Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Em primeiro lugar, há o risco de passar uma mensagem que reforça uma cultura
de “indiferença à Constituição em excessiva exaltação da previsão infraconstitucional”,
a qual ainda hoje prevalece em inúmeros setores. Com efeito, é possível considerar que
tal orientação ainda é extremamente forte no direito brasileiro e uma evidência disto,
por paradoxal que seja, consiste no uso abusivo e irracional de valores constitucionais
para afastar normas infraconstitucionais claramente determináveis a partir de seus
respectivos textos legais. A prática majoritária nos Tribunais brasileiros – e nisso não
são efetivamente auxiliados pela doutrina majoritária, da qual as práticas judiciais são
sempre o reflexo – é a de oscilar entre dois extremos, que se revelam a cara e a coroa da
mesma moeda, a saber:
(c) se não existiria uma outra decisão, mesmo que contra legem,
que realizaria a melhor realização possível entre todos os valores
envolvidos no caso concretos;
(d) se, caso a última hipótese não seja possível, o valor realizado
com a decisão contra legem se revela, no caso concreto, mais
relevante do que o valor eventualmente realizado com a decisão
que se limitasse a aplicar a norma inequivocamente aplicável à
espécie.1
Para bem interpretar o dispositivo legal objeto do presente texto, é curial traçar
um quadro das estratégias concebíveis, com total independência de qualquer
ordenamento jurídico (porém aproveitando-se dos exemplos colhidos nos ordenamentos
concretos), das medidas ou estratégias que pode utilizar o juiz, quando incumbido da
missão de obter a realização judicial de condutas devidas, a qualquer título que seja.
Registre-se, desde logo, que é conhecimento consagrado por décadas de reflexão
(menos no Brasil e muito mais em países como EUA, Inglaterra e outros exemplares
do Common Law) sobre o problema prático de realizar judicialmente condutas devidas,
seja a que título for que tais condutas sejam devidas – a título estritamente judicial, ou
legal, ou contratual, ou provisório ou definitivo – que são concebíveis apenas duas
1
Aliás, boa parte da controvérsia doutrinária sobre a questão, está ligada à falta de consenso sobre o que
se deve, afinal, entender por “ordem judicial”: quando é que um ato do juiz deve, racional e
juridicamente, ser considerado como uma ordem judicial.
ordens de estratégias a serem adotadas pelo juiz (ou por quem quer que se veja nesta
situação, ou seja, com a missão de obter a realização concreta de uma conduta devida):
(1) Medidas que criam uma motivação psicológica positiva ao sujeito que
deve realizar a conduta devida, para induzi-lo pela promessa de
recompensa a realizar esta conduta.
Registre-se, por extremamente oportuno, que tal subdivisão está longe de ser
exaustiva. A experiência de outros ordenamentos demonstra inúmeros exemplos de
medidas personalíssimas coercitivas que não se enquadram facilmente, em nenhuma das
duas categorias, assim como medidas que podem ser enquadradas em ambas. Como
exemplo pitoresco da primeira hipótese, aponte a medida, adotada por um juiz
americano, como civil contempt, que ameaçou o xerife de determinada cidade de tomar-
lhe o distintivo, caso ele insistisse em violar ordem judicial determinando a sua omissão
em realizar comentários racistas a determinada parte. Como exemplo da segunda
espécie, mencione-se o “sequestro coercitivo”, utilizado pelas cortes inglesas contra
pessoas jurídicas, nomeadamente sindicatos que se recusam a cumprir uma ordem de
encerrar um movimento paredista, sequestro este que mais se assemelha a uma “prisão
civil” de uma empresa, do que mera sanção pecuniária, uma vez que consiste em
“congelar” todo o patrimônio da pessoa jurídica, até que ela cumpra de terminada ordem
(realize determinada conduta qualificada como devida).2
medidas
substitutivas
Premial
medidas
personalíssimas Patrimonial
Coercitiva
Pessoal
Enfim, não se pode negar que os mesmos poderes podem ser tidos como
conferidos ao juiz, já com base no direito fundamental à tutela jurisdicional (em geral)
efetiva, em todas as hipóteses em que a efetividade da tutela jurisdicional devida a
alguém, dependa da obtenção de um resultado prático, algo empiricamente análogo
àquilo em que se traduz a “feição puramente factual” da tutela executiva. É o que
ocorre, emblemática e exemplificativamente, na efetivação de tutela de urgência e no
cumprimento de ordem de exibição de coisa ou documento em poder de terceiro, para
fins puramente probatórios. Também para essas situações e todas as outras que lhes
sejam análogas, se pode considerar que o direito fundamental à tutela efetiva,
consagrado no inc. XXXV do art. 5º da CF significa, entre outras coisas, a atribuição de
poderes indeterminados ao juiz para adotar toda e qualquer medida que se
revele adequada, necessária e proporcional em sentido estrito, à luz dos dados da
situação concreta.
(…)
Aqui não é, certamente, a ocasião oportuna para enfrentar esses problemas, mas
apenas para assinalá-los. Com efeito, assim fazendo, confirma-se a previsão de que “re-
legislações” são perigosas e podem trazer outros problemas do mesmo grau de
dificuldade – quando não maiores – do que aqueles que as “novas palavras da lei”
almejaram resolver.
4
Registre-se que, nessa etapa, presume-se que já tenham sido superados problemas relacionados à
determinação da norma associada a determinado texto legal.
O texto legal, todavia, ainda é bastante incompleto, além das confusões
semânticas apontadas. Se o legislador entendeu ser necessário colocar em texto expresso
poderes que já se extraiam de uma norma constitucional, também deveria ter colocado,
em texto expresso, pelo menos a ideia geral de que esses poderes hão de ser exercidos
com limites, os quais apenas podem ser determinados com elementos da situação
concreta, a saber: os “testes da proporcionalidade”, consistente na determinação da
adequação causal da medida executória, da sua necessidade ou exigibilidade (menor
gravosidade) e da sua proporcionalidade em sentido estrito. Tais limites, apesar de não
estarem textualmente expressos, existem de qualquer maneira, pois eles decorrem da
própria força normativa de todos os valores constitucionais, considerados
holisticamente.