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A POLIFONIA COMO ESTRATÉGIA PARA CONSTRUÇÃO DO ETHOS:


UMA ANÁLISE DO DISCURSO DOCENTE.

Elisabeth Gonçalves de Souza (UEMG/UFMG-Bolsista Fapemig)

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo perceber, a partir da polifonia, como os docentes
constroem uma imagem de si, o Ethos. Para alcançar tal objetivo utilizaremos como referencial
teórico-metodológico os estudos de Maingueneau e Amossy, no que se refere ao Ethos.Para, tratarmos
da polifonia, utilizaremos o referencial do Modelo de Análise Modular. Pretendemos também propor
um diálogo entre a teoria do Ethos e o Modelo de Análise Modular (MAM).
O texto analisado é parte do corpus do projeto “A polifonia na construção do discurso docente
acerca dos processos de escolha do LD de Alfabetização” desenvolvido no município de Barbacena
em 2007, que apresentava como objetivo geral compreender os processos de escolha do livro didático
de alfabetização através do desvelamento da polifonia presente no discurso dos professores
alfabetizadores da Rede Municipal de Educação de Barbacena. Este projeto está em consonância com
as pesquisas, estudos e discussões do Grupo de Pesquisa LER 1– Leitura e Escrita: Reflexões,
credenciado pela UEMG em 2006.
Partimos da hipótese de que os textos produzidos pelos docentes na pesquisa configuram-se
como discurso2. Chamaremos de discurso a “um conjunto de enunciados na medida em que relevam a
mesma formação discursiva” Foucault (1996). Ainda segundo, Foucault (1996)

Formação discursiva é um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre


determinadas no tempo e no espaço que definiram uma época dada, e para uma área
social, econômica, geográfica ou lingüística dada, as condições de exercício da função
enunciativa.

Os docentes foram convidados a construir um texto argumentativo a partir das seguintes


categorias: descrição do material didático com o qual se trabalha no momento; relato do processo de
escolha desse material; utilização do Guia de LD no processo de escolha, sem necessariamente,
apresentar a característica de pergunta-resposta desses questionamentos. Nossa proposta, neste artigo,
é perceber como os professores constroem uma imagem de si, que vozes perpassam seus discursos
quando tratam do processo de escolha do LD, e como constroem o Ethos.
Iniciamos nossa pesquisa com vinte e seis professoras, porém devido à alta rotatividade de
profissionais atribuída a contratos temporários, a encerramos com vinte e dois textos. Nessa discussão,
optamos pela análise de um texto escolhido de forma aleatória. .

1 A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DOCENTE: O ETHOS

1
O objetivo central do grupo é abrir um espaço de interlocução e de reflexões entre pesquisadores sobre as
perspectivas, os corpora e as interfaces da Análise do Discurso (AD) em Barbacena e Região. Pretende-se com
essa discussão atender ao interesse crescente em relação à AD, por parte de alunos e professores da
UEMG/Barbacena e das instituições da região.
2
Partimos da concepção de discurso refletida nas pesquisas e nas discussões realizadas pelo Grupo de Pesquisa
LER-Leitura e Escrita: Reflexões. O Grupo entende que a AD, por suas especificidades e relações com outras
áreas humanas, oferece um campo de questões temáticas e/ou epistemológicas para discutir a linguagem, sua
organização e seu funcionamento, seja no interior dos campos da Lingüística, seja na interface com a Educação,
com a História, com a Psicanálise, com a Filosofia etc. É importante ressaltar que essas afinidades e relações
constituem um espaço privilegiado para reflexões sobre questões inerentes à linguagem e a outros fenômenos
sociais que a envolvem direta ou indiretamente.
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Todo locutor ao realizar uma enunciação constrói uma imagem de si. O que pretendemos aqui
é perceber que imagem o professor constrói de si ao argumentar sobre o processo de escolha do LD de
Alfabetização.
Os estudos do Ethos vêm desde a Antigüidade Clássica e nas últimas décadas foram
retomados por alguns estudiosos da Análise do Discurso Francesa, principalmente Dominique
Maingueneau, Patrick Charaudeau e Ruth Amossy. Com base nos estudos desses autores é que
buscaremos perceber a construção do Ethos no texto proposto utilizando marcas polifônicas.
De acordo com Maingueneau (1998), Ethos é o fenômeno pelo qual podemos perceber, na
enunciação, o caráter do locutor. Barthes (apud Maigueneau, 1998) afirmava que pouco interessava a
sinceridade do locutor, mas a impressão que este causava a seu auditório.

O ethos não diz respeito apenas, como na retórica antiga, à eloqüência judiciária ou
aos enunciados orais: é valido para qualquer discurso, mesmo para o escrito. Com
efeito, o texto escrito possui, mesmo quando o denega, um tom que dá autoridade ao
que é dito. Esse tom permite ao leitor construir uma representação do corpo do
enunciador ( e não, evidentemente, do corpo do autor efetivo). A leitura faz, então,
emergir uma instância sujetiva que desempenha o papel de fiador do que é
dito.(Maingueneau, 1998, p. 98)

E em que espaço se constrói o Ethos? No momento da enunciação, ou num outro momento,


anterior à enunciação? Patrick Charaudeau pontua que o Ethos pode ser pré-construído, quando as
imagens começam a ser percebidas antes da enunciação, em elementos preexistentes ao discurso e
construído, quando a concretização da imagem se dá no momento da enunciação, nos atos trazidos
pelo próprio ato de linguagem. O sujeito professor constrói para si uma identidade social de locutor,
com base nos papéis que ele se atribuiu no momento da enunciação. Para Charaudeau:

O sujeito aparece portanto, ao olhar do outro, com uma identidade psicológica e social
que lhe é atribuída, e, ao mesmo tempo, mostra-se mediante a identidade discursiva
que ele constrói para si. O sentido veiculado por nossas palavras depende depende, ao
mesmo tempo daquilo que somos e daquilo que dizemos. O ethos é o resultado dessa
dupla identidade, mas ele termina por se fundir em uma única.

2 A CONCEPÇÃO GENEBRINA DE POLIFONIA

Diante de inúmeras abordagens da Análise do Discurso que poderiam explicitar a perspectiva


docente acerca do processo de escolha do LD, através de textos produzidos pelos próprios professores
(discursos), optamos pela polifonia, entendida a partir do Modelo de Análise Modular.
O componente polifônico da abordagem modular do discurso refere-se à inscrição da
subjetividade de outro locutor em um discurso, assim como a atitude adotada pelo locutor, em seu
próprio discurso, face às outras vozes que nele se fazem ouvir. Diz respeito a uma outra subjetividade,
diferente da subjetividade do locutor. Uma estrutura é polifônica quando o locutor repete ou retoma
um outro ponto de vista, independente de sua intervenção, posicionando-se em relação a ele. Essa
concepção de polifonia se consolida a partir dos estudos bakhtinianos e seus desdobramentos na
Análise do Discurso Francesa.
Polifonia, para o MAM (Roulet; Filliettaz e Grobet, 2001)3, parte das definições Bakhtinianas
e torna-se mais ampla e mais concreta, pois considera também o resultado da acoplagem das análises
concernentes às formas e às funções dos discursos produzidos e representados.

3
Roulet concebe a análise do discurso por módulos, uma vez que o discurso pode ser decomposto em sistemas
de informações que, por sua vez, podem ser descritos independentemente. Além disso, as informações obtidas
em cada módulo podem ser relacionadas. Janice Helena Chaves Marinho (2004) pensa no MAM como um
interessante instrumento de análise para oferecer um quadro teórico e metodológico que permite a compreensão
da complexidade e da heterogeneidade das atividades discursivas.
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Existem, na organização geral do MAM, dois componentes específicos denominados: forma


de organização elementar enunciativa e forma de organização complexa polifônica que tratam das
questões relativas à enunciação e à polifonia.
A forma de organização enunciativa se propõe a identificar os discursos produzidos e
representados no interior de um discurso. Por discurso produzido, entende-se aquilo que o locutor
disse e por discurso representado considera-se aquilo que o locutor disse que alguém disse. Tanto os
discursos produzidos quanto os representados estão presentes na superfície do texto e podem
apresentar-se das seguintes formas:
1 – Formulado: representação direta introduzida por um verbo de fala, dois pontos, travessão e/ou
aspas; representação indireta; representação indireta livre.
2 – Designado: o discurso pode ser designado por um verbo ou por um sintagma nominal;
3– Implicitado: traz como marcas os conectores que tem a função de estabelecer um encadeamento
implícito com o discurso de um interlocutor.
Já a organização polifônica refere-se à subjetividade de um locutor em um discurso, assim
como a atitude adotada pelo locutor, em seu próprio discurso, face às outras vozes que nele se fazem
ouvir. A polifonia para o MAM é a função dos discursos produzidos e dos discursos representados,
fazendo então emergir a subjetividade inscrita nesses discursos.
O que o MAM amplia na noção de polifonia em relação aos outros autores (Bakhtin,
Maingueneau, Authier-Revuz) é a possibilidade de a mesma ser uma informação advinda de uma
organização complexa em que sua descrição se faz necessariamente de outras dimensões e formas de
organização do discurso: não somente lexical e sintático, mas interacional, hierárquico, enunciativa e
polifônica. Descrever a organização polifônica de uma intervenção é identificar os discursos
produzidos e representados que se constituem em diferentes níveis e ir além da descrição das funções
destes discursos, diante de informações interacionais, referenciais, etc. É entender o porquê de diz o
que se diz e como se diz.

3 ANÁLISE ENUNCIATIVA E POLIFÔNICA DO CORPUS

Para compreender como os professores se posicionam em relação ao processo de escolha do


Livro Didático através de seus discursos iniciamos nossa análise pelo módulo interacional, que trata
da materialidade das relações de interação.
O enquadre interacional trata da materialidade da interação, que pode ser apontada como uma
negociação entre autor/leitor e se distingue de outras informações situacionais, textuais ou lingüísticas
constitutivas dos discursos. A função do módulo interacional é delimitar os níveis de interação e
especificar suas características. É pelo enquadre que podemos observar a relação entre os sujeitos do
discurso – os interactantes -, o tipo de interação que se dá entre eles através dos parâmetros do canal
(escrito, visual, oral), o modo de comunicação (tipo de presença dado pela distância espaço-temporal)
e o tipo de elo comunicacional (unidirecional ou recíproco).
A situação de interação analisada admite, em nosso ponto de vista o seguinte enquadre:
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Interlocutor Interlocutor Interlocutor Interlocutor


<professor < professor <leitor/pesquisador > <leitor>
alfabetizador> alfabetizador’>

canal escrito
co-presença espaço-temporal
não-reciprocidade
<DEPOIMENTO’ >

canal escrito
co-presença espaço-temporal
não-reciprocidade
<DEPOIMENTO>

Classificamos o enquadre acima como composto por conter dois nível de interação, compostos
de quatro posições de interação (professor alfabetizador/leitor) e (professor
alfabetizador’/pesquisador) estes últimos ocupando o espaço do “narrado”.
No nível mais externo temos uma interação cujo canal é escrito, uma vez que foi pedido que o
professor elaborasse um texto para o pesquisador. Há co-presença espaço-temporal, pois o texto
deveria ser produzido na presença do pesquisador. Não há reciprocidade, pois não poderia haver
influência direta do pesquisador e vice-versa durante a elaboração do texto. No nível mais interno, a
materialidade se mantém, pois entendemos que há apenas uma passagem abstrata para o nível do
narrado, apenas ressaltamos que nesse nível enfatizaremos a figura do pesquisador como um leitor
possível e que influencia na argumentação do professor pois o mesmo deve gerenciar a suas
estratégias de proteção de face.
Um detalhe que gostaríamos de abordar é a questão sobre a não exposição de alguns
professores, o que aqui chamaremos de silenciamento. Ainda que os autores do texto sejam
professores atuantes nas classes de alfabetização e de acordo com dados levantados por essa pesquisa
acerca da formação desses docentes, que nos apontam uma boa qualificação com quase totalidade dos
professores graduados e pós-graduados, emergiu em alguns textos o medo de expor-se. Tal fato nos foi
possível perceber por algumas escolhas lexicais através de construções impessoais, em especial pelo
uso da terceira pessoa. Uma das explicações possíveis para essa proteção pode ser dada pela definição
de papéis e posições com já dito. Ainda que o professores pesquisados tivessem um bom grau de
instrução, a figura do pesquisador pode aparecer como uma barreira, daí o temor em ser mal
interpretado.
É interessante lembrar que existe ainda uma distância entre os papéis sociais dos interactantes.
O pesquisador é quem tem maior domínio da situação de interação em relação aos professores, quando
se trata da produção de textos sobre questões relacionadas ao trabalho docente como objeto de
pesquisa. O fato de ser pesquisado incomoda a qualquer pessoa, pois sentir observado e ser conhecer a
fundo o objeto de pesquisa, gera uma relação baseada de certa forma no constrangimento.
Ainda com relação à distinção de papéis, tem-se que, na situação de interação provocada pelo
pesquisador, o professor alfabetizador, ciente dessa distinção, temendo expor-se ao risco de ser mal
interpretado ou censurado, coloca-se como um enunciador que tende a assumir uma posição não
comprometedora, marcada no enquadre pelo nível mais interno, ou nível do “narrado”. Dessa forma
ele procuraria mascarar uma crítica mais direta, uma opinião mais contundente.
As informações interacionais serão aliadas a seguir às informações encunciativo polifônicas. A
fim de identificar as vozes que compõem o discurso docente, passaremos à análise do corpus sob a
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perspectiva enunciativo - polifônica. Apresentaremos as marcas de representação utilizadas pelo


MAM: discurso representado formulado – marcado por colchetes preenchidos [...]; discurso
representado designado, marcado após a expressão que os designa por colchetes vazios [ ]; discurso
representado implícito – representado por colchetes vazios na frente do conector [ ]. Adotaremos PA
para professor alfabetizador, PA’ para professor alfabetizador’, ALD para autores de livros didáticos e
FI para figura institucionalizada.

PA PA'[ O processo de escolha do livro didático nas escolas por si só já é positiva para a educação.
È uma forma democrática de dar ao professor a oportunidade de adquirir um material de qualidade
para auxiliá-lo no seu trabalho, comungando com sua filosofia de trabalho. A qualidade do livro
didático vem melhorando bastante e com certeza podemos encontrar um material que se adeque às
nossas necessidades de acordo com a nossa formação e posicionamento diante do que pretendemos
trabalhar, que linha de trabalho vamos adotar e também as necessidades de formação de nosso
alunado.
Aqui na escola municipal (X)4, esta última escolha do livro didático foi bastante proveitosa,
tivemos um tempo anterior (uma semana) para manusearmos os livros na escola e em casa,
debatermos mais informalmente com os colegas e então num dia específico nos reunimos (os dois
turnos) e juntos escolhemos o que julgamos atender a maioria, após exposição PA[ ] dos pontos
positivos e negativos e ainda exposição PA[ ] da proposta de trabalho de cada professor.
Penso que foi um momento bastante importante para a escola, os professores “naquele
momento, especialmente” puderam pensar, refletir sobre suas propostas de trabalho e através desta
inteiração fazer uma auto-avaliação e acredito que até mudanças significativas.
Colocaria como ponto negativo o fato de após a escolha refletida, crítica do livro didático,
acontecer do livro escolhido não chegar à escola para atender a todos os alunos. Isto aconteceu
conosco aqui. Depois de escolher um livro ou até aceitar a escolha feita pelo grupo e já
compartilhar da mesma, você não tem o livro para trabalhar e tem que fazer nova opção (livros já
existentes na escola).
Os critérios que me embasaram na escolha do livro didático foram a forma que penso a
alfabetização, numa linha construtivista sócio-interacionalista; o olhar que devemos ter a partir das
referências bibliográficas, que autores ALD[falam a linguagem que entendemos] e a crenças que
temos para uma educação cada vez com mais qualidade; a diversidade textual, enfim o design como
um todo no livro, tornando-o rico e agradável de ser “consumido” e “conhecido” no processo de
construção e aquisição da alfabetização.]]

OBS: Os textos foram transcritos segundo os originais.

No nível mais externo, temos o discurso produzido que vai do início ao final do texto. É nesse
nível que o autor ‘diz’, no caso o professor, já refletido no que foi dito na análise interacional. No
segundo nível, temos a marca de um discurso formulado pelo PA’. Esse discurso se estrutura
basicamente na primeira pessoa, mas em algumas passagens notamos a escolha pela terceira pessoa,
em especial, no que se refere às críticas mais contundentes, feitas pelo autor ao processo de escolha do
LD no passado (na escola) e das atuais políticas públicas de distribuição do LD, que nem sempre
disponibilizam exemplares suficientes para todos os alunos. Acreditamos que essa estratégia, em nossa
opinião, configura-se como proteção de face.
Parece-nos que o professor consegue perceber que o processo tem pontos positivos, mas não
se nega a explicitar o que ‘na opinião dele’ seria um problema no processo. Isso pode ser observado
pelo jogo feito com o discurso designado em que a voz do professor é retomada como uma voz de
outro que não o professor que ‘diz’ após exposição PA[ ] dos pontos positivos e negativos e ainda
exposição PA[ ] da proposta de trabalho de cada professor.
De acordo com nossa análise, observamos que o professor acredita ser uma ‘boa’ estratégia a
oportunidade de os professores exporem os pontos positivos e negativos da escolha em uma reunião.
No final do texto, o professor alfabetizador utiliza um discurso formulado indireto: que
autores ALD [falam a linguagem que entendemos]. Nesse momento o docente se faz valer do

4
O nome da escola foi omitido com o objetivo de preserva-la.
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discurso de autoridade, ao referir-se aos autores e a teorias de ensino/aprendizagem bastante


divulgadas, para reafirmar a importância da formação dos professores. Em contra partida, é feita uma
crítica `a política pública, sobretudo no processo de avaliação/seleção das obras, com referência à
linguagem de livros que, muitas vezes, não é acessível.

4 A CONSTRUÇÃO DO ETHOS

No texto em análise, a docente pesquisada inicia seu texto dizendo que o processo de escolha
do LD “È uma forma democrática de dar ao professor a oportunidade de adquirir um material de
qualidade para auxiliá-lo no seu trabalho, comungando com sua filosofia de trabalho”. Nessa
passagem o professor, se faz valer do discurso político para construir sua imagem. A utilização do
termo democrática indica que o professor tem uma preocupação com o coletivo, com a participação de
todos.
Para construir um Ethos de competência, que exige de seu possuidor, ao mesmo
tempo, saber e habilidade, o docente enfatizou suas bases teóricas: Os critérios que me embasaram na
escolha do livro didático foram a forma que penso a alfabetização, numa linha construtivista sócio-
interacionalista; o olhar que devemos ter a partir das referências bibliográficas. Aqui, o docente faz
uso do discurso didático, utilizando uma referência conhecida e que lhe atribui a imagem de um
profissional que se mantém informado sobre as teorias educacionais, que estuda as referências dos
livros que adota para perceber se elas se correlacionam com o seu “saber”, ou com sua postura teórico-
metodológica. Ao usar o discurso de autoridade, o professor constrói uma imagem de si como aquele
que adota teorias educacionais atuais e respeitadas por estudos científicos. Já as marcas referentes às
escolhas lexicais “consumido” e “conhecido” demonstram um discurso intitucionalizado, pois para a
instituição escolar toma como critérios de qualidade o fato da obra ser conhecida por todos os
professores, constituindo um status, e que seja totalmente utilizado, consumido no decorrer do ano
letivo. As obras que são abandonadas, ou que não são totalmente esgotadas, acabam consideradas
menos importantes.
Nesse trecho, observamos a representação social da profissão docente. Circula no meio
pedagógico certas imagens prontas, estereótipos, relativos ao exercício do magistério: profissão que
exige constante aperfeiçoamento, muita leitura e atenção às recente teorias educacionais. Para
Charaudeau “os grupos julgam os outros grupos com base em um traço de sua identidade”.
Ao fazer o seguinte relato:“Colocaria como ponto negativo o fato de após a esolha refletida,
crítica do livro didático, acontecer do livro escolhido não chegar à escola para atender a todos os
alunos. Isto aconteceu conosco aqui. Depois de escolher um livro ou até aceitar a escolha feita pelo
grupo e já compartilhar da mesma, você não tem o livro para trabalhar e tem que fazer nova opção
(livros já existentes na escola), o docente apresenta um Ethos de humanidade ao demonstrar, com
certo sentimento de indignação (você não tem o livro para trabalhar), a insuficiência de livros que
atinge diretamente aos alunos e posteriormente compromete o trabalho dos professores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O professor analisado através das estratégias da polifonia mostrou ser um profissional que
constrói uma imagem de “qualificado” para exercer sua posição e para poder escolher também os
livros didáticos. O professor utiliza vozes do discurso político para construir uma imagem de professor
comprometido com o processo democrático, em que todos tenham uma educação de qualidade.
Posiciona-se também negativamente em algumas situações, demonstrando a mesma preocupação
anterior, pois os livros foram de números insuficientes, demonstrando assim uma imagem de
humanidade através de um sentimento de preocupação com a qualidade dos livros que os alunos
utilizariam. Recorre, portanto, a inúmeras vozes para construir seu Ethos.
Concluímos também que o discurso docente e as imagens que o professor constrói de si e de
seu auditório estão relacionadas com o imaginário social do exercício da profissão docente. Ao
esboçar suas bases teóricas, o professor constrói um Ethos de estudioso, atualizado com as questões
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educacionais, consolidando um estereótipo do magistério, em que os professores devem estar em


processo constante de atualização, de formação continuada.

REFERENCIAS

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CHARAUDEAU, P. O discurso político. São Paulo: Editora Contexto.
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Edições Loyola, 1996.
MAINGUENEAU, D. Novas tendências em Análise do Discurso. Campinas: Unicamp.
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