Você está na página 1de 6

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARÁ


INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM LETRAS
MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS

GERATIVISMO E LINGUÍSTICA COGNITIVA:


CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-


graduação em Letras – PPGL – da Universidade
Federal do Oeste do Pará – UFOPA, como
requisito para avaliação parcial da Disciplina
Teorias Linguísticas: implicações para a pesquisa
na Amazônia, sob a regência da Profª Drª Ediene
Pena Ferreira.

Acadêmica: Rosicléia Pereira de Sousa

SANTARÉM – PA
2022
Gerativismo e Linguística cognitiva: convergências e divergências

Desde sua estabilização e reconhecimento enquanto ciência, a partir da


elaboração de sua metodologia e objeto, estabelecidos por Saussure no início do
século XX, a ciência linguística tem tomado novos arranjos e olhares para
desenvolver seus estudos:
A partir do século XX os estudos linguísticos foram divididos em dois
grandes polos: a Linguística Formal e a Linguística Discursiva (ou
Funcionalista). O primeiro grande polo - o formalista - consiste no
estudo da língua enquanto sistema de regras - Estrutura. Nesse polo
destacam-se duas grandes vertentes, a saber, o Estruturalismo e o
Gerativismo. (SANTOS e SANTOS, 2016, p. 31)

No polo formalista tem-se o estruturalismo instaurado pelo “pai da


linguística” que analisa a língua como um sistema, produto da coletividade por ser
fato social, e estabelece importantes categorias dentro dos estudos linguísticos
antecedendo outras teorias formalistas, como a Gerativista de Noam Chomsky, um
dos objetos de observação deste trabalho.
A teoria gerativista entende que o ser humano é biologicamente capaz de
gerar frases a partir de uma gramática interna. Para os gerativistas a faculdade da
linguagem é inata ao ser humano e se constitui um conhecimento independente para
o qual o papel da mente humana é componente central. A
(...) gramática gerativa, a exemplo da estrutural, busca analisar a estrutura
gramatical das línguas, mas as concebe como um modelo formal de
linguagem pré-existente, ou seja, a linguagem é reflexo de um conjunto de
princípios inatos e, por isso, universais. Além do princípio do inatismo, outro
princípio que caracteriza a gramática gerativa é o da modularidade da
mente, segundo o qual nossa mente é constituída de módulos separados,
compreendidos como sistemas cognitivos diferentes entre si. (PENA-
FERREIRA, 2009)

No polo funcionalista aborda-se aqui a teoria Linguística Cognitiva, que


surgiu oficialmente como paradigma a partir da publicação do célebre livro do norte-
americanos George Lakoff, Women, fire and dangerous things: what categories
reavel bout the mind (1987). Nele há contraposições claras ao cognitivismo clássico
e racional da teoria Gerativista, para o qual a mente era comparada a um artefato
computacional. Lakoff aborda os aspectos extra-linguísticos como motivadores da
construção cognitiva da linguagem a partir do domínio experiencial da cultura própria
de cada sociedade1. Portanto, a Linguística cognitiva carrega em seu DNA a marca
de oposição à gramática gerativa (SILVA, 2020) a qual teve a degeneração de seu
programa pela exaustão da tese de passividade da inteligência:
Enquanto os lógicos tinham dificuldade de chegar a construções lógicas
inequívocas a partir de dados sensoriais elementares, os psicólogos tinham
dificuldade de reduzir os chamados processos mentais superiores a cadeias
de estímulos e respostas (por exemplo, no campo dos estudos da
linguagem, ver a crítica de Chomsky (1959) a Skinner). Começaram a
proliferar reinterpretações de fatos velhos ao invés de surgirem fatos novos.
(FRANÇOSO, ALBANO, 2004, p. 305).

“Dissidentes” da teoria gerativa, os linguistas cognitivistas também


desenvolvem uma abordagem mentalista da linguagem, porém distinta da
gerativista. Esses entendem a linguagem como elemento integrante do contexto
sociocultural que é base constitutiva da cognição humana, portanto, não admite a
separação dos conhecimentos linguísticos dos extra-linguísticos. No entanto, é
importante salientar que tanto para o Gerativismo quanto para a Linguística
Cognitiva a análise do sistema linguístico é feita com base na cognição do falante
(SILVA & PILATI, 2017, p. 49 apud Sousa Soares, N. L., Duarte, M. S. M. &
Holanda, K. A. P., 2020), eis aí o principal aspecto em comum entre as teorias aqui
confrontadas.
Para os gerativistas, cognitivistas clássicos, a mente humana pode ser
comparada a um computador, modular, compartimentalizado, onde cada módulo é
responsável por alguma atividade cognitiva específica. Em oposição a essas
abordagens formais dos estudos da linguagem, os linguistas cognitivistas
dissidentes se manifestaram e abriram as portas para outras abordagens não-
formais funcionalistas de estudo da linguagem. A linguística cognitiva não aceita a
mente como artefato computacional, a mente não é mais modular, é
interrelacionada. À modularidade cognitivista clássica, se opõe o conexionismo da
linguística cognitiva.
Portanto, embora a linguística cognitiva tenha se originado da semântica
gerativa, se difere dela por adotar abordagens que absorvem aspectos exteriores à
língua para poder extrair o significado da forma e interpretar o mundo. Para o
gerativismo a mente gera e compreende frases a partir de regras que domina, de
maneira inata. Já para a Linguística cognitiva, a mente não é vista como um
computador, ela gera linguagem a partir de conexões externas, das relações sociais,
1
Videoaula: Linguística Cognitiva. De autoria da Dra. Ediene Ferreira Pena. Divulgada em 8 de mai. de 2022.
a partir do conhecimento de mundo atribui e constrói significados. A Linguística
Cognitiva parte da experiência humana com o mundo, do construto social
(informação verbal2). A vertente clássica do cognitivismo passa a ser assim uma
versão racionalista do programa filosófico de uma epistemologia científica
(FRANÇOSO, ALBANO, 2004, p. 305).
Esse novo paradigma linguístico sociocognitivista aborda a linguagem não
como uma entidade autônoma de regras, mas como processo cognitivo mediado
pela experiência com o mundo. A linguagem passa a ser a relação da experiência do
homem com o mundo. Na perspectiva sociocognitivista, os interlocutores passam a
ser o centro da construção do sentido, de maneira que a comunicação se estabelece
de forma compartilhada em situações reais de interação discursiva (SANTOS e
SANTOS, 2016, p. 43).
Outra diferença entre as teorias diz respeito ao conceito de gramática:
para os gerativistas a gramática é concebida como um sistema de regras inato e
modular da mente humana, priorizando os aspectos sintáticos da língua; já para os
sociocognitivistas é entendida como um elemento de construção simbólica dinâmico
que se materializa a partir do uso concreto de uma língua, priorizando assim, seus
aspectos semânticos que estão sempre em construção porque nascem das relações
sociais.
Isso significa conceber a língua como recurso de construção de
conhecimento saindo da estrutura para o contexto sociocultural. Com isso,
procura afirmar que a linguagem deve ser explicada em termos semânticos
e funcionais. Isso explica porque para o Gerativismo o uso de metáforas
está fora dos estudos linguísticos enquanto que para a Sociocognição está
no centro. (SANTOS e SANTOS, p. 46)

Alguns teóricos cognitivistas como (HOPPER e TRAUGOTT, 1993, apud


FERREIRA-PENA, 2009) defendem o posicionamento de que a língua é
fundamentalmente metafórica, pois é construída a partir de conceptualizações que
nos permitem entender o mundo.

A linguagem, portanto, é essencialmente metafórica, uma vez que


estendemos significados para formas já existentes na língua, por conta de
um grau de semelhança entre a coisa e a palavra que a designa. É por isso
que se considera a metáfora como uma motivação icônica (PENA-
FERREIRA, 2009).

2
Palestra: Painel temático IV: Linguística Cognitiva. Dra Claudete Lima. Sala virtual de Teoria linguísticas. Em
02/05/2022.
Como exemplo desse entendimento de metaforização da língua, pode-se
levantar aqui expressões comuns do dia a dia como: “vou aguardar sua resposta” ou
“guarda esse conceito”, conceptualizando os termos resposta e conceito (que são
ideias, nos casos) como quem aguarda ou segura um objeto (ideias são objetos); ou
“eu dei o recado aos alunos”, compreendendo que comunicar é transferir uma
posse; ou ainda na expressão “estou de saco cheio”, compreendendo o termo saco
como metáfora para mente, entendida como recipiente, que não suporta mais
determinada situação.
Concluindo, a Linguística Cognitiva, em relação à teoria gerativa,
considera os aspectos socioculturais na construção das representações mentais no
processo de aquisição de linguagem, pois para ela o conhecimento linguístico
emerge e se estrutura a partir do uso da linguagem; não admite o conceito de
modularidade da linguagem, pois não se trata de um processo separado de outras
faculdades cognitivas; contesta a concepção de que a linguagem é gerada por um
sistema inato de regras racionais, uma vez que a estrutura gramatical de uma língua
reflete diferentes processos de conceptualização. E ao focar seus esforços no
estudo da interação entre a língua e as estruturas cognitivas a nova teoria abre
espaço para um recente e importante braço de tendências de estudos linguísticos
cognitivistas. Assim, aspectos linguísticos até então não observados, pela
complexidade de análise que apresentam, foram promovidos a objetos de estudos,
já que podem dispor de teorias que viabilizam suas investigações.

Referências:

FRANÇOSO, Edson; ALBANO, Eleonora. Virtudes e vicissitudes do


cognitivismo, revisitadas. In: O funcionalismo em linguística. In: MUSSALIM,
Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: fundamentos
epistemológicos. Vol.3. São Paulo: Cortez, 2004.

HOPPER, P.; TRAUGOTT, E.C. Grammaticalization. Cambridge University Press,


1993.

LAKOFF, G. Women, fire and dangerous things. Chicago: University of Chicago


Press, 1987.

PENA-FERREIRA, E. Sobre gramática e cognição. Revista de Letras Olho de


Boto, v. 1, p. 45-59, 2009.
SANTOS, Fabiana, S; SANTOS, Thais S. Linguística formal e linguística do
discurso: continuidades e rupturas teóricas. Linguística Rio, vol.2, n.2, abril de
2016.

SILVA, Gustavo Augusto Fonseca. Para a união entre a gramática gerativa e a


linguística cognitiva na Biolinguística. Belo Horizonte, 2020. Tese (doutorado) –
Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Letras.

SOUSA SOARES, N. L., DUARTE, M. S. M. & HOLANDA, K. A. P. (2020).


Estruturalismo, gerativismo e funcionalismo: novas perspectivas para o ensino de
gramática da língua portuguesa na escola. In: AZEVEDO, N. D (org.). Estudos
interdisciplinares da linguagem, 2, E-book ISBN: 978-65-86901-14-6.
http://www.editorarealize.com.br/artigo/visualizar/71977.

Você também pode gostar