Você está na página 1de 8

Introdução

1. Pois a urgência de que agora extraio como pretexto para deixar de lado esse propósito
só faz encobrir a dificuldade de que, ao sustentá-lo na escala em que devo aqui
apresentar meu ensino, ele não se distancie demais da fala, cujas medidas diferentes
são essenciais para o efeito de formação que procuro (p.496-497).

Os efeitos de fala como recurso ao ensino: de que modo? a partir do equívoco? ser analisante do meu
'não querer saber nada disso' quando no tropeço encontro o limite da compreensão e com a lógica do
real?”

2. Lacan dirige na p.497 uma crítica aos psicanalistas que se preocupam com uma falsa
identidade da psicanálise, usando de apoio a busca do verdadeiro dentro de um quadro
institucional para o qual a teoria se coloca como reproduzida, banalizando o lugar da
linguagem e do simbólico na sua constatação clínica.

O Sentido da Letra

3. A posição de Lacan a respeito do estatuto do inconsciente: Nosso título deixa claro


que, para-além dessa fala, é toda a estrutura da linguagem que a experiência
psicanalítica descobre no inconsciente. Pondo desde logo o espírito prevenido em
alerta, porquanto é possível que ele tenha de reavaliar a idéia segundo a qual o
inconsciente é apenas a sede dos instintos (p.498)
4. A definição de significante e sua natureza: a) Designamos por letra este suporte
material que o discurso concreto toma emprestado da linguagem. b) Essa definição
simples supõe que a linguagem não se confunda com as diversas funções somáticas e
psíquicas que a desservem no sujeito falante. Pela razão primeira de que a linguagem,
com sua estrutura, preexiste à entrada de cada sujeito num momento de seu
desenvolvimento mental (idem).
5. A anterioridade histórico do Sujeito em relação ao vivente (transgeracional):
Também o sujeito, se pode parecer servo da linguagem, o é ainda mais de um discurso
em cujo movimento universal seu lugar já está inscrito em seu nascimento, nem que
seja sob a forma de seu nome próprio.

Ele cita em seguida que de nada valeria considerar a experiência da comunidade e a substância que
envolve esse discurso, se não considerarmos que antes dela própria se encontram elementos
estruturais fundamentais, através da qual as relações humanas irão ser tratadas e suas trocas serão
estabelecidas, sob o nome de tradição, que dá as bases para o desenvolvimento do drama histórico.
Embora inconscientes, essas trocas são inconcebíveis fora das permutas da linguagem. Isso, para ele,
é o que em seguida poderá liberar o dilema de definição humana, entre cultura e natureza,
acrescentando-lhe o elementos sociedade, que fundamental distingue as sociedades humanas das
sociedades naturais pelo fato de haver linguagem.

6. De nossa parte, vamos fiar-nos apenas nas premissas que viram seu valor confirmado
pelo fato de a linguagem ter efetivamente conquistado, na experiência, seu status de
objeto científico. Pois é por esse fato que a lingüística 7 se apresenta numa
posição-piloto nesse campo em tomo do qual uma reclassificação das ciências
assinala, como é de costume, uma revolução do conhecimento: e somente as
necessidades da comunicação fazem com que o inscrevamos no frontispício deste
volume sob o título de " ciências do homem" , malgrado a confusão que aí pode
encontrar meios de se acobertar (p.499).
Para marcar o surgimento da disciplina lingüística, diremos que ela se sustenta, como
acontece com toda ciência no sentido moderno, no momento constitutivo de um
algoritmo que a funda.
Esse algoritmo é o seguinte: S/s
que se lê: significante sobre significado, correspondendo o " sobre" à barra que
separa as duas etapas.
7. A temática dessa ciência, por conseguinte, está efetivamente presa à posição
primordial do significante e do significado, como ordens distintas e inicialmente
separadas por uma barreira resistente à significação. Eis o que tornará possível
um estudo exato das ligações próprias do significante e da amplitude da função destas
na gênese do significado.
8. Lacan situa a biunivocidade da relação entre palavra e coisa, para introduzir o
problema dessa correspondência no ato de nomeação, por exemplo, cuja a figura é a
mãe apontando com o dedo, para dizer em seguida:
9. Por essa via, as coisas não podem fazer mais que demonstrar que nenhuma
significação se sustenta a não ser pela remissão a uma outra significação: o que
toca, em última instância, na observação de que não há língua existente à qual se
coloque a questão de sua insuficiência para abranger o campo do significado, posto
que atender a todas as necessidades é um efeito de sua existência como língua. Se
formos discernir na linguagem a constituição do objeto, só poderemos constatar que
ela se encontra apenas no nível do conceito, bem diferente de qualquer
nominativo, e que a coisa, evidentemente ao se reduzir ao nome, cinde-se no
duplo raio divergente: o da causa em que ela encontrou abrigo em nossa língua e
o do nada ao qual abandonou sua veste latina (rem).

Essa observação demonstra que a dimensão da linguagem não parte de um voluntarismo que apoia a
ideia da gênese do significado no ato nominativo da palavra com a coisa. Por isso, concorda com sua
tese de que a linguagem inscreve o campo de possibilidades para o falante em uma língua, sendo a
estabilidade que se busca nessa correspondência somente sendo encontrada no conceito.

10. [...] E fracassaremos em sustentar sua questão enquanto não nos tivermos livrado da
ilusão de que o significante atende à função de representar o significado, ou, melhor
dizendo: de que o significante tem que responder por sua existência a título de
uma significação qualquer (p.501).
11. É ela que conduz o positivismo lógico à busca dosentido do sentido, do meaning of
meaning, tal como se denomina, na língua em que se agitam seus devotos, o objetivo.
Donde se constata que o texto mais carregado de sentido desfaz- se, nessa análise, em
bagatelas insignificantes, só resistindo a ela os algoritmos matemáticos, os quais,
como seria de se esperar, são sem sentido algum (idem).
Lacan compara o signo e a sua correspondência em imagem e árvore, como unívocas em sua relação
significado, fazendo com que o de cima corresponda ao de baixo e vice-versa. Ao colocar as placas
homem e mulher em função de duas portas, a impõe lado a lado demonstrando a função da
prevalência do significante e sua separação do significado, ou de uma significação em si - quer dizer,
que não articulada.

12. Além, com efeito, de os trilhos dessa história materializarem a barra do algoritmo
saussuriano de uma forma que é a conta certa para sugerir que sua resistência pode
ser outra que não dialética, seria preciso - essa é exatamente a imagem que convém
- não ter olhos na cara para se atrapalhar quanto ao respectivo lugar do significante
e do significado, e para não observar de qual centro irradiante o primeiro vem
refletir sua luz nas trevas das significações inacabadas (p.503)
13. [...] Uma coisa é certa: é que esse acesso, pelo menos, não deve comportar nenhuma
significação, se o algoritmo com sua barra, lhe convém. Pois o algoritmo, na medida
em que ele mesmo é apenas pura função do significante, só pode revelar uma
estrutura de significante nessa transferência.
Ora, a estrutura do significante está, como se diz comumente da linguagem, em
ele ser articulado.
( a propriedade do significante): Isso quer dizer que suas unidades, de onde quer
que se parta para desenhar suas invasões recíprocas e seus englobamentos
crescentes, estão submetidas à dupla condição de se reduzirem a elementos
diferenciais últimos e de os comporem segundo as leis de uma ordem fechada
(p.504)
(A esses elementos diferenciais últimos): Esses elementos, descoberta decisiva da
lingüística, são os fonemas, onde não se deve buscar nenhuma constância fonética
na variabilidade modulatória em que se aplica esse termo, e sim o sistema
sincrônico dos pareamentos diferenciais necessários ao discernimento dos
vocábulos numa dada língua.
ex de fonema: Gastação Gestação
14. (segue o Toro) Com a segunda propriedade do significante, de se compor segundo
as leis de uma ordem fechada, afirma-se a necessidade do substrato topológico do
qual a expressão cadeia significante, que costumo utilizar, fornece uma aproximação:
anéis cujo colar se fecha no anel de um outro colar feito de anéis.
São essas as condições estruturais que determinam - como gramática - a ordem das
invasões constitutivas do significante, até a unidade imediatamente superior na frase,
e - como léxico- a ordem dos englobamentos constitutivos do significante, até a
locução verbal.
15. Sematema ou Radical - radical ou raíz de uma palavra; ou ainda palavra no ponto de
vista de sua significação
ex: azul - azulado - azuleijo…
Taxema - a menor unididade formal, traço simples de natureza gramatical.
ex: Você? (a classe formal - pronome pessoal; entonação - interrogativa)
É fácil, dentro dos limites em que se detêm essas duas iniciativas de apreensão do uso
de uma língua, perceber que somente as correlações do significante com o significante
fornecem o padrão de qualquer busca de significação, como é assinalado pela noção
de emprego de um taxema ou de um semantema, que remete a contextos do grau
imediatamente superior às unidades implicadas.
Mas não é porque as iniciativas da gramática e do léxico se esgotam num certo limite
que se deve pensar que a significação reina irrestritamente para-além. Isso seria um
erro. Pois o significante, por sua natureza, sempre se antecipa ao sentido,
desdobrando como que adiante dele sua dimensão. É o que se vê, no nível da
frase, quando ela é interrompida antes do termo significativo: Eu nunca ... , A
verdade é que ... , Talvez, também ... Nem por isso ela deixa de fazer sentido, e um
sentido ainda mais opressivo na medida em que se basta ao se fazer esperar.

(viagem minha) Seria esse o lugar que o sujeito espera para se revelar mas resiste pois o termo que
falta para fazê-lo se impõe, não permitindo com que a verdade se coloque de outro modo? Quer dizer,
a angústia estaria aí, pensando que a presença do objeto a, na queda do véu fálico (-fi) em i(a) que
aponta para dimensão do desejo e, por sua vez, ao significante que falta ao outro S(A/)?

Donde se pode dizer que é na cadeia do significante que o sentido insiste, mas
que nenhum dos elementos da cadeia consiste na significação de que ele é capaz
nesse mesmo momento.

Antes, Lacan se detém sobre “árvore”, tentando demonstrar que através dela se articulam uma série
de significantes que dão o seu lugar em um determinado encadeamento e a definem enquanto tal, não
como signo pontuado dentro de um determinado léxico, mas como significante que só pode ser
pensado ao lado, articulado, a outro, que posteriormente lhe confere um sentido.

16. O que essa estrutura da cadeia significante revela é a possibilidade que eu tenho,
justamente na medida em que sua língua me é comum com outros sujeitos, isto é,
em que essa língua existe, de me servir dela para expressar algo completamente
diferente do que ela diz. Função mais digna de ser enfatizada na fala que a de
disfarçar o pensamento (quase sempre indefinível) do sujeito: a saber, a de
indicar o lugar desse sujeito na busca da verdade (p.508).
(a linguagem a partir do significante sempre cria modulações do dizer que vão além
do dito) Basta-me, com efeito, plantar minha árvore na locução " trepar na árvore" ,
ou projetar sobre ela a luz maliciosa que um contexto de descrição confere à palavra "
arvorar", para não me deixar aprisionar num comunicado qualquer dos fatos, por
mais oficial que ele seja, e para, caso eu saiba a verdade, exprimi-la apesarde todas as
censuras nas entrelinhas (...)

17. (dando seguimento ao argumento anterior, não imediatamente) A função propriamente


significante que assim se desenha na linguagem tem um nome (...) É entre as figuras
de estilo, ou trapos, de onde nos vem overbo trouver, que se encontra esse nome, com
efeito. Esse nome é metonímia.

Ele usa o exemplo das velas: trinta velas (que se poderia, não necessariamente, completar-se por barco,
o que daria a ele o lugar da sua significação; que também poderia ser castiçal etc.)
Com efeito, a parte tomada pelo todo (...) Onde se vê que a ligação do navio com a
vela não está em outro lugar senão no significante, e que é no de palavra em
palavra dessa conexão que se apóia a metonímia (p.509). Designaremos com isso a
primeira vertente do campo efetivo que o significante constitui, para que nele tenha
lugar o sentido (p.510).

18. (...) qualquer conjunção de dois significantes seria equivalente para constituir
uma metáfora (...) A centelha criadora da metáfora não brota da presentificação de
duas imagens, isto é, de dois significantes igualmente atualizados. Ela brota entre
dois significantes dos quais um substituiu o outro, assumindo seu lugar na cadeia
significante, enquanto o significante oculto permanece presente em sua conexão
(metonímica) com o resto da cadeia.
Uma palavra por outra, eis a fórmula da metáfora, e, caso seja você poeta,
produzirá, para fazer com ela um jogo, um jato contínuo ou um tecido
resplandecente de metáforas (p. 510).

19. Vemos que a metáfora se coloca no ponto exato em que o sentido se produz no
não-senso, isto é, na passagem sobre a qual Freud descobriu que, transposta às
avessas, dá lugar à palavra que é, em francês, " a palavra" por excelência, a palavra
que não tem outro patrocínio senão o significante da espirituosidade, e onde se
vislumbra que é seu próprio destino que o homem desafia através da derrisão do
significante (p.512).

A letra no inconsciente

20. Rébus: Combinação de letras e símbolos cuja leitura se faz em conjunto (A dimensão
fonemática do rébus como importante)

A primeira cláusula, articulada logo no capítulo preliminar, posto que a exposição não
pode suportar sua demora, é que o sonho é um rébus. E Freud trata de estipular
que é preciso entendê-lo, como afirmei a princípio, ao pé da letra. O que se
prende à instância, no sonho, dessa mesma estrutura literante (em outras
palavras, fonemática) em que se articula e se analisa o significante no discurso.
Como as figuras não naturais do barco sobre o telhado ou do homem de cabeça de
vírgula, expressamente evocadas por Freud, as imagens do sonho só devem ser
retidas por seu valor de significante, isto é, pelo que permitem soletrar do
"provérbio" proposto pelo rébus do sonho. Essa estrutura de linguagem que
possibilita a operação da leitura está no princípio da significância do sonho, da
Traumdeutung.
Freud exemplifica de todas as maneiras que esse valor de significante da imagem
nada tem a ver com sua significação, e recorre aos hieróglifos do Egito, onde seria
ridículo deduzir da freqüência do abutre, que é um aleph, ou do pintinho, que é um
vau para assinalar uma forma do verbo ser e também os plurais, que o texto concerne
minimamente a esses espécimens ornitológicos. Freud encontra meios de se orientar,
nessa escrita, por certos empregos do significante que se apagaram na nossa,
como o emprego do determinativo, acrescentando o expoente de uma figura
categórica à figuração literal de um termo verbal, mas para melhor nos remeter
ao fato de que estamos numa escrita em que até o pretenso " ideograma" é uma
letra (p.513-514).

Quer dizer, do valor que adquire uma imagem como o hieróglifo, nada poderia se retirar se não o seu
valor de significante, o que em si, não significa nada, e tomá-lo ao pé da letra, seja tomá-lo em seu
valor de literalidade, de leitura, como instância oca fora daquilo que pode produzir seu contexto de
significação (um outro ou outros significantes).

21. Decodificação: conversão da mensagem codificada em língua inteligível - relação do


significante com o significado (signo), o que o coloca em caratér de correspondência.
Decifrar: a idéia de traduzir um código - introduz a dimensão de um contexto no qual
o que se insere irá ser passível de uma escolha não obrigatória sobre aquilo que se
traduz, mas que se avalia em função daquele - o que introduz a dimensão significante
a significante explorada pelo texto.
(Lacan critica a idéia de simbolismo como algo natural e dirige sua crítica à
associação feita a ela pelos psicanalistas) Convém dizer que só se aceita isso com
dificuldade, e que o vício mental denunciado acima goza de tamanho prestígio, que
podemos esperar que o psicanalista de hoje admita que decodifica, em vez de se
decidir a fazer com Freud as paradas necessárias (dê a volta na estátua de
Champollion, diz o guia) para compreender que ele decifra: o que se distingue de
decodificar pelo fato de que um criptograma só tem todas as suas dimensões
quando é o de uma língua perdida.
22. A Entstellung, traduzida por transposição, onde Freud mostra a precondição geral da
função do sonho, é o que designamos anteriormente, com Saussure, como o
deslizamento do significado sob o significante, sempre em ação (inconsciente,
note-se) no discurso.
Mas as duas vertentes da incidência do significante no significado encontram-se nela.
A Verdichtung, condensação, é a estrutura de superposição dos significantes em
que ganha campo a metáfora, e cujo nome, por condensar em si mesmo a Dichtung,
indica a conaturalidade desse mecanismo com a poesia, a ponto de envolver a
função propriamente tradicional desta.
A Verschiebung ou deslocamento é, mais próxima do termo alemão, o transporte da
significação que a metonímia demonstra e que, desde seu aparecimento em Freud,
é apresentado como o meio mais adequado do inconsciente para despistar a
censura.
O que distingue esses dois mecanismos, que desempenham no trabalho do sonho,
Traumarbeit, um papel privilegiado, de sua função homóloga no discurso? - Nada, a
não ser uma condição imposta ao material significante, chamada Rücksicht auf
Darstellbarkeit, que convém traduzir por "consideração para com os meios da
encenação" (sendo por demais aproximativa, aqui, a tradução por " papel da
figurabilidade").
Digamos que o sonho se parece com o jogo de salão em que se deve, estando na
berlinda, levar os espectadores a adivinharem um enunciado conhecido, ou uma
variação dele, unicamente por meio de uma encenação muda. O fato de o sonho
dispor da fala não modifica nada, visto que, para o inconsciente, ela é apenas um
elemento de encenação como os demais. É justamente quando o jogo e também o
sonho esbarrarem na falta de material taxêmico para representar as articulações
lógicas da causalidade, da contradição, da hipótese etc., que eles darão provas de
ser, um e outro, uma questão de escrita, e não de pantomima (p.514-515).

O sonho como uma questão de escrita adiciona novamente a dimensão de leitura que se faz sobre
aquilo que se registra de suas imagens, sons e elementos em geral, não sendo possível aludir qualquer
coisa fora desse registro.

23. O restante da elaboração é designado por Freud como secundária, que adquire seu
valor a partir daquilo de que se trata: fantasias ou sonhos diurnos, Tagtraum, para
empregar o termo de que Freud prefere servir-se para situá-los em sua função de
realização do desejo (Wunscheifüllung). Seu traço distintivo, dado que essas
fantasias podem permanecer inconscientes, é de fato sua significação. Pois bem,
destas, Freud nos diz que seu lugar no sonho é, ou serem retomadas a título de
elementos significantes para o enunciado do pensamento inconsciente
(Traumgedanke), ou servirem para a elaboração secundária aqui em questão, isto
é, para uma função, diz ele, que não há por que distinguir do pensamento vígil
(von unserem wachen Denken nicht zu unterscheiden). É impossível dar uma idéia
melhor dos efeitos dessa função do que compará-la a placas de argamassa que,
aplicadas lá e cá com um molde, tendessem a reintroduzir na aparência de um quadro
figurativo os grosseiros clichês do rébus ou dos hieróglifos (p.516).
24. Desde a origem, desconheceu-se o papel constitutivo do significante no status que
Freud fixou de imediato para o inconsciente, e segundo as mais precisas modalidades
formais.E isso por duas razões, das quais a menos percebida, naturalmente, é que essa
formalização não bastava, por si só, para que se reconhecesse a instância do
significante, já que, quando da publicação da Traumdeutung, antecipava-se em
muito às formalizações da lingüística, para as quais sem dúvida poderíamos
demonstrar que, por seu simples peso de verdade, ela abriu caminho.
A segunda razão, pensando bem, é apenas o avesso da primeira, pois, se os
psicanalistas ficaram exclusivamente fascinados com as significações destacadas
no inconsciente, foi por elas retirarem seu atrativo mais secreto da dialética que
lhes parecia imanente (p. 516).
(...) É que, na situação em que ele (Freud) se encontrava, repito, de não dispor de
nada que, correspondendo a seu objeto, estivesse no mesmo nível de maturidade
científica, pelo menos ele não deixou de manter esse objeto à altura de sua
dignidade ontológica (p.517).

Lacan dirige uma crítica aos psicanalistas do ego que apoiam sua chave interpretativa na forma das
análises da resistência, da instauração do significado regressivo e outros processos, apoiando-se, ao
mesmo tempo, na dimensão da associação livre, que buscaria a linguagem como recurso princeps para
a coerência da descoberta freudiana, ao tempo que a desconsideram como elemento central de suas
análises e intervenções, buscando num mais além da linguagem o que lhe justifique. O fato de dizer,
talvez ironicamente, que Freud não sabia o que estava fazendo, seja apontar essa posição adotada pelos
analistas em relação ao lugar da técnica e suas condições fundamentais.

25. O retorno ao texto de Freud mostra, ao contrário, a coerência absoluta de sua técnica
com sua descoberta, ao mesmo tempo que permite colocar seus procedimentos no
devido lugar. Eis por que toda retificação da psicanálise impõe que se volte à
verdade dessa descoberta, impossível de obscurecer em seu momento original.
Eis por que toda retificação da psicanálise impõe que se volte à verdade dessa
descoberta, impossível de obscurecer em seu momento original.
Pois, na análise do sonho, Freud não pretende dar-nos outra coisa senão as leis do
inconsciente em sua extensão mais geral.

26. (Lacan situa o sonho como elemento comum que Freud proucura situar para entender
as leis do inconsciente no neurótico e no “sujeito normal’’)
Mas, em ambos os casos, a eficiência do inconsciente não se detém no despertar. A
experiência psicanalítica não é outra coisa senão estabelecer que o inconsciente não
deixa fora de seu campo nenhuma de nossas ações. Sua presença na ordem
psicológica, ou, em outras palavras, nas funções de relação do indivíduo, merece um
esclarecimento, contudo: ela de modo algum é coextensiva a essa ordem, pois
sabemos que, se a motivação inconsciente se manifesta tanto em efeitos psíquicos
conscientes quanto em efeitos psíquicos inconscientes, inversamente, é um
lembrete elementar assinalar que um grande número de efeitos psíquicos que o
termo inconsciente designa legitimamente, a título de excluir o caráter da
consciência, nem por isso deixa de ter alguma relação, por sua natureza, com o
inconsciente no sentido freudiano. É somente por um abuso terminológico,
portanto, que se confunde o psíquico com o inconsciente nesse sentido, e que assim
se qualifica de psíquico um efeito do inconsciente no somático, por exemplo.

O inconsciente é pré-subjetivo, quer dizer, é o que organiza os modos de reconhecimento e subjetivação a


partir das leis da linguagem e determinam o subjetivo no seu sentido psicológico, mas não lhe sendo
equivalente em uma oposição consciente e inconsciente, dado que o Outro é intersubjetivo: não está em
mim ou em você, mas é o que efetua a atualização dos lugares entre eu e outro.

Você também pode gostar