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ANÁLISE DO

DISCURSO
Laís Virgína Alves Medeiros
Introdução aos estudos
teóricos da Análise do
Discurso: origem e noções
preliminares. A constituição
da Análise do Discurso
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
„„ Contextualizar histórica e teoricamente a Análise do Discurso.
„„ Diferenciar a Análise do Discurso das disciplinas vizinhas.
„„ Reconhecer algumas noções características da Análise do Dis-
curso.

Introdução
Você já deve ter percebido que cada subárea da Linguística recorta
e estuda a língua levando diferentes aspectos em consideração – a
diferença entre consoantes surdas e sonoras ou a mudança de pon-
tuação causada pela inversão sintática, por exemplo. A subárea que
você vai conhecer agora, denominada Análise do Discurso, apre-
senta um modo de investigação que leva em consideração aspectos
como a Ideologia e as relações sociais, atravessando a língua e cons-
truindo sentidos diferentes. Neste texto, você vai descobrir como essa
área foi estabelecida como disciplina autônoma, além de conhecer
algumas de suas noções iniciais.

A constituição da Análise do Discurso


Entre as áreas de estudo da Linguística, a Análise do Discurso se diferencia
por trazer questões (que terão maior ou menor importância conforme a vertente

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estudada) que tocam a Ideologia, o sujeito, as condições de produção, entre


outras. Atualmente, no Brasil, são tantas as vertentes abrigadas sob o escopo da
Análise do Discurso que seria possível falar em “análises do discurso” (SAR-
GENTINI, 1999), enfatizando assim a pluralidade dessa teoria.
O que há de similar entre suas vertentes é que todas estudam a linguagem
em funcionamento (SARGENTINI, 1999). Isso significa que a língua en-
quanto sistema, como foi proposta por Ferdinand de Saussure, deixa de ser
o principal constituinte do sentido, sendo necessário remeter o enunciado às
suas condições de produção, à exterioridade. Assim, a leitura e a interpre-
tação a partir dessa teoria vão além da estrutura sintática ou da semântica tal
como apresentada no dicionário.

Alguns nomes fundamentais dentro da Análise do Discurso: Michel Pêcheux, Michel


Foucault, Mikhail Bakhtin, Dominique Maingueneau, Pierre Charaudeau e Norman Flai-
cough. Embora as teorias de todos sejam hoje, no Brasil, posicionadas no escopo da
Análise do Discurso, cada vertente mobiliza as noções de um modo particular, guar-
dando semelhanças e diferenças entre si.

Origem e função
Para entender e situar temporalmente o estabelecimento da Análise do Dis-
curso, você precisa antes compreender o contexto em que os estudos linguís-
ticos se encontravam na época.
O teórico responsável por estabelecer a linguística como ciência autô-
noma, Ferdinand de Saussure, instaurou a dicotomia língua/fala. Para ele, o
único modo de estudar a língua seria deixando de lado os fatores externos,
focando no seu funcionamento como sistema (SAUSSURE, 2012).
Posteriormente, Émile Benveniste propôs que a linguagem é constitutiva
da natureza do ser humano, que, por sua vez, a atualiza através da enun-
ciação. Benveniste usa o exemplo dos pronomes pessoais para afirmar que
toda língua carrega marcas de subjetividade, de modo que o falante, deixado
de lado pela teoria saussuriana, estaria mesmo assim já impresso no sistema
da língua através dessas marcas (BENVENISTE, 2005).
Os estudos baseados em Saussure e Benveniste, portanto, não tinham o
texto como centro de suas investigações. Foram estudos posteriores, abrigados

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sob o escopo da Linguística Textual, que começaram a introduzir, nos estudos


linguísticos, o texto como unidade principal de análise. É importante salientar
que, numa fase inicial, o texto era visto de uma forma que não se diferenciava
muito de uma soma de frases, ou ainda como uma frase de maior dimensão.
O estudo do texto era focado em questões como coesão e coerência, não ha-
vendo muito espaço para a discussão de elementos como a subjetividade lin-
guística e a dimensão histórico-social, por exemplo (SARGENTINI, 1999).
Como uma forma de analisar o texto de modo mais global, considerando
sua complexidade, os estudos linguísticos “adotam a postura de conceituar o
texto como uma manifestação do discurso, considerando que o discurso com-
porta vários níveis de análise” (SARGENTINI, 1999, p. 41).
É nas décadas de 1960 e 1970 que são lançados os textos fundadores da
disciplina que hoje denominamos de Análise do Discurso. Sargentini (1999,
p. 42) salienta que as bases teóricas da Análise do Discurso, num primeiro
momento, são “radicalmente estruturalistas”. Ao remeter o enunciado às suas
condições de produção, o discurso é relacionado com a história, com “hipó-
teses histórico-sociais de constituição do sentido”.

O Estruturalismo, como o nome sugere, é uma corrente teórica que procura explicar os
fenômenos em busca de suas estruturas, de suas leis internas. No terreno da Linguística, po-
demos destacar o nome de Jakobson como grande expoente dessa teoria (SOUZA, 2005).
Foi a partir de Jakobson que a comunicação pôde ser instaurada como objeto de estudo
científico, o que justifica sua citada relação com os estudos discursivos (ORLANDI, 2009). É
preciso ressaltar, no entanto, que os estudos discursivos utilizam algumas das concepções
estruturalistas a fim de criticá-las e propor diferentes elementos para estudar a linguagem.

Uma particularidade da Análise do Discurso é que a Linguística não é seu


único braço constituinte: ela é considerada uma disciplina de entremeio, que
se vale de conhecimentos de outras áreas, como o Materialismo Histórico e
a Psicanálise. É por isso que você pode encontrar trabalhos em Análise do
Discurso que mobilizam as noções de modo nem sempre similar, a depender
do viés teórico adotado.
Neste texto, a Análise do Discurso é trabalhada com ênfase no viés da Lin-
guística, mas é importante que você saiba que este não é o único ponto de vista
possível. Veja um exemplo: as primeiras publicações em Análise do Discurso
propunham a análise de panfletos com cunho político específico. Esses panfletos

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diziam respeito às manifestações das classes estudantil e trabalhadora na década


de 1960, na França. No entanto, como é próprio da teoria a pluralidade de objetos,
hoje é possível encontrar análises de diferentes materialidades e gêneros textuais,
de notícias a slogans publicitários, passando por filmes, imagens, músicas...

Muitas pessoas associam a palavra discurso imediatamente a uma manifestação oral da


língua com um formato bem específico: o discurso do orador na formatura, o discurso
do político na campanha, o discurso de abertura de um evento... Este é, sim, um sen-
tido possível para a palavra discurso, mas não é o único. Quando falamos em discurso
dentro da teoria da Análise do Discurso, estamos falando em efeitos de sentidos entre
interlocutores (PÊCHEUX, 2010). Isso quer dizer quer ele se estende a manifestações em
formatos diversos, sempre relacionando sentido e ideologia.

Noções preliminares
Agora que você já conheceu o contexto de estabelecimento da Análise do Dis-
curso, vai conhecer, de modo introdutório, algumas noções básicas da teoria.
A principal diferença epistemológica da Análise do Discurso dentro dos
estudos linguísticos diz respeito às questões que não foram consideradas fun-
damentais pelas correntes precedentes – como a Linguística Textual e a Enun-
ciação, por exemplo (INDURSKY, 1998). Entre elas, você pode destacar as
noções de sujeito e de discurso e a importância dos elementos sócio-históricos
na constituição do sentido.
Você vai começar este estudo pelo sujeito, que nessa teoria assume um
papel bem diferente do que em outras vertentes dos estudos linguísticos. O
sujeito na Análise do Discurso não é apenas o sujeito da enunciação, como
para Benveniste, nem o falante individual, como para Saussure.

Você não deve confundir a noção de sujeito da Análise do Discurso em suas diferentes
concepções com o sujeito enquanto conceito da análise sintática. Embora o termo seja
o mesmo, não é do sujeito gramatical que estamos falando. Assim, a análise de um
enunciado pela perspectiva da Análise do Discurso não se assemelha à análise sintá-
tica – embora possa se valer dela como instrumento, mas nunca como objetivo final.

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Ao menos duas concepções de sujeito podem ser preliminarmente consi-


deradas na Análise do Discurso:

„„ Para Foucault, o sujeito é um lugar determinado e vazio, com potencia-


lidade para ser ocupado por indivíduos diferentes (FOUCAULT, 1995).
„„ Para Pêcheux, com influência de Althusser, o sujeito é o indivíduo interpe-
lado pela ideologia e afetado pelo inconsciente (PÊCHEUX, 2010).

Do mesmo modo, o discurso poderá ser conceituado de maneiras dife-


rentes, a depender do autor estudado. Veja os seguintes exemplos:

„„ Para Foucault, o discurso é uma forma de poder, um poder do qual dese-


jamos nos apoderar, e está sujeito a modos de legitimação e de interdição
(FOUCAULT, 2004).
„„ Para Pêcheux, o discurso é um efeito de sentido entre interlocutores, ou
melhor, entre suas representações, determinadas pelo estado da luta de
classes (PÊCHEUX, 2010).

Já as condições de produção dizem respeito ao fato de que os discursos são


sempre produzidos em certas condições específicas, e elas estão associadas às
relações de força que se estabelecem entre esses discursos (PÊCHEUX, 2010).
Usando o exemplo da fala de um deputado na Câmara, Pêcheux, de filiação
marxista-althusseriana, remete essas condições a um estado determinado pela
luta de classes – o que nos permite pensar no papel que a Ideologia exerce
sobre a produção, interpretação e manutenção dos discursos.

Althusser foi um filósofo francês de filiação marxista. Suas elaborações a respeito da


Ideologia foram de grande influência na vertente de Análise do Discurso elaborada
por Pêcheux.

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BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral I. Tradução de Maria da Glória Novak e


Maria Luisa Neri. 5. Ed. Campinas: Pontes Editores, 2005.

FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 4. ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1995.

FOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada


em 2 de dezembro de 1970. 11. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

INDURSKY, F. A análise do discurso e sua inserção no campo das ciências da linguagem.


Cadernos do IL, n. 20, dez. 1998.

ORLANDI, E. O que é linguística. São Paulo: Brasiliense, 2009.

PÊCHEUX, M. Análise automática do discurso (AAD-69). Tradução de Eni Pulcinelli Or-


landi. In: GADET, F.; HAK, T. (Orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdu-
ção à obra de Michel Pêcheux. 4. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2010.

SARGENTINI, V. M. O. A construção da Análise do Discurso: percurso histórico. Revista


Brasileira de Letras, v. 1, n.1, 39-44, 1999.

SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral. 28. ed. São Paulo: Cultrix, 2012.

SOUZA, S. A. F. de. O movimento dos sentidos sobre línguas estrangeiras no Brasil: dis-
curso, história e educação. Campinas: [s.e.], 2005. (Tese de doutorado.)

Leitura recomendada
INDURSKY, F. Os estudos da linguagem e suas diferentes concepções de língua. In: HEN-
RIQUES, C. C.; SIMÕES, D. (Orgs.). Língua portuguesa: reflexões sobre descrição, pesquisa
e ensino. Rio de Janeiro: Europa, 2005.

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