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RESENHA

BARROS, Diana Luz Pessoa de. Contribuições de Bakhtin às teorias do texto e do


discurso. In: FARACO, Carlos Alberto; TEZZA, Cristovão; CASTRO Gilberto de (orgs.).
Diálogos com Bakhtin. Curitiba: Editora UFPR, 2007.p. 21-37.
Resenhado por Jéssica Vitória Tokarski Mazeto1
(Universidade Federal do Paraná – UFPR) A-
O primeiro capítulo do livro Diálogos com Bakhtin – organizado por Carlos
Alberto Faraco, Cristovão Tezza e Gilberto Castro – foi escrito por Diana Luz Pessoa de
Barros, professora aposentada do Departamento de Linguística da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e professora do
Centro de Comunicações e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Intitulado
Contribuições de Bakhtin às teorias do texto e do discurso, o capítulo retoma reflexões
realizadas pela autora em outro ensaio, publicado em 1994, em livro organizado por
ela e por José Luiz Fiorin, linguista e pesquisador referência em pragmática, semiótica
e análise do discurso.
Após abordar a importância do pensador russo Mikhail Bakhtin não só para os
estudos da língua, do discurso e do texto, como também para a grande área das
ciências humanas, Barros enfatiza o dialogismo como sendo o tema dominante
investigado por Bakhtin ao longo de suas reflexões. Dessa forma, a autora dividiu o
ensaio em duas partes: a primeira trata sobre a concepção de texto como objeto das
ciências humanas; e a segunda aborda o princípio dialógico e seus desenvolvimentos
em diferentes teorias do discurso e do texto.
Na primeira etapa de sua explanação, Barros explica que o pensador russo
considera o texto, também denominado ‘discurso’, como o objeto das ciências
humanas. Nesse sentido, ela logo apresenta duas concepções distintas do dialogismo:
o diálogo entre interlocutores e o diálogo entre discursos.
Nas ciências humanas, as relações de comunicação se concentram no
destinador e no destinatário. Sendo assim, o sujeito não apenas toma conhecimento
do objeto ou do conteúdo comunicado, como também o compreende e o interpreta,
complementando o sentido daquele discurso. A compreensão aparece, deste modo,
como uma resposta do destinatário ao texto de origem, tornando aquela comunicação
dialógica, constituída por mais de uma via.
Em seguida, a autora se aprofunda um pouco mais no conceito de dialogismo,
exaustivamente utilizado por Bakhtin. Segundo ela, o dialogismo interacional, ou seja,
o diálogo entre interlocutores apresenta quatro aspectos norteadores: a interação
entre os locutores é princípio fundador da linguagem; o sentido do texto depende da
relação entre os sujeitos, podendo ser complementado por meio da produção e da

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Jornalista e especialista em Produção e Avaliação de Conteúdos em Mídias Digitais. Atualmente é
mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Paraná na área de
concentração Estudos Linguísticos.
interpretação; a intersubjetividade é anterior à subjetividade, isto é, a relação entre os
interlocutores arquiteta os sujeitos produtores do texto; e a existência de dois tipos de
sociabilidade: a relação entre sujeitos e a relação entre os sujeitos com a sociedade.
A partir daí e depois de uma pequena contextualização sobre a conjuntura da
Teoria da Informação e o entendimento da comunicação, inicia-se uma explanação a
respeito do que o capítulo se propõe, as contribuições de Bakhtin aos estudos da
comunicação. O russo apega-se à diversidade de vozes, de línguas e de tipos de
discurso, insistindo na pluridiscursividade, termo cunhado pelos tradutores brasileiros.
Por sua vez, oss tradutores franceses utilizam, para esse contexto, a expressão
‘heterologia’. Fato é que o pensador considera todos os elementos de variação, como
gênero, profissão, camada social, idade, dialetos, entre outras diversidades, para
pensar a comunicação verbal entre seres humanos.
Ainda nesse enquadramento da comunicação entre emissores e receptores, é
enfatizado o aspecto interacional, que envolve não só a reação produzida pelo
destinador, mas também a ocasionada pelo destinatário no emissor. A autora destaca
que “...os falantes no diálogo se constroem e constroem juntos o texto e seus
sentidos” (BARROS, 2007, p.29). E além do aspecto do texto propriamente dito, outras
questões como entonação e expressão fônica contribuem para a relação entre os
interlocutores.
Na concepção de comunicação entre sujeitos constituídos no diálogo, os
personagens são seres sociais construídos por questões extralinguísticas e pelas
interações entre si e com a sociedade.
O texto de Barros desenvolve-se, a partir deste ponto, não mais baseando-se
apenas no diálogo entre sujeitos, mas ressaltando o pensamento de Bakhtin sobre o
diálogo entre discursos. Para ele, o discurso não é individual pois mantém relações
com outros discursos. A ensaísta aproveita, então, para esclarecer que utiliza o termo
dialogismo tanto para o “diálogo entre discursos” quanto para o “diálogo entre
interlocutores”. Outros autores preferem subdividir esses conceitos.
Como o pensador concebe o texto como uma conexão entre muitas vozes e
discursos que se complementam, a autora destaca o caráter ideológico que essa
concepção dá aos discursos. “Se nos discursos falam vozes diversas que mostram a
compreensão que cada classe ou segmento de classe tem do mundo, em um dado
momento histórico os discursos são, por definição, ideológicos”. (BARROS, 2007, p. 32)
Essa questão, então, abre espaço para reflexões que abordam, por exemplo, os
discursos ideologicamente opostos, o confronto entre índices de valor contraditório e
o mascaramento ou ocultamento do dialogismo nos textos.
Na esteira do ocultamento ou não do dialogismo discursivo, Barros examina a
relação entre dialogismo e polifonia. Apesar de os dois termos serem utilizados
frequentemente como sinônimos em escritos do pensador russo, a autora brasileira se
ocupa por distingui-los claramente há muito tempo, tendo abordado o assunto já em
sua publicação de 1994. Nesse sentido, ela reserva a expressão dialogismo para o
“princípio dialógico constitutivo da linguagem e de todo discurso” (BARROS, 2007, p.
33) e utiliza a palavra polifonia para caracterizar os tipos de texto em que o dialogismo
se deixa ver, pode ser observado com clareza, em oposição aos textos que aparentam
ter uma só voz, escondendo os diálogos que os concebem.
A escritora descreve a polifonia e a monofonia como efeitos de sentido que
decorrem de procedimentos e estratégias discursivas e encaixa, nessa diretriz, dois
tipos de discursos: os autoritários e os poéticos. Para ela, no primeiro tipo, as vozes
são abafadas, aparentando haver uma verdade única, absoluta e incontestável.
Enquanto o discurso poético, palavra que não é empregada no sentido literal como
poesia, o texto mostra e deixa claro as muitas vozes que se entrelaçam para construí-
lo. Essas características podem ser observadas em discursos de vários gêneros, desde a
dança, a pintura, até propriamente os textos.
Por último, Barros entra no âmbito da semiótica narrativa e discursiva para
concluir o capítulo deixando para o leitor dois problemas revelados pela polifonia
discursiva: os textos constituídos por discursos monofônicos que permitem certa
polifonia; e o efeito da ambiguidade narrativa nos textos.
No primeiro caso, a autora revela que esse tipo de texto produz efeitos de
contradição interna ou de incoerência. São textos em que duas ou mais vozes distintas
manifestam posições ideológicas diferentes; podendo ser considerados textos
monofônicos que, quando se fundem, ou postos em confronto, tornam-se polifônicos.
A segunda situação pode ser encontrada em obras consagradas como Dom
Casmurro e Jardim Selvagem. Nesse tipo de construção, observa-se que os
procedimentos discursivos fazem de duas ou mais organizações narrativas um único
discurso. Entre os procedimentos utilizados para assegurar esse efeito estão a
polifonia e a multiplicidade de vozes no discurso.
Barros explica que para tal, projeta-se o discurso em primeira pessoa. Assim, o
sujeito da enunciação atribui o saber a um narrador, mas, ao mesmo tempo, o
desqualifica como sujeito do saber por meio de outras vozes, colocando em dúvida
uma informação presente no discurso ou não tornando possível interpretá-la
assertivamente de um modo ou de outro.
Com a reflexão sobre as ambiguidades narrativas, a autora encerra o capítulo
destacando que os exemplos por ela abordados são apenas algumas das possibilidades
de polifonia discursiva. Dessa forma, o capítulo proporciona ao leitor uma breve
contextualização e explicitação a respeito de diversos conceitos bastantes difundidos
nos escritos bakhtinianos, como dialogismo, polifonia, ideologia, interação e
enunciação.

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