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Faculdade de Direito do Largo São Francisco

DFD 0212 - Lógica e Metodologia Jurídica (Estudos Supervisionados)


Prof. Dr. Lucas Fucci Amato

Vitor Alessandro Silva Pereira (nº USP 8015032)

Fichamento 3 - Capítulo 3: “Sobre o silogismo”

Neil MacCormick inicia o terceiro capítulo de sua obra com uma singela indagação:
“A argumentação de tipo silogístico tem algum espaço no direito?”. No capítulo anterior, o
autor havia resumido esquematicamente as regras jurídicas como decorrentes da fórmula
“Sempre que FO, então CN”. Ou seja, quando for constatado que ocorreu uma determinada
hipótese “FO”, então deverá decorrer a aplicação de “CN”. Trata-se de um “silogismo
hipotético”.
O autor pretende demonstrar que a argumentação sob essa forma “silogística” é, de
fato, essencial para a argumentação jurídica. Para tanto, estabelece argumentos baseados em
casos reais1 e identifica a aplicação do esquema silogístico para as considerações do caso,
inclusive constantes das decisões, que também requerem argumentação jurídica. Essa
argumentação “formal” se contrapõe à argumentação probabilística feita através da retórica,
em sentido amplo. Assim, a argumentação formal seria, em tese, uma argumentação de
certezas, na medida em que decorre da aplicação do silogismo a dada situação hipotética que
esteja abrangida pela premissa do silogismo.
John Dewey (1859-1952) reprovava essa visão do direito como uma prática de
“certezas”, propondo que os juristas deveriam abandonar “formalismos antigos e
equivocados” e buscar uma lógica de previsão de possibilidades, ao invés de um lógica de
dedução de certezas2. Tal visão do Direito é deveras realista, na medida em que reconhece a
limitação da capacidade de determinação dos fatos reais (concepção de certezas) que é
inerente a qualquer julgador ou parte de um processo. Todavia, admitir que o Direito não é
capaz de gerar certezas (absolutas) não significa que a certeza não deve ser buscada, ou seja,
que não devemos buscar atingir o maior grau possível de certeza (beyond reasonable doubt,
por exemplo). Admitindo-se diferentes graus de certeza, podemos entender o Direito como

1
Dignity Funerais Ltd v Bruce, XA166/02, Court of Session, Inner House, 2" Divn., 14 de outubro de 2004,
Lord Glll, Lord Justice Clerk.
2
Trata-se do movimento chamado “realismo jurídico americano”, que contou com outros expoentes como
Oliver Wendell Holmes e Karl Llewellyn.
uma ciência de “certezas relativas”, ou seja, com alto grau de probabilidade, sem que sejam
nunca consideradas fatos incontestáveis. De alguma maneira, falo aqui sobre uma espécie de
“certeza probabilística”, ou uma “certeza para efeitos do Direito”.
É uma noção compartilhada por praticamente todos os sistemas jurídicos (senão
todos) que uma parte processual não pode valer-se de uma lei sem especificar quais são as
partes importantes dessa lei sobre as quais pretende se apoiar3. É preciso também haver
questões de fato relevantes, que possam ser provadas e determinadas pela parte que as alega.
Por fim, é necessário que as alegações de fato sejam relevantes em relação aos trechos da lei
citados, nos quais o litigante pretende se amparar.
O problema reside, de acordo com MacCormick, em determinar o que seria
“relevante”, tendo em vista os trechos de lei citados. Qual seria o teste para determinarmos
isso? Essa análise hermenêutica dependeria, antes de tudo, de se determinar o que de fato
aconteceu. Tendo sido determinado isso, com um grau razoável de certeza, passa-se ao exame
de adequação da situação hipotética prevista em lei à situação de fato conhecida. Se a
situação de fato for abarcada pela situação hipotética, deve ser aplicado o efeito legal da
norma ao caso concreto. Assim, em todos os casos jurídicos, existem duas premissas: a
premissa universal, que é a lei (law); e a premissa particular, que são os fatos pertinentes
para o caso. O que se busca provar é que todas as disposições universais da lei estão
reproduzidas no caso particular.
Visto dessa maneira, é difícil de afastar o caráter silogístico do Direito. Todavia,
MacCormick faz a ressalva de que isso não significa que devemos fazer um “retorno absurdo
ao formalismo e à teoria mecanicista do Direito”. Ou seja, em virtuoso exercício dialético, o
autor propõe que o Direito tem como essencial o caráter silogístico, sem deixar, todavia, de
ser determinado também por questões relativas à argumentação informal, como a retórica e o
aspecto probabilístico.
Ao avaliar o Direito como algo sujeito à interpretação, o autor analisa o caso em que a
Microsoft foi julgada pela Corte Distrital Federal, do Distrito de Columbia4, pela prática de
atos anticoncorrenciais, em violação ao Sherman Act (1890). Para julgar o caso, o Juiz
Jackson considerou que era necessário antes definir o que e qual seria o ”mercado relevante”
sobre o qual a Microsoft estaria exercendo o monopólio. Para tanto, ponderou o magistrado
que o conceito de “mercado relevante”, de acordo com a jurisprudência aceita, decorreria da

3
“Para ajuizar ações acerca de certas questões jurídicas, é preciso nomear e citar todas as leis em que o caso
se baseia”. p. 45
4
United States v Microsoft Corp., 87 F. Supp. 2d 30 (D.D.C. 2000) ("Conclusions of Law"). Disponível em
https://law.justia.com/cases/federal/district-courts/FSupp2/87/30/2307082/.
determinação de “substitutos disponíveis”, ou seja, existirá mercado relevante quando se
puder provar que, dentro deste mercado, estão disponíveis para o consumidor produtos de
concorrentes que sirvam à mesma finalidade. Ou seja, para se interpretar o caso concreto é
necessário antes definir o conceito que pretende se aplicar ao caso. A interpretação pressupõe
a consistência conceitual, sem a qual não é possível avaliar a adequação do caso concreto à
norma prescrita.

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