Você está na página 1de 7

Documentalidade dos títulos executivos-token

A documentalidade inafastavel dos títulos-token

A análise dos dispositivos legais revelou que a menção textual que neles se faz
a atos, documentos e créditos deve ser compreendida como uma referência
aos conceitos de suporte relativos aos types de uma dessas figuras. É dizer,
cada um dos conceitos de suporte dos títulos executivos-type deve ser
compreendido como composto por uma espécie de “soma” do conceito de
suporte de um ato-type e de um documento-type, acrescido do conceito que
engloba as propriedades liquidez, certeza e exigibilidade da obrigação.
Quereria isso dizer que um título executivo-token é composto por um ato-token
(concreto), um documento-token (concreto) e uma instanciação das
propriedades mencionadas? Indagado de outra forma, aquilo que deve ser
“exibido” ao juiz, para iniciar uma execução, é um ato concreto e um
documento concreto?

Também se demonstrou que nem atos, nem conceitos de suporte de seus


respectivos atos-type, nem menos ainda créditos são adequados para
desempenhar a função que um título executivo-token deve desempenhar. É
que o título executivo-token deve ser algo exibível à inspeção direta do juiz,
algo durável, de fácil acesso público e de fácil “armazenamento”, pois tais
atributos são indispensáveis para que ele desempenhe suas funções, ao se
iniciar e ao longo de todo processo de execução. Por isso, a opção por
considerar que os diferentes conceitos de suporte dos título-type consistem
em algum documento, é algo que já se impunha tão somente em razão da
racionalidade prática, mas também, de certo ponto, de uma interpretação
sistemática inicial do ordenamento processual, a qual extraiu a função de
status típica de todos os títulos-type – a qual se utilizou para fundar o raciocínio
puramente prático, numa primeira etapa.

De qualquer maneira, como se mencionou, na medida em que se impõe


considerar a atuação de legisladores como contingente, não se poderia excluir,
a priori, que os conceitos de suporte dos títulos-type fossem conceitos de
outras coisas que não documentos. Afinal, o legislador não pode ser
“inconstitucional”, nem “incoerente” - que é o gênero do qual a
inconstitucionalidade é uma espécie qualificada – mas nada o impede de ser
“infeliz” ou mesmo “pouco inteligente” nas suas escolhas, sendo para contornar
essas falhas que existe a doutrina e a jurisprudência.

Contudo, a análise realizada revelou um dado deveras importante: todos os


conceitos de suporte já fazem uma referência, explícita ou implícita – como no
caso dos títulos judiciais dos incs. I a XXX do art. YYY – ao conceito de
alguma documentação, seja ela o próprio conceito de suporte, seja parte desse
conceito [num conceito de suporte, não há outra coisa além de propriedades
reunidas, as quais podem formar conceitos mais básicos].

Além disso, há referência a conceitos de atos (rectius: conceitos de suporte dos


respectivos atos-type) e a conceitos de propriedades do crédito exequendo.
Nenhuma dessas categorias, todas conceituais (meras propriedades), podem
desempenhar as funções do título-type, até porque nenhuma delas sequer
subsistem e perduram, se não devidamente documentadas.

Daí se impõe concluir que o conceito de suporte dos títulos-type consiste num
conceito de documento, sendo estes conceitos referidos nos incisos relativos
aos conceitos de suporte, devem ser compreendidos como fixando
propriedades que cada representação documental deve conter.

Assim, todo conceito de suporte dos títulos executivos-type devem ser


compreendidos como consistindo no conceito de documento-type, com as
características dos conceitos de suporte dos atos-type ou créditos-type, bem
como das propriedades liquidez, certeza e exigibilidade dos créditos
(indiretamente) representados. Em suma, o conceito de suporte é de um
documento, com certas características.

A função do título-token é, em primeiro lugar, assinalar ao juiz o crédito a ser


satisfeito, o credor e o devedor.

Ao mesmo tempo ele é a condição necessária e suficiente, escolhida pelo


legislador, para dar inicio ao processo de execução.

Ocorre que o legislador, ao selecionar os tipos de créditos merecedores de


tutela executiva, o fez através da configuração de diferentes conceitos legais
de suportes documentais, distinguindo cada um deles pela indicação do tipo de
ato constitutivo do crédito a ser satisfeito. Assim, embora a função do título, na
execução, seja só essa, o certo é que, ao configurar cada hipótese de título,
ainda que para exercer apenas essa função, o legislador o configurou como
representações de atos e do crédito respectivo.

Logo, o ato em si, embora não produza nenhum efeito, tem a sua
representação documental como elemento constitutivo do próprio título
executivo. É dizer, embora o conceito de suporte dos títulos-type consista,
fundamentalmente, num conceito de um tipo de documento, cada tipo de
documento ao qual deve se ajustar um candidato a título-token, consiste num
documento representativo de atos jurídicos e os seus créditos respectivos.
Assim, por esta razão específica, a existência de um título executivo-token
requer, de alguma maneira, o exame do ajuste documento apresentado, com
todos os conceitos de suporte que compõem o conceito de suporte de um dado
título-type e isso significa, necessariamente, verificar o ajuste entre os atos
representados – e os documentos que os representam – no suporte
documental apresentado, e os respectivos conceitos de suporte das regras
constitutivas de cada um deles. O problema é saber até onde, como e com que
efeitos o juiz verifica este ajuste, sobretudo em se tratando dos atos jurídicos
representados.

Conclusão final:

Todo suporte é (e não pode deixar de ser) um documento, de diferentes


ordens.

Cada documento tem as suas características específicas, ou seja, é descrito


por um conceito de suporte específico.

Esses conceitos de suporte incluem, como conceitos parciais, os seguintes:

O conceito de suporte do documento, quanto for o caso,

O conceito de suporte do ato (ou negócio) representado (documentado)

O conceito que engloba as propriedades da da liquidez, certeza e exigibilidade


do crédito (meta)representado.

Todas essas características são características do documento: ele deve ser tal
que evidencie o ajuste de todas essas características.

Apesar de ser o documento ao qual a eficácia é atribuída, se impõe reconhecer


que a existência/validade do quanto representado por ele conta.

Não é possível representar o que não existe.

Ele é um documento que representa as condições de suporte de sua própria


função: função de acesso tem como condição aquilo e exatamente aquilo o que
está representado no conceito de suporte.

Por isso mesmo, o documento que o título é, não é uma prova do fato por ele
representado, porque sua função não é essa: sua função se exaure em
representar o que ele representa, da exata maneira como ele representa, para
que possa surtir os seus efeitos, os poderes deónticos que definem a função do
título. Assim, qualquer que seja o documento referido pela lei, direta ou
indiretamente, ou ele é condição, ou ele não é mais do que representação de
fato que é condição, mas nunca prova deste fato. Ele é, indiscutivelmente, uma
credencial.

Ele é uma representação de um ato, mas sua função não é demonstrar o ato.
Por isso ele não prova o ato, de nenhuma maneira.

Contudo ao representá-lo, o ato “transparece” ao documento, ao título.

Duas questões fundamentais surgem daí:

Até que ponto os eventuais “desajustes” entre o que é apresentado como um


token do suporte-type e o suporte-type em si, para fins de determinar a
existência de um título executivo em particular?

[seriam essas questões do suporte “transparente” ao título, ou seja, os


desajustes dos suportes implicariam serem os títulos, como tais, serem
dotados do mesmo regime?]

Um dado que não pode ser ignorado é o seguinte: qualquer cognição que o juiz
faz do ato representado no suporte documental, ele não o faz com a finalidade
de prestar qualquer forma de tutela declaratória, declarando (“accertando”) a
existência ou inexistência, a validade ou a nulidade do mesmo ato. Nesse
sentido, parece óbvio considerar que o título não é prova desse ato. O
conhecimento que ele faz do ato é feito, tão somente, como etapa do
conhecimento da existência de um título-token. Assim, a decisão que resulta
dessa cognição é, tão somente, aquela de determinar a citação do devedor, ou
aquela de determinar o indeferimento da execução. Nada mais.

Justamente por isso, ele deve fazer isso no momento de despachar a inicial e,
pela mesma razão, a única “matéria” por ele examinada é o suporte
documental apresentado.

Os problemas

Há dois problemas quanto aos desajustes possíveis e sua cognição pelo juiz.
Um deles é que, como é notório, muitos desses desajustes não são detectáveis
apenas pelo exame do suporte documental. O outro é mais sério. Tanto
documentos, como atos podem ser defeituosos ou “desajustados” aos
conceitos de suporte respectivos de diversas maneiras e com diferentes
“gravidades”. E isto quer dizer que tais desajustes são submetidos a regimes
legais distintos: inexistência, em alguns casos, nulidade absoluta, em outros,
nulidades relativas, em outros e meras irregularidades. Por isso mesmo, no
contexto de um processo de conhecimento, são distintos poderes e limites
distintos do juiz para conhecer estes desajustes: inexistências e nulidades
absolutas podem ser reconhecidas de ofício, nulidades relativas, não.

No âmbito em que são os atos e os documentos que contam, que estão sendo
realizados, confeccionados, utilizados etc., é o ambiente em que atua esse
regime de “tolerância” para com os “desajustes” entre os candidatos a suportes
concretos e o conceito de suporte respectivo.

Defesa da posição aqui adotada

Não há uma única forma de reconstruir racionalmente os dados do


ordenamento analisados, à luz da teoria dos fatos institucionais, justamente
porque, nela, os “desajustes” entre suporte concreto e conceito de suporte são
negociáveis, como de fato o são no direito. É possível conceber três
alternativas e apesar de uma delas padecer de uma forte falta de “sintonia”
com os valores predominantes não apenas no ordenamento, mas na cultura
processual de hoje, até ela não pode ser, simplesmente, descartada. Uma
segunda, intermediária, se mostra mais afim desses valores, mas há uma
terceira que se mostra um tanto radical, mas que também preserva a máxima
coerência com a própria teoria. É esta terceira alternativa que será defendida
aqui.

O regime que limita a cognição do juiz quanto a esses desajustes, se impõe no


processo de conhecimento, onde há plena oportunização ao contraditório das
partes. Por isso mesmo, ele não se transplanta, necessária e automaticamente,
ao processo de execução, no qual não haverá nenhum “accertamento” sobre a
invalidade do ato, mas tão somente de existência ou inexistência do título.

O ordenamento processual é pleno de técnicas para um credor assegurar ou


mesmo acelerar (o resultado prático) de uma execução, através de um sistema
inteiramente atípico de medidas urgentes, isto é, medidas moldadas pelo juiz,
ao sabor da necessidade concreta do caso, uma vez satisfeitos os requisitos do
art. 300 do CPC.

Interlúdio teórico: Terrone e a concepção de documentos como rastros (traces)


Imagine-se que se encontre um documento com a seguinte inscrição: “João
deve 1.000,00 a Pedro”

Ele representa o ato que o produziu, com certeza. Mas a inscrição expressa
uma proposição deôntica (uma norma individual, no léxico que Kelsen
notabilizou). Que dizer do ato? Ora, o que este documento representa não é
apenas a proposição, o que não existe por si mesma, mas o ato (de fala) que a
comunicou, seja com uma mera força ilocucionária assertiva, seja como uma
força ilocucionária constitutiva.

Até onde o juiz pode e deve conhecer (e o devedor alegar) sobre as condições de
existência dos títulos-tokens, uma vez que isto decorre da existência dos suportes-token
do tipo de fato jurídico que aparece como tipo de suporte numa norma de definição
(regra de suporte, art, XXX) de outro fato institucional, em nível anterior.

A questão que se impõe é: até onde o juiz pode e deve avançar, no exame de
eventuais invalidades jurídicas do que é apresentado como suporte concreto do título
executivo-token, ao aferir a existência deste último. É nesse ponto que as lições de
Andolina se mostram de grande relevância para a compreensão do ordenamento
brasileiro, mesmo que com algumas adaptações.

Alguns exemplos.

Há muitos desajustes de uma sentença com seu respectivo conceito de


suporte, que não se caracterizam como inexistência, `s vezes nem nulidade
absoluta. Por exemplo, a sentença pode conter um dispositivo incompreensível,
a ponto de não se saber a que o réu teria sido condenado a fazer – e até
mesmo se o fora. Transitada em julgado a sentença, tais desajustes se tornam
intocáveis, apenas por ação rescisória. Contudo, não parece razoável
considerar que essa sentença conte como sendo um título executivo. Negado
esse enquadramento, a sentença, em si, permanece íntegra, mas não se
encaixa no conceito de suporte de título respectivo.

O mesmo se diga do cheque prescrito.


Até que ponto o juiz, párea determinar se existe um título, deve examinar as condições
de existência dos tokens de figuras X, que lhes são apresentados?

E como ele conhece dessas questões?

E quando?

E quais são as implicações e os efeitos dessa cognição?

Você também pode gostar