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Contribuições da Teoria Semiolinguística do Discurso (TSD) e da Teoria da Enunciação para a análise de narrativas de si em
diversos corpora e suportes e suas intersecções com a etnossociologia (Prof. Cláudio – POLING – CEFET-MG )
Conceitos fundamentais da TSD – segunda parte
1. O ato de linguagem como mise en scène
2. Os sujeitos da linguagem
3. Os dois circuitos do ato de linguagem
4. Contratos e estratégias de fala
5. Em que consiste analisar um ato de linguagem
6. Identidade social e identidade discursiva

Textos

CHARAUDEAU, Patrick. De la compétence sémiolinguistique. In: Langage et discours: éléments de sémiolinguistique (Théorie et pratique). Paris: Hachette,
1983. p. 82-92.

CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso: modos de organização. São Paulo: Contexto, 2008. p. 43-62.

CHARAUDEAU, Patrick. Le sujet: historique, parcours philosophique. Material de aula, 1998. Université Paris XIII, Centre d´analyse du discours (CAD).

CHARAUDEAU, Patrick. La conversation entre le situationnel et le linguistique. In: CONNEXIONS, 53, 1989/1.

MUSSALIM, F. Análise do Discurso. In.: MUSSALIM, F. & BENTES, A. C. (orgs.) Introdução à Linguística: domínios e fronteiras. Vol. 2. 8 § ed. São Paulo:
Cortez Editora, 201 2. p. 1-55.

OSAKABE, Haquira. Argumentação e discurso político. São Paulo: Martins Fones, 1999.

SARFATI, Georges-Élia; PAVEAU, Marie-Anne. As grandes teorias da linguística: da gramática comparada à pragmática. São Carlos: Claraluz, 2006.
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Sarfati; Paveau (2006), dedicam dois capítulos em seu livro para tratar do que chamam de linguísticas enunciativas e linguísticas
discursivas. Segundo esses autores: “As linguísticas enunciativas têm por fundamento comum uma crítica à linguística da língua e um desejo de
estudar os fatos de ´fala´: a produção de enunciados por locutores na situação real de comunicação. O programa teórico da linguística da fala é
explicitamente mencionado, mas logo descartado por Saussure no CLG.” (p. 173). Os autores destacam que o próprio Saussure reconhecia dois
universos diferentes (abarcando uma mesma realidade): a língua como sistema, formada por signos combinados em estrutura e a manifestação
da língua na comunicação viva. Cada um desses universos solicita teoria própria. Os supracitados autores elencam quais são os postulados da
linguística da língua e as críticas que lhe são comumente feitas a partir da ótica da linguista Kerbrat-Orecchioni:

1. é uma lingüística do código (crítica: o código não possui realidade empírica – há dialetos, socioletos, idioletos);

2. a análise de unidades somente até o nível da frase (crítica: há regras de combinação transfrástica que permitem observar
unidades superiores à frase;

3. os sentidos resultam somente dos significantes lexicais e de construções sintáticas (crítica: todas as unidades linguísticas
participam da construção de sentidos);

4. a fala, quando considerada, é considerada uma troca comunicativa ideal entre indivíduos livres e conscientes, portadores
do mesmo código (crítica: concepção idealizada, não leva em conta os fracassos, as regulagens, os fenômenos inconscientes que
regulam a comunicação);

5. postulado da imanência: afirma a possibilidade e a necessidade de se estudar a língua por ela mesma, desconsiderando o
extralingüístico (crítica: é preciso considerar o referente (o papel dos dêiticos) e o contexto de produção, o que exige a abertura
a outras disciplinas.

Sarfati; Paveau (2006) salientam que as diversas abordagens que surgiram posteriores ao domínio do estruturalismo fundamentam-se sobre
uma ou várias dessas críticas: 1 e 3 para a linguística da enunciação; 2, para uma linguística textual e 4 e 5, para as abordagens em Análise
do Discurso. Esses autores fazem uma ressalva: as linguísticas da enunciação não devem ser consideradas totalmente opostas ao
estruturalismo. No início, os estudos buscavame observar as marcas da enunciação na fala, marcas que sinalizam a presença da enunciação,
da subjetividade do locutor.
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Podemos abstrair da leitura de Sarfati; Paveau (2006) as seguintes correntes e autores abordados:

LINGUÍSTICAS
ENUNCIATIVAS:
GÊNESE DA NOÇÃO DE
Origens esquecidas: Charles Bally ENUNCIAÇÃO Mikhail Bakhtin – Volochinov (1895-
(discípulo de Saussure: noções de 1975), concepção de linguagem
dictum e de modus; estudo do discurso fundamentalmente interativa; o signo só
indireto livre, entre 1912 e 1926 existe em seu funcionamento social; não
distingue enunciado-enunciação; conceito de
polifonia (vozes plenivalentes e equipolentes
dadas a ver no romance pelo autor)

Émile Benveniste: definição de


enunciação como um colocar em Oswald Ducrot (anos 1970- 1990):
funcionamento a língua como ato enunciação definida como Antoine Culioli e a teoria das operações
individual; distingue domínio acontecimento, corresponde à produção enunciativas; define a enunciação como
semiótico (da língua) e domínio do enunciado; conceito de polifonia no co-enunciação, na qual emissor e
semântico (da fala); descrição do nível do enunciado; desdobramento do receptor exercem papeis distintos, em
aparelho formal da enunciação ser do mundo, Locutor, enunciadores uma relação assimétrica

Dominique Maingueneau: define


a enunciação como pivô de uma LINGUÍSTICAS
relação entre língua e mundo, DISCURSIVAS
determinada pelos gêneros do
Linguística textual,
discurso; teorizações sobre o
Análises do Discurso...
interdiscurso, sobre a polêmica
constitutiva, sobre o ethos...
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A partir da crítica ao esquema da comunicação de Jakobson, vários estudiosos propuseram descrições do processo enunciativo
buscando captar sua complexidade:

Esquema da comunicação de Roman Jakobson (1963)

CONTEXTO
MENSAGEM
DESTINADOR CANAL DESTINATÁRIO
CÓDIGO

Críticas ao esquema, segundo Sarfati; Paveau (2006):

i) trata-se de um esquema que concebe uma comunicação homogênea, linear: um emissor transmite uma
mensagem, por um canal, usando um código para um receptor (não se consideram as incompreensões, as
tensões eventuais entre os parceiros);

ii) situa o código no âmbito externo à comunicação (ele é, na verdade, interno aos sujeitos falantes, integra seus
saberes internos); não se consideram as competências enciclopédicas, culturais;

iii) não permite pensar os fatores que determinam processo de produção e de interpretação.
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Michel Pêcheux (1975) define o sujeito a partir do processo de assujeitamento do indíviduo em sujeito pelas
formações ideológicas, formações discursivas e pelo inconsciente. Nesse processo, o sujeito constitui-se a partir de uma
dupla ilusão, oriunda de dois tipos de esquecimento: esquecimento número 1 (o indivíduo não tem consciência de que é
assujeitado pela formação discursiva na qual se inscreve quando enuncia) e o esquecimento número 2 (o sujeito tem a
ilusão de que pode controlar os sentidos de seu dizer, de que tem domínio sobre suas palavras); o sujeito se crê, assim,
fonte, origem do seu dizer.
Como salienta Mussalim (2012, p. 45), a partir da segunda fase da Análise do Discurso, definiu-se que o sujeito pode ocupar
diversas funções, diversas posições segundo o lugar social a partir do qual enuncia: lugar de professor, de político, de
publicitário, entre outros, que, também, determina o que pode e deve ser dito em uma formação social dada. A supracitada
autora ressalta que, a partir dessas teorizações, na AD pensada por Pêcheux, não existiria um “(...) sujeito individual, mas
apenas o sujeito ideológico: a ideologia se manifesta (é falada) através dele.” (p. 45). Posteriormente, em uma terceira fase,
afirmou-se o primado do interdiscurso como constitutivo de toda formação discursiva: esta tem sua identidade
definida e regulada a partir de suas relações com outra (s) formações; no interior de uma mesma formação discursiva, é
possível identificar os embates ideológicos que ela entretém com outras formações ideológicas; por exemplo, quando um
pastor de igreja evangélica ou um padre usa termos negativos para referenciar a doutrina espírita; assim, passou-se a
considerar um sujeito descentrado, heterogêneo; em seu dizer, podem-se ouvir ecos de mais de um posicionamento
ideológico; o analista pode formular hipóteses sobre as polêmicas que este dizer estabelece com outro (s).
Os trabalhos da linguista Authier-Revuz (1990) sobre as heterogeneidades constitutiva e mostrada no discurso contribuiu para
a afirmação da terceira fase dos estudos em Análise do Discurso e para a noção de sujeito heterogêneo.
Nessa abordagem inicial da Análise do Discurso, Pêcheux define o conceito de condições de produção como central para o
entendimento da constituição do sujeito, da construção de efeitos de sentido no processo interativo; as condições de produção
referem-se ao contexto sócio-histórico no qual são produzidos os textos e os discursos, esse contexto é marcado pela
contradição entre formações ideológicas que se ligam mais ou menos diretamente a posições de classe em conflito. Segundo
Mussalim (2012, p. 47), Pêcheux considerou que o sujeito não possui, no entanto, “(...) acesso às reais condições de produção
de seu discurso” e representa, assim, tais condições de forma imaginária, o que Pêcheux (1969) denominou de “jogo de
imagens de um discurso”
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Segundo Osakabe (1999), Pêcheux destacou que a relação entre destinador e destinatário não visa somente à transmissão
de informação, mas produz “efeitos de sentido”; essa relação, assim, deve ser pensada em termos de intersubjetividade.
Pêcheux, explica Osakabe (1999), considerou que a interpretação as significações resulta do desempenho de papeis pelos
sujeitos na interação. Este autor apresenta o quadro de Pêcheux das formações imaginárias:
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A linguista Kerbrat-Orecchini (1980, p. 19), apud, Sarfati; Paveau (2006, p. 176), a fim de questionar o esquema comunicativo
de Jakobson, também, busca apresentar uma descrição esquemática que visa captar a complexidade do processo enunciativo:
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Chraudeau (1983) propõe uma abordagem comunicacional dos textos e dos discursos.

Charaudeau (1989) parte do seguinte questionamento: em qual finalidade deve se situar as trocas linguageiras? Para ele, os
estudos deveriam dar conta não somente de diferentes objetos discursivos, mas buscar definir o funcionamento da linguagem
em geral. Interroga:

i) até que ponto pode-se levar em conta a dimensão piscossocial da linguagem?

ii) como podem ser encontradas, na linguística, categorias do tipo psicossociológico; ou, inversamente, como categorias
linguísticas podem enviar a categorias psicossociológicas?
Para buscar responder a esses questionamentos, o autor lança um ponto de vista sobre a linguagem que visa integrar a
estrutura da dimensão psicossocial e a dimensão discursiva do fenômeno linguageiro. O autor nomeou esse modelo de
sociocomunicativo. Trata-se de um modelo integrador que considera a significação discursiva resultante da inter-relação
entre
i) o situacional (lugar das instruções de sentido, expressas pelas características da situação de comunicação, dotada
de um Contrato de troca e das identidades psicossociais dos sujeitos) e

ii) o linguístico (lugar das instruções de sentido expressas pelo semantismo das palavras, seu valor de troca e as
ordens e organização do material linguageiro – modos enunciativo, descritivo, narrativo, argumentativo).
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Nesse modelo sociocomunicativo, os sujeitos são seres cuja identidade é, ao mesmo tempo, psicossocial e linguageira:
i) psicossocial, pois as práticas sociais realizadas pelos sujeitos são significantes na medida em que elas atribuem
valor simbólico ao Fazer das trocas; nessa dimensão, os sujeitos exercem papeis sociais; possuem identidades
sociais;

ii) linguageiro: os inter-actantes encontram-se nas práticas sociais que são, ao mesmo tempo, práticas linguageiras;
eles interagem em situações particulares, têm projetos de fala, cuja encenação faz com que cada um possua uma
identidade linguageira. Nessa dimensão, os sujeitos exercem papeis linguageiros.
Charaudeau (1989) ressalta que as identidades psicossociais são consideradas somente em função da expectativa (enjeu)
presente no processo de produção e de interpretação do ato de linguagem.
Exemplos:
1: o médico possui a legitimidade de assumir certos comportamentos linguageiros devido à sua identidade psicossocial;
nesta situação específica, somente uma parte de sua identidade sociológica é mobilizada para dar pertinência às questões
que o médico pode fazer ao paciente.

Charaudeau (1989) conclui que o linguístico, por si só, não pode definir o sujeito falante, o sociológico também não é
sobredeterminante; o sujeito constrói sua identidade linguageira no ponto de encontro entre o situacional e o
linguístico.
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Charaudeau (1983) define o ato de linguagem como encenação (mise en scène), resulta do agenciamento, pelo sujeito, de
uma competência semiolinguística, que se desdobra em três tipos, as competências situacional, discursiva e
linguística
Competência “um conjunto de aptidões do Homem para representar suas experiências, ou seja, essas porções do mundo
fenomenal que entram no campo de seu conhecimento semiotizando-se” (CHARAUDEAU, 1983, p. 82).

Os sujeitos fazem experiências, a um só tempo, individuais e coletivas; assim, eles se constituem como sujeitos
singulares e coletivos; o mundo, igualmente, não é “um mundo”, mas “uma multiplicidade de pequenos universos de
experiência que tomam existência por meio da atividade de semiotização desses sujeitos.” (CHARAUDEAU, 1983, p. 82).
OBS.: reflexão semelhante àquelas feitas por autores sobre a Erlebnis.

A competência define-se como CAPACIDADE DO SUJEITO PARA SEMIOTIZAR O MUNDO, uma vez que os indivíduos
vivem experiências individuais e coletivas, é possível que nós os liguemos a tipos comportamentais diversos; entre estes, os
comportamentos dos sujeitos que produzem e que interpretam um ato de linguagem.
O processo de semiotização estrutura-se a partir de dois movimentos: um processo de transformação, pelo qual o sujeito
parte de um “mundo a significar” e o transforma em um “mundo significado”, a partir de um conjunto de operações linguístico-
discursivas (resultantes de escolhas) e de uma intencionalidade; essa atividade de transformação, da realidade em um “real
simbólico”, é guiada por um processo de transação que faz desse mundo significado um objeto de troca com outro sujeito
que exerce o papel de destinatário, a partir de uma certa expectativa de sentido, em certas Circunstâncias de discurso.
O processo de transformação resulta de operações de identificação, de qualificação, de ação e de causação.
O processo de transação guia-se pelos princípios de alteridade, de pertinência, de influência e de regulação.
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Charaudeau (1983) assim define as competências:

A competência linguística: constitui-se de diferentes ordens de organização da matéria linguageira em seus distintos
aparelhos conceituais: enunciativo; argumentativo, narrativo e retórico; eles fundam o estatuto semântico de marcas
linguísticas em Núcleo metadiscursivo; ex.: o Aparelho Enunciativo dá à marca linguística “eis”, um estatuto de Apresentador
dêitico; o Argumentativo confere à marca linguística “e”, estatuto de Operador lógico de conjunção.

A competência situacional: constituída de situações sociolinguageiras codificadas que representam práticas sociais
próprias de uma comunidade e que se instituem em Rituais socio-linguageiros; essas situações sobredeterminam
parcialmente os protagonistas por meio de Contratos; são eles que determinam a expectativa discursiva do ato de linguagem
e funda o ato em um Gênero discursivo.

A competência discursiva: constituída por estratégias discursivas; é desenvolvida a partir de aparelhos conceituais
(Modos de organização do discurso) por meio de escolhas e de combinações de suas componentes e dá lugar, em
correlação com o Contrato, à fabricação de efeitos discursivos.
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Definição de ATO DE LINGUAGEM COMO ATO INTER-ENUNCIATIVO, esquema geral, Charaudeau (1983, p. 91).

Charaudeau propõe considerar o ato de linguagem como um encontro dialético, resultante de dois processos: i) de
produção: criado pelo EU e dirigido a um TU-destinatário; ii) de interpretação: criado por um TU´-interpretante, que constrói
uma imagem EU´do locutor; por isso, o ato de linguagem torna-se um ato inter-enunciativo entre quatro sujeitos: “(...) lugar
de encontro imaginário de dois universos de discurso que não são idênticos.” (CHARAUDEAU, 2008, p. 45).
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Definições gerais a partir do desdobramento dos sujeitos

Sujeito comunicante (EUc)


 O EUc: sujeito que se institui como locutor e articulador da fala, inicia a interação em função de certas Circustâncias
de discurso, testemunha um certo real, pertencente, contudo, ao seu universo de discurso; instância que enuncia
a partir de um papel psicossocial. Quando o EUc diz “Saia!”, ele busca projetar um EUe investido de autoridade,
mas seu ato pode não obter sucesso se não for levado a sério pelo TUi; se isso corre, o EUc perde sua aposta, não
é visto como alguém detentor de uma autoridade.

 O EUc pode ser conhecido de diversas formas. O autor mostra o exemplo da dita “imprensa rosa”: quando se revela
ao grande público detalhes da vida privada de artistas e políticos, a imprensa constrói, assim, os EUcs dessas
personalidades.

Sujeito enunciador (EUe)


 Trata-se de uma imagem de enunciador construída pelo EUc, representa o traço de intencionalidade deste
sujeito produtor do ato de linguagem. Em nota, Charaudeau esclarece que a Intencionalidade não diz respeito a um
conjunto de intenções plenamente concebidas e transmitidas voluntariamente, mas podem ser mais ou menos
conscientes, entretanto, são marcadas “pelo selo de uma coerência psicossociolinguageira” (CHARAUDEAU, 2008, p.
48). Salienta que não toma o ato de linguagem como originário de uma única intenção consciente, mas é determinado
pelo inconsciente e pelo contexto sócio-histórico;

 o EUe é somente uma máscara de discurso usada pelo EUc; do lado da interpretação, o EUe é uma imagem de
enunciador construída pelo TUi.
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Sujeito destinatário (TUd)

 TUd, interlocutor fabricado pelo EUc como destinatário ideal, este está presente em todo ato de linguagem,
explicitamente ou não, pode ser hipotetizado a partir de inferências sobre as Circunstâncias de discurso;

 em um mesmo ato de linguagem, pode haver vários TUd (ex. discursos políticos);

 no discurso publicitário: fabrica-se a imagem de um TUd a quem se supõe, falta algo, como alguém que deseja
preencher tal falta. O EU-publicitário supõe que o TUi se identificará com a imagem do TUd proposta pela empresa
publicitária.

Sujeito interpretante (TUi)

 Instância que testemunha um certo real, pertencente a um dado universo de discurso; exerce, no ato de linguagem um
certo papel psicossocial, detém a chave do processo interpretativo;

 encontra-se em relação de opacidade com a intencionalidade do EUc.


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O ato de linguagem como ato inter-enunciativo e assimétrico

 “(...) o EU dirige-se a um TU-destinatário que o EU acredita (deseja) ser adequado ao seu propósito linguageiro (a
´aposta´ contida no ato de linguagem).” (CHARAUDEAU , 2008, p. 44); CONTUDO,

 o TUi pode não coincidir com o TUd ao qual se dirige o EUc. O TUi, ao interpretar, reflete o EUc com uma imagem
distinta daquela que o EUc acreditava;

 o TUi encontra-se em relação de opacidade em relação à intencionalidade do EUc; o autor dá um exemplo: no enunciado
“Saia”, marca-se a presença de um TUd que é instituído como um sujeito que deve executar uma ordem. Se o TUi, ao
receber tal mensagem, obedece, ele se identifica como destinatário ideal criado pelo EUc. O TUi se vê diante da tarefa
de recuperar a imagem do TUd, construída pelo EUc, podendo aceitar ou recusar o estatuto do TUd criado pelo EUc;

 no polo da interpretação, o EUe é uma imagem de enunciador construída pelo TUi; o conhecimento que o TUi possui
do EUc atua no processo interpretativo. Para que um ato de linguagem seja interpretado como performativo, é
necessário que o EUe descreva uma ação por meio de sua fala, e o TUi possa imaginar que o EUc possua legitimidade
e esteja investido de um poder real em relação à ação descrita;

 por isso, Charaudeau (1983; 2008) define o ato de linguagem como expedição e aventura: expedição: é intencional,
resulta de um projeto de palavra concebido por um sujeito comunicante, segundo determinadas finalidades, que
mobiliza suas competências para jogar com estratégias a fim de convencer, seduzir, provar, demonstrar, conquistar o
sujeito interpretante, usa, assim, de contratos e de estratégias, a partir do jogo de restrições e liberdades que atua
sobre ele; aventura: o sujeito comunicante não tem certeza de que seu ato de linguagem será bem compreendido
pelo sujeito interpretante; este pode recusar as ideias, as propostas do sujeito comunicante.
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Contrato de comunicação e estratégias discursivas

Os Contratos: referem-se aos Rituais sociolinguageiros partilhados pelos sujeitos comunicantes que os permitem
reconhecer as representações das práticas socais que eles vivenciam nas diversas esferas de atividade social; esses rituais
determinam, em parte, a atividade linguageira, estabelecem limites, definem papeis sociais e linguageiros que os sujeitos irão
desempenhar em determinada situação comunicativa; prevê o gênero discursivo que deverá estruturar a troca comunicativa,
as expectativas em torno dela, os possíveis temas que poderão surgir na interação; refere-se, também, a um “implícito
codificado que permite aos interlocutores partilharem de um conivência discursiva”; ou ainda, um conjunto de restrições que
codificam práticas linguageiras.

As estratégias: referem-se às ações discursivo-retóricas que o sujeito comunicante mobiliza, a partir do uso do aparelho
formal da enunciação, das categorias de língua, a fim de produzir determinados efeitos de sentido sobre o interlocutor, de
persuasão, de sedução, de demonstração, efeitos de ficção, de real; estratégias de construção de imagem de si, a fim de
reativar seu estatuto de EUc.

“Esta modalidade de definição do ato de linguagem apresenta um projeto semiolinguístico que, mesmo
permanecendo no contexto de uma problemática linguageira, permite tratar os aspectos sociológicos e
psicológicos dos quais a linguagem é portadora. Essa problemática está mais localizada no campo da
linguagem que no campo da sociologia. Não podemos nos inscrever na afirmação sociológica segundo a qual
o poder não se encontra nas palavras, mas no estatuto social das pessoas que as empregam. Em nossa
concepção, as estratégias de poder exercidas em uma sociedade são o resultado de um jogo de ser e de
parecer entre o estatuto social dos sujeitos do circuito comunicativo (EU/TUi) e o estatuto linguageiro dos
sujeitos que a manifestação linguageira constrói (EUe/TUd).” (CHARAUDEAU, 2008, p. 62).
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Atividade de descrição de um ato de linguagem biográfico (contratos e estratégias)

Escolha um texto (auto) biográfica e proponha uma análise dele produzindo um texto que responda às questões seguintes :i)
que hipóteses podemos fazer sobre as Circunstâncias de discurso a partir das quais essa (auto) biografia foi gestada? De
que maneira podemos descrever o Contrato de comunicação subjacente a esse ato de linguagem? Qual a
Intencionalidade constitui o motor enunciativo dessa obra? Quais as visadas podem ser inferidas (informar, fazer crer,
persuadir, demonstrar)? Quais as características dos papeis sociais exercidos pelo sujeito comunicante nesse jogo
interlocutivo? Quais as determinações editoriais no fazer desta obra? Quais as características do gênero (auto) biografia
estruturam a obra (elementos paratextuais: capa, contra-capa, prefácio, apresentação, organização dos capítulos, jogo com
elementos imagéticos, signos icônicos, indiciais, fotografias do biografo, linhas de tempo)? Quais as estratégias discursivo-
retóricas foram usadas: mobilização dos modos de organização: enunciativo, descritivo, narrativo, argumentativo); projeção
de imagens de si pelo sujeito (auto) biógrafo? Quais projeções de sujeitos destinatários?

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