Você está na página 1de 23

Educomunicação em perspectiva

dialógico-discursiva
MANASSÉS MORAIS XAVIER

Educomunicação em perspectiva
dialógico-discursiva
Editora Mentes Abertas Editora da UFCG

Conselho editorial Prof. Dr. Vicemário Simões


Prof. Dr. Fábio Marques de Souza (UEPB) Reitor
Profa. Dra. María Isabel Pozzo (IRICE-Conicet-
UNR, Argentina) Prof. Dr. Camilo Allyson Simões de Farias
Profa. Dra. Marta Lúcia Cabrera Kfouri-Kaneoya Vice-Reitor
(UNESP)
Prof. Dr. José Helder Pinheiro Alves
Comitê científico da obra Diretor Administrativo da Editora da UFCG
Prof. Dr. Aluizio Lendl Bezerra (UECE, Brasil)
Prof. Dr. José Veranildo Lopes da Costa Junior CONSELHO EDITORIAL EDUFCG
(UERN, Brasil) Anubes Pereira de Castro (CFP)
Profa. Dra. Kelly Cristiane Henschel Pobbe de Benedito Antônio Luciano (CEEI)
Carvalho (UNESP, Brasil) Erivaldo Moreira Barbosa (CCJS)
Prof. Dr. Lidemberg Rocha de Oliveira (CODESE- Janiro da Costa Rego (CTRN)
SEEC/RN, Brasil) Marisa de Oliveira Apolinário (CES)
Prof. Dr. Maged T. Mohamed Ahmed Elgebaly Marcelo Bezerra Grilo (CCT)
(Aswan University, Egito) Naelza de Araújo Wanderley (CSTR)
Profa. Dra. María Isabel Pozzo (IRICE-Conicet- Railene Hérica Carlos Rocha (CCTA)
UNR, Argentina) Rogério Humberto Zeferino (CH)
Profa. Dra. Marta Lúcia Cabrera Kfouri-Kaneoya Valéria Andrade (CDSA)
(UNESP, Brasil)
Profa. Dra. Mona Mohamad Hawi (USP, Brasil)

Copyright ©
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida ou trans-
mitida ou arquivada, desde que levados em conta os direitos do autor.

Manassés Morais Xavier

Educomunicação em perspectiva dialógico-discursiva. São Paulo:


Mentes Abertas; Campina Grande: EDUFCG, 2020. 256 p.

ISBN: 978-65-87069-20-3 

Capa: Alexandre Borges Mesquita.


Revisão: Ronny Diogenes de Menezes.
Projeto gráfico e diagramação: Ronyere Ferreira.
Dedico

 a Deus,
ENTREGA / A DEUS TODA GLÓRIA
Intérprete: Aline Barros (CD Graça – MK Music – 2013)

Te dou meu coração


E tudo que há em mim
Entrego meu viver
Por amor a Ti, Meu Rei

Meus sonhos rendo a Ti


E meus direitos dou
O orgulho vou trocar
pela vida do Senhor

E eu entrego tudo a Ti, tudo a Ti


E eu entrego tudo a Ti, tudo a Ti

[...]
E eu entrego, Senhor Jesus
Tudo que tenho, tudo que sou
Meu coração é Teu
A minha vida a Ti pertence
Hoje e sempre: Glória e Louvor
Te darei Louvores,
Te darei toda Honra
Toda Glória seja Tua, pra sempre Tua, Senhor
Toda Glória, toda Glória, toda Glória

A Deus toda a Glória


A Deus toda a Glória
A Deus toda a Glória
Que por nós tanto fez.
 a Três Marias,
Maria Zenóbia Morais Xavier, minha mãe, pessoa que me educou e apoiou meus
estudos incondicionalmente.

Maria de Fátima Almeida, minha orientadora desse trabalho, pessoa que, sem me
conhecer, me abraçou e me aceitou como parceiro na academia e na vida.

Maria Auxiliadora Bezerra, minha professora, pessoa que me abriu portas, que
enxergou em mim potencial.

 à Dóris de Arruda Carneiro da Cunha,


meu “divisor de águas”, pessoa que, gentilmente, me apresentou Bakhtin e o
Círculo.

 à Robéria Nádia Araújo Nascimento,


minha inspiração humana e profissional, ser que, com uma sensibilidade ímpar,
me direcionou aos caminhos da Educomunicação.

 à Malu Serafim, Tânia Augusto e Williany Miranda,


orientadoras/parceiras/investidoras de minha formação acadêmica/humana/
profissional.

 a Aloísio Dantas, Edmilson Luiz Rafael,


Luciene Patriota, Angélica Oliveira e Denise Lino de Araújo,
amigos na vida e na profissão a quem devo respeito, carinho e gratidão.

 à Patrícia Rosas, Symone Bezerra e Michelle Ramos,


amigas/irmãs de hoje e sempre, presentes de Deus para mim.

 à Ester Sousa, Eliete Correia, Lígia Carvalho e Marianne Cavalcante,


mulheres com quem dialoguei e aprendi na defesa pública desse trabalho
investigativo.
A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do
diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar, [ler, compreender]
etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida: com
os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos.
(BAKHTIN, 2010a, p. 348, grifos nossos).

Pensar a comunicação a partir da recepção [uma recepção


pensada, educomunicativamente, como uma audiência
participativa, que lê de modo crítico] permite entender o papel
dos meios de comunicação na vida da sociedade contemporânea,
como eles atuam no cotidiano dos grupos sociais, nas diferentes
comunidades e culturas. Possibilita sair da oposição emissor todo-
poderoso versus receptor passivo, ou, por outro lado, emissor neutro
versus receptor/consumidor todo-poderoso.
(FÍGARO, 2011, p. 91, grifos nossos).
Sumário

Singularidades dialógicas na educomunicação...................................... 11


Sheila Vieira de Camargo Grillo

O clique inicial......................................................................................... 19

Teoria dialógica da linguagem: abordagens sobre a vida


verboideológica....................................................................................... 23
A Teoria Dialógica da Linguagem........................................................... 23
- O Círculo de Bakhtin e seus dois projetos fundantes........................................ 23
- Para a Teoria Dialógica, o que é a linguagem?............................................. 25
- Como a Teoria Dialógica da Linguagem compreende língua, interação,
dialogismo, texto e discurso?.......................................................................... 29
- A vida verboideológica da linguagem............................................................. 44

Leitura: um ato de compreensões responsáveis e responsivas............... 49


Concepções de leitura............................................................................. 49
A leitura como um ato de compreensões responsáveis e responsivas.... 53
Como pensar a leitura e o leitor dentro e fora da escola?....................... 67

Educomunicação: um campo de formação para práticas de leituras


dialógico-discursivas............................................................................... 75
Educomunicação, o que é?...................................................................... 75
A Educomunicação, a leitura crítica e os ecossistemas comunicativos... 82
Aproximações educomunicativas entre Paulo Freire e Bakhtin sobre o
ato de ler................................................................................................... 89
A Educomunicação como uma prática de leitura
dialógico-discursiva da mídia................................................................. 93
O trilhar metodológico: a pesquisa-ação em foco.................................. 103
A abordagem da linguagem no âmbito das Ciências Humanas............. 103
A natureza tipológica da pesquisa........................................................... 106
A geração dos dados da pesquisa............................................................. 109
- Caracterização do espaço escolar.................................................................... 109
- Os alunos envolvidos na pesquisa................................................................... 111
Os procedimentos para a geração dos dados da pesquisa....................... 112
- Os questionários............................................................................................. 112
- O Plano Didático Dialógico-Discursivo (PD3)............................................. 113
- As vivências educomunicativas realizadas.................................................... 116
As categorias de análise........................................................................... 120

Impactos da pesquisa-ação (parte i): leituras dos alunos sobre a


cobertura das eleições 2014..................................................................... 123
As leituras dos alunos.............................................................................. 126
- Leituras como ato de reconhecimento linguístico............................................. 126
- Leituras como ato dialógico-discursivo de compreensões responsáveis e
responsivas: a percepção e a construção de pontos de vista............................ 138
Impactos da intervenção educomunicativa nas leituras de Capitu,
Pedro, Íris e Edu: um olhar para a singularidade do Ser-evento............. 166

Impactos da pesquisa-ação (parte ii): leituras dos alunos e do professor-


pesquisador sobre a experiência educomunicativa vivenciada.............. 183
Leituras da mídia para a conscientização política................................. 185
Leituras avaliativas dos alunos sobre a participação no projeto............. 196
Leituras educomunicativas da mídia na perspectiva do
professor-pesquisador.............................................................................. 211

Por mais cliques dessa natureza.............................................................. 219

Referências.............................................................................................. 227

Apêndice a – Plano didático dialógico-discursivo (pd3)....................... 243


Apêndice b – Questionários inicial e final aplicados junto aos alunos
envolvidos .............................................................................................. 249
Singularidades dialógicas na educomunicação

Sheila Vieira de Camargo Grillo1

A obra de Mikhail Bakhtin e alguns dos demais integrantes do Círculo,


em especial Pavel Medviédev e Valentín Volóchinov, produzida entre os anos
1920 e 1970, na União Soviética, continua a colocar questões pertinentes e a
sugerir caminhos de reflexão no Brasil dos anos 2020? O trabalho do professor
e pesquisador Manassés Morais Xavier, Educomunicação em Perspectiva Dia-
lógico-Discursiva, responde afirmativamente a essa questão. Com o propósito
de promover “a construção da consciência cidadã pela leitura crítica da mídia”,
Manassés desenvolveu uma metodologia de ensino de leitura do jornalismo po-
lítico no Ensino Médio com resultados relevantes para a formação de leitores
crítico-responsivos.
Ao contrário de uma voz corrente segundo a qual na obra de Bakhtin e
do Círculo encontramos apenas uma teoria da literatura e de que haveria uma
apropriação incorreta dos seus trabalhos na esfera educacional, hoje sabemos
que Bakhtin trabalhou intensamente na Educação Básica e no Ensino Superior

1
Universidade de São Paulo (USP) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas;
CNPq; sheilagrillo@uol.com.br.
na União Soviética, exercendo atividades didáticas e administrativas: começou
como professor de história, sociologia e língua russa, bem como integrou várias
comissões de educação em Niével no final dos anos 1910; e finalizou como pro-
fessor de literatura estrangeira e chefe do departamento de literatura geral na
Universidade da Mordóvia, em Saránsk. Esses dados biográficos são amplamente
narrados nas duas biografias russas de Mikhail Bakhtin (КОНКИН[KONKIN],
КОНКИНА [KONKINA], 19932; КОРОВАШКО [KOROVÁCHKO]3, 2017).
Mikhail Bakhtin produziu ainda um excelente ensaio sobre sua meto-
dologia de ensino de língua russa na Educação Básica, Questões de estilística no
ensino de língua 2019[194-], em que relata suas aulas sobre o período composto
por subordinação sem conjunção, sob uma abordagem em que a sintaxe com-
pleta-se com a estilística, assim como já havia realizado em seus trabalhos dos
anos 1920 e 1930 sobre enunciados literários. O ensaio é marcadamente dirigi-
do a professores, ficando claro que as concepções de língua e linguagem bakh-
tinianas iluminam não só a literatura, mas também o ensino de língua materna
na Educação Básica.
Portanto, quando o professor e pesquisador Manassés Morais Xavier
elege a Teoria Dialógica da Linguagem para orientar a sua investigação e a sua
metodologia de ensino, ele acertadamente propõe que o conceito de enunciado
- constituído pelos aspectos verbais e extraverbais entre os quais se destacam
as relações dialógicas ou dialogismo - é central para seu trabalho. Por um lado,
identificamos que, nos trabalhos filosóficos de Mikhail Bakhtin no início dos
anos 1920, já estava presente a percepção de a língua abstraída de sua dimensão
extraverbal ser insuficiente para explicar o estilo artístico/a expressão artística,
como observamos no fragmento abaixo extraído do texto “O autor e o persona-
gem na atividade estética”:

De fato, o artista trabalha com a língua, mas não como língua, como
língua ele a supera, pois ela não deve ser percebida como língua em
sua definição linguística (morfológica, sintática, lexicológica etc.), e só
na medida em que ela se torna um meio de expressão artística. (A pa-
2
Primeira biografia de Mikhail Mikháilovitch Bakhtin em formato de livro na Rússia, esta
obra foi lançada em 1993 e escrita por Semen Konkin, teórico da literatura e professor entre
1976 e 1993, no mesmo departamento que Bakhtin chefiou em Saránsk, e por sua filha, La-
rissa Konkina, também teórica da literatura.
3
Uma síntese dessa segunda biografia pode ser encontrada no texto:
GRILLO, S. V. C.. O retrato de Mikhail Bakhtin em sua mais recente biografia russa (2017).
In: BRAIT, B.; PISTORI, M. H. C.; FRANCELINO, P. F.. (Org.). Linguagem e conhecimento
(Bakhtin, Volóchinov, Medviédev). Campinas: Pontes, 2019, p. 15-42.

12
lavra deve cessar de ser sentida como palavra). (БАХТИН, 2003[1923-
1924], p. 249)4

(…) O estilo propriamente verbal (a relação do autor com a língua e


suas maneiras de operar com a língua condicionadas por essa relação)
é o reflexo na natureza do material de seu estilo artístico (o reflexo da
relação com a vida e o mundo da vida e, por meio dessa relação, da
maneira convencional de elaboração do homem e do seu mundo); o
estilo artístico não trabalha com palavras, mas com aspectos do mun-
do, com valores do mundo e da vida; o estilo pode ser definido como
o conjunto de procedimentos de enformação e de conclusão do ho-
mem e do seu mundo, e esse estilo determina também a relação com o
material, a palavra, cuja natureza certamente é preciso conhecer para
compreender essa relação. (БАХТИН, 2003[1923-1924], p. 251-52)5

Por outro, é nos textos publicados entre 1928 e 1930 que o conceito de
enunciado ganha uma centralidade que une os três autores-base da pesquisa de
Manassés: Mikhail Bakhtin (1929), Pável Medviédev (2012[1928]) e Valentín
Volóchinov (2018[1929]). O enunciado, unidade da comunicação discursiva,
é formado por elementos verbais e extraverbais. Esse conceito parece-me fun-
damental para sustentar uma pesquisa que objetiva construir uma metodologia
de leitura de textos jornalísticos da editoria de política a fim de formar “leitores
críticos-responsivos”.
Um segundo par de conceitos que me parece fundamental para o tra-
balho do professor e pesquisador Manassés Morais Xavier é ideologia e signos
ideológicos. Estreitamente relacionados e com nuances nas obras de Bakhtin,
Medviédev e Volóchinov, esses conceitos ganham, a meu ver, uma maior clareza
nos trabalhos de Valentín Volóchinov: a ideologia é “todo o conjunto de reflexos
e refrações no cérebro humano da atividade social e natural, expressa e fixada
4
Действительно, язык обрабатывает художник, но не как язык, как язык он его
преодолевает, ибо он не должен восприниматься – как язык в его лингвистической
определённости (морфологической, синтаксической, лексикологической и пр.), и
лишь постольку он становится средством художественного выражения. (Слово
должно перестать ощущаться как слово)
5
(…) Собственно словесный стиль (отношение автора к языку и обусловленные им
способы оперирования с языком) есть отражение на данной природе материала его
художественного стиля (отношение к жизни и муру жизни и обусловленного этим
отношением способа обработки человека и его мира); художественный стиль работает
не словами, а моментами мира, ценностями мира и жизни, его можно определить
как совокупность приёмов формирования и завершения человека и его мира, и этот
стиль определяет собою и отношение к материалу, слову, природу которого, конечно,
нужно знать, чтобы понять это отношение.

13
pelo homem na palavra, no desenho artístico e técnico ou em alguma outra
forma sígnica.” (VOLÓCHINOV, 2019[1930], p. 243); e o signo ideológico é
um fragmento da realidade material (som, sinais gráficos, desenho, pão e vinho
na Santa Ceia etc.) que reflete e refrata uma outra realidade, sendo constituído
no processo da interação discursiva e constitutivo dos enunciados. Ao realizar
uma síntese dialética entre o interior dos indivíduos e o exterior dos produtos
ideológicos, entre psicologia e ideologia, bem como tratar de signos verbais e
não-verbais, esses conceitos sustentam tanto a leitura de enunciados jornalísti-
cos, constituídos por signos verbais e visuais (fotografias, gráficos, diagramação
etc.), quanto a formação de “leitores críticos-responsivos” que interiorizarão es-
ses enunciados de um modo ao mesmo tempo social, próprio e responsivo.
Um terceiro conjunto de conceitos que sustenta a pesquisa do professor
e pesquisador Manassés advém dos trabalhos de Mikhail Bakhtin produzidos
no início dos anos 1920. A partir dos conceitos de ato, responsabilidade/res-
pondibilidade, singularidade, eu-outro, Manassés assume o conceito de leitura
como “um ato de compreensões responsáveis e responsivas”, conceito que co-
loca o ser humano no centro do processo de leitura: esse ser humano é situado
no tempo e no espaço; faz suas escolhas e responsabiliza-se por elas; entende-se
na relação de diferença com o outro; está em constante processo de mudança e
portanto é inconcluso; está sujeito às determinações ideológicas da sua classe,
grupo, geração, família, nacionalidade etc. O sujeito leitor dessa pesquisa assu-
me toda a complexidade da condição humana, que não se deixa aprisionar por
nenhuma determinação prévia ou fórmula matemática, isto é, nos termos do
protagonista da novela “Memórias do subsolo”, para esse ser humano tão com-
plexo 2+2 pode ser 4, 5, 6 etc.
Retomando Bakhtin (2019[194-]) e Roland Barthes, o professor Ma-
nassés propõe que na escola a leitura é interação entre sujeitos e o ensino de
língua compreende uma parceria estreita entre gramática e estilística, segundo o
pensador russo, ou estrutura e acontecimento, segundo o semiologista francês.
O ensino de língua e leitura envolve a consideração das formas mais estáveis -
mas não estáticas - da língua (fonologia, morfossintaxe, sintaxe etc.) e os aspec-
tos relativamente estáveis (estilo, tema, construção composicional etc.). Nessa
proposta, a gramática não é dispensada, mas convocada a assumir um papel
complementar, em parceria com a estilística.
A pesquisa se insere no campo da Educomunicação que, na propos-
ta do professor e pesquisador Manassés, “objetiva oferecer a formação de uma
recepção participante para as mídias, bem como a gestão dialógica de ecossis-

14
temas comunicacionais.” (p. 101) Essa recepção ativa, participante, responsiva
busca “a formação de sujeitos que leem a mídia e posicionam-se efetivamente
sobre ela, sujeitos engajados, comprometidos, e que se interessem por produ-
zirem atividades como eventos sociais, programas de rádio e TV, produção de
jornais, atividades artísticas em prol da consciência cidadã.” (p. 80) Trata-se de
refletir sobre e atuar em um conjunto de esferas ou campos ideológicos - as
mídias, os eventos sociais, os programas de rádio e TV, os jornais - que desem-
penham um papel fundamental na divulgação de informações, na formação de
opinião, no encontro entre esferas (ciência e ideologia do cotidiano, por exem-
plo), no debate político. Sem essas esferas, certamente nossas sociedades seriam
menos democráticas, menos abertas ao diálogo, menos informadas, o horizonte
ideológico da população seria mais restrito.
A metodologia da pesquisa baseou-se nos direcionamentos da pesqui-
sa-ação, cuja especificidade é a “função política que está, valorativamente, inse-
rida em uma prática de transformação social dos envolvidos com a intervenção,
ratificando o compromisso que essa tipologia exerce junto às comunidades em
que atua.” (p. 107). Nesse quadro metodológico, o professor Manassés junta-
mente com outros professores e pesquisadores desenvolveram o blog pedagógi-
co Leituras da mídia política: você faz?, a fim de promover e investigar a audi-
ência participativa para as mídias de estudantes do Ensino Médio de uma escola
pública de Campina Grande. Manassés compreende o blog “enquanto suporte
de gêneros e enquanto gênero discursivo.” (p. 116). O olhar pesquisador mirou
tanto as atividades, habilidades, processos dos adolescentes estudantes, quanto
as impressões do professor-pesquisador, pois ambos implicam-se, no dizer de
Manassés, em um processo cooperativo e participativo
Por meio da leitura de enunciados de gêneros variados - artigos de opi-
nião, capas de revistas noticiosas, depoimentos de artistas, manchetes de blogs
- os estudantes são instigados a se posicionarem por meio de respostas escritas,
as quais - a partir do advento da internet 2.0 e 3.0, aquela em que a interativi-
dade é efetivamente possível - compõem a seção de “comentários”, que costuma
acompanhar enunciados jornalísticos. Essa estratégia pedagógica aproxima os
estudantes de uma prática de leitura e produção de textos na internet, que é
extremamente importante em textos jornalísticos na contemporaneidade. Os
enunciados do gênero “comentários” produzidos pelos estudantes são analisa-
dos sob o viés dialógico, metalinguístico de Bakhtin e do Círculo, que permite
identificar compreensões variadas dos gêneros propostos para leitura: descrição
do tema central dos enunciados lidos, depreensão das posições ideológicas dos

15
autores e veículos de comunicação, estabelecimento de relações entre textos etc.
Percebe-se que os estudantes-sujeitos da pesquisa são leitores mais ou menos
experientes, mais ou menos críticos, com repertórios variados de leitura e com
posicionamentos ideológicos também diversos.
Durante o desenvolvimento das atividades de Educomunicação, os
estudantes fizeram leituras do que Manassés chamou de “ato reconhecimento
linguístico” e “ato dialógico-discursivo de compreensões responsáveis e respon-
sivas”. O objetivo da pesquisa era desenvolver nos estudantes o segundo tipo de
ato, o que aconteceu com a maioria deles, embora não com a totalidade. Alguns
estudantes partiram do “ato reconhecimento linguístico” e permaneceram nele
durante toda a pesquisa-ação, outros começaram por ele e avançaram para o
“ato dialógico-discursivo” e outros já de início fizeram leituras de tipo “dialógi-
co-discursiva”. Esses resultados levam-nos a pensar, por um lado, na singulari-
dade dos percursos de aprendizagem dos estudantes e, por outro, no desafio de
elaborar práticas pedagógicas para dar conta dessas singularidades.
A tese transformada em livro do professor e pesquisador Manassés
Morais Xavier destina-se a educadores, professores, comunicadores e pesqui-
sadores interessados em compreender como a teoria dialógica, metalinguística,
sociológica decorrente dos trabalhos de Bakhtin e do Círculo pode iluminar
práticas de leitura na escola e, em especial, a leitura de textos do jornalismo
político.

Referências

БАХТИН, М. М. Бахтин Собрание Сочинений [M. M. Bakhtin. Obras reu-


nidas]. Т. 1 Moscou: Русские Словари /Языки Славянской Культуры, 2003.
[Organizadores S. S. Averentsev, L. A. Gogotchvíli, V. V. Liapunov, V. L. Makhlin
e N. I. Nikoláev]

БАХТИН, М. М. Проблемы творчества Достоевского [Problemas da cria-


ção de Dostoiévski]. Ленинград: Прибой, 1929.

BAKHTIN, M. Questões de estilística no ensino de língua. Trad. S. Grillo e E. V.


Américo. 2. ed São Paulo: Editora 34, 2019[194-].

DOSTOIÉVSKI, F. Memórias do subsolo. Trad. B. Schnaiderman. 5. ed. São Pau-


lo: Editora 34, 2000.

GRILLO, S. V. C.. O retrato de Mikhail Bakhtin em sua mais recente biografia

16
russa (2017). In: BRAIT, B.; PISTORI, M. H. C.; FRANCELINO, P. F.. (Org.).
Linguagem e conhecimento (Bakhtin, Volóchinov, Medviédev). 1ed.CAMPI-
NAS: Pontes, 2019, v. 1, p. 15-42.

КОРОВАШКО[KOROVÁCHKO], А. В. Михаил Бахтин [Mikhail Bakhtin].


Москва: Молодая Гвардия, 2017.

КОНКИН[KONKIN], С. С.; КОНКИНА[KONKINA], Л. С. Михаил Бахтин:


страницы жизни и творчества. [Mikhail Bakhtin: páginas da vida e da obra].
Саранск: Мордовское Издательство, 1993.

MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários. Introdução crítica a


uma poética sociológica. Trad. S. C. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Contexto,
2012[1928].

ПУМПЯНСКИЙ [PUMPIÁNSKI], Л. В. Достоевский и Античность


[Dostoiévski e a antiguidade]. Петербург: Замыслы, 1922.

VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas funda-


mentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. S. Grillo e E. V.
Américo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018[1929].

VOLÓCHINOV, V. A palavra na vida e a palavra na poesia. Ensaios, artigos,


resenhas e poemas. Trad. S. Grillo e E. V. Américo. São Paulo: Editora 34, 2019.

17
O clique inicial

O que é ler? Qual a sua importância? Como pensar a leitura dentro e


fora da escola? Como perceber a leitura como um ato dialógico-discursivo de
compreensões responsáveis e responsivas? Essas são algumas indagações que
nos motivaram a escrever sobre a Educomunicação em perspectiva dialógico-
-discursiva: escrita oriunda de nossa Tese de Doutorado defendida, em 2018,
junto ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal
da Paraíba, sob orientação da Profa. Dra. Maria de Fátima Almeida.
As discussões empreendidas surgiram a partir de três motivações: 1)
a de reconhecer a necessidade de um estudo de natureza dialógico-discursiva
que compreenda os enunciados e seus fios ideológicos inseridos no campo da
comunicação discursiva do jornalismo político; 2) a de estabelecer a inter-rela-
ção entre teorias do discurso e ensino de Língua Portuguesa; e 3) a partir dessa
inter-relação, dialogar com os princípios da Educomunicação, sobretudo, o que
promove a construção da consciência cidadã pela leitura crítica da mídia.
Sobre a primeira motivação, consideramos que há, no campo da comu-
nicação discursiva do jornalismo político, um fecundo terreno para se estudar
as vinculações dos enunciados concretos por ele difundidos às ideologias que
situam posições axiológicas, evocando “sons peculiares” de discursos que asse-
veram o pontuado por Volóchinov (2017): todas as manifestações da criação
ideológica, todos os signos verbais e não verbais banham-se nos discursos e não
podem ser isolados deles.
Para destacarmos a segunda motivação, chamamos as palavras de Vo-
ese (2004, p. 132): é preciso investir em uma “[...] teoria do discurso que fun-
damente um tipo de análise que possa, como prática diferenciada, contribuir
para melhorar os resultados das aulas de Língua Portuguesa e, por extensão, do
ensino em geral”.
Melhorar, no sentido de propiciar aulas que aproximem conteúdo pro-
gramático às vivências sociais dos alunos, que difundam uma concepção de
língua(gem) como práticas discursivas de interação social, considerando, para
tanto, a vida verboideológica, e que discutam a língua e sua exterioridade, ou
seja, a língua e suas relações históricas, contextuais.
Em se tratando da terceira motivação, ressaltamos a função social da
Educomunicação como um campo de intervenção que, na inter-relação entre
a educação e a comunicação, baseada no diálogo e na participação, convoca
mudanças de atitudes, de concepções, de percepções sobre a mídia e suas me-
diações sociais, segundo apresenta-nos Aparici (2014).
Assim, o presente estudo empreendeu uma abordagem analítica que
articula leitura, jornalismo político, Teoria Dialógica da Linguagem e Educo-
municação e originou-se da seguinte tese:
- A partir das concepções de linguagem como ideológica e de Educo-
municação como uma prática de intervenção social, defendemos, em uma pers-
pectiva dialógico-discursiva, uma proposta metodológica de ensino de leitura
do jornalismo político, no contexto do Ensino Médio, que oportunize a forma-
ção de leitores crítico-responsivos. A implantação dessa proposta promove a
leitura crítica da mídia como ato que favorece a formação de uma audiência
participativa, estimula a percepção e a construção de pontos de vista, engaja o
sujeito ao não-álibi, o faz opinar, envolver-se.
É sob essa perspectiva que a intervenção relatada nesse livro insere a
leitura em um espaço em que ela assume o protagonismo, gerenciada por um
ecossistema comunicativo de aprendizagens que ofereceu aos alunos a oportu-
nidade de lerem o jornalismo político e inteirarem-se sobre a necessidade de
interrogarem, de concordarem, de discordarem, de valorarem. Enfim, de exer-
cerem, verdadeiramente, a concepção de leitura educomunicativa como um ato
dialógico-discursivo de compreensões responsáveis e responsivas.
No intuito de desenvolvermos a tese supracitada, elegemos como ques-
tão-problema de pesquisa: - Qual o impacto educomunicativo de leituras do
jornalismo político, no contexto do Ensino Médio, à construção de leitores crí-
tico-responsivos?
Para responder a esse questionamento, elencamos os objetivos desse

20
trabalho da seguinte forma: Geral – analisar a percepção dos pontos de vista
e a construção deles em leituras que os alunos do Ensino Médio produziram
sobre textos do jornalismo político em função da cobertura das Eleições 2014
para Presidência da República do Brasil e para o Governo do Estado da Paraíba.
E Específicos – elaborar um Plano Didático Dialógico-Discursivo de leituras
da mídia política baseado na Teoria Dialógica da Linguagem e na Educomu-
nicação; descrever e analisar o impacto das leituras à formação da consciência
política dos alunos, bem como as suas avaliações sobre a participação no projeto
pedagógico intitulado de Leituras da mídia política: você faz?; e acentuar os
desafios e os avanços dessa intervenção educomunicativa à formação do profes-
sor-pesquisador.
No que tange à justificativa da pesquisa, assumimos que ela revela-se
como uma intervenção pedagógica capaz de colaborar: a) com práticas de en-
sino de Língua Portuguesa que produzam significados efetivos às aulas de lei-
tura e que visam estudar os fenômenos linguístico-discursivos a partir de si-
tuações concretas de comunicação e de interação discursiva; e b) com práticas
educomunicativas, concebidas em uma perspectiva dialógico-discursiva, que
promovam leituras da mídia, sobretudo, política, aproximadas ao conceito de
audiência participativa, isto é, leituras que interrogam, que percebam e que
construam pontos de vista.
Dessa forma, à luz da Teoria Dialógica, justifica-se por estudar a lingua-
gem no âmbito do signo ideológico e de suas funções sociais e, à luz da Educo-
municação, por contribuir com a construção de ecossistemas comunicativos de
aprendizagens conectados à necessidade de formação crítica de cidadãos para a
recepção (de modo acentuado) e para a produção de mídias.
No que toca à metodologia, mencionamos sua filiação à pesquisa-ação,
que consiste em “[...] uma atividade cooperativa entre os representantes de uma
determinada situação e os pesquisadores convidados” (LUDWIG, 2009, p. 60).
Logo, entendemos essa tipologia de pesquisa como uma possibilidade de cons-
truir conhecimentos em que, dentro de uma abordagem dialógica, funcionam
como dados os gerados pelos sujeitos pesquisados e os gerados pelas impressões
situadas a partir dos pesquisadores envolvidos.
A pesquisa-ação desenvolvida na discussão desse trabalho ocorreu no
período de setembro a novembro de 2014, com 12 encontros presenciais viven-
ciados em uma turma do 2º ano do Ensino Médio de uma escola pública da rede
estadual de ensino localizada na cidade de Campina Grande – PB. A turma era
composta por 16 alunos e os encontros efetivaram-se, de maneira geral, sema-

21
nalmente, com duas horas/aula cada.
Para gerarmos os dados da pesquisa, elaboramos o blog pedagógico Lei-
turas da mídia política: você faz?, criado com o fim de nortear e instigar nos
alunos a formação crítica e reflexiva no que concerne à leitura de textos jorna-
lísticos vinculados à editoria política e cuja temática incidia sobre a cobertura
das Eleições 2014 à Presidência da República do Brasil e ao Governo do Estado
da Paraíba.
Tendo como foco da discussão a “corrida” eleitoral, o blog pedagógico,
toda semana, era abastecido com textos oriundos da mídia. Nele, foram posta-
das matérias extraídas das editorias políticas de blogs jornalísticos e de outros
veículos midiáticos. As postagens eram discutidas com os alunos participantes
que, em seguida, produziam comentários escritos relacionados às leituras no
blog pedagógico. Tais comentários representaram, para essa pesquisa, as leitu-
ras que os alunos empreenderam sobre o conteúdo hospedado no blog.
Vale destacarmos, nesse momento, que nesse trabalho não desenvolve-
mos um estudo sobre a produtividade do uso tecnológico do blog pedagógico.
Esse estudo realizamos em outros trabalhos, como podemos citar Xavier, Al-
meida e Bezerra (2017a; 2017b), Xavier e Almeida (2016; 2015), Freitas, Xavier
e Almeida (2014) e Xavier (2013a). Nesse livro, reservamo-nos a tratar da lei-
tura dos alunos e das discussões educomunicativas produzidas com esses par-
ticipantes.
A seguir, convidamos à leitura do capítulo Teoria Dialógica da Lingua-
gem: abordagens sobre a vida verboideológica, que apresenta-se no propósito
de situar a Teoria Dialógica da Linguagem no tocante a pontuar: 1) o Círculo
de Bakhtin e seus dois projetos fundantes; 2) a concepção de linguagem para o
Círculo; 3) os conceitos de língua, interação, dialogismo, texto e discurso para o
Círculo; e 4) a natureza verboideológica da linguagem.

Você também pode gostar