Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
AVANÇADA
Debbie Mello
Noble
Priscilla Rodrigues
Simões
Laís Virginia Alves
Medeiros
Revisão técnica:
ISBN 978-85-9502-144-0
CDU 81’33
Introdução
A enunciação é o campo de estudos linguísticos que se dedica ao estudo
do enunciado, manifestação oral ou escrita produzida por um locutor em
uma situação de enunciação, considerando que seu sentido se relaciona
com o exterior. Inserindo-se no âmbito dos estudos semânticos, a enun-
ciação não é uma teoria fechada, uma vez que diferentes abordagens do
enunciado conduziram linguistas a releituras das noções de enunciador,
locutor e situação enunciativa. Bakhtin, Ducrot e Benveniste são alguns
dos autores mais conhecidos nos estudos enunciativos.
Neste texto, você irá conhecer algumas dessas tendências de estu-
dos enunciativos e, a partir de cada uma delas, verá como as categorias
enunciativas podem ser repensadas.
a outro plano, não investigado pelo autor, que, ao elaborar a noção de sintagma
e eixo sintagmático, permite, aos futuros linguistas, a possibilidade de pensar
na frase, unidade que traria em si a necessidade de se considerar, ao menos,
o contexto linguístico imediato no qual os termos são linearmente dispostos.
Os estruturalistas e gerativistas, dos quais Chomsky é o maior expoente,
se debruçam sobre o eixo sintagmático e suas reflexões não ultrapassam o
limite da frase. Juntamente com a exclusão da fala, produzida pelo corte
saussuriano, ocorre também a exclusão do falante e da situação de fala. A
consequência maior do abandono do texto como princípio teórico, segundo
Indursky (2006), é o apagamento da subjetividade, que será retomado aos
poucos pelo desenvolvimento das teorias que se propõem a investigar o aspecto
semântico da língua. Para isso, é preciso olhar para o que está fora dela, os
usos que dela são feitos e dos quais o texto é um exemplo.
Jakobson e Hjelmslev por meio de suas contribuições teóricas, possibilitam
a inserção do sujeito no processo linguístico, assim como a definição do texto
como objeto teórico. O primeiro autor traz a noção de locutor, dizendo que ele
sofre a coerção do sistema, mas tem certa liberdade, quando combina frases
em um enunciado. Hjelmslev, por sua vez, propõe que se faça uma teoria da
linguagem, na qual deve ser pensado o texto como correspondente de uma
determinada manifestação da língua, apesar de não se confundir com ela.
Conforme Hjelmslev (1968), o texto é uma categoria teórica em si e deve ser
descrita. Ideia que conduz os linguistas a observarem essa categoria fora do
lugar comum (texto empírico), para o definirem como um objeto de estudo.
Esses autores, portanto, iniciaram, com suas postulações, a caminhada que
seria trilhada pelas teorias linguísticas que elegeram o texto como objeto de
observação, teorização e análise, como é o caso da enunciação.
A questão dos limites da frase impulsionou reflexões deste campo do
conhecimento. A frase trata da língua como sistema de signos; para além da
frase, encontra-se algo diferente (a fala, para Saussure; o discurso, para Ben-
veniste) e os procedimentos de análise também serão diversos. Você precisa
saber, entretanto, que as primeiras preocupações do campo da enunciação
não conduziam para a noção de texto. Não é possível nela encontrar, em suas
formulações iniciais, referência explícita a texto, pois seus estudiosos deline-
aram como objeto de estudo o enunciado. Pelo viés do enunciado poderiam
estudar a enunciação.
A teoria da enunciação afasta-se da noção estrita de língua como sistema,
que só considera as relações internas, e passa a considerar também alguns
elementos que não pertencem, de direito, ao sistema da língua. Para Benveniste
(1988), o fundador dessa teoria, passa-se da frase para a enunciação, que envolve
alguns elementos externos: aquele que fala, o locutor, o eu, e aquele a quem o
locutor se dirige, o interlocutor, o tu. Esse locutor está necessariamente situado
em um contexto de situação, que determina o tempo da enunciação (aqui) e
o espaço da enunciação (agora). A enunciação supõe sempre os interlocutores
e está datada e situada no espaço.
Ducrot (1987, p. 7) diz que:
Bakhtin (1997, p. 34) diz também que “Todo dizer tem uma função res-
ponsiva [...]”, inscrita na ordem social. O autor oferece, assim, uma reflexão
interessante sobre a interpretação que seria uma resposta a um signo por meio
de outro signo, ou seja, um processo que depende de uma experiência já vivida.
A enunciação de Ducrot
Ducrot faz uma tentativa de ler Bakhtin livremente na elaboração de seus
estudos sobre a polifonia. No entanto, para Ducrot , Bakhtin não estudou
como um modo de falar é tomado por apenas um locutor, como um enun-
ciado assinala a superposição de vozes e a pluralidade dos responsáveis pelo
dito. Serão, portanto, estes fatos não trabalhados por Bakhtin que Ducrot
vai ter como objetivo em seus estudos sobre a língua, com a proposta da
Esse tipo de implícito traz a ideia de que todo enunciado tem um propó-
sito, ou seja, não ocorre de forma gratuita e é esse propósito que justifica a
possibilidade da existência do subentendido. A inovação é, portanto, o fato da
não decorrência deste propósito de fatores linguísticos, mas sim da situação
enunciativa, do exterior da língua que nesta teoria é tratado como um fator
constitutivo do sentido de um enunciado. Logo, podemos dizer que o mesmo
enunciado, tomado em situações de enunciação distintas pode derivar sentidos
também distintos.
Benveniste e a enunciação
Benveniste é um teórico que define a enunciação como a apropriação da língua
pelo sujeito que, então, pode dizer o que tem a dizer, ou seja, a enunciação
é uma atividade do locutor em produzir um enunciado. Sendo a enunciação
o ato de dizer em que o sujeito se apropria da língua para uma manifestação
individual, ela é também o ponto de mediação entre a língua (langue/sistema)
e a fala (parole/funcionamento/uso).
O objeto da teoria da enunciação é o enunciado: o que é dito em uma situação
enunciativa. Assim, o enunciado é remetido à enunciação para que ela, servindo
de contexto situacional, auxilie na compreensão do sentido do que está sendo
dito. O que é dito só tem sentido se as categorias linguísticas sejam tomadas
em relação à determinada situação enunciativa. Pronomes, numerais, advérbios
só têm sentido se tiverem relação com as categorias enunciativas. As marcas
enunciativas, os dêiticos, são: o Eu/Tu; o Aqui e o Agora (EGO-HIC-NUNC,
termos do latim usados por Benveniste para indicar as categorias enunciativas,
pois o linguista percebeu que essas categorias estavam presentes na maioria
das línguas naturais: sujeito, espaço e tempo). Um enunciado, portanto, só
pode ser interpretado em relação a um Eu que fala para um Tu; em um tempo
dado: o agora; e em um espaço determinado: o aqui.
O locutor é o ser do discurso, aquele que assume a voz dominante e orga-
niza o discurso e as diferentes vozes que nele se apresentam. O enunciador
corresponde a outras vozes, pontos de vista, opiniões, podendo ser aproximado
das “vozes anônimas” de que fala Bakhtin, pois não é explicitada a ocorrência
dessas vozes.
https://goo.gl/c6mrPN
Cada um dos autores apresentados elabora seus estudos de acordo com conceitos
de signo distintos. Bakhtin teoriza um signo ideológico, interessado nas relações entre
linguagem e sociedade, ou seja, é uma abordagem linguístico-sociológica. Ducrot pensa
na interação entre locutores e sua teorização é mais formal. Benveniste é um teórico
que reúne os objetivos do trabalho de Bakhtin e Ducrot, pois pensa na função social
da língua e também na necessidade de formalização teórica, suas obras Problemas de
linguística geral vol. 1 e vol. 2 traduzem suas preocupações.
Enunciação no Brasil
A concepção de enunciação de Benveniste é a de que há uma apropriação da
língua pelo sujeito que pode dizer o que tem a dizer, ou seja, a enunciação é
tida como uma atividade do locutor em produzir um enunciado. Ducrot diz
que a enunciação é o evento histórico do aparecimento do enunciado e, a
partir dessa definição, Guimarães parte para elaborar sua proposta de teoria
da enunciação no Brasil.
Guimarães (1995) diz que a enunciação deve ser tratada como um aconte-
cimento histórico, como pensava Ducrot e Bakhtin. Desse modo, a definimos
como um acontecimento de linguagem perpassado pelo interdiscurso (origem
de todo o dizer, morada das vozes anônimas, também pode ser pensado como
exterioridade). A enunciação, portanto, não diz respeito apenas à situação
de fala. A enunciação não é homogênea, é uma dispersão que a relação com
o interdiscurso, as outras vozes, produz. Para Guimarães, o locutor estaria
ocupando a posição-autor, posição essa que assume como suas as palavras
que, de direito, são do interdiscurso.
Guimarães (1995, p. 65) reflete sobre o texto, dizendo que esse deve ser
pensado como uma operação enunciativa cuja textualidade conduz a “[...]
construir como unidade o que é disperso [...]”. Assim, o texto pode ser tomado
em suas relações internas, as relações coesivas, ou seja, o contexto linguístico,
e em suas relações com a exterioridade, o que está para além do contexto
linguístico. Com essa releitura, o autor substitui a noção de coerência pela
noção de consistência, que implica em colocar o texto em sua relação com a
exterioridade, submetendo-o à interpretação.
A coesão diz respeito às relações que reenviam a interpretação de uma
forma a de outra, em uma sequência do texto. A consistência diz respeito às
— Marcela, sua mãe já disse que não quer você acordada a essa hora.
Com base no que está sendo dito neste enunciado, podemos concluir que
se Tereza voltou, há um pressuposto de que ela foi à feira. Há também um
pressuposto de que existe uma feira de orgânicos a qual Tereza costuma ir e,
ainda, há um pressuposto de que Tereza prefere consumir produtos orgânicos.
Todas essas informações podem ser depreendidas do enunciado acima sem
que, necessariamente, cada uma dessas afirmações seja explicitada de forma
detalhada, até mesmo porque se isso acontecesse haveria muita redundância
em cada dizer, e o pressuposto funciona, exatamente, evitando repetições
de sentidos que podem ser depreendidos do próprio conteúdo do enunciado.
Já o implícito não será depreendido de itens linguísticos de um enunciado,
mas sim a partir de outros enunciados ou discursos, ou a partir da própria
situação de enunciação. Como Ducrot bem observou, há conteúdos que dese-
jamos dizer, mas não queremos tomar para nós a responsabilidade de tê-los
dito. Recorre-se, assim, ao implícito, de modo que a alusão a determinado
sentido é afirmada no intuito de fazer funcionar na interpretação aquilo que
não está sendo dito.
Com essas teorizações, Ducrot reafirma o caráter dialógico e polifônico do
enunciado, já apresentado por Bakhtin, e teoriza sobre alguns desdobramentos
Note que não há referência à Bakhtin no Quadro 1, pois, apesar dos im-
portantes conceitos elaborados por este autor, ele não produziu análises de
enunciados no âmbito da linguística, seus conceitos foram mobilizados, prin-
cipalmente, nos estudos literários. Um exemplo de noção bastante atual, que
derivou do desenvolvimento desses estudos, é a noção de gêneros do discurso,
que delineia a prática corrente de letramento e de produção textual nas escolas
básicas do Brasil inteiro.
https://goo.gl/4QQjes
Leitura recomendada
NUNES, P. Á. Émile Benveniste, leitor de Saussure. Cadernos do IL, Porto Alegre, n. 42,
p. 51-63, jun. 2011. Disponível em: <http://www.seer.ufrgs.br/cadernosdoil/article/
viewFile/26004/15225>. Acesso em: 23 ago. 2017.