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Produção de textos (PARTE II)

Nesta segunda parte do texto, apresentamos algumas concepções teóricas sobre produção e
explicamos como você pode trabalhar com esse eixo de ensino em sala de aula.

Seção 5 – Como entendemos a produção de textos?

Um dos objetivos a ser perseguido pela escola, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais
de Língua Portuguesa, é possibilitar que os alunos desenvolvam capacidades e competências que lhes
permitam compreender e produzir textos, orais e escritos, de diferentes gêneros, para se tornarem
competentes em relação ao uso da língua materna. Texto entendido, caro professor, “como qualquer
produção linguística, falada ou escrita, de qualquer tamanho, que possa fazer sentido numa situação de
comunicação humana, isto é, numa situação de interlocução” (COSTA VAL, 2004, p.113), organizado em
um determinado gênero.
Escrever é comunicar-se, interagir. Nesse processo, é necessário considerar o que se diz, a
quem se diz, de que forma se diz, qual o objetivo pretendido na prática interlocutiva. Segundo os
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa,

ensinar a escrever textos torna-se uma tarefa muito difícil


fora do convívio com textos verdadeiros, com leitores e
escritores verdadeiros e com situações de comunicação
que os tornem necessários. Fora da escola escrevem-se
textos dirigidos a interlocutores de fato. Todo texto
pertence a um determinado gênero, com uma forma
própria, que se pode aprender. Quando entram na
escola, os textos que circulam socialmente cumprem um
papel modelizador, servindo como fonte de referência,
repertório textual, suporte da atividade intertextual.

(BRASIL, 1997, p. 28.)

Se os textos se organizam sempre dentro de “certas restrições de natureza temática,


composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero” (BRASIL,
1998, p. 23), a noção de gênero, nas aulas de língua materna, precisa ser tomada como objeto de
ensino.
Os estudos realizados pelo teórico russo Bakhtin sobre os gêneros e tipos textuais ancoram a
posição defendida pelos PCNs. O autor reforça a importância de se trabalhar com gêneros textuais
quando diz:
Quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais
livremente os empregamos, tanto mais plena e
nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade
(onde isso é possível e necessário), refletimos de modo
mais flexível e sutil a situação singular da comunicação;
em suma, realizamos de modo mais acabado o nosso
livre projeto de discurso.

(BAKHTIN, 2003, p. 285.)

Segundo esse estudioso, todas as esferas da atividade humana estão ligadas ao uso da
linguagem, concretizado, em relação à língua, na forma de enunciados. Os enunciados, determinados
pelas esferas discursivas a que pertencem, se organizam em torno de três elementos essenciais – o
conteúdo temático, o estilo e a construção (forma) composicional.
Às diferentes e heterogêneas esferas discursivas que organizam a atividade humana podem
associar-se, segundo Bakhtin (2003), um conjunto de tipos relativamente estáveis de enunciados, orais e
escritos, denominados gêneros do discurso.
Afirma o autor que os gêneros se multiplicam e se modificam a partir da complexificação da
atividade humana, nas diferentes esferas do conhecimento.
Abordando um dos elementos essenciais que caracterizam os gêneros – o estilo –, Bakhtin diz
que os enunciados, por serem produzidos pelo indivíduo, podem refletir sua individualidade, ou seja,
podem apresentar um estilo individual. Apresenta exemplos em que esse estilo poderia se revelar com
mais facilidade, como nos gêneros pertencentes à literatura de ficção. Entretanto, afirma que o estilo
individual não é elemento constitutivo dos gêneros, porque boa parte deles tem seu estilo determinado
não pela ação individual do falante, mas pela esfera a que pertence. Segundo o autor, além do estilo,
também o conteúdo temático e a forma composicional são definidos pelas esferas da atividade humana
e por todos os elementos que a constituem – os interactantes, suas posições sociais, as situações
efetivas de uso da linguagem.

Uma determinada função (científica, técnica, publicística, oficial,


cotidiana) e determinadas condições de comunicação
discursiva, específicas de cada campo, geram determinados
gêneros, isto é, determinados tipos de enunciados estilísticos,
temáticos e composicionais relativamente estáveis. O estilo é
indissociável de determinadas unidades temáticas e – o que é
de especial importância – de determinadas unidades
composicionais: de determinados tipos de construção do
conjunto, de tipos do seu acabamento, de tipos da relação do
falante com outros participantes da comunicação discursiva –
com os ouvintes, os leitores, os parceiros, o discurso do outro,
etc.

(BAKHTIN, 2003, p. 266.)


Para o pesquisador russo, estudar os gêneros discursivos é estudar as mudanças pelas quais,
historicamente, passam as atividades humanas, pois eles refletem tais transformações de maneira
plástica e flexível, reforçando, assim, o caráter ideológico dos enunciados:

Os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos, são


correias de transmissão entre a história da sociedade e a
história da linguagem. Nenhum fenômeno novo (fonético, léxico,
gramatical) pode integrar o sistema da língua sem ter percorrido
um complexo e longo caminho de experimentação e elaboração
de gêneros e estilos.

(BAKHTIN, 2003, p. 268.)

A ideia de estilo é reforçada como sendo constitutivo do gênero, determinado, portanto, pelas
diferentes relações estabelecidas nas esferas de atividade humana, refutando o subjetivismo. Segundo o
autor:

Os gêneros do discurso organizam o nosso discurso quase da


mesma forma que o organizam as formas gramaticais
(sintáticas). Nós aprendemos a moldar o nosso discurso em
formas de gênero e, quando ouvimos o discurso alheio, já
adivinhamos o seu gênero pelas primeiras palavras,
adivinhamos um determinado volume (isto é, uma extensão
aproximada do conjunto do discurso), uma determinada
construção composicional, prevemos o fim, isto é, desde o início
temos a sensação do conjunto do discurso que em seguida
apenas se diferencia no processo da fala. Se os gêneros do
discurso não existissem e nós não os dominássemos, se
tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo de
discurso, de construir livremente e pela primeira vez cada
enunciado, a comunicação discursiva seria quase impossível.

(BAKHTIN, 2003, p. 283.)

O autor destaca que, mesmo apresentando certa flexibilidade, os gêneros apresentam uma
composição relativamente estável, responsável pela estruturação, pelo acabamento e pelo tipo de
relação com os outros participantes da troca verbal. Eles têm uma estrutura relativamente definida por
sua função dentro das diversas esferas da comunicação humana.
Como pertencentes às variadas esferas comunicativas que regem a atividade humana, os
gêneros do discurso apresentam uma grande diversidade. Bakhtin afirma que a “diversidade desses
gêneros é determinada pelo fato de que eles são diferentes em função da situação, da posição social e
das relações pessoais de reciprocidade entre os participantes da comunicação [...]” (BAKHTIN, 2003, p.
283).
Apesar de serem altamente padronizados, os gêneros do discurso são mais plásticos e flexíveis
que as formas da língua. A vontade discursiva do falante se manifesta na escolha do gênero – que
servirá a seus propósitos comunicativos – e no que Bakhtin chama de “entonação expressiva”, marca do
falante. Alguns gêneros apresentam uma rigidez mais acentuada em sua forma composicional – como os
oficiais; há outros, porém, que apresentam mais plasticidade e que permitem uma reflexão maior da
individualidade do falante – como alguns do discurso oral. O autor ressalta, porém, que mesmo os
gêneros mais flexíveis, que permitiriam uma maior atuação do falante em sua forma composicional, não
são transformados, pela ação do falante, em um gênero novo. Ele enfatiza a necessidade de
dominarmos os diferentes gêneros para os empregarmos de maneira mais consistente em nossas
práticas discursivas.
Marcuschi (2005), confirmando posições de Bakhtin, reafirma a ligação dos gêneros textuais com
as atividades humanas desenvolvidas em diferentes esferas sociais. Segundo ele, os gêneros servem
para “ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia a dia. São entidades sociodiscursivas e
formas de ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa” (MARCUSCHI, 2005, p. 19).
Os gêneros caracterizar-se-iam, pois, menos por suas características linguísticas e textuais do
que por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais; por isso, são de difícil definição formal e
devem ser contemplados em seu uso nas práticas discursivas dos falantes de uma determinada língua.
O surgimento de vários gêneros da sociedade contemporânea é relacionado ao desenvolvimento
tecnológico, principalmente na área eletrônica, com o advento do computador e da internet. Segundo
Marcuschi, as tecnologias propiciam o aparecimento de novos gêneros por estarem visceralmente
ligadas à organização das atividades humanas. O autor ressalta, porém, que os novos gêneros nascem
a partir de gêneros já existentes e reforça a ideia de que, embora os gêneros textuais caracterizem-se
muito mais por aspectos sociocomunicativos e funcionais, não se pode desprezar sua forma.
Trata também o autor da distinção entre gêneros e tipos textuais. Reiterando Bakhtin, Marcuschi
reafirma a impossibilidade de se comunicar verbalmente a não ser via gênero e via texto. Tal visão
pressupõe pensar a língua como atividade social, histórica e cognitiva, privilegiando a interação verbal
entre os falantes.
Recordando o que é já discutimos na parte de Leitura, para o autor, usa-se a expressão tipo
textual para “designar uma espécie de sequência teoricamente definida pela natureza linguística de sua
composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}” (MARCUSCHI, 2005, p. 22).
Já o termo gênero textual é usado para se referir a “textos materializados que encontramos em nossa
vida diária e que apresentam características sociocomunicativas definidas por conteúdos, propriedades
funcionais, estilo e composição característica” (MARCUSCHI, 2005, p. 22-23).
Pretendendo uma melhor visualização das características de tipos e gêneros textuais, o
pesquisador apresenta o seguinte resumo:
Explicita também o autor a noção de domínio discursivo – “esfera ou instância de produção
discursiva ou de atividade humana” (MARCUSCHI, 2005, p. 23) – que propicia o surgimento de
discursos bastante específicos. A partir da noção de grandes esferas da atividade humana nas quais os
textos circulam, é possível falar-se em discurso jurídico, discurso jornalístico, discurso religioso. As
práticas discursivas possibilitam a criação de um conjunto de gêneros textuais bastante característicos.
Para exemplificar, o autor cita as jaculatórias, as novenas e as ladainhas, exemplos típicos de gêneros
pertencentes ao discurso religioso.
Sobre a noção de tipo textual, Marcuschi (2005) chama a atenção para a variedade de
sequências tipológicas que pode ser encontrada em um texto de um gênero qualquer – o que o autor
chama de heterogeneidade tipológica nos gêneros textuais.
Quando se fala em tipo textual, remetemos a um conjunto de traços que formam uma sequência,
e não um texto. Em um texto classificado como narrativo, por exemplo, há predominância da sequência
narrativa, embora possam também aparecer as outras sequências. Trabalhar as sequências tipológicas
características dos gêneros é trabalhar elementos da forma composicional, do estilo bakhtiniano. É
também se debruçar sobre a gramática da língua, fazendo uso dos elementos da chamada gramática
tradicional.
Baseando-se em Werlich (apud MARCUSCHI, 2005), o autor elenca as principais características
linguísticas que caracterizariam as sequências tipológicas descritiva (sequência de localização), narrativa
(sequência temporal), expositiva (sequência analítica ou explicativa), argumentativa (sequência
contrastiva explícita) e injuntiva (sequência imperativa). Apresentamo essas características no quadro a
seguir.
Marcuschi (2005) aborda a questão do ensino dos gêneros a partir da análise de suas
sequências tipológicas. Uma das dificuldades dos alunos em escrever, segundo ele, reside exatamente
no fato de essas sequências não se organizarem de maneira adequada, já que elas não são
simplesmente colocadas uma ao lado da outra no momento da produção. As aulas de língua materna
são o espaço para que tal discussão ocorra, associando leitura, produção de texto e reflexão linguística.

Atividades

As questões a seguir têm como finalidade apurar e aprofundar as reflexões propostas na


primeira seção do texto. Elas devem ser discutidas e respondidas em grupos de 5. Bom trabalho!
PARA SEREM FEITAS EM SALA DE AULA

Apresentamos, a seguir, um a regra do jogo “Quest”, um jogo de perguntas e respostas.

Quest

Componentes
1 tabuleiro
1 baralho com 1260 perguntas
30 fichas de pontuação (5 de cada cor)
6 peões

Regras

Idade
A partir de 10 anos

Participantes
2a6

Como jogar
Primeiro, decida por meio de sorteio quem começará o jogo;
Depois, permita a cada jogador que escolha o assunto da pergunta que deseja responder (ex.: o
jogador que tem a ficha pode escolher entre temas como arte, esporte, ciência, sociedade, variedades);
A seguir, escolha entre as fichas de pontuação que tem em mãos quantos pontos deseja ganhar,
caso acerte a resposta;
Agora, descarte a ficha no centro do tabuleiro;
(...)

O vencedor
Vence o jogo o primeiro jogador a chegar com seu peão à última casa do tabuleiro e a responder
corretamente à última pergunta.

1) Indique a função social desse texto.

2) Considerando que, para ensinar a escrever a partir dos gêneros, é, antes de tudo, necessário
saber descrever o gênero que se quer ensinar, descreva o gênero “regra de jogo” com base nos
elementos caracterizadores de um gênero textual: forma composicional (estrutura
composicional), conteúdo temático (assunto) e estilo (organização linguística). Para fazer essa
descrição, dê exemplos extraídos do texto “Quest”.
Seção 6 - Como podemos ajudar os alunos a escrever bons textos?

O que é, afinal, ensinar a escrever? Para responder a essa pergunta, professor, é preciso
responder a outra primeiramente: o que é aprender a escrever, ou melhor, o que se aprende quando se
aprende a escrever? A resposta vem da pesquisadora Costa Val:

[…] aprender a escrever envolve aprender a construir uma


imagem adequada do leitor pretendido e das condições em que
se prevê a realização da leitura – o suporte, a situação
imediata, o contexto histórico, social, político e ideológico –, e
se orientar por essas representações no controle da articulação,
distribuição e explicitude das informações (entre outras coisas),
durante o processo de produção do texto.

(COSTA VAL, 2001, p. 93-94.)

O aluno precisa aprender que, na interação verbal mediada pela escrita, os interlocutores estão
distantes e não há possibilidades de o leitor pedir esclarecimentos a quem escreveu o texto, o que não
acontece na maioria das interlocuções face a face. Ele precisa aprender, ainda, que se aprende a
escrever quando se aprende: a selecionar o gênero discursivo mais adequado a uma situação
comunicativa específica; a reconhecer a sequência e a inter-relação das partes estruturais de um tipo de
discurso; a reconhecer a maneira mais corriqueira de escolha, ordenação e articulação dos tópicos de
que trata o
discurso e a compor o texto segundo esses padrões; a identificar o estilo mais adequado e a
selecionar e utilizar, com pertinência, os recursos linguísticos compatíveis com esse estilo, relativos às
escolhas lexicais e à estruturação sintática dos enunciados.
Professor, a metodologia que apresentaremos foi concebida na Unidade de Didática das
Línguas, na Universidade de Genebra, a partir de 1985, e desenvolvida principalmente pelos
pesquisadores Schneuwly e Dolz, na Suíça, e por pesquisadores como Abreu--Tardelli, Nascimento,
Machado e Magalhães, no Brasil.
A chamada sequência didática tem como finalidade o domínio na produção dos gêneros de
textos. É necessário elaborar um modelo didático do gênero escolhido como objeto de ensino para
alcançar esse objetivo. Para elaborar esse modelo, organizam-se os conhecimentos teóricos disponíveis
sobre esse gênero, selecionando-os e adaptando-os ao suposto estado do saber fazer dos alunos e dos
professores.
Esses modelos didáticos devem ser refinados continuamente em função das demandas dos
alunos. Entretanto, eles são elaborados em função dos seguintes objetivos de ensino:
Objetivos referentes a uma determinada atividade de linguagem – o aluno deve saber analisar as
características de uma determinada situação de comunicação (ou de um contexto); saber
reconhecer e saber produzir um gênero de texto adaptado a essa situação;

Objetivos referentes ao conteúdo temático que pode ser expresso em um determinado gênero
textual – o aluno deve saber procurar e explorar os conhecimentos relevantes, levando-se em
conta a situação; saber organizá-los e planejá-los segundo as regras do gênero adotado;

Objetivos referentes à escolha e à gestão dos tipos de discurso que entram na composição de
um texto e que condicionam sua infraestrutura global;

Objetivos referentes ao domínio dos diversos mecanismos de textualização, que conferem


coerência temática e interativa ao texto.

No modelo tradicional do ensino de produção de textos, primeiro se ensina o domínio do código


(estruturação gramatical) e, somente depois, esse domínio permitiria abordar as problemáticas de
expressão ou de redação. No modelo das sequências didáticas, os processos de expressão e de
estruturação estão intimamente interligados, colocando-se os segundos a serviço dos primeiros. As
sequências começam e terminam com atividades de produção textual, e as diversas aprendizagens
linguísticas, previstas no quadro de exercícios dos chamados módulos de ensino, são escolhidas e
concebidas na medida em que puderem servir de apoio técnico às capacidades de expressão.
Não é possível ensinar tudo de uma única vez, é preciso fazer com que haja uma progressão no
ensino das estratégias de escrita. Márcia Mendonça explicita como essa progressão poderia ser
trabalhada em sala de aula:

em outras palavras, os gêneros podem e devem ser retomados


em mais de uma série, desde que sejam apresentados novos
desafios para os alunos. Dessa forma, não haverá uma
“repetição de assuntos”, mas uma nova oportunidade de
produzir conhecimento e desenvolver habilidades e
competências cada vez mais complexas, que poderão ser
aplicadas a outras situações/gêneros.

(MENDONÇA, 2007, p. 85.)

Caro professor, passemos à prática, ao como você podeá trabalhar com produção de textos na
sua turma. Escolhemos um gênero, o artigo de opinião, que deve, pela complexidade, ser trabalhado em
todos os anos do Ensino Fundamental II, para mostrar como se dá a construção da sequência didática.
Primeiro, apresentaremos uma sequência desenvolvida para uma turma do 6º ano; depois, vamos
mostrar como esse mesmo gênero pode ser abordado nos anos subsequentes (representação da
1
progressão no ensino do gênero) .

O trabalho via de regra se inicia com a pergunta Qual é o gênero?, que pretende fazer com que
o aluno, tendo em mente alguns elementos das condições de produção (para quem, sobre o que, com
quê objetivo produz o texto), consiga se definir pelo gênero textual mais adequado ao contexto
sociocomunicativo. Ser preparado para selecionar o gênero adequado é fundamental, pois, fora da
escola, essa é uma decisão que, em geral, deve ser tomada por quem vai produzir um texto.

Na primeira etapa da sequência, Apresentação da situação, definimos o projeto de comunicação


e vamos para a preparação dos conteúdos. Nesse momento, é importante que o aluno tenha lido, pelo
menos, dois exemplares do gênero a ser produzido. Como o trabalho com a sequência didática que
apresentamos está inserido numa perspectiva de trabalho integrado dos eixos de ensino de Língua
Portuguesa, os textos foram lidos previamente, durante as atividades de leitura.

1
As atividades foram extraídas de: Universos Língua Portuguesa 6, 7, 8, 9. Editora SM, 2012.
A Definição do projeto de comunicação visa apresentar aos alunos as características do projeto
de comunicação que será realizado (ou, pelo menos, simulado) na produção final. Ao mesmo tempo, ela
prepara os alunos para a produção inicial, que pode ser considerada uma primeira tentativa de
realização do gênero, que será, em seguida trabalhado ao longo de módulos de ensino diversos.

A Preparação de conteúdos cuida da alimentação temática e do modo de organização das


informações em um plano textual. Afinal de contas, não se pode escrever um texto sem conhecer bem o
conteúdo a ser tratado.

Na segunda etapa da sequência, A primeira produção, os alunos tentam elaborar um primeiro


texto. Esse momento é fundamental, pois os alunos revelam para si mesmos e para o professor as
representações que têm do gênero, o que significa que a produção inicial funciona como diagnóstico
para ambos, especialmente para o professor, que vai elaborar as atividades de ensino a partir desse
diagnóstico. Esse “revelar-se para si mesmo” é particularmente importante, pois os alunos começam a se
assumir como sujeitos no processo, o que, em tese, pode aumentar sua responsabilidade e seu
envolvimento com a escrita do texto. Se a situação de comunicação (em suas duas dimensões) é
suficientemente bem definida na primeira etapa da sequência, os alunos acabam se mostrando capazes
de produzir um texto que responda razoavelmente à situação dada, mesmo, é claro, que não respeitem
todas as características do gênero visado.

Nessa terceira etapa, Criando soluções para os problemas, acontecem propriamente as


atividades de ensino. O aluno deve ser instrumentalizado para superar os problemas diagnosticados na
produção inicial. Para essa sequência, foram confeccionados quatro módulos.
O módulo I, A estrutura do texto, apresenta, de forma mais detalhada, as características que
podem fazer parte da estrutura de um artigo de opinião. O objetivo é fazer com que os alunos
compreendam que a velha fórmula “introdução, desenvolvimento, conclusão” é comum a praticamente
todos os textos, mas que a introdução, o desenvolvimento e a conclusão são diferentes de gênero para
gênero.
Na atividade 1 do módulo II, A gramática na construção dos sentidos do texto, trabalha-se com a
coesão textual, e o aluno deve recuperar as expressões responsáveis pela articulação entre os
parágrafos. Na atividade 2 do mesmo módulo, o aluno deve redigir um parágrafo a partir de um objetivo
determinado. A atividade 3 solicita que, dado o objetivo do parágrafo, o aluno selecione, entre duas, a
melhor forma de redigir sua introdução.

Optamos por apresentar a autoavaliação como um módulo, a fim de demonstrar que ela pode, e
deve, acontecer ao longo do processo. Os critérios de avaliação devem corresponder aos itens que
foram trabalhados nas atividades de ensino.
Nas sequências didáticas para a produção de textos escritos, a ortografia (ou outro aspecto das
convenções da escrita, como a paragrafação ou o uso dos sinais de pontuação) é trabalhada ao fim das
atividades de ensino. Essa ordem não é aleatória. Isso acontece porque, como nós somos herdeiros de
uma tradição em que ensinar a escrever é, principalmente, ensinar a escrever de acordo com as regras
ortográficas, é preciso fazer com que o aluno preste atenção, primeiramente, em outros aspectos do
texto. Além disso, os problemas de ortografia não estão diretamente relacionados aos gêneros textuais,
o que não significa que regras de ortografia não possam ser ensinadas a partir de atividades de
produção textual. Os erros encontrados nas produções dos alunos podem guiar a seleção dos conteúdos
de ortografia a serem trabalhados. A ortografia é importante, pois não é comum que se publiquem textos
que não tenham passado por uma cuidadosa revisão ortográfica.

Por fim, na etapa chamada de A produção final, espera-se que o aluno ponha em prática as
noções e os instrumentos que aprendeu separadamente nos módulos. A produção final é o resultado de
um processo, e é tanto a esse produto final quanto ao processo que você pode, professor, caso queira,
atribuir uma nota. É importante destacar, mais uma vez, que os critérios de avaliação e de atribuição de
nota devem estar diretamente relacionados aos aspectos tratados nos módulos de ensino. Ao longo do
trabalho com o artigo de opinião – considerando-se as quatro sequências didáticas –, terão sido
estudados aspectos que envolvem as dimensões gramatical, semântica e discursiva do gênero. Veja-os
no quadro a seguir.

É importante explicitar que os módulos apontam em duas direções: para o trabalho com o texto e
para o trabalho com o gênero. Carmi Santos, Márcia Mendonça e Marianne Cavalcante comentam sobre
o que é trabalhar com o gênero e destacam a importância de se investir no trabalho com as duas frentes:

Ao trazerem textos variados para a sala de aula,


ultrapassando, portanto, o trabalho com frases soltas, muitos
professores acreditam ter achado a solução para os desafios do
letramento. Entretanto, apenas a presença da diversidade
textual na sala de aula não é suficiente; é preciso trabalhar, de
fato, com essa diversidade. Abordar efetivamente os gêneros
textuais naquilo que têm de específico supõe conhecer o que os
distingue uns dos outros, isto é, as suas características.
Enquanto certas particularidades dos textos se aplicam a
um determinado exemplo, identificando aquele exemplar e só
ele, as características genéricas se repetem nos textos
agrupados sob uma mesma denominação de gênero. [...]
[...]
Assim, essas duas dimensões precisam ser articuladas
sempre, pois os alunos devem perceber que os aspectos
socioculturais (“externos” ao texto) e os linguísticos (“internos”
ao texto) são componentes indissociáveis na produção dos
sentidos por meio da linguagem.

(SANTOS, MENDONÇA E CAVALCANTE, 2007, p. 30-31 e 40.)

Nas aulas de Língua Portuguesa, seja com o eixo da leitura, seja com o eixo da produção
escrita, quaisquer textos podem – e devem – ser explorados tanto do ponto de vista do texto, quanto do
gênero. Na primeira sequência didática, quando o trabalho recai sobre a estrutura mais detalhada do
artigo de opinião – presença de título, apresentação da questão polêmica, apresentação da tese,
apresentação e refutação de argumentos contrários à tese defendida, apresentação de argumentos
favoráveis à tese, sugestão de solução para o problema, conclusão –, o estudo está na dimensão do
gênero. Por outro lado, quando o trabalho recai sobre a coesão textual – a recuperação das expressões
responsáveis pela articulação entre os parágrafos –, o estudo está na dimensão do texto.
O trabalho com o gênero artigo de opinião, distribuído ao longo de quatro sequências didáticas,
pode ser sintetizado assim, considerando as dimensões do gênero, do texto e das convenções da
escrita.
Atividade

A questão a seguir tem como finalidade apurar e aprofundar as reflexões propostas nesta seção
do texto. Ela deve ser discutida em grupos de 5, antes de ser realizada, individualmente. Bom trabalho!

PARA SER FEITA NO INTERVALO ENTRE O PRIMEIRO E O SEGUNDO ENCONTRO

Construa uma sequência didática e aplique-a em sua turma. Traga a sequência que você
organizou e alguns textos dos alunos (primeira produção e produção final para o próximo
encontro).

Como organizar uma sequência didática

1. Seleção do gênero e escolha de textos modelares


Depois de selecionar o gênero a ser trabalhado, escolha, pelo menos, dois textos “modelares” do
gênero, isto é, textos que apresentam forma composicional (partes que compõem o texto), estilo
(recursos linguísticos que são usados na escrita do gênero) e tema socialmente reconhecidos. Por
exemplo, uma notícia modelar, veiculada em um jornal, é aquela que apresenta verbo no tempo presente
no título; informações sobre o quê, como, quem, quando, onde e por que nos primeiros parágrafos;
fotografia e legenda (mesmo que faltem um ou mais elementos, o texto ainda poderá ser identificado
como uma notícia; mas é mais recomendável que, ao introduzir o trabalho com um gênero, escolhamos
textos que podem ser considerados “exemplares” deste mesmo gênero).

2. Definição do projeto de comunicação e preparação de conteúdos


Apresente aos alunos o projeto de comunicação que será realizado na produção final e, em
seguida, textos que os ajudem a ter o que escrever. Durante a apresentação da situação, prepare os
alunos para a produção inicial, a primeira tentativa de realização do gênero, que posteriormente será
trabalhado em módulos.
Em síntese, na definição do projeto de comunicação:
informe o gênero, o suporte onde o texto vai circular, os possíveis leitores, o objetivo;
leia com os alunos os dois exemplares do gênero que você já selecionou;
diga qual é o tema;
avise como será a produção (individual, em dupla, em trio, etc.).
Na preparação dos conteúdos:
leve textos para discutir em sala. É importante que você não escolha textos do gênero a ser
escrito pelos alunos, pois eles podem acabar copiando-os;
dê sugestão de sites, revistas e livros nos quais os alunos possam pesquisar sobre o assunto.

3. Primeira produção do aluno e diagnóstico de problemas


Peça aos alunos que produzam uma primeira versão do texto. É importante que eles a escrevam
em sala de aula. Nesse momento da produção inicial, os alunos tentam elaborar um primeiro texto e,
desse modo, revelam para si mesmos e para o professor as representações que têm do gênero. Essas
primeiras produções – que não receberão uma nota – constituem momentos privilegiados de
observação, que permitem refinar a sequência, modulá-la e adaptá-la às capacidades reais dos alunos.

4. Módulos de reelaboração e sistematização de aprendizado


Nos módulos (oficinas), são trabalhados os problemas diagnosticados na primeira produção e os
alunos são instrumentalizados para superá-los. Mas como saber que dificuldades da expressão escrita
abordar nos módulos? Como construir um módulo para trabalhar um problema particular? E, ainda, como
capitalizar o que é adquirido nesses módulos? Selecione os problemas que afetam mais diretamente a
compreensão dos textos dos alunos. Por exemplo, você pediu a escrita de um conto e, após a leitura da
primeira produção, diagnosticou problemas, como: repetições que não contribuem para a construção da
coerência textual; mudança de vozes no texto sem que isso seja sinalizado linguisticamente; ausência de
paragrafação e erros de ortografia.
É preciso decidir qual dificuldade enfrentar primeiro. Como devemos trabalhar com problemas
que afetam diretamente a compreensão, em nosso exemplo, a melhor escolha seria construir um
primeiro módulo que busque instrumentalizar os alunos na superação do segundo problema, seguido de
módulos voltados à superação do primeiro, do terceiro e do quarto problemas.
Na construção dos módulos, elabore atividades com o objetivo de trabalhar com um problema de
cada vez. Para capitalizar o que se aprendeu nos módulos, sistematize no quadro o que foi aprendido
logo após a realização de cada oficina ou peça aos alunos que apliquem o que foi estudado na produção
inicial.

5. Produção final e nota


A sequência é finalizada com uma produção final, realizada em sala. O aluno deve colocar em
prática as noções e os instrumentos elaborados separadamente nos módulos. A produção final é o
momento de você, professor, se quiser, dar uma nota ao texto do aluno. É importante que o aluno
encontre, de maneira explícita, os elementos trabalhados nos módulos e que devem servir como critérios
de avaliação. Explicitando os critérios de avaliação, você evita julgamentos subjetivos, que não são
compreendidos pelos alunos, e passa a referir-se a normas explícitas e a utilizar um vocabulário
conhecido pelas duas partes.
A seguir, apresentamos um mapa que explicita essas etapas.
Seção 7 - Como ensinar ortografia?

Professor, a ortografia é uma norma, uma convenção social; por isso, não se pode acreditar que
o aluno aprenderia a grafar corretamente as palavras naturalmente, pela memorização, no simples
contato com os materiais escritos. Como a ortografia é fruto de acordos sociais, o aluno precisa entender
suas regras e cabe ao professor ensiná-las. Cobramos do aluno uma grafia correta, mas não o
instrumentalizamos para escrever ortograficamente. Os erros ortográficos têm naturezas diferentes e
exigem, portanto, intervenções diferentes. Veja, no quadro, os tipos de erro e o que o professor pode
fazer para ajudar o aluno a sanar cada tipo de dificuldade ortográfica.

Como mostramos, a ortografia tem um lugar específico na sequência didática. A escolha do que
trabalhar nos módulos de ortografia dependerá dos erros ortográficos dos alunos. Isso não impede que
você trace um plano para o trabalho sistemático com o sistema ortográfico da escrita. Você deve refletir
sobre as seguintes questões:

Que conhecimentos de ortografia meus alunos devem dominar nessa etapa de ensino?
Que conhecimentos meus alunos ainda não dominam?
Que atividades elaborar para que eles tenham esse domínio?
Para saber mais sobre Produção de Textos

DOLZ, Joaquim; GAGNON, Roxane; DECÂNDIO, Fabrício. Produção escrita e dificuldades de


aprendizagem. Campinas: Mercado de Letras, 2010.
A obra é uma adaptação das propostas didáticas de Joaquim Dolz e sua equipe para o contexto
brasileiro. Os autores apresentam uma metodologia para análise de textos dos alunos.
Oferecem, ainda, sequências didáticas com alguns gêneros em que predominam as sequências
narrativa e argumentativa, elaboradas a partir das dificuldades de aprendizagem mais
recorrentes, encontradas nas análises realizadas.

COSTA VAL, Maria da Graça. O desenvolvimento do conhecimento linguístico-discursivo: o que se


aprende quando se aprende a escrever? In: Veredas – Revista de Estudos Linguísticos. Juiz de Fora:
Ed. UFJF, v. 5, n. 1, jan./jul. 2001. p. 83-104.
Nesse artigo, a autora se propõe a apontar os conhecimentos e habilidades de que o jovem
aprendiz precisa se apropriar para aprender a escrever. Ao responder a essa pergunta, a autora
acaba sinalizando aquilo que o professor precisa ensinar, para ensinar a escrever.

COSTA VAL, Maria da Graça. Texto, textualidade e textualização. In: CECCANTINI, J. L. Tápias;
PEREIRA, Rony F.; ZANCHETTA JR., Juvenal. Pedagogia Cidadã: cadernos de formação: Língua
Portuguesa. v. 1. São Paulo: Unesp, 2004. p. 113-128.
A autora explica o que é texto, textualidade e textualização, conceitos importantes para o
trabalho com a leitura e a produção de textos em sala de aula.

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