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Enunciador e enunciatário

APRESENTAÇÃO

Neste Unidade de Aprendizagem, você conhecerá as noções de enunciador e enunciatário que


são oriundas da Teoria da enunciação, a teoria linguística que se dedica ao estudo do enunciado,
manifestação oral ou escrita produzida por um locutor (enunciador) em uma situação de
enunciação. O enunciado é proferido por um enunciador para um enunciatário que deve
interpretá-lo a partir da superfície linguística, remetendo, ainda, o enunciado à situação
enunciativa em que é produzido. Para que essa interpretação possa ser realizada, instruções
linguísticas devem ser dadas pelo enunciador ao enunciatário. Instruções estas que deixam
marcas no enunciado e podem ser reconhecidas pelo enunciatário.

Bons estudos.

Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

• Reconhecer o conceito de enunciador no campo dos estudos enunciativos.


• Reconhecer o conceito de enunciatário no campo dos estudos enunciativos.
• Diferenciar as marcas linguísticas do enunciador e do enunciatário em enunciados.

DESAFIO

Blog é uma palavra simplificada do termo weblog e esta, por sua vez, é resultante da
sobreposição de web (Internet) e log (registro de atividade ou desempenho regular de algo),
sendo um diário online.

O blog apresenta vários elementos como textos, imagens, músicas ou vídeos, que são inseridos
em páginas da Internet, onde são publicados, podendo ser dedicados a um assunto específico ou
ser de âmbito bastante geral.

A seguir, leia um pequeno trecho de um blog.


Com referência no conteúdo de Enunciador e enunciatário e no trecho do blog lido, responda às
seguintes perguntas:

a) Quem é o enunciador do blog da Mariah?

b) Quem é o enunciatário do blog?

c) Proponha uma atividade em sala de aula envolvendo as noções de Enunciador e enunciatário.

INFOGRÁFICO

Fiorin (2009) estabelece algumas relações para se trabalhar com as categorias de enunciador e
enunciatário na análise de textos sob uma perspectiva da sintaxe discursiva.

Você vai conhecer essa elaboração no infográfico a seguir.


CONTEÚDO DO LIVRO

Enunciador e enunciatário são elementos fundamentais na análise de textos e discursos, pois a


língua só pode ser atualizada quando um sujeito lança mão de sua estrutura para se fazer
entender por outrem. Seja para identificar um interlocutor de determinada mensagem, seja para
identificar o autor, é necessário recorrer a essas duas instâncias que Benveniste denominou EU e
TU, categorias da enunciação que delimitam os espaços de dizer e interpretar ocupados pelos
sujeitos em uma situação enunciativa.

No intuito de buscar as marcas linguísticas dessas categorias de pessoa, observaremos como elas
são atualizadas em diferentes gêneros discursivos e, também, como se relacionam às categorias
enunciativas de tempo e espaço também elaboradas por Benveniste, leia mais no capítulo
Enunciador e Enunciatário do livro Linguística avançada.

Boa leitura!
LINGUÍSTICA
AVANÇADA

Debbie Mello
Noble
Priscilla Rodrigues
Simões
Laís Virginia Alves
Medeiros
Revisão técnica:

Laís Virginia Alves Medeiros


Mestra em Letras – Estudos da Linguagem:
Teorias do Texto e do Discurso
Bacharela em Letras – Habilitação Tradutora:
Português e Francês

N747l Noble, Debbie Mello.


Linguística avançada / Debbie Mello Noble, Priscilla
Rodrigues Simões, Laís Virginia Alves Medeiros ; revisão
técnica: Laís Virginia Alves Medeiros. – Porto Alegre :
SAGAH, 2017.
146 p. : il. ; 22,5 cm.

ISBN 978-85-9502-144-0

1. Linguística avançada. I. Simões, Priscilla Rodrigues.


II. Medeiros, Laís Virginia Alves. III. Título.

CDU 81’33

Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094


Enunciador e enunciatário
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer o conceito de enunciador no campo dos estudos


enunciativos.
 Reconhecer o conceito de enunciatário no campo dos estudos
enunciativos.
 Diferenciar as marcas linguísticas do enunciador e do enunciatário
nos enunciados.

Introdução
Neste texto você vai conhecer as noções de enunciador e enuncia-
tário que são oriundas da Teoria da Enunciação – a teoria linguística
que se dedica ao estudo do enunciado, manifestação oral ou escrita
produzida por um locutor (enunciador) em uma situação de enunciação.
O enunciado é proferido por um enunciador para um enunciatário que
deve interpretá-lo a partir da superfície linguística, remetendo, ainda, o
enunciado à situação enunciativa em que é produzido. Para que essa
interpretação possa ser realizada, instruções linguísticas devem ser dadas
pelo enunciador ao enunciatário, e essas instruções deixam marcas no
enunciado e podem ser reconhecidas pelo enunciatário.
Você vai conhecer algumas dessas marcas linguísticas que remetem
ao enunciador, ao enunciatário e à situação enunciativa em alguns
textos

Enunciador
Benveniste (1989, p. 83), em Problemas de linguística geral II, diz que “A
enunciação é esse colocar em funcionamento a língua por um ato individual
de utilização [...]” e que o locutor se apropria do aparelho formal da língua
e enuncia sua posição de locutor, “[...] mas imediatamente, desde que ele se
Enunciador e enunciatário 67

declara locutor e assume a língua, ele implanta o outro diante de si.”. Ao tratar
da noção de pessoa, o autor diz que “eu” não se refere a um indivíduo parti-
cular, mas ao ato individual de apropriação da língua por um locutor que se
enuncia como sujeito. A referência temporal desse locutor é sempre o momento
atual (agora) e ele só pode ser identificado na instância do discurso, ou seja,
na língua. A referência espacial desse locutor é sempre o lugar atual (aqui).
O enunciador também é chamado de locutor nas teorias enunciativas, ele é
o autor do enunciado e organiza as vozes anônimas que habitam o enunciado e
com ele dialogam. Narrador ou interlocutor são formas de denominar o enun-
ciador em outras perspectivas teóricas, mas, no trabalho com a produção e a
interpretação textual, entende-se que quem produz o enunciado, ou texto, ou
discurso é o seu enunciador, que dialoga e dirige sua palavra a um enunciatário.
Consoante Barros (1997), o enunciador define-se como o destinador-
-manipulador, responsável pelos sentidos do enunciado e capaz de levar o
enunciatário a crer e a fazer. A manipulação do enunciador é um modo de
persuasão, ao passo que ao enunciatário cabe interpretar tal estratégia uti-
lizada pelo enunciador por meio de marcas enunciativas. Pensar, portanto,
na categoria de enunciador, ou locutor, como definiu Benveniste, é pensar
sobre um sujeito que produz um ato individual de utilização da língua em
determinada situação de enunciação e, estabelecendo uma relação dialógica,
convoca o outro a interpretar o enunciado produzido.

Há diferentes formas de se designar o enunciador entre as teorias enunciativas e,


também, em diferentes teorias linguísticas que estudam o texto e o discurso. Nas teorias
enunciativas de Benveniste e Ducrot, o enunciador foi inicialmente designado como
locutor e essa relação ainda se mantém atuante. Na linguística textual, há a designação
de interlocutor. Se tomarmos uma categoria literária, por exemplo, pode-se designar
o narrador de um conto, uma crônica ou um romance como enunciador. Na poesia,
o eu-lírico pode ser entendido como um enunciador também. Enfim, aquele que se
apropria da língua para produzir um enunciado de qualquer gênero é um enunciador!

Enunciatário
O enunciatário é considerado o sujeito ao qual se dirige o enunciador, também
conhecido como narratário (em oposição a narrador), ou interlocutário (em
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oposição a interlocutor). Considerando-se a categoria enunciatário em um


texto, ela pode se remeter ao leitor; caso fosse uma obra de arte, teríamos um
apreciador, ou um espectador, ou seja, sempre há alguém a quem se destina
o enunciado, pois o destino de um enunciado é sempre ser interpretador por
alguém. Barros (1997) diz que há dois aspectos principais no processo de
manipulação: o contrato que se estabelece entre enunciador e enunciatário,
de um lado; e os meios empregados na persuasão e na interpretação de outro.
Nesse contrato, ocorre que o enunciador define o modo como o enunciatá-
rio deve interpretar o enunciado, ou sua “verdade”, construída por todo um
dispositivo que espalha marcas que comprovam sua veracidade e devem ser
reconhecidas e interpretadas pelo enunciatário.
As relações entre o destinador e o destinatário de um enunciado se mate-
rializam discursivamente, ou seja, no próprio enunciado. No momento, por
exemplo, da leitura de um texto, da observação de um anúncio publicitário, ou
da escuta de um pedido de outrem o contrato entre enunciador e enunciatário
se faz atual. No entanto, o leitor, ou enunciatário, só poderá aceitar o contrato
proposto pelo enunciador, se ele seguir as pistas da enunciação deixadas
no enunciado. Conforme Fiorin (2001), a enunciação instaura o discurso-
-enunciado, projetando para fora de si os atores do discurso, bem como suas
coordenadas espaço-temporais. Tais projeções devem ser interpretadas como
procedimentos argumentativos, utilizados pelo enunciador para persuadir o
enunciatário. Verifica-se, assim, que em todos os gêneros discursivos o como
se conta tem mais peso do que o que se conta, e uma das formas de perceber
isso é observando as projeções de tempo, espaço e pessoa no discurso, proce-
dimentos empregados pelo enunciador para situar o enunciatário.

Enunciador e enunciatário: marcas no


enunciado
Como você acabou de ver nos itens anteriores, a relação entre enunciador
e enunciatário se dá a partir de um enunciado. Nesse enunciado, há marcas
(linguísticas, sonoras, imagéticas) que permitem a interpretação do enunciado
pelo seu destinatário. No caso da linguagem verbal, variadas classes de palavras
podem desempenhar a função de marcar, no nível linguístico, as categorias de
enunciador e enunciatário, a situação discursiva em que determinado enunciado
emerge, o momento em que o enunciado é produzido e, até mesmo, o local onde
foi produzido. Essas marcas, portanto, remetem o enunciatário ao contexto, à
situação discursiva e à exterioridade em que o enunciado é realizado.
Enunciador e enunciatário 69

Essas marcas são denominadas marcas enunciativas, ou dêiticos, e são: o eu/


tu; o aqui e o agora (EGO-HIC-NUNC, termos do latim usados por Benveniste
para indicar as categorias enunciativas, pois o linguista percebeu que essas
categorias estavam presentes na maioria das línguas naturais: sujeito, espaço
e tempo). Um enunciado, segundo Benveniste, só pode ser interpretado em
relação a um eu (enunciador) que fala a um tu (enunciatário); em um tempo
dado: o agora em relação à situação de enunciação; e em um espaço determi-
nado: o aqui em relação à situação enunciativa. A Figura 1 ilustra essa relação.

Figura 1. Enunciação, enunciador e enunciatário.

Observe o texto a seguir (DRUMMOND, 1980) e sua análise para entender


um pouco mais sobre como podem ser recuperadas as marcas das categorias
enunciativas em um texto.

Carta a uma senhora


A garotinha fez esta redação no ginásio:
“Mammy, hoje é dia das Mães e eu desejo-lhe milhões de felicidades
e tudo mais que a Sra. sabe. Sendo hoje o dia das Mães, data sublime
conforme a professora explicou o sacrifício de ser Mãe que a gente não
está na idade de entender mas um dia estaremos, resolvi lhe oferecer
um presente bem bacaninha e fui ver as vitrinas e li as revistas. Pensei
em dar à Sra. o radiofono Hi-Fi de som estereofônico e caixa acústica
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de 2 alto-falantes amplificador e transformador mas fiquei na dúvida


se não era preferível uma tv legal de cinescópio multirreacionário som
frontal, antena telescópica embutida, mas o nosso apartamento é um
ovo de tico-tico, talvez a Sra. adorasse o transistor de 3 faixas de ondas e
4 pilhas de lanterna bem simplesinho, levava para a cozinha e se divertia
enquanto faz comida. Mas a Sra. se queixa tanto de barulho e dor de
cabeça, desisti desse projeto musical, é uma pena, enfim trata-se de um
modesto sacrifício de sua filhinha em intenção da melhor Mãe do Brasil.
Falei de cozinha, estive quase te escolhendo o grill automático de 6
utilidades porta de vidro refratário e completo controle visual, só não
comprei-o porque diz que esses negócios eletrodomésticos dão prazer
uma semana, chateação o resto do mês, depois encosta-se eles no armário
da copa. Como a gente não tem armário da copa nem copa, me lembrei
de dar um, serve de copa, despensa e bar, chapeado de aço tecnicamente
subdesenvolvido. Tinha também um conjunto para cozinha de pintura
porcelanizada fecho magnético ultra-silencioso puxador de alumínio
anodizado, um amoreco. Fiquei na dúvida e depois tem o refrigerador de
17 pés cúbicos integralmente utilizáveis, congelador cabendo um leitão
ou peru inteiro, esse eu vi que não cabe lá em casa, sai dessa!

[...]

Mammy o braço dói de escrever e tinha um liquidificador de 3 veloci-


dades, sempre quis que a Sra. não tomasse trabalho de espremer laranja, a
máquina de tricô faz 500 pontos, a Sra. sozinha faz muito mais. Um secador
de cabelo para Mammy! gritei, com capacete plástico mas passei adiante,
a Sra. não é desses luxos, e a poltrona anatômica me tentou, é um estouro,
mas eu sabia que minha Mãezinha nunca tem tempo de sentar. Mais o quê?
Ah sim, o colar de pérolas acetinadas, caixa de talco de plástico perolado,
par de meias, etc. Acabei achando tudo meio chato, tanta coisa para uma
garotinha só comprar e uma pessoa só usar mesmo sendo a Mãe mais
bonita e merecedora do Universo. E depois, Mammy, eu não tinha nem 20
cruzeiros, eu pensava que na véspera deste Dia a gente recebesse não sei
como uma carteira cheia de notas amarelas, não recebi nada e te ofereço
este beijo bem beijado e carinho são de tua filhinha Isabel”.

Nesta crônica, Drummond representa a fala de um sujeito comum, uma


garotinha às voltas com a escolha de um presente para a mãe. É um texto leve,
lúdico na aparência, mas apresenta sutilmente uma violenta crítica. Há duas
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situações enunciativas envolvidas nesse texto: a primeira é a da própria escrita


da carta para a mãe, uma produção escolar, pois, inicialmente, o narrador situa
os leitores “A garotinha fez esta redação no ginásio [...]” e, depois, lemos que:
“[...] o braço dói de escrever [...]”. A outra situação, que motivou a escrita da
carta é “o dia das Mães”. Veja como ocorre esse processo.
Temos um narrador que introduz o texto e dá a palavra à garotinha que se
manifesta como o eu do discurso. A fala da garotinha, entretanto, apresenta
várias vozes nas quais se estabelece um diálogo com várias perspectivas, veja:

 Perspectiva da própria garotinha que usa uma linguagem familiar:


“Mammy”; aqui ainda há outra voz, porque não é próprio da língua
portuguesa o “m” dobrado seguido de “y”, há um eco da língua inglesa.
 Voz da instituição escolar representada pela professora: “[...] data su-
blime conforme a professora explicou o sacrifício de ser Mãe que a
gente não está na idade de entender mas um dia estaremos [...]”.
 Tentativas de um uso mais formal da língua de não domínio ainda da
estudante no emprego vacilante dos pronomes oblíquos: “desejo-lhe”,
“resolvi lhe oferecer”, “te escolhendo”, “só não comprei-o”, “encosta-
-se eles no armário”.
 Voz da propaganda (na descrição dos objetos que a garotinha vai ver
nas vitrines e nas revistas): “[...] o radiofono Hi-Fi de som estereofônico
e caixa acústica de 2 alto-falantes amplificador e transformador [...]”;
“[...] o grill automático de 6 utilidades porta de vidro refratário e
completo controle visual [...]”.
 Voz do próprio narrador que aparece em dois adjetivos que causam
estranhamento por serem inadequados à descrição que uma propaganda
costuma fazer (multirreacionário e subdesenvolvido) e dão o tom irônico
que sutilmente percorre todo o texto.

Do ponto de vista da sua organização, o texto apresenta uma divisão básica:


a oposição entre o mundo mágico da propaganda e o universo da dura realidade
da maior parte das pessoas. Essa divisão se manifesta na própria materialidade
linguística do texto, não só por meio de um vocabulário que opõe tematicamente
os dois universos, mas também por uma estrutura de frase que se repete fazendo
uso do “mas” (aparece explicitamente sete vezes e implicitamente em vários
lugares), indicando pontos de vista opostos. O “mas” apresenta alguém que fala de
dois pontos de vista diferentes, mudando a conclusão, a orientação argumentativa
inicial da frase. Veja como seu funcionamento pode ser explicado:
72 Enunciador e enunciatário

Há uma voz que diz: “Vi um radiofono Hi-Fi [...]” – que aponta para uma
conclusão do tipo: “Vou comprá-lo para mamãe”, mas outra voz diz: “[...] nosso
apartamento é um ovo de tico-tico [...]” – que orienta para uma conclusão
contrária “não vai caber lá, não devo comprá-lo”.
Assim, é possível perceber diferentes vozes (discursos) que aparecem no
interior da voz da garotinha e mostram esse aspecto fundamental da linguagem
que é seu caráter dialógico e polifônico. O discurso da garotinha é habitado por
outros discursos (o discurso escolar, o discurso da propaganda, o discurso crítico
do cronista), revelando a heterogeneidade em um processo de multiplicação de
vozes, nas quais o falante divide, no seu discurso, o espaço com outros sujeitos.

No link ou no código a seguir, você pode ler o texto


“Linguística da Enunciação: uma entrevista com Mar-
lene Teixeira e Valdir Flores” e aprender mais sobre
enunciação.

https://goo.gl/2b5qUw

Quando usamos os pronomes eu e tu estamos produzindo marcas enunciativas,


pistas que permitem ao ouvinte, ou leitor, interpretar o que está sendo dito. Observe
o enunciado:

— Filha, comprei um vestido para você hoje no Shopping Avenida.

Por intermédio das palavras “filha”, “comprei” e “você” podemos imaginar a situação
enunciativa da qual só temos um registro escrito: a mãe anuncia a compra de um
vestido para sua filha. Com o uso do advérbio “hoje” sabemos o momento em que
se deu a compra do vestido.
Atente que para essa delimitação do enunciador e enunciatário, do espaço e do tempo
foram usadas palavras de diferentes classes gramaticais: um substantivo, um verbo, um
pronome e um advérbio. O que mostra que qualquer classe de palavra pode desem-
penhar a função de remeter aos sujeitos envolvidos em uma determinada situação de
enunciação, ao momento em que ela aconteceu e, inclusive, ao espaço em que se deu.
Enunciador e enunciatário 73

1. Leia o trecho do poema de a) São João


Fernando Pessoa: “Sossega, coração! b) Todos os brasileiros
Não desesperes! Talvez um dia, c) Deus
para além dos dias, Encontres o d) Terra
que queres porque o queres. Então, e) Os nordestinos
livre de falsas nostalgias, Atingirás 4. No trecho abaixo, extraído da
a perfeição de seres.” Assinale a obra Conversas com Linguistas,
alternativa em que é apresentado o Carlos Alberto Faraco responde,
enunciatário do poema: ao ser questionado sobre o que
a) O leitor é língua: “Eu não sei se há uma
b) O coração resposta simples para essa pergunta
c) A amada aparentemente tão simples. Nós
d) O poeta que nos formamos na euforia do
e) Os seres estruturalismo, nos acostumamos
2. Assinale a alternativa em a ver a língua como um sistema,
que há outro modo de [...], como um código autônomo
denominar o enunciador nos e até auto-suficiente. [...] Mas nós
estudos enunciativos: vivemos a crise desta perspectiva
a) Interlocutor com a reentrada na cena teórica
b) Locutor das práticas de linguagem, aí
c) Leitor entendidas com toda a sua
d) Destinatário complexidade. Daí que eu costumo
e) Referente dizer aos alunos que nosso objeto
3. Benveniste (1989, p. 83) diz que de estudo é complexa realidade
“A enunciação é esse colocar em semiótica, estruturada sim, mas
funcionamento a língua por um ato necessariamente aberta, fluida, cheia
individual de utilização”. No trecho da de indeterminações e polissemias,
música “Asa Branca” de Luiz Gonzaga porque é atravessada justamente por
há utilização particular de determinada nossa condição de seres históricos.
variedade da língua brasileira. Essa [...]” (XAVIER e CORTEZ, 2003, p. 64).
é uma manobra linguística utilizada Na sua fala o linguista estabelece
para estabelecer um diálogo com uma relação entre o seu dizer e o
um enunciatário específico. enunciatário de seu dizer. Assinale
Assinale a alternativa em que este a alternativa abaixo que contenha
enunciatário é apresentado: elementos linguísticos que
Quando oiei a terra ardendo remetam ao enunciador:
Qual fogueira de São João a) Eu; sei; costumo
Eu preguntei a Deus do céu, ai b) Nós; eu; vivemos
Por que tamanha judiação c) Eu; nossa; alunos
Eu preguntei a Deus do céu, ai d) Alunos; essa; sistema
Por que tamanha judiação e) Seres; sua; pergunta
74 Enunciador e enunciatário

5. Na literatura e na poesia, é sabido que “Mar Português


as convenções da língua e da realidade Ó Mar salgado, quanto do teu sal
podem ser infringidas devido à São lágrimas de Portugal!
“licença poética” que as artes têm Por te cruzarmos, quantas
para que possam melhor expressar mães choraram,
seus temas. Benveniste diz que as Quantos filhos em vão rezaram!
categorias enunciativas, enunciador Quantas noivas ficaram por casar
e enunciatário não se relacionam a Para que fosses nosso, ó mar!”
sujeitos empíricos, mas expressam Assinale a alternativa em que é
a inscrição dos sujeitos na língua. O apresentado o enunciatário deste
poema de Fernando Pessoa, “Mar poema:
português”, é um exemplo do que a) Os filhos
diz Benveniste, pois seu enunciatário b) Portugal
não é um sujeito empírico. c) As mães
Leia atentamente o trecho do d) O mar
poema (PESSOA, 2007): e) Deus
Enunciador e enunciatário 75

BARROS, D. L. P. Teoria semiótica do texto. 3. ed. São Paulo: Ática, 1997. (Fundamentos, 72).
BENVENISTE, E. Problemas de linguística geral. Campinas: Pontes, 1989. v. 2.
DRUMMOND, C. Para gostar de ler: crônicas. 5. ed. São Paulo: Ática, 1980. (Para gostar
de ler, v. 1).
DUCROT, O. Princípios de semântica linguística: dizer e não dizer. São Paulo: Cultrix, 1977.
FIORIN, J. L. Elementos de análise do discurso. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2001.
FLORES, V. N. Linguística da enunciação: uma entrevista com Marlene Teixeira e Valdir
Flores. ReVEL, v.9, n. 16, 2011. Disponível em: <http://www.revel.inf.br/files/entrevistas/
revel_16_entrevista.pdf>. Acesso em: 24 ago. 2017.
PESSOA, F. Mensagem. São Paulo: Hedra, 2007. (Clássicos na escola).
XAVIER, A. C. R.; CORTEZ, S. Conversas com linguistas: virtudes e controvérsias da
linguística. São Paulo: Parábola, 2003.

Leituras recomendadas
BENVENISTE, E. Problemas de linguística geral I. 5. ed. Campinas: Pontes, 2005.
FLORES, V. N. et al. Enunciação e gramática. São Paulo: Contexto, 2008.
KNACK, C. Texto e enunciação: as modalidades falada e escrita como instâncias de
investigação. 2012. 189 f. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) – Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.
MIRANDA, M. G. M. Relações argumentativas entre enunciador e enunciatário no
romance Partes de África, de Helder Macedo. Cadernos do CNLF, Rio de Janeiro, v. XIV,
n. 2, p. 1601-1611, 2010. Disponível em: <www.filologia.org.br/xiv_cnlf/tomo_2/1601-
1611.pdf>. Acesso em: 09 ago. 2017.
Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para
esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
Conteúdo:
DICA DO PROFESSOR

Acompanhe no vídeo o conceito de enunciador e enunciatário, segundo Benveniste.

Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!

EXERCÍCIOS

1) Leia o trecho do poema de Fernando Pessoa: “Sossega, coração! Não desesperes!


Talvez um dia, para além dos dias, Encontres o que queres porque o queres. Então,
livre de falsas nostalgias, Atingirás a perfeição de seres.” Assinale a alternativa em
que é apresentado o enunciatário do poema:

O leitor.
A)
O coração.
B)
A amada.
C)
O poeta.
D)
Os seres.
E)

2) Assinale a alternativa em que há outro modo de denominar o enunciador nos estudos


enunciativos:

Interlocutor.
A)
Referente.
B)
Leitor.
C)
Destinatário.
D)
Locutor.
E)

3) Num discurso a enunciação apresenta-se, não como uma única voz, mas como um
emaranhado de vozes que originam-se de outros discursos e, ao ser proferido, revela
essa heterogeneidade de vozes. Dessa forma, o enunciador divide o espaço da
enunciação com uma multiplicidade de vozes. Esse é um dos aspectos fundamentais
da linguagem.

Assinale a alternativa que melhor define o caráter da linguagem descrito acima.

A linguagem apresenta diferentes vozes porque há o caráter do enunciador e do


A)
enunciatário em um processo de constante interlocução.

Esse caráter é marcado pelo tempo e espaço de enunciação, por isso determina a
B)
heterogeneidade.

Quando o enunciador faz o enunciado nele carrega a voz do locutor, do enunciador e do


C)
narrador, por isso esse caráter heterogêneo.

O caráter dialógico e polifônico é que caracteriza esse aspecto da linguagem, pois um


D)
discurso se constrói por meio das interações do enunciador com outros discursos.

As múltiplas vozes representam o conjunto completo de um enunciado, ou seja, o


E)
enunciador, o enunciado e o enunciatário em tempos e espaços definidos.

4) No trecho a seguir, extraído da obra Conversas com Linguistas, Carlos Alberto


Faraco responde, ao ser questionado sobre o que é língua: “Eu não sei se há uma
resposta simples para essa pergunta aparentemente tão simples. Nós que nos
formamos na euforia do estruturalismo, nos acostumamos a ver a língua como um
sistema, [...] como um código autônomo e até auto-suficiente. [...] Mas nós vivemos a
crise desta perspectiva com a reentrada na cena teórica das práticas de linguagem, aí
entendidas com toda a sua complexidade. Daí que eu costumo dizer aos alunos que
nosso objeto de estudo é complexa realidade semiótica, estruturada sim, mas
necessariamente aberta, fluida, cheia de indeterminações e polissemias, porque é
atravessada justamente por nossa condição de seres históricos. [...]” (XAVIER e
CORTEZ, 2003, p. 64).

Na sua fala o linguista estabelece uma relação entre o seu dizer e o enunciatário de
seu dizer. Assinale a alternativa a seguir que contenha elementos linguísticos que
remetam ao enunciador:
Eu; sei; costumo.
A)
Nós; eu; vivemos.
B)
Eu; nossa; alunos.
C)
Alunos; essa; sistema.
D)
Seres; sua; pergunta.
E)

5) Na literatura e na poesia, é sabido que as convenções da língua e da realidade podem


ser infringidas devido à “licença poética” que as artes têm para que possam melhor
expressar seus temas. Benveniste diz que as categorias enunciativas, enunciador e
enunciatário não se relacionam a sujeitos empíricos, mas expressam a inscrição dos
sujeitos na língua. O poema de Fernando Pessoa, Mar Português, é um exemplo do
que diz Benveniste, pois seu enunciatário não é um sujeito empírico.

Leia atentamente o trecho do poema: Mar Português Ó Mar salgado, quanto do teu
sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos
filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó
mar!

Assinale a alternativa em que é apresentado o enunciatário deste poema:

Os filhos.
A)
Portugal.
B)
As mães.
C)
O mar.
D)
Deus.
E)

NA PRÁTICA

Algumas categorias linguísticas que também são categorias enunciativas e podem ser
rapidamente localizadas em textos são:
EU - refere-se àquele que diz - o LOCUTOR - é o ponto de partida para as outras coordenadas.
TU/VOCÊ/VOCÊS - refere-se aquele(s) a quem EU digo - o INTERLOCUTOR.
AGORA - indica o momento em que EU falo.
AQUI - identifica o espaço em que EU falo.
ISTO - remete para um objecto próximo do locutor (EU).
ELE - refere o não participante da comunicação.

A música "O meu guri", do Chico Buarque, traz vários dêiticos em diferentes categorias e
também a divisão de vozes, acompanhe a seguir.

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SAIBA +

Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do
professor:

No vídeo Categoria de Pessoa, o professor Dr. Fiorin explica que segundo a teoria de
Benveniste, a 1a e a 2a são as pessoas do discurso, os parceiros da enunciação, enquanto a
3a pessoa é a não pessoa.

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No artigo O aposto como marca de intersubjetividade: uma análise enunciativa as autoras


defendem a ideia de que o aposto é um dos procedimentos acessórios por meio do qual
emerge a intersubjetividade no discurso.

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No artigo Relações argumentativas entre enunciador e enunciatário no romance Partes de


África analisa as relações entre o enunciador e enunciatário do texto literário, a fim de
perceber como se dá o contrato entre esses dois elementos da enunciação.

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