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Danilo Marcondes
CIÊNCIAS SOCIAIS PASSO-A-PASSO
FILOSOFIA PASSO-A-PASSO
PSICANÁLISE PASSO-A-PASSO
A pragmática na
filosofia contemporânea
pendentemente dos usos. A sintaxe faz abstração do signi buição dessas expressões linguísticas quanto a necessidade
de interpretá-las de acordo com o contexto para determinar
ficado e considera apenas as classes ou categorias de signos
o significado das sentenças em que são empregadas. Poste-
para examinar as regras formais segundo as quais se rela
riormente o papel do contexto na constituição do signifi
cionam.
cado será ampliado, estendendo-se a outras expressões da
É nisso que consiste o que denominaremos de proble
linguagem.
ma de Carnap-, ou seja, é possível analisar a linguagem de
Outra possibilidade de compreender a pragmática
um ponto de vista pragmático? Podemos dizer que, para
consiste em considerar o significado como determinado
Carnap, a resposta seria negativa. Como vimos anterior- pelo uso, mesmo que originariamente os autores que for
mente, uma análise da linguagem em um sentido mais
mularam essas concepções não tenham utilizado este termo
sistemático e teórico se dá na passagem para os planos
em relação às suas propostas. Essas concepções acrescentam
semântica e da sintaxe. Examinaremos em seguida, contu
-■-■vvjnQes
(§66-7°).Oque haveria em
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P-designarcoisastâ;-^umentreousod^
e termo
0 íogo de futebol, 0 p*^?0?'*»*»**
em grande parte dos casos os equívocos resultam de confu
e
termo em relação a jogos competit Empre8a^ es< sões, falsas analogias, semelhanças superficiais, incapaci
esse
dade de perceber distinções. Por usar as expressões “Tenho
E. talvez, não devamos buscar aleo 1 ° bas<^ uma nota de dez reais no meu bolso” e “Tenho uma idéia
em minha mente” é que sou levado a crer que a mente é um
usos, como uma essência oucaracterístiTh"-'6'°d0SMSes
espaço interior que tem como conteúdo idéias, tal como o
que todos devem compartilhar Porém ^ aS1Cadefinidora
bolso pode conter uma nota. Uma análise do emprego do
verbo “ter” nesses casos revela, contudo, que se tratam de
ximar esse, usos, sendo ,ue al?um mjj usos inteiramente distintos do mesmo verbo. Um exame
0„„„s nsais d«s. Wi^d» „„ , ^ ^ dos diferentes contextos, dos jogos de linguagem e do uso
lhança defarmlta (IF, §67) para explicar isso. Segando da, das palavras neles contidos revela essas distinções e permite
o esclarecimento dos problemas.
os membros de uma mesma família se parecem, sem que
Os jogos são jogados de acordo com regras que podem
haja necessariamente algo comum a todos. Podemos perce
ser mais ou menos explícitas, mais ou menos formais. Do
ber essa semelhança em um retrato de grupo, mas talvez não
mesmo modo, os jogos de linguagem possuem regras que
quando olhamos para cada indivíduo separadamente. 0 definem o que é ou não válido, segundo as quais os objetivos
caráter genérico do significado seria como uma semelhança podem ser alcançados. São regras de uso, regras pragmáticas
de família. A metáfora do tecido também é utilizada nesse (IF, §54, 82-8, 567), constitutivas dos jogos, que tornam
sentido na mesma passagem das Investigações. A variedade possíveis os atos realizados por aqueles que jogam. Analisar
de usos forma uma espécie de tecido, no qual os diferentes o significado das palavras consiste em situá-las nos jogos em
fios se entrelaçam para formar o todo, mas não há um único que são empregadas e em perguntarmos o que os partici
pantes nos jogos fazem com elas. Ou seja, consiste em
fio que percorra todo o tecido.
mapearmos as regras segundo as quais jogam e realizam
Wittgenstein considera, assim, que a análise filosófica
lances válidos nesses jogos. Assim, como no jogo de xadrez,
deve trazer as palavras do plano metafísico para o uso
o que importa não são as figuras das peças, mas a maneira
dimensão performativa, isto é desc^! '*** dos. É claro que eu posso fazer uma promessa sem usar
que realizamos e que pode ser bem ou mfmhém’'ato explicitamente o verbo “prometer”, dizendo, por exemplo,
como os performativos têm uma dime SUCedÍd°; assim “Eu lhe pagarei amanhã” e isso conta como uma promessa,
que mantêm uma relação com um fato-T^TM dadas as circunstâncias adequadas. O verbo se encontra
exemplo acima, o fato de eu lhe ter ou não ‘ H *0 implícito ou elíptico e o contexto é suficiente para deixar
clara a força da promessa. Por outro lado, poderia ser tam
seguinte. Ele propõe, portanto, que sua concepçÍ'perfoÍ
bém uma ameaça em circunstâncias diferentes, em outro
mattva de linguagem, isto é, do uso das palavras como uma contexto. Isso revela que atos ilocucionários podem ser
forma de agir, seja estendida para toda a linguagem. 0 ato realizados com verbos performativos implícitos ou elípticos
de fala passa a ser considerado como a unidade básica de e, ainda assim, ter a força que pretendem ter. Por isso pode
significação, constituída por três dimensões integradas ou ser dito que a realização de um ato de fala com uma deter
articuladas: respectivamente os atos locudonário.,
, ilocucio- minada força vai além de seus elementos linguísticos pro
priamente ditos. E na linguagem ordinária este é um fenô
nário e perlocucionário. O ato locudonário consiste na di
meno bastante comum. Um dos objetivos principais da
mensão linguística estritamente considerada, isto é, nas
análise dos atos de fala consiste precisamente em tornar
palavras e sentenças de uma língua específica, empregadas
explícita a força do ato realizado, permitindo assim identi
de acordo com as regras gramaticais aplicáveis e dotadas de ficar o seu tipo.
sentido e referência. O ato perlocucionário tem recebido menos atenção
O ato ilocucionário, que pode ser considerado o núcleo dos especialistas. Ele foi definido por Austin como se ca-
do ato de fala, tem como aspecto fundamental a força ilocu- racterizando pelas “consequências do ato em relação aos
cionária. Essa força consiste no performativo propriamente sentimentos, pensamentos e ações da audiência, ou do fa
dito, constituindo o tipo de ato realizada Quando digo, lante, ou de outras pessoas, e pode ter sido realizado com o
“Prometo que lhe pagarei amanhã”, meu proferimento do objetivo, intenção ou propósito de gerar essas conse
quências”.
verbo “prometer” constitui o próprio ato de prometer, nao
se trata de uma descrição de minhas intenções ou de meu Austin caracteriza em seguida as condições pressupos
tas para a realização dos atos de fala, que consistem em uma
estado mental. Ao proferir a sentença eu realizo a promessa.
combinação de intenções do falante e convenções sociais
A força do meu ato é a da promessa. Portanto, Prome e
é um verbo performativo, e os verbos performatrvos^ com diferentes graus de formalidade. A satisfação dessas
condições é o critério do sucesso ou fracasso da tentativa de
mente desctevem .. força* ilocuci.nâ». do. a.» «**
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análise dos motivos pelos quais alguns atos falham, ou são ato realizado, uma vez que, como vimos anteriormente,
infelizes, é reveladora das regras que foram rompidas nesses nem sempre um performativo explícito é empregado, e a
casos e, portanto, pode ser uma boa forma de torná-las análise dependeria, assim, da identificação do ato para a
reconstrução das regras que tornam possível a sua realiza
evidentes. Quando nomeio alguém para um cargo e nao
tenho autoridade para isso, ou se tenho autoridade mas o ção. Isso revela que já na formulação inicial de Austin a
indivíduo nomeado não satisfaz as exigências para assumir preocupação com um método de explicitação de elementos
implícitos é um dos objetivos centrais da teoria.
ato de nomear não se realiza. Isso mostra q »
o cargo, Contudo, fica claro desde o início que seu objetivo
em-sucedido, “nomear” pressupõe a autoridade
para ser primordial não consistia na apresentação de uma concep
e a adequação daquele que está sendo nomeado,
do falan ção teórica sobre a natureza e a função da linguagem. Não
tima conferência de Quando dizer é fazer, Austm
Na pretendia descrever a natureza da linguagem, mas ao con-
lassificação das forças ilocucionárias dos profer -
propõe e
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trario, propor um método de análise de problemas filosófi declarativo), em substituição aos propostos imcialmente
cos por meio do exame do uso da linguagem entendido por Austin. Searle considera que Austm nao forneceu prin
como forma de ação, isto é, como modo de se realizar atos cípios ou critérios suficientemente claros para a sua classi
por meio de palavras. Com efeito, na última conferência
ficação dos atos. Ele propõe, portanto, novos critérios em
mencionada anteriormente, Austin afirma que “o ato de falà termos dos quais os atos devem ser caracterizados e também
total na situação de fala total é o único fenômeno real que, podem distinguir um tipo de ato do outro. Posteriormente,
em última análise, pretendemos elucidar”. Isso deixa claro esses critérios são reelaborados em um conjunto que ele
que Austin define a tarefa da filosofia da linguagem como a denomina de componentes da força ilocucionária, em nú
elucidação do uso da linguagem, o que permite aproximá-lo mero de sete, definindo o tipo de ato realizado:
de Wittgenstein. Nas observações finais desta conferência, (1) Propósito ou objetivo ilocucionário. Por exemplo, o pro
Austin enfatiza a necessidade de aplicar a teoria a problemas pósito de uma ordem é fazer com que o ouvinte faça
filosóficos. algo. Trata-se, portanto, de um diretivo. O propósito de
Embora Austin tenha deixado a teoria apenas esboça uma promessa consiste em o falante assumir uma obri
da, ou formulada como um programa, segundo suas pró gação; temos então um compromissivo.
prias palavras, a necessidade de desenvolvê-la foi logo sen (2) Grau daforça do objetivo ilocucionário. Quando dou uma
ordem, o grau da força de meu ato é maior do que
tida. Sobretudo quando se percebeu sua importância como
quando faço um pedido ou uma solicitação.
possibilidade de tratar de forma sistemática os aspectos
(3) Modo de realização. Para que uma ordem seja dada é
pragmáticos da linguagem, conforme foi dito anterior
necessário que aquele que a profere tenha a autoridade
mente. adequada, mas o mesmo não se dá em relação a um
pedido. Portanto, embora em ambos os casos o conteú
A formulação de Searle. Uma questão fundamental para o do e o objetivo (“levar alguém a fazer algo”) possam ser
desenvolvimento da teoria emergiu com o reconhecimento os mesmos, o modo de realização é diferente.
da importância da classificação dos atos ilocucionários pro (4) Condição relativa ao conteúdo proposicional. A força tem
posta por Austin na última conferência de Quando dizer é relação com o conteúdo proposicional. Por exemplo,
fazer. O primeiro a tentar reelaborar esta classificação foi o quando prometo, assumo o compromisso de fazer algo,
filósofo norte-americano da Universidade da Califórnia, mas não posso prometer em nome de outra pessoa!
John R. Searle (1932-). Ele desenvolveu sua própria classi porque não posso fazê-la assumir este compromisso
ficação alternativa, em que propõe cinco tipos de atos ilo Portanto, não posso dizer: “Eu prometo que ele fará
cucionários (assertivo, diretivo, compromissivo, expressivo e isso , com a força de uma promessa.
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e da força ilocucionária / que se acrescenta à proposição, desenvolvimento da Teoria dos Atos de Fala e para a meto
levando à realização do ato de fala. Essa relação é repre dologia da análise pragmática da linguagem?
Quando Austin fez sua proposta provisória de classifi
sentada formalmente pela fórmula f(p). Temos, assim, o
exemplo da asserção: “A porta esta aberta, que possui o cação de forças ilocucionárias, parecia claro que esta tipo-
logia deveria servir para a identificação da força ilocucioná
mesmo conteúdo proposicional que o imperativo ra
ria do proferimento nos casos em que o performativo não
porta!” a interrogação, “A porta está aberta? eocon
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A pragmática
é explícito, sem deix,, d. |,d„ „s em Vemos, assim, que numa perspectiva característica da
performativo e . forç, ilocoeionâri. coincidem VCU * i_ AA rnntfl Ap COIIIO OS
ouvintes. Intenções e elementos subjetivos só podem ser indiretos ou implícitos, e isso ocorre simplesmente porque
identificados, por sua vez, com base no que é proferido nao é necessário que sejam explícitos. O exemplo dado é o
de um colega que diz para o outro (a) “Há um bom filme
explicitamente e no que é indicado por meio do contexto.
no cinema da esquina”, ao que o outro responde (b) “Tenho
Contudo, esses elementos contextuais muitas vezes perma
prova de matemática amanhã”. É óbvio que no caso (a), o
necem implícitos.
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declarativo, aogLTâ
d0 ato de fala total consiste em reconhecer q^ toda anahse
é provisória e que, no fundo, a delimitação do(s) ato(s) de
faia depende das questões que servem como ponto de par
tatativo. ou decl.r„i»„ explicito <b)frecuJdt „ tida para a análise, assim como do escopo desta analise.
O-ntudo, „s perf0,matiI0, «*<£ Nenhuma análise pode jamais pretender esgotar o ato de
fala em toda a sua complexidade; além disso, o alcance da
Eu recuso „ «„ convite...■ em nenhum momento l„„
proferidos e nem precisariam ser.
A máxima da relação se resume a “Seja re. a se aplicar, e o ouvinte construirá suas expectativas com
A máxima de modo tem a formulação geral Seja base nelas. No exemplo anterior sobre a carta de recomen- .
dação, o professor viola a máxima da relação, ao não ser '
com os seguintes desdobramentos:
relevante. Com isso, ele faz com que seu interlocutor, o leitor
__ Evite obscuridades de expressão.
da carta, busque uma interpretação que torne o que foi dito
__ Evite ambiguidades.
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filosofia contemporânea
A pragmática na
relevante, ou seja, o candidato não é recom j -
não tem nenhuma qu.tid,* exeeto a d, ejg”^ dos atos de fala indiretos, que men-
é relevante. J1graha, que não donamos acima. O funcionamento de modo ™PUdt^
indireto desses atos pode ser reconstruído a partir da analise
Como foi dito anteriormente, a insinuação é um d
das implicaturas conversacionais causadas. Dessa forma,
casos exemplares de implicatura conversacio.5íZ£
uma combinação entre a Teoria dos Atos de Fala de Austin
tece porque nesses casos algo é dito de modo infeto*
e Searle e a teoria de Grice parece ser um dos cammhos mais
implícito sem que possa ser tornado explícito, sob pc^
traves de desenvolvimento de um método de análise prag-
consmuir-se, por exemplo, em uma calúnia.- Quando no
Otelo, de Shakespeare, lago pergunta a Otelo sobre o lenço
que este teria presenteado a Desdêmona, insinua que ela o
teria dado a Cássio, provocando assim o ciúme de Otelo A
(n n - '-°-
Habermas: Pragmática Universal e , ^
simples pergunta de lago sugere a infidelidade de Desdêmo Teoria da Ação Comunicativa
na, embora nada seja explicitamente dito. lago sabe que
Otelo é ciumento e vingativo, o que torna a pergunta rele A concepção de uma filosofia pragmática da linguagem
vante e faz com que lago consiga o que pretendia. adquire uma nova dimensão na direção de um tratamento
sistemático com as propostas do filósofo alemão Júrgen
Assim como a insinuação, a ironia é também um dos
casos exemplares de implicatura, já que o comentário iró Habermas (1929- ), inicialmente de uma Pragmática Uni
nico viola as máximas conversacionais, sem que o falante versal e em seguida de uma Teoria da Ação Comunicativa.
possa de fato ser responsabilizado, porque nada disse expli A discussão sobre a linguagem em Habermas tem
citamente. Ele pode sempre recuar da intenção irónica e como um de seus pontos de partida o texto “Trabalho e
afirmar que sua intenção foi outra, evitando assim a inter interação” (1967), no qual analisa as Lições de lena, de Hegel.
pretação de ofensa ou agressão verbal. Nessa obra, que antecede a Fenomenologia do Espírito, Hegel
O modelo proposto por Grice é particularmente im considera que o processo de formação da consciência sub
portante do ponto de vista do desenvolvimento da pragmá jetiva no indivíduo se realiza com base no que denomina de
tica, por propor efetivamente um método de interpretação uma tríplice dialética: a dialética da vida moral em que se dá
das intenções do falante e de reconstrução de elementos a interação com as outras subjetividades; a dialética da
contextuais que explicam a constituição de um signi ca o linguagem, ou dos processos de simbolização, em que o
específico ao contexto de uso. Esse modelo constitu.-se indivíduo utiliza símbolos para representar o real; e a dialé
assim em uma ferramenta de grande utilidade na anahs , tica do trabalho pela qual o indivíduo se relaciona com a