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Semântica I (HL246)

Primeira avaliação

prof. Luiz Arthur Pagani

5 de maio de 2017

1. Explique as cinco denições de Pragmática que Levinson apresenta na seção 1.2 (p. 6 ss.) do seu livro. (40)

Resposta: Na p. 11, Levinson apresenta a sua primeira tentativa de denição para a pragmática:

Pragmática é o estudo das relações entre língua e contexto que são gramaticalizadas
ou codicadas na estrutura da língua.

Nesta denição, Levinson começa a apresentar a ideia de que a Pragmática está associada à intro-
dução de informações contextuais na análise das expressões linguísticas; mas como existem diversos
aspectos que podem estar associados à produção da expressão linguística (como aspectos psicana-
líticos, sociológicos etc.), Levinson estipula para a Pragmática apenas os aspectos que podem ser
diretamente relacionados à gramaticalização (que são marcados de alguma maneira na estrutura
linguística), de forma a manter a Pragmática ainda como um nível de análise linguística.

Já na p. 14, oferece a tentativa de denição complementar à Semântica:

Pragmática é o estudo de todos os aspectos do signicado não capturados em uma teoria


semântica.

Nesta denição, se reconhece que a Pragmática é um nível de análise do signicado, assim como a
Semântica, e que deve dar conta de aspectos do signicado que não são capturados pelos estudos
semânticos; a desvantagem desta denição é justamente a denição complementar: assim, caso a teo-
ria semântica mude, a pragmática teria suas fronteiras automaticamente delimitadas, determinando
uma falta de autonomia para os estudos pragmáticos.

Na terceira denição de Pragmática, Levinson estabelece a pragmática como o estudo da relação


entre expressões linguísticas e informações contextuais necessárias para a descrição e a explicação
dos fenômenos linguísticos:

Pragmática é o estudo das relações entre a língua e o contexto que são básicas para uma
descrição da compreensão da linguagem. (p. 25)

A seguir, em sua quarta tentativa de denição, Levinson recorre a um subterfúgio empírico da


observação da capacidade dos falantes:

Pragmática é o estudo da capacidade dos usuários da língua de emparelhar sentenças


com os contextos em que elas seriam adequadas. (p. 29)

Agora a Pragmática decorreria da observação da capacidade dos falantes em julgar a adequação


da produção de uma sentença em relação ao contexto extralinguístico em que ela foi produzida; a

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vantagem desta denição é a possibilidade de se produzir testes empíricos para medir a adequação das
teorias e das análises, mas a desvantagem é que as fronteiras com a sociolinguística e a psicolinguística
(que também recorrem a testes de produção linguística) cariam indenidas.

Finalmente, em sua última tentativa de denição, Levinson sugere a denição extensional:

A pragmática é o estudo da dêixis (pelo menos em parte), da implicatura, da pressupo-


sição, dos atos de fala e dos aspectos da estutura discursiva. (p. 32)

De acordo com esta denição, a Pragmática é determinada pela listagem exaustiva dos fenômenos
que caberia a ela estudar. A desvantagem desta denição é que a descorbeta de um novo fenômeno
pragmático obrigaria a uma redenição da área; a demoção de um fenômeno também teria esse
mesmo efeito.

Assim, o que parece car desta discussão sobre as possíveis denições de Pragmática é que ela é
uma área de análise linguística associada à inclusão de informações relativas ao contexto (como fa-
lante, ouvinte, tempo e lugar; bem como algumas características dessas entidades contextuais, como
intenção do falante e proeminência contextual) que afetam por um lado a realização da estrutura
linguística e por outro a sua interpretação para além do que foi dito literalmente.

2. Faça a análise do diálogo abaixo identicando as informações que podem ser inferidas dele mas que
não estão explicitamente expressas nele; empregue a mesma metodologia exemplicada por Levinson na
seção 1.4 (p. 56 ss.) do seu livro.

 Sei de tudo.

 E mesmo assim me procurou?  espanta-se Dimitri.

 Claro. Tinha certeza de que você precisava de ajuda. Tomei a liberdade de trocar alguns
dos dólares que achei na sua valise. O dinheiro vai ser mais útil aqui do que trancado na
maleta.

O trecho acima foi retirado do livro O Homem que Matou Getúlio Vargas, de Jô Soares (p. 250);
o diálogo é entre Dimitri (personagem principal do livro) e Pequetita (dona da pensão em que Dimitri
estava hospedado até ser preso sem que ela soubesse). (30)

Resposta: A primeira conclusão a ser tirada é que este trecho de diálogo não inclui nem o seu
início nem o seu nal, porque não aparecem as marcas linguísticas caracteríticas de começo (oi,
olá, como está?) ou término (tchau, até mais) de conversação.

Quando Pequetita começa dizendo que `sabe tudo' (dá para inferir que a primeira sentença do diálogo
é dela porque a segunda sentença é a reação do Dimitri), infere-se que havia algo que não se deveria
saber mas que ela descobriu (ela não diz que descobriu, nem é um ser literalmente omnisciente). Ou
seja, apesar de Pequetita não ter dito isso explicitamente, o que ela está sugerindo é que ela tinha
descoberto o segredo de Dimitri.

Por sua vez, da fala de Dimitri, inferimos que Pequetita foi até onde Dimitri estava (nesse ponto
do romance, ele estava na prisão; mas essa informação não estava dada no enunciado da questão, e
ninguém precisa de poderes mediúnicos para fazer avaliação de pragmática). Literalmente, Dimitri
diz que Pequetita o procurou, e não que ela o encontrou; mas como eles estão conversando, então
infere-se que não só ela o encontrou, mas que eles estão próximos.

Com a segunda fala de Pequetita, camos sabendo que ela mexeu sem permissão nas coisas que
Dimitri deixou na pensão. Ela não diz isso explicitamente. O que ela diz explicitamente é que tinha
dólares na tal valize e que ela os trocou, para que ele pudesse usá-lo na prisão. Observe-se que ela

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não diz explicitamente que está entregando o dinheiro a ele, mas também inferirmos que ele acaba
cando com o dinheiro, já que não faria nenhum sentido que ela fosse até ele dizendo que tinha
trazido dinheiro, e sair de lá sem lhe entregar o dinheiro.

3. Numa antiga propaganda da vodca Orlo, duas versões temporalmente distintas de uma mesma pessoa
interagiam, e uma delas dizia para a outra: eu sou você amanhã; analise os recursos dêiticos empregados
nesta sentença e identique os efeitos discursivos. (30)

Resposta: Nesta propaganda, dois recursos dêiticos são empregados explicitamente (pessoa e tempo)
e um apenas imposto pela encenação (lugar). Nela, duas instâncias temporalmente distintas de um
mesmo indivíduo (uma identicada por eu e outra identicada por você amanhã) se encontram
num mesmo lugar (e nenhuma expressão precisa ser usada porque ela decorre imediatamente da
situação discursiva: eles estão falando pessoalmente um com o outro); ou seja, o personagem que diz
o texto referido no enunciado é a mesma pessoa com quem ele está falando só que já no dia seguinte
(o cara do dia seguinte está de roupão, o que nos faz imaginar que ele acabou de acordar, mas está
bem disposto; ao contrário do que estaria se tivesse tomado a outra vodca que o graçom estava
servindo  mas essa constatação, apesar de também ser de ordem pragmática, não está diretamente
relacionada à sentença eu sou você amanhã).

Até onde sabemos sobre os princípios físicos, é completamente impossível que a gente interaja com
a gente mesmo em outros momentos temporais que não o presente (com o passado a gente até
pode interagir, mas através da memória, e não da experienciação física direta; sobre interagir com
o futuro é mais controverso, e depende de acreditarmos em premonição); portanto, a sitação da
propaganda só pode ser concebida através de manipulação dos recursos expressivos da língua (mais
especicamente, as expressões dêiticas que permitem identicar indivíduos e instantes temporais
distintos sobre os quais falamos), para nos fazer imaginar uma coisa sicamente impossível:

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