Você está na página 1de 39

Termos, conceitos e

fenômenos
TEORIA DO DIREITO
PROF. MARCELO LIMA GUERRA

Numa visão superficial, mas importante, o significado de um grupo
bastante amplo das palavras e construções linguísticas (= termos)
de uma língua pode ser compreendido como a conjunção de duas
relações:

a) o termo designa o conceito (= a “ideia”) constituído pela reunião
de determinadas propriedades (= características, qualidades) que
podem ser possuídas por alguns itens individuais (= fenômenos,
coisas), mas não por outros.

b) o termo designa uma coleção de itens individuais que são
dotados das propriedades (características, características) que
constituem o conceito designado pelo mesmo termo.

A palavra (= termo) 'cão’ designa, por um lado, o “conceito”
constituído por um conjunto de propriedades, que incluem, “animal
que late”, “melhor amigo do homem”, “animal de quatro patas”.
Tais propriedades podem ser possuídas por alguns itens e por outros
não.


A palavra (= termo) 'cão’ designa, por outro lado, o conjunto dos
itens individuais que possuem as propriedades constitutivas do
conceito também designado pela palavra ‘cão’.

A importância fundamental destas distinções é a seguinte:


É fundamental estar atento para quando se está falando de
“palavras”, de “conceitos” e de “fenômenos” ou “coisas”.


A falta de clareza quanto a isso tem sido fonte de infindáveis
discussões inúteis, em particular no direito.

Quando um item individual possui as propriedades constitutivas de
um conceito, diz-se que ele é uma “instância” desse conceito, ou
que “se subsume” a ele.


A coleção de itens individuais que são dotados das propriedades
(características, características) que constituem determinado
conceito é denominada, em lógica, de “classe”.
Os conceitos podem ser instanciados por:

1. Um número indeterminável de itens individuais, ou seja, todos


aqueles que instanciem, instanciaram ou venham a instanciar tal
conceito (ou todos aqueles que se subsumam, se subsumiram ou
venham a se subsumir em tal conceito)

2. Um número determinado de itens individuais, podendo mesmo ser


um único item

3.Nenhum item individual, ou seja, quando não existe um único item


individual que instancie tal conceito

O conceito designado pela palavra ‘cão’ é instanciado por um
número indeterminável de itens individuais.


O conceito designado pela construção linguística ‘campeão da Copa
do Mundo de futebol de 1970’ é instanciado por apenas um item
individual.


O conceito designado pela construção linguística ‘primeiro ser
humano a habitar em Júpiter’, é instanciado por nenhum item
individual.

Uma estratégia interessante para melhor compreender as relações
entre conceitos, termos (palavras) e fenômenos é a que se segue.-
Observe-se essa sequência de sentenças:


Pedro é careca

João é careca

Paulo é careca

José é careca

Fernando é careca

Em todas as sentenças acima, há um elemento ou fator idêntico,
correspondente à expressão ‘é careca’, e elementos distintos em
cada sentenças, correspondentes aos nomes ‘João’ etc.

Pela gramática, sabemos que o elemento que se diferencia em cada
sentença é o “sujeito” e o elemento como entre elas é o “predicado”
e que em todas essas sentenças se atribui um predicado a um
sujeito.

No caso, em todas as sentenças se atribui o mesmo predicado a
diferentes sujeitos.

Isso que nas sentenças acima é facilmente reconhecido como o
“predicado” da sentença, em termos gramaticais, é justamente o
termo que expressa um determinado conceito (“ser careca”).

Já aquilo que nas sentenças acima é facilmente reconhecido como
os “sujeitos” das sentenças, em termos gramaticais, é justamente o
termo designa (diretamente) um determinado fenômeno ou item
individual.

Agora, nem os indivíduos referidos pelos nomes próprios, nem os
conceitos expressos pelos adjetivos se confundem com as palavras,
enquanto objetos linguísticos, que compõem as sentenças.

De qualquer maneira, tem-se o seguinte:


Em cada uma dessas sentenças é atribuído a um determinado item
individual, referido por uma expressão específica (nomes próprios,
pronomes, indexicais, descrições definidas), um conjunto de
propriedades, que constituem um determinado conceito, igualmente
expresso por expressões específicas (substantivos, adjetivos,
descrições indefinidas etc.).

Uma outra maneira de expressar a mesma ideia é a seguinte:


Em cada uma dessas sentenças, afirma-se que determinado item
individual, referido por uma expressão específica (nomes próprios,
pronomes, indexicais, descrições definidas), possuem as
propriedades que constituem um determinado, igualmente expresso
por expressões específicas (substantivos, adjetivos, descrições
indefinidas etc.), o que é o mesmo que dizer que tal item individual
instancia o referido conceito.

Enfim, há um importante aspecto da compreensão dos conceitos,
que melhor se apreende pela seguinte estratégia. Considere-se que a
cada uma daquelas sentenças fosse dada uma expressão “formal”, na
qual as palavras fossem substituídas por meras letras, segundo um
código bastante trivial (palavra X = letra Y).


Pedro é careca = Pd é C

João é careca = J é C

Paulo é careca = Pl é C

José é careca = Js é C

Fernando é careca = F é C

Agora, seguindo a mesma ideia, sendo o caso de se pretender referir
apenas aos itens individuais com o mesmo formalismo, basta mudar
o termo que designa o mesmo item por uma letra.


Pedro = Pd

João = C

Paulo = Pl

José = Js

Fernando = F

E como dar uma representação aos conceitos expressos nas
sentenças, valendo-se do mesmo formalismo?

Poder-se-ia pensar em substituir a expressão que designa um
conceito, também por uma mera letra. O problema é que qualquer
expressão que designa um conceito, também pode ser um nome
próprio, referindo-se a um item individual.

Por exemplo, “Baleia” é o nome da cadela, personagem de Vidas
Secas, de Graciliano Ramos.

Acrescentar o ‘é’ antes da letra também não parece uma solução
adequada, porque nada impede que a letra à direita de ‘é’ continue
designando um item individual e não um conceito

A lógica oferece uma boa solução para esse problema.

O primeiro passo é esse: nas sentenças acima, “retira-se” os termos
que se referem ao item individual referido por um “signo de lacuna”,
ou seja, uma “variável”, que pode ser dos mais diversas tipos: ‘x’,
‘( )’, ‘_’, ‘Fulano’ etc. Ter-se-ia o seguinte:


x é careca = x é C

x é careca = x é C

x é careca = x é C

x é careca = x é C

x é careca = x é C

A construção que resulta dessa operação (‘x é C’) é aquilo que, em
lógica, se denomina “sentença aberta”.

Além disso, em lógica, as sentenças abertas são expressas de modo
ainda mais simples, ou seja, ‘C(x)’, com a cópula sendo deixada
implícita. Ou seja ‘C(x)’ e x é C são duas expressões idênticas, para
expressar sentenças abertas, nas quais se indica um conceito e
também se indica que ele diz respeito a algo que não é referido, mas
o seu “lugar” na sentença está assinalado pela variável.

Pois bem. Esse formalismo, que se vale de um “signo de lacuna”
para marcar o lugar que pode ser preenchido por um número
indeterminado de itens individuais, é o mais adequado para
representar conceitos. E compreender isso permite compreender um
aspecto fundamental dos conceitos.

A construção que resulta dessa operação (‘x é C’) é aquilo que, em
lógica, se denomina “sentença aberta”.

Além disso, em lógica, as sentenças abertas são expressas de modo
ainda mais simples, ou seja, ‘C(x)’, com a cópula sendo deixada
implícita. Ou seja ‘C(x)’ e x é C são duas expressões idênticas, para
expressar sentenças abertas, nas quais se indica um conceito e
também se indica que ele diz respeito a algo que não é referido, mas
o seu “lugar” na sentença está assinalado pela variável.

Pois bem. Esse formalismo, que se vale de um “signo de lacuna”
para marcar o lugar que pode ser preenchido por um número
indeterminado de itens individuais, é o mais adequado para
representar conceitos. E compreender isso permite compreender um
aspecto fundamental dos conceitos.
 Itens individuais são dotados de existência autônoma.

 Mas conceitos são, de fato, meras abstrações. As propriedades de ser careca,


ser amarelo, ser isso ou aquilo não existem, autonomamente. Elas são
propriedades que alguns itens individuais possuem e outros não, ou que
apenas itens imaginários (= Sherlock Holmes, unicórnios) possuem. No mudo
ficcional, Sherlock Holmes “existe por si mesmo”, mas as propriedades ou
atributos que, naquele mundo, o descrevem verdadeiramente, não existem
independentemente dele.

 Por isso, a melhor representação formal de um conceito é através de uma


sentença aberta, como ‘(x) é F’, ou mais simplesmente ‘F(x)’, onde ‘F’
designa as qualidades e a variável designa a “lacuna” a ser preenchida por um
item individual.

 Com isso se compreende esse aspecto fundamental dos conceitos: um
conceito é, necessariamente, um conceito de algo. É da natureza de um
conceito, enquanto um conjunto de propriedades, ser instanciado por
algum item individual, o seu “objeto”.
 Essa compreensão é importante para perceber e evitar discussões estéreis,
provocadas pela tendência a se tomar certos conceitos como “itens
individuais”, apenas porque são referidas por uma maneira nominalizada.
 Assim, “a justiça”, “a pontualidade” e outras expressões assim, não
designam “coisas”, mas propriedades.
 Justiça = (x) é justo
 Pontualidade = (x) é pontual
 Ao invés de indagar “o que é a justiça”, mais útil é indagar “quando se diz
de algo que é justo, o que se estã/deveria estar predicando a este algo.

Ambiguidade x Vagueza


A ambiguidade é fenômeno relativo a termos: diz-se que um termo
é ambíguo, quando ele expressa dois ou mais conceitos distintos.
Ex.: ‘banco’, ‘manga’ etc.


A vagueza é fenômeno relativo a conceitos: diz-se que um conceito
é vago quando, em alguns casos, é difícil ou impossível determinar
se um determinado item se subsume ou não nesse conceito. Ex.:
“alto”, “tempo reduzido”, “quente”, “careca”.
Condições mínimas para que se tenha uma
controvérsia genuína entre opiniões sobre
qualquer coisa
 Todas as nossas opiniões podem ser reduzidas a sentenças com as
formas “O F é um G”´os Fs são Gs e outras.

 A Baleia [nome próprio] é uma orca


 As jubartes são baleias
 A justiça é a atribuição a cada um do que é seu

 Coisas diferentes, portanto, são expressas dessa forma: tanto


definições reais como análises conceituais.
 Alguns tipos de definição:

 (1) Definição de um termo: a indicação do conceito ao qual ele, o termo, está


associado (definição nominal).

 (2) Definição de um item individual: a indicação do (essencial ou principal)
conceito do qual esse item seria uma instância (definição real).

 (3) Definição de um conceito:
 (a) indicação de um conceito mais amplo (mais básico) no qual este conceito
estaria incluído (análise conceitual básica).

 (b) substituição de conceito formulado de modo obscuro, por um conceito mais


claro mais claro e específico (análise conceitual filosófica).
No caso das definições reais, a variável ‘F’ é um termo que se refere
a determinado item individual ou itens individuais igualmente
determinados, enquanto que a variável ‘G’ é um termo que expressa
um conceito.

No caso das análises conceituais, a variável ‘F’ é um termo que


expressa um conceito e a variável ‘G’ é um termo que expressa
outro conceito que, conforme o caso, será mais abrangente ou mais
preciso que o primeiro.
Em qualquer caso, apenas será racionalmente possível falar em
controvérsia, se houver um acordo prévio entre os seguintes pontos:

1. O item ou itens individuais que se cuida de dar uma definição


2. O conceito que se cuida de dar uma análise
3. O conceito que se utiliza para definir determinado item ou
proporcionar uma análise de outro conceito
Por exemplo, se alguém diz “O objeto branco no fundo do gramado
é um coelho” e outra pessoa diz “Não, é um gato”, para que se tenha
uma controvérsia genuína é necessário que ambos saibam:

Identificar o item individual referido com a expressão ‘objeto


branco no fundo do gramado’

As propriedades constitutivas dos conceitos “coelho” e “gato”.

Não satisfeitas essas condições, o que se tem é puro “non sense”


No direito, é mais que comum discussões sobre a natureza jurídica e
a definições de coisas, sem que se tenha um mínimo acordo prévio
sobre o que se está falando.

Por exemplo, há uma controvérsia recente sobre o que “sejam”


princípios jurídicos, alguns autores defendendo que “Os princípios
jurídicos são X” e outros defendendo que “Os princípios jurídicos
são Y”.
Mas ‘princípios jurídicos’ nada mais é do que uma expressão com
muitos sentidos, bem diferentes um dos outros, e uma real discussão
deveria ser sobre qual o conceito proporciona a melhor definição
real de fenômenos concretos referidos por um uso específico e
determinado da expressão ‘princípio jurídico’, ou qual o conceito
que proporciona uma melhor análise conceitual do conceito
correspondente a um dos sentidos da expressão.

Como tais condições não são satisfeitas, o resultado é um “non


sense”
Termos (e conceitos) legais x Termos (e conceitos) doutrinários

Termos legais são aqueles que comparecem em textos legislativos.


Porque textos legislativos expressam normas, o conceito que um termo legal
tem por significado deve ser determinado da forma mais objetiva possível,
porque tal determinação é parte da determinação da norma veiculada pelo
texto, do qual o termo faz parte
Termos doutrinários são termos criados livremente pelo doutrinador, para
designar conceitos teóricos que ele também tem razoável liberdade para
criar.

Conceitos não podem ser nem verdadeiros, nem falsos.


Mas eles podem ser claros ou obscuros, úteis ou inúteis etc.
Conceitos doutrinários são elaborados e introduzidos na
explicação/sistematização do material legislativo e devem ser valorados pelo
seu respectivo potencial explicativo e/ou sistematizador
É um dever ético de todo estudioso, ao introduzir determinado termo
teórico, indicar o conceito que ele pretende designar com tal termo e usar tal
termo sempre com o mesmo significado.

Qualquer mudança de significado, sempre possível, deve ser expressamente


assinalada.
Conceitos e classes

Gênero e espécies
Conceitos são constituídos por um conjunto de propriedades e a
cada um deles corresponde uma classe, consistente no conjunto de
itens individuais que possuem ou portam tais propriedades

É conhecido o fenômeno da possibilidade ser dividida em diversas


subclasses. Esta divisão se explica pela possibilidade de um
conceito se tornar mais específico pelo acréscimo de propriedades,
daí resultando uma subclasse mais restrita
Ex:

Conceito de cadeira x conceito de cadeira de madeira


De um ponto de vista estritamente lógico, qualquer conceito pode ser
um gênero e a ele corresponder espécies.
Contudo, nas práticas sociais cotidianas, há uma limitação para a
identificação de gêneros e espécies e esta limitação é a relevância.
“Coisas da cor salmão” é um conceito e, por isso, pode servir como
gênero que tenha, como espécies, camisas da cor salmão, móveis da cor
salmão etc. Essa categorização só é relevante, todavia, se houver
diferenças associadas ao fato de algo “ser da cor salmão”, ou não. Do
contrário, este “gênero” é inteiramente inútil.
Esse é um problema muito sério na compreensão do “conceito de
direito”.

Qualquer discussão, qualquer tentativa de dar uma definição real do


que quer que seja referido, em determinado caso, com essa
expressão, requer que, pelo menos, se identifique com alguma
clareza, exatamente de que se está falando, exatamente de que
fenômenos se tenta dar uma definição.
 Conceitos naturais x conceitos institucionais

 Um conceito natural é aquele que reúne propriedades que itens


individuais portam sem nenhuma interferência humana, ou seja,
propriedades que tais itens individuais possuem independentemente
de nenhuma intenção ou escolha humana na sua constituição.

 Por exemplo, os conceitos de “água”, “ouro”, “pinguim” etc.


 Um conceito institucional, no sentido amplo com que aqui se utiliza
esse termo, é aquele que reúne propriedades que itens individuais
portam em razão de alguma interferência humana, ou seja, como
decorrência da imposição de alguma intenção ou escolha humana
na própria constituição desses itens individuais.

 Por exemplo, os conceitos de “xadrez”, “straight flush”, “dinheiro”,


“condomínio horizontal”. “juiz” etc.

Você também pode gostar