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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ- UFPA

INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO- ILC


FACULDADE DE LETRAS- FALE

REFUTANDO ESTEREÓTIPOS POR MEIO DA IRONIA: UMA ANÁLISE SOB O


VIÉS SEMÂNTICO E PRAGMÁTICO

Trabalho entregue para a disciplina de


Semântica e Pragmática, ministrada pela
professora Brayna Conceição dos Santos
Cardoso, realizado pelos alunos: Ayla
Martins, Fernanda Karoline, Larissa
Rodrigues e Mariana Xerfan.

BELÉM
2023
Ayla Rabelo Martins
Fernanda Karoline da Silva da Conceição
Larissa da Silva Rodrigues
Mariana Laice Trindade de Sousa Xerfan

1. INTRODUÇÃO

A delimitação temática deste trabalho apresenta a reflexão acerca dos


elementos constitutivos encontrados na rede social Facebook, sob a óptica da
Semântica e Pragmática. Dentro dessa plataforma foi selecionado um vídeo de um
nortista famoso, cujo nome artístico se dá por Hulk Pão, que versa sobre temáticas
da região Norte e utiliza expressões idiomáticas constantemente em seu discurso,
inclusive, no uso de uma figura de linguagem chamada ironia. O famoso manifesta
esse aspecto como forma de explicitar outros pontos sobre a região Norte, já que,
geralmente, um estereótipo negativo é atribuído à localidade. A ideia fomentada,
geralmente por pessoas de fora, é de que a região é pouco desenvolvida tanto na
perspectiva estrutural (não havendo shopping, casa de alvenaria, carros, etc.),
quanto na educação por ser um local onde a predominância é o verde.

O tema foi escolhido uma vez que os gêneros digitais, com o advento da
internet, estão cada vez mais presentes no cotidiano social. Por isso, é pelas
especificidades que o modo de ser digital implica para a configuração dos
enunciados, no que diz respeito à composição, à temática e ao estilo. O espaço
digital imprime a constituição de uma identidade enunciativa e “uma variedade cria
um efeito de sentido, pois se ajusta a um lugar, a um tempo, a uma situação de
interlocução, a um grupo social” (Fiorin, 2008, p. 6).

O facebook, por sua vez, é um dos tipos de gênero que exibe essas
particularidades e construção de identidade, viabiliza uma forma de interação social
complexa, na qual diferentes signos relacionam-se para compor a mensagem.
Portanto, a noção de texto ultrapassa os limites do código linguístico, ao se associar
com outras semioses. “Entre os vários tipos de semioses: signos verbais, sons,
imagens e formas em movimento.” (MARCUSHI, 2002, p.2), a plataforma facebook
destaca-se para expor por meio desses signos a discussão da visão preconceituosa
de determinados interlocutores de fora da região Norte. É sob o panorama da ironia,
ponto central dessa argumentação, que será observado no facebook, a oralidade e
a imagem.

A ironia verbal consiste no discurso irônico, isto é, ao ato de falar ou


representar algo querendo, na verdade, remeter-se ao seu inverso. Costuma ocorrer
de maneira proposital, mas não necessariamente será percebida pelo interlocutor. A
ironia pode ser utilizada com vários objetivos. Gozar de alguém, denunciar algo,
fazer críticas ou mesmo censurar alguma coisa. Desse modo, essa figura de
linguagem pode estar associada desde a sua escrita até a sua forma discursiva,
como em formato de vídeos publicados. Além disso, ela pode ser examinada sob
diversos ângulos. Aqui, analisaremos o fenômeno sob o viés da semântica e
pragmática.

A semântica é aquela a qual investiga a interpretação das expressões


linguísticas. Está associado ao estudo do significado e sua relação com o
significante. Assim, segundo a visão de Saussure, esses termos são entidades
abstratas que existem na mente dos falantes de uma determinada língua.
Significante: é um elemento tangível, perceptível, que nos mostrará a forma escrita
ou falada do signo. Significado: é a forma de uma representação mental, a partir do
que sabemos sobre o assunto. Na semântica, há conceitos relacionando o uso e a
estrutura do significado dentro de determinados contextos, bem como alguns
fenômenos gramaticais, um deles é a ambiguidade na qual equivale a mais de uma
interpretação e relaciona-se ao ponto de vista morfológico e sintático no interior
dessa estrutura. Já a pragmática busca verificar o uso da linguagem pelos falantes
da língua em suas variadas esferas ao perceber o contexto extralinguístico em que
estão inscritas. Ocupa-se do estudo sobre os atos de fala e suas implicações
culturais e sociais. O que realmente importa é a comunicação e o funcionamento da
linguagem entre os usuários, concentrando-se nos processos de inferência pelos
quais compreendemos o que está implícito.

Para o processo de fundamentação teórica, foi selecionada a professora


pesquisadora Márcia Cançado que trará o ponto de vista sobre a semântica
expondo a ocorrência gramatical da ambiguidade; do ponto de vista pragmático,
foram escolhidos dois teóricos como Paul H. Grice e John R. Searle. Por fim, para
compreender como a ironia pode ser analisada no interior da semântica e da
pragmática será manifestada sob a concepção do professor Raimundo Navarro.

Propõe-se, por conseguinte, desenvolver neste artigo uma reflexão que


contemple os elementos integrantes do gênero discursivo no ambiente digital que
pode ser detectado a figura de linguagem ironia. É por meio de um vídeo retirado de
uma plataforma denominada Facebook, publicado pelo famoso Nortista Hulk Pão
que essa temática será abordada. O percurso metodológico acontece a partir de
uma pesquisa bibliográfica. Nesse viés, faz-se necessário refletir acerca do uso do
material linguístico como fonte de uma prática discursiva interativa que traz
elementos semânticos e pragmáticos no interior de um gênero digital. Assim,
proporciona enxergar que essa área da linguística pode estar em diversas esferas o
que contribui para um ensino fora do tradicionalismo (texto) e aproxima essas
vertentes ao cotidiano midiático presente na vida dos indivíduos.

O artigo está dividido em cinco seções, a primeira apresenta a introdução


deste trabalho; a segunda seção a teoria que fundamenta o trabalho, discutindo
concepções sobre os atos de fala, inferência, ambiguidade, ironia, assim como
apresenta considerações a respeito da semântica, da pragmática que circula esses
pontos. A terceira seção concerne aos procedimentos metodológicos seguidos
durante a pesquisa; a quarta seção descreve a análise de dados, primeiramente
sobre a ironia na semântica e na pragmática e em seguida a análise do vídeo e a
quinta seção das considerações finais deste trabalho.

2. EMBASAMENTO TEÓRICO

As bases deste trabalho embasam-se a partir da discussão sobre a ironia e


sua relação semântica e pragmática, bem como a sua importância de evidenciar
elementos que relacionam-se no uso da oralidade.

Inicialmente, cabe realizar uma breve contextualização do que seria


Semântica e Pragmática. Segundo Cançado, a semântica é o ramo da linguística
voltado para a investigação do significado das sentenças, sendo assim, o
semanticista busca descrever o conhecimento semântico que o falante tem de sua
língua. A semântica deve ser estudada também com um sistema que interage com
os demais. Pois sempre existem propriedades pragmáticas relevantes para serem
levadas em conta juntamente com algumas interpretações semânticas. Essa
interação semântica acontece nos processos de comunicação e expressão dos
pensamentos humanos. A composicionalidade e a expressividade das línguas, as
propriedades semânticas e as noções de referência e representação, são alguns
dos fenômenos da semântica. (CANÇADO, 2005)

“Localizemos, primeiramente, o nosso principal


objeto de estudo: a semântica. A semântica,
repetindo, é o ramo da linguística voltado para a
investigação do significado das sentenças.
(CANÇADO, 2005. pag, 16.)”

Já a pragmática, estuda os casos que além do lexical, estuda os fatores


extralinguísticos, onde precisamos não só da leitura para interpretação, mas
também de elementos como gestos, entonação, expressão facial e trejeitos de falar,
etc, nem só de semântica vive a interpretação. Uma mesma sentença pode ter
várias interpretações, dependendo da situação em que os interlocutores estão
inseridos. Estudiosos dizem que entendemos isso porque há uma relação com
nossas experiências a posteriori, sobre contextos escolares, intenções, ou seja,
nosso conhecimento sobre o mundo.
“A área da linguística que descreve a linguagem
denomina-se pragmática. A pragmática estuda a
maneira pela qual a gramática, como um todo, pode
ser usada em situações comunicativas concretas.”
(CANÇADO, 2005. pag 16.)

A partir do momento que os indivíduos comunicam-se quase sempre emitem


enunciados que permitem com que o outro possa compreender. Em certos casos,
no entanto, essas asserções não são suficientes para que a conversação seja bem
sucedida, ou seja, a interação entre os interlocutores só será eficaz se houver uma
captação que vá além do que foi dito. Em conformidade a isso, o ser humano é
levado a acrescentar sentidos extralinguísticos a partir do conhecimento de mundo.
Assim, algumas vezes, o locutor busca uma interação em que o outro possa
entender algo a mais do que ele exprimiu em seu discurso. Searle nomeou esse
caso como atos de fala indiretos e os definiu como “casos em que um ato
ilocucionário é realizado indiretamente através da realização de um outro.”. (2002, p.
48-49).

O ato de fala indireto ocorre quando o locutor, na sua sentença, expressa


uma significação e ao mesmo tempo sugere outra definição na qual se manifesta
nas entrelinhas do que foi explícito. Segundo Searle:

Em atos de fala indiretos, o falante comunica ao


ouvinte mais do que realmente diz, contando com a
informação de base linguística e não linguística, que
compartilham, e também com as capacidades gerais
de racionalidade e inferência que teria o ouvinte.
(SEARLE, 2002, p. 50).

Searle menciona que de acordo com as circunstâncias, esse ato de fala pode
ser visto como uma ironia. Ou seja, o locutor pode apresentar uma intenção de
maneira velada para falar sobre algo conforme o contexto de interação, e por meio
do conhecimento mútuo, os interactantes podem partilhar desse olhar.

No que tange às teorias do filósofo Paul H Grice, a ironia fere a subcategoria


do Princípio da Cooperação, a Máxima de Qualidade, que refere-se ao bom
entendimento do discurso. A quebra dessa máxima para criar um efeito irônico está
intrinsecamente ligada à expressão de sentimentos, atitudes ou avaliações. A ironia
só pode ser utilizada quando desejamos transmitir hostilidade, julgamento
depreciativo ou emoções como indignação ou desprezo. É importante notar que
Grice, ao relacionar a ironia com uma atitude negativa em relação ao interlocutor,
está apenas seguindo a concepção clássica desse fenômeno. Essa visão é
semelhante à dos antigos retóricos, que consideravam a ironia como um tipo de
figura de linguagem e, portanto, seu significado figurado deveria ser substituído por
um sentido literal. A diferença é que, no caso de Grice, o significado figurado é
reinterpretado como uma implicação figurada ou implicatura.

Ao desafiar conscientemente uma regra de comunicação, o falante cria uma


Implicatura Conversacional que, se percebida e compreendida pelo ouvinte, pode
restaurar o significado pretendido e restabelecer uma conversa fluida. Diante disso,
Grice define a Implicatura como aquilo que não é expresso literalmente, mas é
sugerido pelo falante e compreendido pelo ouvinte por meio de inferências. Em
outras palavras, o significado total de uma declaração é composto pelo que é dito
mais as implicações, se houver. A implicatura representa essencialmente a intenção
do falante, ou seja, o que ele quis transmitir em uma determinada situação, além do
conteúdo explícito da frase, e que precisa ser decodificado linguísticamente por
meio de processos inferenciais. Essas implicações podem ser divididas em dois
tipos: convencionais e conversacionais.

Nas implicaturas convencionais, o significado surge de forma intrínseca,


dentro do contexto linguístico, sendo um significado convencional e usual que surge
da própria força significativa das palavras, sendo facilmente percebida pelos
interlocutores. O filósofo define como implicaturas conversacionais aquelas que não
são convencionais, mas estão intrinsecamente ligadas a características gerais da
comunicação, ou seja, dependem de um contexto extralinguístico para compreender
o sentido e o significado do enunciado.

“Com base nos estudos de Grice (1975) e Searle


(1979), o estudo da ironia configurou-se como um
ato de fala especial caracterizado por uma
incongruência entre o sentido proferido e o sentido
intencional do falante. (NAVARRO, 2004)”

Tecendo uma análise profunda e multi teórica, o professor Raimundo Navarro


argumenta sobre os aspectos semânticos, pragmáticos e cognitivos que envolvem a
produção de enunciados irônicos. Além de utilizar os estudos de Searle e Grice
como embasamento teórico, o professor utiliza outros linguistas como: Chomsky e
Lakoff para investigar o fenômeno da ironia.

3. METODOLOGIA

Este artigo tem como intuito provocar uma análise a respeito do uso da ironia
presente nas expressões dos usuários da rede social Facebook, sob a perspectiva
da Semântica e da Pragmática. O presente trabalho adotou uma metodologia de
abordagem criteriosa, e a partir de inúmeras buscas foi escolhido o vídeo do nortista
amapaense cujo nome artístico é Hulk Pão, coletado da sua rede social oficial do
Facebook intitulada também como Hulk Pão, que tem como teor em suas
publicações a cultura nortista e críticas à xenofobia e preconceitos que geralmente
são atribuídos por não-nortistas aos residentes do Norte, porém, de forma
humorística. Neste caso em especial, o autor do vídeo utiliza da ironia para passar a
mensagem desejada e provocar risos e reflexão entre os internautas.

O título do vídeo é “Aqui é tudo atualizado também, oras!” e o comediante


inicia o vídeo falando sobre o preconceito que as pessoas têm com o Norte, que em
suas narrativas dizem que existe apenas água e mato na região. Ele desmente
essas falas dizendo que no Norte é cheio de tecnologia e acrescenta que naquele
momento está na faculdade. Em seguida, vira a câmera e mostra o ambiente ao seu
redor, que aparenta ser um rio rodeado de mata e arvoredos, e logo em seguida
mostra algumas pessoas sentadas na beira de um rio, simulando uma sala de aula
com direito à mesa e cadeira para a professora. Estas pessoas estão respondendo
à uma pergunta feita pela professora: “Animal com letra C?”, eles respondem nomes
de animais selvagens que iniciam com a letra C.

Com uma visão holística, traçamos conexões entre as ideias desenvolvidas


neste vídeo e o tema escolhido para o artigo. Adotamos uma abordagem Semântica
e Pragmática, integrando conceitos através da ambiguidade, inferências,
implicaturas e violação das máximas e a partir disso foi realizada a escolha do
vídeo. Durante todo o processo metodológico, a base teórica fornecida por Searle
(1979), Navarro (2004), Grice (1975) e Cançado (2005) serviu como referência
essencial para a compreensão e interpretação da ironia. As contribuições desses
autores fornecem uma base sólida para a análise da linguagem e expressões,
destacando a importância da pragmática e da interpretação contextual na
compreensão de elementos comunicativos complexos, como a ironia.

Por meio dessa metodologia, analisamos o vídeo selecionado no Facebook,


encontrando a ironia e a ambiguidade presentes em sua mensagem. A abordagem
Semântica e Pragmática, combinada aos conceitos de inferências, implicaturas e
violação das máximas, nos permite compreender e analisar a forma como a ironia é
empregada, ampliando nossa percepção sobre o uso desse recurso no meio digital,
em especial na plataforma do Facebook.

4. APRESENTAÇÃO DA ANÁLISE

O vídeo escolhido como objeto de análise foi retirado da rede social


Facebook da página do humorista amapaense Hulk Pão, cujas postagens trazem
temas referentes à cultura nortista e à região amazônica. O vídeo supracitado faz
menção a um tema popular entre os moradores da região Norte: o posicionamento
retrógrado e preconceituoso, geralmente concebido por pessoas residentes de
estados fora da região Norte, que consiste em idealizar a região como “atrasada”
além de criar estereótipos e imaginários negativos sobre a população nortista como:
“na região norte não há tecnologia”, “os nortistas não possuem educação”, “os
nortistas se locomovem através de bichos selvagens”, entre outros que podem ser
encontrados por meio de breves pesquisas na internet sobre o tema.

Segundo o professor Raimundo Navarro (2004) da Universidade de San


Marcos, a geração do enunciado irônico envolve a aplicação de uma regra
semântica, a antífrase, que consiste em dizer o oposto do que se quer dizer, o que
caracteriza o tom irônico por uma contradição entre o que foi dito e a intenção do
dizer. Dessa forma, o locutor do vídeo utiliza de recursos visuais que, por sua vez,
não condizem com o que ele realmente desejou refutar, visto que a cena é: um
grupo de pessoas sentadas na beira do rio aprendendo nomes de animais
selvagens, representando o que seria uma turma escolar como mostra as imagens
(I) e (II) abaixo.
(I) (II)

Ou seja, o locutor usa do tom irônico, que pode ser usado com diferentes
intenções, por meio de recursos visuais, para criticar estereótipos preconceituosos
sobre os nortistas, utilizando de forma sagaz os elementos propriamente
estereotipados, como: a mata, pessoas indígenas, os rios, em um contexto que
reafirma o que ele desejou refutar, deixando perceptível o uso da antífrase através
do tom irônico.

Após as inferências de J. L. Austin sobre o paralelo entre linguagem e


pensamento na intenção de um enunciado, que deu início aos estudos da Teoria
dos Atos de Fala, John R. Searle propõe uma reformulação na teoria discorrendo
sobre força proposicional e força ilocutória: em uma fala há um ato proposicional
(conteúdo da fala) e um ato ilocucional (intenção) onde poderá, ou não, existir
correspondência entre conteúdo proposicional e força ilocutória. Logo, alguns atos
de fala são diretos e outros indiretos. O ato de fala direto corresponde às
convenções entre conteúdo e comunicação, enquanto o ato de fala indireto
(derivado) indica contradição entre a intenção e o que foi dito. Nesse sentido, o tom
irônico adotado pelo locutor do vídeo se concretiza como um ato de fala indireto
visto que a ilocução (intenção) do enunciado não condiz com o que realmente foi
dito. Nesse caso, ele utiliza de recursos não verbais para concretizar seu
posicionamento e realizar o uso da ironia.
Além disso, o tom irônico adotado fere o Princípio da Cooperação introduzido
por Paul H. Grice. Segundo este princípio, o locutor deve preocupar-se em
consolidar uma interação com enunciados explícitos, sem interferências ou
ambiguidades, da forma mais completa possível, para que todos os enunciados
sejam interpretados sem dificuldades. Com isso, pode-se afirmar que o uso da ironia
se distancia do princípio proposto por Grice (1975) visto que, segundo Navarro
(2004), é possível identificar o tom irônico quando o sentido literal é claramente
inconsistente com certos fatos e a interpretação aponta para outro sentido.

Outro viés que pode ser atribuído ao vídeo está relacionado a seu caráter
ambíguo no que diz respeito ao modo como o locutor (Hulk Pão) discorre sobre a
sua narrativa e a imagem. “A ambiguidade é um fenômeno semântico que aparece
quando uma simples palavra ou um grupo de palavras é associado a mais de um
significado” (CANSADO, 2008, p.62), ou seja, ela pode gerar um problema na
comunicação, sendo visualizada de maneira literal ao que foi expresso. O vídeo, por
exemplo, possibilita essa interpretação a partir do posicionamento discursivo ao
dizer “esse preconceito que o pessoal tem do Norte dizendo que é só mato e água,
mas aqui é cheio de tecnologia, por exemplo, agora eu tô na faculdade” após esse
momento, ele mostra algumas pessoas sentadas dentro da água em formato de
sala de aula respondendo algumas indagações feitas pela “professora” sobre nome
de animais. As pessoas de fora da região podem interpretar como realmente sendo
verdadeiro de acordo com seu ponto de vista e pensar que estão certas quanto a
nossa realidade, pois “afirmar” por meio do vídeo essa perspectiva imagética,
discursiva e de ensino, os interactantes não irão considerar o contexto, já que não
fazem parte dele.

Segundo Navarro (2004), a ironia põe em jogo uma rede de inferências cujo
grau de complexidade está relacionado com a opacidade ou transparência da
mensagem irônica, isto é, o quanto o interlocutor está familiarizado com o conteúdo
do que foi falado ou mostrado. Exemplificando: os moradores da região norte estão
suscetíveis a entender com mais rapidez e clareza a mensagem que o locutor do
vídeo quis introduzir através do tom irônico; em uma breve pesquisa pelos
comentários da publicação do autor da postagem, é possível encontrar relatos e
risadas de indivíduos nortistas. Entretanto, pessoas que moram fora da região Norte
tendem a entender com mais lentidão, ou ainda, não entender o conteúdo da
mensagem, visto que não é um sentimento compartilhado entre essa população.

Após o contato com a fala irônica ocorre o processo de inferência que se dá


quando o interlocutor percebe o enunciado não coerente, ou seja, quando há
identificação da antífrase. “Há um aspecto central da teoria de Grice que foi
amplamente revisado. De acordo com a hipótese dos três estágios, uma vez que o
significado literal é considerado equivocado, ele é completamente abandonado”
(NAVARRO, 2004), isto é, nesse momento ocorre a análise semântica do sentido
literal e não literal. Pode-se compreender a hipótese dos três estágios da seguinte
maneira:

Ainda, a natureza pragmática da mensagem passada pelo locutor do vídeo


relaciona-se diretamente com: o intuito da mensagem, o propósito da página, o
personagem adotado pelo do humorista. Segundo Navarro (2004) a ironia é crucial
para gerar certos efeitos humorísticos, o que é perceptível ser a intenção do locutor
(Hulk Pão), visto que este está a todo momento produzindo conteúdos humorísticos
e com fins de entretenimento em seu perfil.

Portanto, constata-se que há distanciamento do enunciado efetivo gerando


um “eco de sentido” (NAVARRO 2004) que neste caso, seria o que não foi dito
explicitamente.

Na ironia há, então, um distanciamento do enunciado efetivo


que se manifesta no uso ecóico da linguagem e a partir de
diversos recursos como, por exemplo, o tom de voz, certos
gestos faciais, a referência a acontecimentos passados, etc”

(NAVARRO, 2004)

Diante disso, infere-se que o locutor (autor do vídeo) utiliza de recursos não
verbais para preencher esse “eco de sentido” gerado pela ironia que se consolida a
partir de elementos (pessoas indígenas, matas, rios, vestimentas), carregados de
estereótipos e de idealizações negativas sobre o povo do norte, sendo eles os
próprios agentes para transmitir a mensagem irônica.

Por fim, fica explícito que a plataforma digital social Facebook, manifesta-se
não só como um meio onde os indivíduos interagem, mas também como fonte de
análise e estudo sobre as suas diversificadas semioses. Relacionado a isso, a
semântica e a pragmática são modelos que servem como ponte de uma prática
observatória de aprendizagem sobre seus significados de maneira divertida e com
sentido, proporcionando aos discentes novas formas de assimilar essas categorias
linguísticas.

5. CONCLUSÃO

Esse trabalho teve como objetivo apresentar os elementos encontrados no


facebook, com foco na ironia presente em um vídeo de um famoso humorista do
norte do Brasil e como ocorre os efeitos de sentido que são gerados através da
ambiguidade, inferências, implicaturas e violação das Máximas Conversacionais. A
ironia é discutida sob diferentes perspectivas, e são apresentados os teóricos que
embasam o estudo: sob o viés pragmático apresentado por Paul H. Grice e John R.
Searle, sob o viés semântico defendido por Márcia Cançado e complementando a
análise, o Professor Raimundo Navarro.

A pesquisa explora a relação entre semântica, pragmática e a construção da


identidade no ambiente digital, assim como o papel do tom irônico no que diz
respeito à refutar posicionamentos e estereótipos. O objetivo é refletir sobre o uso
da ironia como figura de linguagem no Facebook e sua relevância no contexto atual
ao discutir a importância da ironia na comunicação oral. Nem sempre o que é dito
de forma explícita é suficiente para uma conversa eficaz, e é necessário que os
interlocutores captem os sentidos extralinguísticos para compreender a mensagem
enunciada. Isso é chamado de ato de fala indireto, quando o locutor sugere algo nas
entrelinhas do que foi dito.

Searle afirma que a ironia é um ato de fala que pode ser usado para
expressar hostilidade ou desprezo. Grice relaciona a ironia com uma atitude
negativa em relação ao interlocutor. A ironia desafia as regras de comunicação e
cria uma implicatura conversacional. Essas implicaturas podem ser convencionais
ou dependem do contexto extralinguístico, ou seja, implicaturas conversacionais.

O vídeo analisado é do humorista Hulk Pão e aborda estereótipos


preconceituosos sobre os nortistas onde o locutor utiliza recursos visuais irônicos
para criticar esses estereótipos e é perceptível que a nossa habilidade para
comunicar é verdadeiramente ilimitada quando as oportunidades de interação vão
além das palavras simplesmente ditas.

Diante disso, o processo de comunicação entre os falantes está em


constante transformação, e o facebook como plataforma, proporciona interações
sociais complexas. Nesse aplicativo, diferentes signos se unem harmoniosamente
para compor mensagens que vão além das palavras. No caso, a noção de
interpretação de texto transcende os limites da linguagem escrita ao se entrelaçar
com outras formas de comunicação, como por exemplo o vídeo em formato de
humor irônico, que pode gerar benefícios ao contribuir para um ensino diferenciado,
pois como boa parte da sociedade apropria-se desse meio para expressar-se, essa
aproximação das características visuais, escritas e discursivas podem ser adaptada
para o auxílio da compreensão dos termos linguísticos como a semântica e a
pragmática.
REFERÊNCIAS

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CANÇADO, Márcia. Manual de semântica: noções básicas e exercícios. 2°. ed.
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MARCUSCHI, Luiz Antônio et al. Gêneros textuais: definição e funcionalidade.
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NAVARRO, Raimundo Casas. Semántica y pragmática de la ironía verbal. Letras:
Universidade Mayor de San Marcos, 2004.
PAVEAU, Marie Anne; SARFATI, Georges Elia. As grandes teorias da linguística:
da gramática comparada à pragmática. Trad. Maria do Rosário Gregolin, Vanice
Oliveira Sargentini e Cleudemar Alves Fernandes. São Carlos: Claraluz, 2006.
SEARLE, John R. Expression and meaning. Cambridge: Cambridge University
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OLIVEIRA, Raquelinhe Carneiro de. Implicaturas conversacionais: Violação das
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