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Textos / Seminário de Orientação - 12 de Março de 2005 - Fernando Janeiro

Algumas vantagens da Teoria das Descrições Definidas (Russel 1905)

Assume-se que o objecto de uma teoria semântica é constituído por palavras e frases
e o objectivo é a explicação do significado linguístico, ou seja da relação (R) entre as
palavras e frases e o que com elas se quer dizer, ou seja, o seu conteúdo.

O problema pode ser colocado na forma de uma pergunta como:


Em virtude de quê têm as palavras e frases o conteúdo que têm?

A Teoria das Descrições Definidas (TDD) toma como objecto frases que contêm
termos descritivos - do tipo o F é G - e apresenta a seguinte resposta a esta pergunta:

As palavras e frases têm o conteúdo que têm em virtude de um processo de satisfação


de determinadas condições. O conteúdo da frase, se existe, é algo que satisfaz
determinadas condições.

Trata-se de tomar o significado R como uma relação ou mecanismo de


identificação condicionada.

Neste caso, a frase dá expressão a uma proposição de natureza geral e o significado


da frase é derivado por composição a partir do significado dos termos, isto é, neste caso,
das relações de identificação por intermédio da predicação imputáveis a F e G.
Admitimos que os conteúdos semânticos de F e G são predicados.
Tomado assim o significado, como mecanismo de identificação condicionada, ficam
por explicar os processos de identificação directa - convencional ou arbitrária - que
parecem estar associados a frases do tipo n é G em que n é um nome próprio.
Uma frase deste tipo dá expressão a uma proposição de natureza singular e o
significado da frase é derivado por composição a partir do significado dos termos, isto
é, neste caso, da relação de identificação por intermédio da predicação para G e da
relação de identificação directa para o nome n. Se admitirmos que o significado de n se
esgota no objecto que refere, ou seja, que o seu conteúdo semântico é o objecto, então n
é G não terá significado se não existir o objecto que n representa na linguagem.
Nesta medida, aparentemente, por ter sido introduzida uma distinção funcional entre
nomes próprios e descrições definidas, seria adequada uma divisão na categoria única
fregeana dos termos singulares. Além disso, na medida em que num caso o significado
duma expressão depende exclusivamente do objecto, isto é, há uma relação directa entre
o termo e o objecto, e no outro caso não, isto é, há uma relação indirecta entre o termo e
o objecto, relação mediada por uma descrição, tal distinção funcional parece assumir
grande importância.

A exposição:

Passo 1
De como Russel recorre à distinção entre referência e denotação para explicar aquela
distinção funcional entre nomes e descrições definidas;
Passo 2
De como Russel recorre a uma assimilação dos nomes em uso corrente - distintos de
nomes genuínos ou logicamente próprios - a descrições pela alegação de que se trata de
descrições disfarçadas.
Passo 3
De como Russel explica o comportamento de termos predicativos enquanto termos
quantificacionais.
Passo 4
De como os passos 1, 2 e 3 contribuem decisivamente para que a resposta de Russel
à questão inicial:
a) Permita explicar como é fixada a referência de um nome, ou seja, como um nome
designa um objecto - satisfação da descrição / conteúdo conceptual;
b) Permita explicar o conteúdo cognitivo de frases onde o nome ocorre - descrição /
conteúdo conceptual;
c) Permita explicar a compreensão do nome por alguém que o usa ou o vê usado em
contextos de comunicação via linguagem - conhecimento identificador.
d) Permita abordar de forma esclarecedora puzzles relacionados com:
1) Aparente trivialidade de identidades do tipo 'a=b'
2) Aparentes violações da lei de Leibniz da indescernibilidade de idênticos
3) Aparentes contra-exemplos à lei do terceiro excluído;
4) Aparência de autocontradição em declarações de inexistência.
Passo 1
De como Russel recorre à distinção entre referência e denotação para explicar aquela
distinção funcional entre nomes e descrições definidas.

Referir (identificar directamente) corresponde a uma função semântica cujo


significado se obtém exclusivamente a partir do objecto referido, isto é, uma expressão
referencial carece de sentido se o objecto referido não existe. Só os nomes podem ter
este funcionamento semântico: o de representantes directos do objecto no plano
linguístico.

Denotar (identificar indirectamente) corresponde a uma função semântica cujo


significado se obtém na descrição através da qual objectos são eventualmente
identificados. As descrições têm a função semântica de representar propriedades no
plano linguístico.
Para que uma expressão denotativa tenha sentido é, pois, dispensada a existência do
objecto denotado.

Passo 2
De como Russel recorre a uma assimilação dos nomes em uso corrente - distintos de
nomes genuínos ou logicamente próprios - a descrições pela alegação de que se trata de
descrições disfarçadas.

A distinção entre nome logicamente próprio ou termo genuinamente referencial e


nome em uso corrente exige uma consideração de natureza epistemológica. Diremos
que é preciso saber qual é o significado de uma expressão para que uma expressão possa
ser compreendida e que só é possível compreender uma expressão se há contacto com
aquilo que lhe dá significado (Princípio do Contacto).
Compreender um termo genuinamente referencial é, assim, o mesmo que ter uma
percepção (particular) do objecto que esse termo representa resultante do contacto com
o objecto. Este resultado coloca o problema da comunicação de percepções. Isto pode
constituir motivo para reduzir substancialmente o conjunto dos termos genuinamente
referenciais. Só termos como 'isto' ou 'eu' podem veicular o sentido de expressões cujo
conteúdo é uma percepção.
A compreensão de um nome em uso corrente ou denotativo pode ser obtida por via
do significado da descrição (universal) que lhe está associada. Teremos um primeiro
caso de compreensão por via do contacto com o objecto e um segundo caso de
compreensão por via descritiva, ou seja, do contacto com as propriedades.

Na medida em que nomes próprios em sentido corrente não representam


normalmente percepções (particulares), podemos dizer que não funcionam como termos
genuinamente referenciais e podemos considerar que os nomes em uso corrente são
afinal descrições definidas disfarçadas que exercem na linguagem um papel denotativo.
O aumento substancial e tão abrangente do tipo de termos gerais como os termos
denotativos, permite desde já retomar a distinção funcional, estabelecida à partida, entre
nomes próprios e descrições definidas, não como geradora, como dissemos antes, de
uma divisão na categoria única fregeana dos termos singulares, mas como depuradora
de uma categoria única russeliana de termos gerais.

Passo 3
De como Russel explica o comportamento de termos denotativos/predicativos
enquanto termos quantificacionais.

Considerados os nomes como descrições disfarçadas, eles terão um papel semântico


semelhante ao das descrições.
Na medida em que descrições realizam uma identificação condicionada de objectos,
ou seja, um objecto é identificado por uma descrição se satisfaz a condição formulada
pela descrição e, no caso das descrições definidas, a satisfação das condições é só
realizada por um único objecto, isso pode ser traduzido assim:
A afirmação de que um objecto tem um certo predicado é verdadeira se e só se esse
objecto existe, esse objecto tem, de facto, esse predicado e só esse objecto tem esse
predicado (existe um objecto x tal que x é P e só x é P). O mesmo é dizer que para uma
frase do tipo 'x é P' as condições de V/F são as seguintes:
a) Existe x
b) x é P
c) só x é P
Então, e porque as descrições são afinal um conjunto de funções proposicionais, nada
lhes corresponde (nada identificam directamente) quando tomadas em bloco, sendo o
seu significado produzido pela eventual satisfação daquelas funções proposicionais por
objectos.
Descrições definidas não são termos singulares e, também não o são os nomes em
uso corrente. São termos gerais quantificacionais ( universais ou existenciais) que não
requerem a existência de algo que satisfaça a descrição para que tenham significado.

Passo 4
De como os passos 1, 2 e 3 contribuem decisivamente para que a resposta de Russel
à questão inicial:
a) Permita explicar como é fixada a referência de um nome, ou seja, como um nome
designa um objecto - satisfação da descrição / conteúdo conceptual;
Vimos que quanto a isto a solução é a denotação como identificação de um objecto
via satisfação de predicados.
b) Permita explicar o conteúdo cognitivo de frases onde o nome ocorre - descrição /
conteúdo conceptual;
O conteúdo cognitivo de frases onde um nome ocorre consiste na compreensão dos
predicados contidos na descrição associada ao nome.
c) Permita explicar a compreensão do nome por alguém que o usa ou o vê usado em
contextos de comunicação via linguagem - conhecimento identificador.
Podemos agora dizer que alguém conhece um objecto denotado por um nome na
medida em que pode constatar que esse objecto satisfaz as condições impostas pela
descrição associada ao nome, a qual se constitui como conteúdo cognitivo.

d) Permita abordar de forma esclarecedora puzzles relacionados com:


1) Aparente trivialidade de identidades do tipo 'a=b'
2) Aparentes violações da lei de Leibniz da indescernibilidade de idênticos
3) Aparentes contra-exemplos à lei do terceiro excluído;
4) Aparência de autocontradição em declarações de inexistência.

Frases que contêm expressões denotativas expressam proposições cuja forma lógica
nos mostra que se trata de símbolos incompletos. Os puzzles deixam-se resolver ao
mesmo tempo que explicamos como atribuímos significado a esses símbolos.
Assim,
1) Se tomarmos uma predicação como uma frase geral do tipo
a) Para qualquer x, se x é um planeta, então x tem massa (universal)
b) Existe pelo menos um x tal que x é um planeta e x tem massa (existencial)
e assumirmos que nos seguintes casos
i) Scott é o autor de Waverley
ii) O Rei de França é calvo
iii) A diferença entre a e b não existe
temos frases com a forma lógica de frases universais ou existenciais como as que
usámos para exemplificar o que se passa numa predicação, então estamos na presença
de termos quantificacionais.
i) O puzzle é meramente aparente já que não é agora o caso que 'o autor de Waverley'
seja um nome e que, pelo princípio da indiscernibilidade de idênticos, pudéssemos
concluir que George IV estaria tão interessado em saber se Scott é o autor de Waverley
como em saber se Scott é Scott. A expressão 'o autor de Waverley' é tomada agora como
um termo quantificacional cujo significado é independente de objectos.
ii) O puzzle é meramente aparente já que não é agora o caso que 'o Rei de França'
seja um nome podendo a frase ser verdadeira ou falsa conforme as condições
a) Existe x
b) x é P
c) só x é P
sejam ou não satisfeitas. Uma vez que a condição a) não é preenchida pela frase 'O Rei
de França é calvo' nem pela frase 'O Rei de França não é calvo', estas são ambas falsas
sem que isso constitua uma violação do princípio do terceiro excluído.
iii) O puzzle é meramente aparente já que não é agora o caso que 'a diferença entre a
e b' seja um nome. Tomemos Dx como uma predicação: x é a diferença entre a e b.
Podemos agora dizer a frase, sem alterar o seu significado, do seguinte modo:
Não existe x tal que x é a diferença entre a e b e, para qualquer y, se y é a diferença
entre a e b, então y é igual a x.
ou
Não existe algo que satisfaça a condição de ser a diferença entre a e b.
Deste modo não há compromisso com a existência de algo que tenha o predicado de
não existir.

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