conclusão válida, mesmo que
conclusão seja coincidente com aquela tida como válida.
Mesmo com premissas e conclusões válidas, as acepções acerca da norma jurídica
sempre terão uma qualidade excepcionável (defeasible), ou seja, serão abertas. Em qualquer
interpretação da norma há o fator da relatividade, que diz respeito não só à relação existente
entre o intérprete e o caso, mas também à relação entre o intérprete e a norma, relações essas
que têm, por óbvio, uma natureza subjetiva. Disso decorre que a argumentação jurídica não
pode ser definida em termos absolutos de “certo” ou “errado”, mas sim de “melhor” ou
“pior”, de tudo que está aberto à contradição e que pode variar em níveis de persuasividade. É
muito tentador buscar no Direito verdades incontestáveis, no afã de prover “segurança
jurídica” às relações econômicas, mas é preciso considerar que a argumentação jurídica
demanda virtudes como bom-senso e justiça, o que reveste de humanidade o fazer jurídico e o
aproxima da ética, afastando-o do “niilismo” positivista.

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